JAQUELINE DE KASSIA RIBEIRO DE PAIVA[1]
(orientadora)
RESUMO: O objetivo desse artigo é relatar a situação atual do sistema prisional brasileiro e os seus problemas. A Constituição Federal prevê expressamente a responsabilidade do Estado perante todos os cidadãos, garantindo-lhes direitos e deveres fundamentais, abrangendo também a população que ingressa no Sistema Penitenciário, e assegura ao detento a volta ao convívio da sociedade. Sabe-se que a barreira enfrentada é gravíssima, pois a realidade é superlotação, violência, falta de recursos e desafios da ressocialização. Cuida-se de pesquisa bibliográfica, utilizando-se doutrinas, artigos, jurisprudências e reportagens a respeito do assunto. Portanto, essa pesquisa ressaltará a realidade carcerária no Brasil e tudo o que ela acaba por interferir na realidade social, assim como todas as consequências psicológicas e sociais.
Palavras-chave: Penas, Sistema Penitenciário Brasileiro, ressocialização;
THE CRISIS IN THE BRAZILIAN PRISON SYSTEM
ABSTRACT: The purpose of this article is to report the current situation of the Brazilian prison system and its problems. The Federal Constitution expressly provides for the State's responsibility towards all citizens, guaranteeing them fundamental rights and duties, also covering the population that enters the Penitentiary System, and ensures the detainee's return to society. It is known that the barrier faced is very serious, because the reality is overcrowding, violence, lack of resources and challenges of resocialization. It is a bibliographic research, using doctrines, articles, jurisprudence and reports on the subject. Therefore, this research will highlight the prison reality in Brazil and everything that it ends up interfering with social reality, as well as all the psychological and social consequences.
Keywords: Penalties, Brazilian Penitentiary System, resocialization;
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, enfatiza que todos devem ser tratados de maneira igualitária e de forma digna, no entanto, muitos presos são esquecidos nas prisões devido ao abandono familiar e estatal. E como eles vivem em um ambiente que os trata, à sua maneira, desumanos e sem ajuda de familiares, acabam sendo pessoas piores do que eram antes.
A crise no sistema prisional brasileiro é uma temática discutida no âmbito jurídico e com o decorrer dos anos apresenta diversos desdobramentos acerca desta situação, gerando grandes preocupações para as autoridades e estudiosos do tema.
Os desafios são enormes e somente com políticas novas e humanas o Brasil conseguirá superar esse grave problema e conseguir normalizar o número de pessoas encarceradas e, assim, a violência percebida e as mortes por esse sistema perverso e insalubre.
Desafios são colocados e problemas graves tornam-se mais frequentes e funcionam como um sistema ineficiente. Além disso, existe a necessidade de sobrevivência de quem adentra a esse tipo de estabelecimento, por se tratar de um local nocivo e extremamente perigoso que acarreta consequências graves, como o retorno do preso à sociedade, de forma pior e mais violenta.
A ressocialização talvez seja o principal desafio enfrentado pelo sistema prisional brasileiro, pois a finalidade da prisão é justamente integrar o apenado a um sistema no qual ele aprenda a não repetir seus erros e nunca mais passar por essa situação, mas observa indivíduos instruídos por uma violência maior, que infelizmente saem desses lugares mais perigosos do que quando neles entraram.
Diante disso o objetivo geral desse artigo é relatar a situação atual do sistema prisional brasileiro e seus problemas. O tipo de pesquisa utilizada será bibliográfico no que diz respeito à necessidade de estudo teórico e cumprimento do que estabelece a lei. Para tanto, através da metodologia bibliográfica, utilizando-se como principais fontes, doutrinas, jurisprudências e reportagens a respeito do assunto, bem como outros artigos científicos sobre o tema proposto, através da leitura de artigos no Google acadêmico, Jusbrasil e demais plataformas do meio jurídico. Em relação a artigos científicos, serão analisados os últimos 10 anos. Já para a obra literária não será feito o critério de delimitação temporal, pois o caso em questão atribui especificamente o atual sistema carcerário. A aquisição de material será feita de forma gratuita, podendo ser virtual ou adquirido em biblioteca, estando em língua portuguesa, sempre visando uma extensão maior de conhecimento voltado para a temática delimitada. Justifica-se esse trabalho devido a importância do tema nos dias de hoje, e por isso merece grande destaque no ordenamento jurídico brasileiro, e também pelo mundo.
1.CRIMINOLOGIA E O CICLO VICIOSO DO CRIME
A definição da palavra criminologia é derivada do latim “crimen” que significa delito e também do grego “logos” que significa tratado. Dessa forma compreende-se que a criminologia trata do crime, sendo uma ciência voltada ao estudo do crime em sua ampla concepção.
Por ser o campo de estudos que trata acerca dos crimes que assolam a sociedade, a criminologia tem crescido bastante nesse ramo, tendo em vista que estuda o comportamento de cada criminoso e o que o leva a praticar determinado delito. (Por Henrique Hoffmann e Eduardo Fontes, Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2018).
Nesta sistemática, a criminologia faz a aplicação das ciências sociais e humanas afim de que novas realidades possam surgir. Além do estudo do autor a criminologia se propõe a estudar a vítima. A criminologia é uma disciplina multidisciplinar, que envolve diversas áreas do conhecimento. Ela é importante para entendermos a natureza do crime e para criarmos políticas públicas eficazes de prevenção e punição dos infratores. Verifica-se que a Criminologia representa:
a) o estudo dos fatores individuais (personalidade) e sociais (ambiente) básicos da criminalidade; b) o estudo dos fatores básicos e do fenômeno natural da luta contra o crime (tratamento e profilaxia), objetivando a ressocialização do delinquente e a prevenção da criminalidade. (GIOVANNA PISSUTTO, artigo Jusbrasil, 2015).
Ademais, ela estuda a implicação que o crime causa na sociedade. Se o quantitativo de presos fosse realocado para status de trabalhadores efetivos e estudantes, a economia do Estado seria totalmente diferente, o índice de criminalidade despencaria, pois a necessidade estaria sendo sanada pelo próprio indivíduo. É importante ressaltar que várias circunstâncias podem ser verificadas na análise do crime.
Dezembro de 1999. Eduarda, de nove meses, não para de chorar e está com o pescoço rígido e inclinado para o lado, até quase tocar o ombro esquerdo. A mãe a leva até uma clínica: “Mau jeito dormindo”, dizem os médicos antes de mandá-las de volta para casa. Dias depois a situação da criança se deteriora. Surge um caroço do tamanho de um ovo no pescoço e lesões na coluna cervical. Diagnósticos desencontrados – câncer, histiocitose X –, tratamentos cirúrgicos e quimioterápicos mergulham a vida da família pobre em desespero e lhes impõe uma rotina de peregrinação por clínicas e hospitais. Mãe e pai abandonam seus empregos para cuidar do bebê, as contas atrasam e eles se afundam em dívidas que chegam a 20.000 reais. A doença da filha foi o ponto de partida que levou Antônio Bonfim Lopes, então um trabalhador responsável por uma das equipes de distribuição da revista com a programação da Net, a se tornar o Nem, chefe do tráfico da Rocinha, no Rio de Janeiro, a maior favela da América Latina. (REVISTA EL PAÍS São Paulo - 28 DIC 2016 - 10:32 BRST).
Logicamente o crime não apresenta desculpas, mas infelizmente algumas circunstâncias acabam por interferir no processo linear das coisas. Assim como os fatores sociais, psicológicos, políticas públicas e dentre outras circunstâncias que modificam o comportamento de alguns cidadãos, o que foi o caso de Antônio Bonfim Lopes, que subiu neste local insalubre afim de que tivesse o seu problema sanado e desceu como chefe do tráfico da Rocinha. (REVISTA EL PAÍS, Porto Velho – 15 MAR 2018 - 18:19 BRST).
Infelizmente o Estado brasileiro ainda não apresenta soluções eficazes para que este ciclo vicioso do crime seja findado. As políticas públicas ainda são falhas em se tratando de ressocializar o criminoso na sociedade. O Brasil é um dos países com maior taxa de reincidência do mundo. Esta taxa compreende a mais ou menos 70% da população carcerária, ou seja, 7 a cada 10 presos voltam para a prisão por cometer novos crimes assim que saem do sistema prisional. (REVISTA EL PAÍS, Porto Velho – 15 MAR 2018 - 18:19 BRST).
1.1 Sistema prisional e seus desdobramentos
O sistema prisional brasileiro como um todo é reflexo de um dos sistemas prisionais mais falidos e endêmicos do mundo. Segundo dados do Banco de Acompanhamento Penitenciário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), estima-se que mais de 800 mil pessoas estejam atualmente encarceradas em presídios no Brasil. Destes, 348.371 cumprem pena em regime fechado, que consiste em cumprir pena privativa de liberdade em estabelecimento de maior ou médio grau de segurança.
O sistema carcerário, quando bem implementado e gerenciado, pode ter alguns pontos positivos. No entanto, é importante ressaltar que existem muitas críticas e desafios associados a esse sistema em diferentes países ao redor do mundo. Dessa forma, com base em estudos feitos utilizando-se o livro “Vigiar e Punir” (Michel Foucault, 38ª ed, 1977), pode-se concluir os seguintes pontos relatados abaixo.
No que tange a unição e retribuição, o sistema carcerário permite que a sociedade puna indivíduos que cometeram crimes, proporcionando uma sensação de justiça e retribuição às vítimas e à comunidade afetada. Ao encarcerar criminosos perigosos, o sistema carcerário contribui para proteger a sociedade, impedindo que eles cometam mais crimes enquanto estão sob custódia.
A existência de um sistema carcerário pode funcionar como um elemento dissuasor para algumas pessoas que poderiam considerar a possibilidade de cometer crimes. A perspectiva de enfrentar as consequências do encarceramento pode dissuadir potenciais infratores. Embora nem sempre seja efetivo, o sistema carcerário pode oferecer programas de reabilitação, como educação, treinamento profissional e aconselhamento psicológico, que visam ajudar os detentos a se reintegrarem à sociedade de forma mais positiva. Essas oportunidades podem contribuir para a redução da reincidência criminal.
O sistema carcerário, quando administrado de forma adequada, pode ajudar a manter a segurança e a ordem dentro das instituições penitenciárias. Isso é importante para proteger tanto os detentos quanto os funcionários e evitar tumultos ou violência entre os reclusos. Em alguns casos, pode também fornecer um ambiente para a aplicação de programas de justiça restaurativa, nos quais os infratores têm a oportunidade de reparar o dano causado às vítimas ou à comunidade por meio de ações restaurativas, como trabalhos comunitários ou programas de reconciliação.
É importante ressaltar que esses pontos positivos são ideais e nem sempre são alcançados em todos os sistemas carcerários ao redor do mundo. Muitos países enfrentam desafios significativos, como superlotação, violência, falta de recursos e dificuldades na implementação eficaz de programas de reabilitação.
Apesar de ressaltar pontos positivos, é importante salientar também que existem vários pontos negativos no sistema carcerário, conforme estudos feitos com base no livro “Vigiar e Punir” (Michel Foucault, 38ª ed, 1977).
A maioria das prisões está superlotada, o que significa que há mais detentos do que a capacidade da prisão. Isso pode levar a condições insalubres, violência e falta de acesso a serviços básicos, como cuidados de saúde adequados e programas de reabilitação. Em muitas prisões, as condições são precárias, com celas superlotadas, pouca ventilação, falta de higiene adequada e falta de acesso a água potável. Isso pode levar a doenças e infecções, tornando as prisões lugares ainda mais perigosos para os detentos.
Muitos presos não têm acesso a programas de reabilitação, como aconselhamento, educação ou treinamento vocacional, o que os torna menos preparados para a reintegração na sociedade após a sua libertação. Os detentos frequentemente sofrem violações de seus direitos humanos básicos, incluindo tortura, maus-tratos, discriminação e falta de acesso à justiça. O sistema carcerário frequentemente falha em reabilitar os detentos, o que leva a uma alta taxa de reincidência. Isso significa que muitos presos acabam retornando à prisão após sua libertação, o que é custoso e ineficaz.
Esses são apenas alguns dos muitos pontos negativos do sistema carcerário. É importante abordar esses problemas e encontrar soluções para tornar o sistema mais justo e humano. Os dados divulgados, em 2015, pelo Conselho Nacional do Ministério Público divergem dos dados dispostos pelo Conselho Nacional de Justiça.
Ainda os números informados em relação ao ano de 2015 divergem de forma assustadora com os últimos dados divulgados pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Enquanto o Executivo Federal refere que o país detinha 698.618 presos, o CNMP informa 557.310, totalizando uma diferença inexplicável de 141.308 apenados. Para o CNMP, o Brasil detinha 456.108 presos efetivos. Ressalva-se que o CNMP não computou os 35.463 presos em Delegacia apontados pelo Ministério da Justiça, que, por óbvio, também podem estar inflacionados. (MITO DO ENCARCERAMENTO EM MASSA, CARPES, 1990, p. 42)
No Brasil, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Monitor da Violência (2021), existem dados oficiais que atualmente a população carcerária passa de 660 mil detentos. No entanto, muitas vezes o sistema faz prisões desnecessárias, como os crimes passíveis de multa, pessoas que são presas por portar pequenas quantidades de drogas no bolso e pessoas que cometeram crimes gravíssimos como homicídio, o que resulta na superlotação
Em uma pesquisa realizada pelo INFOPEN (2014), estima-se que a população carcerária brasileira cresceu em torno de 507% entre os anos de 1990 e 2013. Isso se deve em grande parte ao tráfico de drogas e ao incremento da Lei de Drogas, que culminou na disparada de atos cometidos por pessoas que acabam indo ao cárcere. Esta mesma lei em seu art.33 expõe o que é dito a respeito do tráfico de drogas, qual seja:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (artigo 33 da Lei 11.343/2006.)
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) coletados em 2022 apontam que um preso custa, em média, R$ 1,8 mil mensais aos cofres brasileiros.Os custos refletem gastos com sistema de segurança, contratação de agentes penitenciários e outros funcionários, serviços como alimentação e compra de vestuário, assistência médica e jurídica, entre outros.
É do conhecimento geral que os reclusos não são tratados de forma humana, respeitosa e digna nas prisões. Diante dessa precariedade do sistema no tratamento do preso, o papel da ressocialização é de extrema importância, pois é uma forma do preso perceber que está cumprindo sua pena com dignidade e retornando à sociedade como uma pessoa melhor do que ele entrou.
1.2 A violência nos presídios
O recorrente e implacável tema da violência nas prisões é um retrato de todas as mazelas institucionais e degradantes de que padece um preso. São inúmeros os casos de atrocidades e violência agravada nas prisões. São vários os retratos de suicídios, enforcamentos, assassinatos, facadas, pedaços de madeira, abusos sexuais que reforçam o verdadeiro inferno que enfrenta quem entra na prisão. O lema "matar ou morrer" é considerado "normal" para pessoas encarceradas que buscam primeiro sua sobrevivência e depois sua permanência nas prisões.
Atualmente, existem dois principais grupos extremamente violentos no Brasil que controlam as principais prisões ao redor. Somado a esses dois grupos, o tráfico de drogas é o maior expoente do aumento significativo do encarceramento e a principal forma de controle e renda desses grupos (infográfico). Se você pode chamá-los de grupos, o PCC (Primeiro Comando da Capital) é uma facção/organização criminosa fundada em 1993 em um centro de reabilitação prisional em Taubaté, no Vale do Paraíba, em São Paulo. Estima-se que essa facção atue em 22 dos 27 estados brasileiros, tendo como principal fonte de renda o tráfico de drogas, principalmente a venda de maconha e cocaína (A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil, PAES; NUNES, 2018). Em um conflito acirrado e violento contra o PCC, a principal e mais temida facção do Brasil hoje é o Comando Vermelho, antiga "Falange Vermelha", criada na década de 1970 no Rio de Janeiro em um instituto penal denominado "Candido Mendes". o lema "Paz, Justiça e Liberdade" com o qual eram recebidos os presos políticos da ditadura militar e os presos comuns condenados por diversos crimes (O mito do Comando Vermelho, LIMA, 2011).
Com isso, muitos presos que ingressam nos sistemas prisionais já estão inseridos em uma dessas facções, ou têm que escolher entre os dois lados desde o momento em que são inseridos, buscando a própria sobrevivência. O estado não controla as prisões e não está conseguindo coibir as atrocidades existentes. Aqueles que dirigem as prisões são eles próprios prisioneiros, muitos dos quais veem uma vida melhor e "mais rica" lá do que uma possível vida fora da prisão. Mortes e conflitos prisionais estão relacionados ao controle de drogas entre essas duas facções na maioria dos estados brasileiros. Aquela que é a principal causa do encarceramento de milhares de pessoas acaba se transformando em uma sangrenta guerra entre rivais de fora e de dentro das prisões.
1.3 Desigualdade x Criminalidade
É sabido que o Brasil é um país desigual, violento e sobretudo racista, mesmo depois de várias campanhas de conscientização e punições severas para quem comete tais crimes. O principal reflexo dessa desigualdade está ancorado nas prisões.
Florestan Fernandes analisa o aspecto sobre os negros da seguinte maneira:
a sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para corresponder aos novos padrões e ideias de homem, criados pelo advento do trabalho livre, do regime republicano e capitalista”. (FERNANDES, 1995, p.20).
Um homem negro é uma pessoa socialmente abandonada, vários problemas são enfrentados pela classe social negra desde o momento de seu nascimento. O racismo já é concebido e estruturado pela sociedade em suas formas servilistas e “acostumado” a usar os negros como seres inferiores simplesmente pela cor de sua pele, segundo dados do “Infopen” (2014), mais de 60% dos presos são negros. É desanimador o que a cor da pele pode significar para as pessoas até hoje. Quantos casos de pessoas negras são julgadas e presas sem o devido processo apenas pela cor da pele. Os números ainda mostram que 37% dos encarcerados no Brasil hoje são brancos. Isso reflete a desigualdade e o preconceito.
2. PSICOLOGIA E O SISTEMA PRISIONAL
A prisão inevitavelmente influencia no psicológico do condenado, a forma como este fica recluso da sociedade, a culpa, a falta de ocupação e diversos outros fatores potencializam a cabeça do ser humano a pensar sempre o pior, podendo resultar em distúrbios psíquicos.
No campo da psicologia da personalidade, acreditava-se que nossa personalidade permanecia inalterada na vida adulta. Mas estudos recentes têm mostrado que, na verdade, apesar da relativa estabilidade, nossos hábitos de pensamento, comportamento e emoção mudam, sim, de forma significativa – especialmente em resposta a diferentes papéis adotados ao longo da vida. (BBC NEWS, 2018).
As prisões não apresentam estrutura suficiente para disponibilizar acompanhamento psicológico de qualidade, por isso, muitos detentos sofrem de vários distúrbios psicológicos que podem gerar até o falecimento de diversos indivíduos.
Dados afirmam que vários detentos cometem suicídio em decorrência de sua vivência e experiências dentro do estabelecimento prisional. A depressão não é a única doença psicológica apurada dentro do sistema carcerário, existem várias outras.
BAUMAN discorre sobre o assunto:
“A imobilidade forçada, a proibição do movimento é um símbolo poderosíssimo de impotência, de incapacidade e de dor”. Na sociedade contemporânea, a liberdade de movimento e de escolha são parte integrante do ser como tal. Quando anuladas, estas condições retiram uma parte do que é ser humano, em toda a sua amplitude. Ora, ao ser afastado, pela própria sociedade, o indivíduo vai se sentir marginalizado e o risco é continuar a comportar-se desta maneira, após a sua saída. Outra possibilidade é que, ao não conseguir lidar com essa exclusão, ele opte por atos destrutivos contra si. (BAUMAN, 1999, p. 130)
O psicológico dos detentos é alterado no momento que estes perdem o seu livre arbítrio. É possível entender o que estes passam diariamente quando comparado ao período da pandemia da COVID-19, no qual, muitas pessoas tiveram que ficar reclusas da sociedade, foi um período em que muitos cidadãos desenvolveram transtornos mentais.
Além disso, dependendo do transtorno psicológico analisado em determinado indivíduo, esse mesmo pode se tornar mais perigoso do que quando entrou no estabelecimento, tornando pior não só para a sociedade externa, mas também para a sociedade carcerária e para o próprio condenado.
No Brasil, dados do Estado de São Paulo em 2006 indicam prevalência significativa de transtornos mentais na população prisional, especialmente entre as mulheres. O estudo aponta que 61,7% dos presos tiveram ao menos uma ocorrência de transtorno mental ao longo da vida e cerca de 25% daqueles que estavam em regime fechado preenchiam critérios diagnósticos para pelo menos um transtorno mental no ano anterior ao estudo. Cerca de 11,2% dos detentos homens e 25,5% das mulheres apresentavam transtornos mentais graves. Os autores fizeram uma projeção desses números para o Brasil, calculando em cerca de 60 mil os prisioneiros com transtornos mentais graves. (REVISTA SCIELO, 2016)
Com a condenação a personalidade do condenado vai mudando progressivamente. Existem vários fatores para que esta mudança aconteça, em um dos casos é válido ressaltar o meio de sobrevivência dos condenados, para que algo pior não aconteça com eles dentro das prisões eles acabam desenvolvendo aspectos para sobreviver a este meio.
Muitas vezes estes transtornos mentais acabam por interferir em condições de vida melhores, a depressão não é o único transtorno observado dentre os detentos, é importante salientar a paranoide, comportamentos antissociais, transtorno borderlaine, ansiedade e dentre outros.
É importante analisar aquelas pessoas que são condenadas erroneamente, como o psicológico dessas pessoas fica? Quando uma pessoa entra em contato com uma realidade, no qual, não espera há um choque de realidade exponencial. A situação da condenação errada prejudica a vida e o psicológico de muitas pessoas.
Independente do que uma pessoa fez, ela deve ser tratada com dignidade humana. No caso dos presidiários, deve ser dado a eles condições de vida, assistência médica, psicológica, dentre outras. No entanto, as prisões brasileiras ainda se apresentam falhas quanto ao apoio psicológico destes condenados.
As garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os direitos humanos do preso estão previstos em diversos estatutos legais. Em nível mundial existem várias convenções como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso. Já em nível nacional, nossa Carta Magna reservou 32 incisos do artigo 5º, que trata das garantias fundamentais do cidadão, destinados à proteção das garantias do homem preso. Existe ainda em legislação específica - a Lei de Execução Penal - os incisos de I a XV do artigo 41, que dispõe sobre os direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na execução penal. (ASSIS, p. 570 e 571)
O fato de a pessoa ficar reclusa em um ambiente insalubre, no qual, suas condições de vida são antagônicas as que eram desfrutadas em liberdade causa uma certa obrigação na mudança de hábitos. Geralmente o senso comum apresenta alguns pontos de vista, como: “prisão não é spa”, “bandido bom é bandido morto”, “precisam sofrer mesmo”, assim como outros posicionamentos.
Este ponto de vista é empregado erroneamente, visto que, o condenado não deixou de ser um ser humano e muitas vezes esse ponto de vista influencia no psicológico dos condenados, pois começam a ser vistos como monstros da sociedade.
Logicamente, o preso precisa receber a sua pena pelo crime cometido, no entanto, deve ser aplicada de forma correta, tendo em vista que este tratamento pode resultar em uma possível ressocialização do condenado. É importante ressaltar que muitos detentos apresentam ideação suicida.
Relativamente aos transtornos mentais, mais de 90% dos suicidas apresentam perturbações mentais, no momento da sua morte103. Como não há um estudo muito aprofundado no Brasil acerca deste tema, não se podem apresentar valores corretos das estimativas. Estudos feitos nos Estados Unidos103 constatam que de 10,2% a 23% dos pacientes que se suicidaram foram diagnosticados como depressivos; 26% sofriam de transtornos de personalidade; e de 13,8% a 33,3% já apresentavam um histórico de internação em hospitais psiquiátricos anteriormente. Outro fator de alteração comportamental é o consumo excessivo de álcool e/ou drogas, que ocorre imediatamente antes de a detenção ocorrer, em 100% de 48 casos de suicídio, observados no New York City Department Corrections, entre 1980 e 1988. (TABORDA; CHALUB; ABDALLA-FILHO, 2004)
A mente de um indivíduo é um ambiente, no qual, ninguém adentra, sendo difícil a resolução do problema. Para que haja uma mudança neste cenário é importante que as prisões tenham equipes multidisciplinares para atender de forma exímia cada detento, evitando alguns transtornos irreparáveis, pois são um perigo não só para eles, mas também para a sociedade.
2.1 Dificuldades na ressocialização do preso
A ressocialização refere-se ao processo de reintegrar um indivíduo à sociedade após ele ter passado por um período de isolamento ou marginalização devido a comportamentos criminosos, abuso de substâncias ou outros fatores. O objetivo da readaptação é ajudar a pessoa a se tornar um membro produtivo e funcional da sociedade. Na Lei de Execução Penal estão estabelecidas as normas fundamentais que regerão os direitos e obrigações do sentenciado no curso da execução da pena. Constitui-se na Carta Magna dos presos, tendo como finalidade atuar como um instrumento de preparação para o retorno ao convívio social do preso.
A reintegração se faz através de um projeto de política penitenciária que tem como finalidade recuperar os indivíduos apenados para que estes possam, quando saírem de um estabelecimento prisional, ser reintegrado na sociedade. O ordenamento jurídico brasileiro afasta o preso da sociedade na intenção de ressocializá-lo, porém o que se encontra é uma situação adversa, como afirma Mirabete:
A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior (MIRABETE, 2002, p.24).
A reeducação social pode ocorrer em diferentes contextos, como instituições correcionais, centros de reabilitação para dependentes químicos ou programas de reintegração social para ex-detentos. O processo envolve uma combinação de diferentes abordagens, incluindo educação, formação profissional, terapia individual e em grupo, aconselhamento, apoio emocional, programas de emprego e assistência na busca de moradia.
Além disso, a ressocialização também pode envolver a mudança de atitudes e comportamentos problemáticos, o desenvolvimento de habilidades de comunicação, resolução de conflitos e tomada de decisões saudáveis, bem como o fortalecimento do senso de responsabilidade e do respeito pelas leis e normas sociais.
É importante ressaltar que a reabilitação é um processo complexo e contínuo, que pode levar tempo e exigir um esforço conjunto dos indivíduos, das instituições e da sociedade como um todo. O apoio adequado e a oportunidade de reintegração são essenciais para maximizar as chances de sucesso na reeducação de uma pessoa.
A ressocialização no Brasil é algo presente apenas no papel, mas a efetividade ainda se torna ineficaz, pois a criminalidade tende a aumentar significamente. Em tese, para ser colocado em prática a reintegração do preso teria que ter como ponto de partida a implantação de cursos profissionalizantes e locais de trabalho para começar a reintegração; rede de ensino de qualidade para que aqueles que não terminaram os estudos para que possam terminar e tomar gosto pelos frutos advindos do conhecimento saudável.
Casas de reabilitação seriam formas eficazes de integralização de métodos alternativos e eficazes para que o condenado seja integrado na sociedade novamente. O acompanhamento psicológico se faz necessário nessa fase, pois o indivíduo muitas vezes não entende por si só que algumas coisas trazem malefícios permanentes na vida, muitos dizem que já não tem mais o que perder, por isso cometem crimes, portanto, uma linearidade pode ser seguida para que o indivíduo possa ter uma segunda chance de fazer diferente e quebrar o ciclo vicioso do crime.
Em conjunto com todos esses fatores e os desafios impostos para a ressocialização do preso, o mesmo, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2017), tem um custo mensal médio ao Estado de R$ 2.400,00. É o preço que se paga por um Estado deficiente e ineficaz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, perante a realidade do sistema prisional brasileiro, que o tratamento dado aos presos é totalmente desumano. Essa pesquisa verificou a dificuldade que o Estado brasileiro enfrenta, bem como seus desafios para buscar a efetividade das normas e princípios presentes no país. Pode-se dizer que há regras que buscam a realização de uma ressocialização eficaz, entretanto, percebe-se o não cumprimento delas, não por omissão da legislação, mas sim por falta de interesse e a existência de omissão dos políticos que nos representam em focar nos indivíduos em cárcere.
O objetivo geral desse artigo procurou relatar as miseráveis condições em que estão os detentos, tendo seus direitos anulados pela falta de estrutura do sistema carcerário. A realidade do sistema prisional brasileiro confirma o que diz a teoria agnóstica da pena, que se mostra incapaz de exercer a função de ressocialização do infrator para o meio social. A ineficiência do Estado sobre serviços que devem ser oferecidos aos presos dentro do estabelecimento onde estes cumprem suas sentenças como assistência médica, jurídica, social, alimentação, higiene acrescidos de carência de vagas, nas unidades, é um dos fatores geradores da não reabilitação dentro e fora do período de cumprimento de pena.
Outro tema muito discutido e estudado foi a questão da ressocialização, pois é uma das principais medidas tomadas para permitir o retorno do detento ao convívio social, apresentando como base a Lei de Execução. Posteriormente, tratou-se de entender os desafios e a situação caótica e grave que o Brasil enfrenta hoje em relação ao sistema prisional. Logo mais, foi relatado o número de pessoas encarceradas, que tem levado à superlotação e os diversos problemas dela decorrentes, como violência e morte dentro das próprias prisões.
Conclui-se que, apesar disso, o estudo foi incluído no rol de direitos básicos dos presos, que muitas vezes não são respeitados devido à falência e a dificuldade do sistema prisional em oferecer condições humanizadas aos apenados. O Estado deveria investir em políticas públicas e em ações com foco principal na saúde, educação, exclusão e desigualdade social, além de combater a corrupção e as organizações criminosas, evitando, assim, o aumento da ocorrência de crimes. Para solucionar o problema da superlotação, seria necessária a construção de outros presídios, para que os já existentes sejam desafogados, e com isso os outros desafios existentes no sistema prisional também possam ser solucionados, como a diminuição de doenças e a violência dentro da prisão, e dessa forma cumprir com o que está disposto na legislação. No caso da ressocialização, o Estado deveria ter ênfase na ampliação de recursos pra aplicar na qualificação profissional e educação básica de modo efetivo, o que evitaria a volta ao mundo da criminalidade e apresentariam mudanças para busca e alcance da reinserção social.
Na minha concepção o sistema prisional brasileiro é um caos. O sistema precisa se atentar quanto a estruturação dos presídios, que possam atender ao fundamento básico da Constituição Federal, sendo ele, a dignidade da pessoa humana, o que não está sendo efetivamente obedecido, causando diversos prejuízos na vida de pessoas que poderiam estar tendo a oportunidade de serem integradas novamente na sociedade.
Algumas soluções seriam disponibilizar psicólogos, médicos necessários, cursos profissionalizantes, locais para trabalho, professores para integralizar o término de ensino, pois vários detentos não tiveram a oportunidade para concluir, para que assim, surta um efeito positivo na ressocialização.
O sistema precisa se adequar quanto a salubridade do local, podendo assim ampliar o sistema carcerário, pois consequentemente ocasiona uma organização mais efetiva do mesmo. Com a ampliação, novas celas são criadas, organizando os detentos de acordo com a sua penalidade e, reduzindo assim o contato dos presos de maior periculosidade com os de menor perigo. Portanto, deve haver um olhar mais cirúrgico em relação ao que está sendo oferecido ao detento, pois o único direito que pode ser violado quando um indivíduo é preso é o de locomoção, os demais devem ser protegidos.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Leonardo A. A. Evolução histórica do direito penal. Disponível em: https://leonardoaaaguiar.jusbrasil.com.br/artigos/324823933/evolucao-historica-do-direito em: 10 abr. 2023.
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[1] , Graduação em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de Gurupi (1999) e Doutorado em - Ciências Jurídico-Sociais - Universidad del Museo Social Argentino (2019). Mestre em Gestão de Políticas Plúblicas - UFT (2019), Especialista em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental - UNB (2005) e Ciências Criminais - ATAME (2021). Atualmente é advogada e professora titular da Universidade de Gurupi e Unitins, membro - Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Tocantins. Sócia-fundadora do Escritório Ribeiro e Pereira Advogadas. Foi subprocuradora geral do Municipio de Gurupi-TO (Dec. 042/2021). Facilitadora de Justiça Restaurativa. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Ambiental, Família e Consumidor. Contato: [email protected].
Acadêmica de Direito, Universidade de Gurupi – UNIRG. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERNANDES, Natália Nunes. A crise no sistema prisional brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 maio 2023, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61469/a-crise-no-sistema-prisional-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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