RESUMO: O artigo tem o objetivo de analisar o procedimento prática cotidiana conhecida como “abordagem policial”, bem como sua estreita relação com a pauta do racismo estrutural e institucional que assola o Brasil. Será analisada também a recente e considerável relevância que o tema ganhou a partir do julgamento em pauta no Supremo Tribunal Federal a respeito da influência que a abordagem policial pautada exclusivamente no perfilamento racial tem com a ilicitude das provas colhidas contra um indivíduo.
PALAVRAS-CHAVE: Abordagem policial. Racismo estrutural e institucional. Perfilamento racial. Supremo Tribunal Federal. Processo penal. Ilicitude das provas.
ABSTRACT: The article aims to analyze the daily practice procedure known as the “police approach”, as well as its close relationship with the agenda of structural and institutional racism that plagues Brazil. It will also analyze the recent and considerable relevance that the theme has gained from the trial in question at the Federal Supreme Court regarding the influence that the police approach based exclusively on racial profiling has on the illegality of the evidence collected against an individual.
KEYWORDS: Police approach. Structural and institutional racism. Racial profiling. Federal Court of Justice. Criminal proceedings. Illegality of the evidence.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DESENVOLVIMENTO. 2.1 Previsão legal. 2.2 A polêmica da “Fundada suspeita”. 2.3 Casos concretos. 2.4 Como se comportar diante de uma abordagem manifestamente infundada? 2.5 Reconhecimento por foto. 2.6 Discriminação e Racismo. 2.7 Julgamento no Supremo Tribunal Federal a respeito do perfilamento racial. 3 CONCLUSÃO. 4 REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Levando em consideração o recente julgamento pelo Supremo tribunal federal que envolve a licitude (ou ausência desta) das provas no processo penal obtivas em abordagem policial realizada exclusivamente com base no perfilamento racial, este artigo abordará os respaldos jurídicos que viabilizam a identificação de uma abordagem legal ou abusiva, que muitas das vezes se materializa nas figuras da busca domiciliar e pessoal.
Como busca domiciliar, entende-se ser aquela que se realiza na casa de alguém, o conceito de casa está no art. 5º, XI da CRFB/88 como sendo o asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Vale ressaltar que no conceito de casa podemos entender que se engloba aposento ocupado de habitação coletiva em pensões, hotéis, motéis etc.; estabelecimentos comerciais e industriais, fechados ao público; local onde se exerce atividade profissional, não aberto ao público; barco, trailer, cabine de trem, navio e barraca de acampamento; áreas comuns de condomínio, vertical ou horizontal.
Como busca pessoal entende-se ser a busca que é realizada diretamente no corpo de uma pessoa a fim de localizar arma proibida que esteja ocultada ou ainda coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; qualquer elemento de convicção.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Previsão legal
Partindo do princípio de que conhecendo a lei a pessoa pode identificar mais facilmente onde e quando está ocorrendo o abuso na abordagem policial, seguem os dispositivos que tratam do assunto.
· Art. 240 do Código de Processo Penal - Busca domiciliar ou pessoal.
· Art. 244 do Código de Processo Penal - Busca pessoal.
· Art. 249 do Código de Processo Penal – Busca pessoal em mulheres.
· Art. 180, 181 e 182 do Código de Processo Penal Militar – Busca pessoal
· Art. 181 e 182 do Código de Processo Penal Militar – Revista pessoal
· Art. 183 do Código de Processo Penal Militar - Busca em mulher
· Art. 23, III do Código de Trânsito Brasileiro - Fiscalização de trânsito.
2.2 A polêmica da “Fundada suspeita”
Diz o art. 240, §2º do CPP que será realizada a busca pessoal, sem um mandado judicial, diante daquilo que o legislador trouxe como a “fundada suspeita”. Contudo, em que consiste a fundada suspeita? Esse requisito é caracterizado no mundo do direito como um conceito jurídico indeterminado uma vez que não se pode definir exatamente o que configura a fundada suspeita ou não.
Desta forma, autores especialistas no assunto e os tribunais de justiça do Brasil são uníssonos em criticar a redação esse termo para assim tentar torná-lo menos subjetivo sob pena de que seja um perfeito instrumento para o arbítrio do Estado na figura do Policial.
O STF no julgamento do HC nº 81.305-4 em 2001 manifestou-se no sentido de “a fundada suspeita, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter configurado na alegação de que trajava, o paciente, ‘blusão’ suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias, ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder”.
A abordagem policial, como sendo uma manifestação do poder de polícia do Estado, configura-se como um ato administrativo e assim sendo, deve ser executado prestigiando os princípios que determina o art. 37 da CRFB/88 qual seja princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência bem como respeitar os requisitos essenciais de finalidade, competência, motivo, forma e objeto.
2.3 Casos concretos
a) A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados. (Repercussão Geral Tema 280)
b) A mera existência de denúncia anônima e eventual fuga da polícia, por si só, não configuram fundadas razões para violação de domicílio por parte da polícia na hipótese de flagrante em crimes de natureza permanente. (RHC 89.853) Mesmo em relação a crimes permanentes, como o tráfico ilícito de drogas. (RE 1.662.601/RS)
c) É ilegal a decisão judicial que autoriza busca e apreensão coletiva em residências, feita de forma genérica e indiscriminada. (HC 435.934 – STJ)
d) O STF determinou a suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia do novo coronavírus, salvo em casos absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente e comunicadas ao Ministério Público estadual, órgão responsável pelo controle externo da atividade policial. (ADPF 635)
e) Mesmo se ausente coação direta e explícita sobre o acusado, as circunstâncias de ele já haver sido preso em flagrante pelo porte da arma de fogo em via pública e estar detido, sozinho - sem a oportunidade de ser assistido por defesa técnica e sem mínimo esclarecimento sobre seus direitos -, diante de dois policiais armados, poderiam macular a validade de eventual consentimento para a realização de busca domiciliar, em virtude da existência de um constrangimento ambiental/circunstancial. (STJ - 6ª Turma. HC 762.932-SP - Info 760).
2.4 Como se comportar diante de uma abordagem manifestamente infundada?
Por mais revoltante que possa parecer, o melhor a se fazer é tentar não se exaltar uma vez que um comportamento ríspido daquele que está sendo abordado pode configurar “resistência” (Crime do art. 329 do CP), “desobediência” (Crime do Art. 330 do CP) ou “desacato” (Crime do Art. 331 do CP).
E ainda, a vítima dessa abordagem abusiva deve atentar-se (se possível) em anotar ou memorizar os nomes dos policiais envolvidos, testemunhas, o número da placa da viatura e qualquer outra informação que julgar útil para uma futura responsabilização dos agentes envolvidos por crimes de abuso de autoridade (Lei 13.869/19), que pode ser iniciada através de uma comunicação dos fatos acontecidos feita diretamente no Ministério Público.
Por fim, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) elaborou e divulgou uma cartilha que traz boas referências para identificar o que pode ser uma abordagem abusiva ou não. A cartilha traz, por exemplo, as autoridades que podem realizar essa abordagem, os direitos dos cidadãos quando diante de policiais e também os deveres.
2.5 Reconhecimento por foto
Ainda que não se enquadre no conceito de abordagem policial, o procedimento aqui apontado, também goza de contornos discriminatórios que flertam com então perfilamento racial e é utilizado com frequência na prática penal, sobretudo em delegacias e afins, apesar de ser bastante criticado por especialistas tendo em vista sua larga margem para erros.
O Prof. Aury Lopes Jr. afirma que o reconhecimento por foto seria uma variação ilícita do reconhecimento pessoal previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal.
Tamanha é a margem para erros que recentemente repercutiram inúmeros casos de injustiças provocadas pela utilização deste procedimento, como no caso do músico Luiz Carlos da Costa Justino que foi preso acusado de ter cometido, em 2017, um roubo em Niterói na manhã do dia 5 de novembro. Luiz, na mesma hora do roubo de que foi acusado, estava tocando em uma padaria localizada a 10 km do local do fato. Um contrato de trabalho comprova o afirmado e confirma o absurdo. Mesmo estando longe do ocorrido, Luiz foi apontado como o responsável e preso por isso.
O absurdo fica ainda maior quando mesmo não tendo qualquer passagem pela polícia ou qualquer investigação prévia, o músico, negro, constava no ‘Álbum de possíveis suspeitos’ e nós temos que nos perguntar o porquê. O Juiz André Luiz Nicolitt ao expedir o alvará de soltura para Luiz fez esse questionamento. A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ afirma que o episódio é traço do racismo institucional e estrutural que temos no Brasil.
Mostrando que o caso de Luiz, não é um caso isolado, esta semana, outro jovem, também negro, chamado Gustavo Nobre, foi preso acusado de cometer um roubo a mão armada, familiares e amigos afirmam que o único indício contra Gustavo é o reconhecimento pela vítima, através de uma foto vista em uma rede social.
Com a tecnologia ditando o ritmo da vida em sociedade, o reconhecimento pessoal que já vem sendo relativizado pelo reconhecimento por foto em sede policial, agora ganha novos contornos como aponta o caso de Gustavo Nobre.
Diante disso, devemos reforçar que o respeito ao devido processo legal é garantia de todo cidadão que não permite flexibilizações com viés de facilitar qualquer punição.
Nesse sentido é a jurisprudência do Superior tribunal de justiça onde a corte afirma que o reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime; e ainda que o reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.
Portanto, o reconhecimento por foto como substituto do reconhecimento pessoal deve ser sempre repudiado. No muito, se for utilizado, deve servir apenas como prévia do reconhecimento pessoal, nunca como seu substituto.
2.6 Discriminação e Racismo
As práticas jurídicas trazidas nesse artigo, observadas com facilidade no cotidiano, flertam com conceitos necessários de se pontuar que podem ser extraídos da Convenção Interamericana de Contra o Racismo e de livros doutrinários facilitando a compreensão da nocividade de práticas como a abordagem policial pautada no perfilamento racial e o reconhecimento fotográfico.
Discriminação racial direta é qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados Partes. A discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica. Configura hipótese de discriminação de 1º Ordem, com reflexo no art. 1.1 da CADH.
Discriminação racial indireta é aquela que ocorre, em qualquer esfera da vida pública ou privada, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico, com base nas razões estabelecidas no Artigo 1.1, ou as coloca em desvantagem, a menos que esse dispositivo, prática ou critério tenha um objetivo ou justificativa razoável e legítima à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Configura hipótese de discriminação de 2º ou 3º Ordem.
Discriminação de 1º, 2º e 3º Ordem:
a) 1º Ordem – Tratamento excludente em prejuízo de um membro de um grupo subjulgado
b) 2º Ordem – Identidade de trato para pessoas em situações diversas (ex: mulher que precisa amamentar durante concurso e assim precisa de tempo adicional pra fazer a prova) – Resolve-se pela acepção individual do princípio da igualdade.
c) 3º Ordem – Tratamento preferencial para membros do grupo subjulgado (ex: cota para pretos e pardos) - Resolve-se pela acepção estrutural do princípio da igualdade.
Em seguida é necessário destacar as definições de racismo em seu aspecto estrutural e institucional uma vez que estes não se confundem.
O racismo estrutural consiste na submissão histórica de grupos vulneráveis a constantes práticas de negação de acesso a direitos ou ainda a tratamentos discriminatórios inferiorizantes. Assim sendo, o racismo estrutural é na verdade estruturante uma vez que funda as bases da sociedade ditando um padrão de comportamento para com os grupos vulneráveis.
Por outro lado, o racismo institucional reflete o modo de funcionamento das instituições, sejam públicas ou privadas, que é movido por um pré-conceito e estereótipos a respeito de determinados membros da sociedade implicando assim em uma desvantagem de acesso a direitos e benefícios para esses membros enquanto que de forma oposta implica em um acesso facilitado desses mesmos direitos e benefícios para outros membros da sociedade que não são alvos do racismo institucional.
2.7 Julgamento no Supremo Tribunal Federal a respeito do perfilamento racial
O julgamento ainda não está finalizado, o Min. Luiz Fux pediu vista e interrompeu a votação que até o presente momento aponta para a fixação da tese que proíbe a atuação discriminatória dos agente de segurança. Ressalta-se que o Min. Edson Fachin, relator do caso, afirma que para além da anulação das provas decorrentes de atuação policial discriminatória é possível também observar o racismo no caso concreto.
A ilicitude aqui provocada se aperfeiçoa quando as buscas pessoais são feitas com base em uma “atitude suspeita” que não encontra qualquer embasamento concreto na cabeça do agente de segurança. O embasamento que o motiva a agir é puramente o traço de raça, cor, descendência, nacionalidade ou etnicidade que pertence ao indivíduo abordado.
A justificativa da doutrina que defende esse tipo de abordagem é que em determinadas vezes a abordagem resulta na apreensão de armamento irregular ou ainda de drogas ilícitas na posse do indivíduo abordado. No entanto, é preciso destacar que a legalidade do procedimento deve ser averiguada no momento anterior, sendo pouco suficiente o encontro de material ilícito junto ao indivíduo para superar as ilegalidades cometidas.
3. CONCLUSÃO
Ao longo desse artigo foi questionada a suposta legalidade da abordagem policial, trazendo para tal suas características e peculiaridades. Entre elas, destaca-se o perfilamento racial como elemento central que fundamenta a escolha pelos agentes de segurança em aborda uma pessoa e não outras. O elemento raça aqui trazido é utilizado para classificar cidadãos entre os podem/devem ser abordados e os que estão acima de qualquer suspeita, configurando assim uma diferenciação odiosa que deve ser reprimida pelo ordenamento jurídico.
Em seguida, o artigo abordou aspectos mais pragmáticos do assunto alvo do artigo, trouxe a previsão legal da abordagem policial que encontra respaldo em diversos diplomas legais tais como o código de processo penal, o código de processo penal militar e o código de trânsito brasileiro.
Outro ponto destacado é sobre a chamada “fundada suspeita”, expressão trazida expressamente no art. 240, §2º do Código de Processo Penal. A conclusão que se pode chegar após a análise deste dispositivo é de que a referida expressão é extremamente vaga configurando o que se entende por conceito jurídico indeterminado. Essa condição de indeterminação da margem para um mundo de arbitrariedade e é justamente isso que o presente artigo busca criticar.
A crítica aqui trazida vem acompanhada de um largo arcabouço doutrinário que recomenda uma nova redação menos subjetiva para este artigo. A jurisprudência do Superior tribunal de justiça também caminha nesse sentido e exige que a “fundada suspeita” não se baseie unicamente em elementos subjetivos, sob pena de configurar abuso de poder.
É preciso destacar que a abordagem policial é ato administrativo e como tal deve prezar pelos princípios constitucionais do art. 37 da CRFB/88 tendo em vista que são manifestação do poder de polícia do Estado e regulam o atuar da administração pública.
A jurisprudência dos tribunais superiores, Supremo tribunal federal e Superior tribunal de justiça, já emitiram diversos entendimentos que buscam trazem um viés menos subjetivo e indeterminado para as abordagens policiais, sejam elas domiciliares ou pessoais.
Por exemplo ficou decidido pelo STF que a denúncia anônima aliada a fuga do indivíduo que corre para dentro de sua casa ao ver uma viatura policial se aproximando é pouco suficiente para justificar a entra no domicílio sem um mandado judicial. Ou ainda o STJ afirmou que a mesmo diante do mandado de busca e apreensão domiciliar, é necessário que este mandado não seja genérico e/ou indiscriminado sob pena de ser abusivo e ilegal eivando de vício qualquer busca e encontro de evidência criminosa originada de sua utilização.
Seguindo por um viés mais prático do assunto, existe recomendação das instituições de controle para que o indivíduo alvo de uma abordagem policial ao suspeitar que aquela abordagem esteja sendo abusiva, tentar identificar os policiais com seus nomes ou pela numeração da viatura utilizada para que posteriormente possam ser responsabilizados com base na Lei de abuso de autoridade (Lei 13.869/19).
Apenas para fins de ampliação do debate, o artigo traz uma análise sobre o procedimento de reconhecimento trazido no art. 226 do CPP e suas variações ilegais que são aplicadas no cotidiano das instituições de persecução penal, dentre as mais polêmicas o reconhecimento por foto.
A prática do reconhecimento fotográfico é alvo de críticas na doutrina jurídica, como por exemplo na figura do Prof. Aury Lopes Jr., e também da jurisprudência dos tribunais superiores por possuir grande margem para erros grosseiros. Recentemente alguns casos que se basearam nesta prática ganharam notoriedade justamente pela sua disparidade com a realidade dos fatos. É possível apontar o caso do músico Luiz Carlos que foi apontado autor de um roubo ocorrido no mesmo momento em que realizava uma apresentação musical em uma padaria localizada a 10 km do local do crime. O caso reforça os traços de racismo estrutural e institucional que assola o Brasil.
Diante disso, é preciso reforçar sempre que o devido processo legal é uma garantia mínima de todo e qualquer cidadão prevista expressamente no art. 5º, LIV da CRFB/88 e não apenas uma mera sugestão do constituinte.
A jurisprudência do Superior tribunal de justiça reforça que o procedimento escrito no art. 226 do CPP é regra mínima de exigência, não podendo ser substituído ou desprezado pelo aplicador do direito. De forma que o reconhecimento fotográfico como feito em sede policial é ilegal mesmo se ratificado em juízo, podendo ser no máximo aproveitado como etapa anterior do reconhecimento pessoal desde que seja seguido o procedimento do art. 226 do CPP.
Ambas as práticas debatidas neste artigo flertam com os conceitos de discriminação e racismo. Tanto a discriminação, que pode ser direta ou indireta, quanto o racismo em sua faceta estrutural ou institucional, implicam em uma maior dificuldade de que determinadas pessoas ou grupos vulneráveis acessem direitos e benefícios que sejam seus por direito. Ou ainda que essas mesmas pessoas ou grupos sejam alvo de uma maior cobrança de deveres e obrigações que extrapolam a legalidade dessa cobrança em um contexto de desproporcionalidade com outras pessoas e grupos alocados diante de um privilégio social.
Por esses e outros pontos que este artigo seria capaz de exaurir é que há doutrina defendendo a inconstitucionalidade dos atuais contornos dos procedimentos de abordagem policial uma vez que se baseiam em critérios odiosos de raça, condições socioeconômicas, orientação sexual, religião e afins. Uma tentativa de sedimentar a abordagem policial em um amparo constitucional e convencional seria a busca por uma menor subjetividade de sua aplicação tornar o procedimento mais objetivo, concreto. E o julgamento do Supremo tribunal federal é um grande passo para esse objetivo uma vez que visa conferir status de ilícita a prova colhida mediante abordagem policial que se fundamentou apenas no perfilamento racial. O julgamento ainda não está finalizado, mas já existe alguns votos nesse sentido.
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Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade CERS. Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, Lucas Telles. Aspectos de (i)legalidade sobre a abordagem policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 abr 2023, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61308/aspectos-de-i-legalidade-sobre-a-abordagem-policial. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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