RESUMO. Este trabalho trata da análise das consequências processuais da quebra da cadeia de custódia da prova digital no decorrer da fase processual, o qual propôs a pesquisa jurisprudencial referente as invalidações das provas digitais e quais são os novos métodos que auxiliam na validade da prova processual digital. Tem-se como objetivo geral demonstrar quais falhas nas fases da cadeia de custódia já estão sendo discutidas pelos tribunais e pela defesa em favor do acusado. O tema em discussão é de relevância para a ciência, já que tem como finalidade apresentar uma adequação da obtenção de provas na fase cautelar aos parâmetros legais atuais. E assim, sugerir novos métodos de validação da prova e adaptabilidade aos procedimentos judiciais aceitos em nossa sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Quebra da Cadeia de Custódia. Prova processual. Evidência Digital. Prática Criminal.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Análise das jurisprudências sobre quebra da cadeia de custódia da prova digital. 2. Da manutenção e validade da prova digital. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Como preconiza a Constituição pátria, em seu artigo 5º, inciso LVI: “É vedada a obtenção de provas por meios ilícitos.”
Desse modo, para que se tenha a real garantia e proteção da prova constituída em todas as suas fases do processo penal no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessária a utilização do instituto da cadeia de custódia. Esse instituto, foi atualizado recentemente pela Lei 13.964/2019, mais conhecida como Pacote Anticrime, a qual assegura a autenticidade do lastro probatório e contribui para a segurança jurídica.
Frente ao previsto no artigo 158-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.964/2019, tem-se:
“Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.”
Diante disso, nota-se que o legislador se preocupou em descrever as fases essenciais pelas quais as provas precisam passar, para que estas, de maneira fidedigna, possam ser analisadas e utilizadas na fase processual criminal, sem que haja alguma ilegalidade ou informalidade que atente contra o instituto já preconizado na Carta Magna referente a vedação da obtenção de provas por meios ilícitos, conforme acima grifado.
Dentre os dispositivos trazidos pela lei 13.964/2019, tem-se o artigo 158-B, que descreve as etapas da cadeia de custódia. Então, conforme preceitua o doutrinador Eugênio Pacelli teve definição introduzida pela Lei nº 13.964/19, que nada mais é do que a preservação e registro do caminho da prova, desde sua coleta até a apreciação pelo Poder Judiciário para:
a) Necessidade de apuração dos fatos na sua maior inteireza;
b) Permitir o exercício da ampla defesa e do contraditório a partir de provas e indícios que sejam considerados válidos à luz do ordenamento jurídico.
Logo, vestígios e provas devem ser preservados já na fase de investigação policial, para que tenha validade na fase processual, pois o efeito produzido pela quebra da cadeia de custódia será a ilicitude de toda prova relacionada ao material violado, o que gera a exclusão da prova contaminada e de todas que dela derivam, nos termos do art. 157 e §§ 1º e 3º do Código de Processo Penal. [1]
Conforme afirma Aury Lopes Junior, a cadeia de custódia:
“Não se limita a perquirir a boa ou má-fé dos agentes policiais/estatais que manusearam a prova. Não se trata nem de presumir a boa-fé, nem a má-fé, mas sim de objetivamente definir um procedimento que garanta e acredite a prova independente da problemática em torno do elemento subjetivo do agente.” (pg. 655-656).
Especial relevância nas provas relacionadas às interceptações telefônicas e ao DNA. Nesses casos, por serem obtidas “fora do processo”, é crucial que se demonstre de forma documentada a cadeia de custódia e toda a trajetória feita, da coleta até a inserção no processo e valoração judicial.”
Como ressaltado pelo doutrinador Aury Lopes Junior, as provas relacionadas à Interceptação Telefônica e ao DNA demandam redobrada atenção. Isso também é ressaltado pelo doutrinador Rafael Serra de Oliveira(2020), o qual explicita que além das Interceptações Telefônicas, torna-se indispensável a manutenção da cadeia de custódia na identificação por DNA, pois:
“Nos casos em que a falha na manutenção da cadeia de custódia impedir a verificação da necessária vinculação entre a fonte de prova e o fato objeto do processo, a perícia de identificação por DNA perderá o seu potencial de influenciar o julgamento, não podendo ser admitida por ter se tornado irrelevante e impertinente. No que se refere à integridade do material genético, a manutenção da cadeia de custódia deve conter os registros suficientes para demonstrar que foram tomados todos os cuidados necessários para impedir a contaminação, inibição e degradação das amostras de DNA que serão analisadas.” (pg. 278-279)
Partindo desse prisma, uma prova que possui ausência de validade para alcançar a verdade processual necessária, será efetivamente inutilizável na fase processual. Ainda que esta prova tenha fundamentado medidas cautelares como prisão preventiva, não será suficiente para conclusão por parte da autoridade judiciária quanto a autoria e materialidade da infração verificada. Logo, por mais que na fase de inquérito policial, tenham se reunidos provas que poderiam ser de fato indicativas de autoria, pois teria reunido elementos de provas relevantes para o contraditório processual posterior, pode não ter eficiência se houver a quebra da cadeia de custódia. Já que diante de uma dúvida em relação a autoria, o nosso ordenamento jurídico preceitua o princípio do in dúbio pro réo, favorecendo assim, o acusado.
1.ANÁLISE DAS JURISPRUDÊNCIAS SOBRE QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA DIGITAL
Diante das imposições legislativas recentes referente a manutenção da validade da prova, partiu-se do questionamento sobre como os tribunais superiores têm se posicionado frente aos casos concretos apresentados em juízo, e assim, entender como na prática criminal deve ser levado em consideração cada ponto trazido em contraditório processual.
Isso pode ser exemplificado em decisões recentes sobre o tema a seguir:
“RECURSO ESPECIAL. ART. 305 DO CPM. NULIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA EMPRESTADA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. FALTA DE ACESSO À INTEGRALIDADE DAS CONVERSAS. EVIDENCIADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM A EXISTÊNCIA DE ÁUDIOS DESCONTINUADOS, SEM ORDENAÇÃO, SEQUENCIAL LÓGICA E COM OMISSÃO DE TRECHOS DA DEGRAVAÇÃO. FILTRAGEM ESTABELECIDA SEM A PRESENÇA DO DEFENSOR. NULIDADE RECONHECIDA. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. RECURSOS PROVIDOS. DECRETADA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. A quebra da cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade (RHC 77.836/PA, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 12/02/2019).(...)3. A apresentação de parcela do produto extraído dos áudios, cuja filtragem foi estabelecida sem a presença do defensor, acarreta ofensa ao princípio da paridade de armas e ao direito à prova, porquanto a pertinência do acervo probatório não pode ser realizado apenas pela acusação, na medida em que gera vantagem desarrazoada em detrimento da defesa. 4. Reconhecida a nulidade, inegável a superveniência da prescrição, com fundamento no art. 61 do CPP. 5. Recursos especiais providos para declarar a nulidade da interceptação telefônica e das provas dela decorrentes, reconhecendo, por consequência, a superveniência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, de ofício. (REsp 1795341/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 14/05/2019) (grifou-se).[2]
Como pôde ser analisado na decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prova obtida em interceptação telefônica que foi apresentada sem ordenação sequencial lógica e com omissão de trechos da degravação, feriu os pressupostos descritos na lei referentes à cadeia de custódia. Dessa forma, com a quebra, entendeu a autoridade judiciária que houve vantagem desarrazoada em detrimento da defesa. Com isso, houve ofensa ao princípio da paridade de armas.
Esse princípio preceitua que para as partes do processo devem receber paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, o que confere ao juiz zelar pelo efetivo contraditório, de acordo com o que dita o artigo 7°, do Código de Processo Civil.[3]
O princípio da paridade de armas está intimamente relacionado ao princípio decorrente do contraditório, o qual segundo deixa claro o doutrinador Eugenio Pacelli, exige a garantia de participação em simétrica paridade, ou seja, para que se exista o contraditório em sede processual, é necessário que se garanta o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à reação a ambos. Além disso, deve ser plausível a oportunidade da resposta em grau de proporcionalidade. Uma vez sendo a paridade violada, é possível alegar a causa de nulidade absoluta, pois incorreria em violação do contraditório processual, visto a sua correlação. [4]
Dessa forma, uma solução para que se tenha a disponibilização de todo o conteúdo da degravação de interceptação telefônica, seria que o sistema utilizado para os desvios das ligações permita que os conteúdos sejam baixados criptografados, e em sua integralidade, para que haja o controle de acesso dos conteúdos às partes processuais, e assim, a manutenção da validade da prova e do sigilo das comunicações.
Houve discussão também em sede de Apelação Criminal da 9ª Câmara de Direito Criminal de Taubaté/SP, referente a integridade das provas obtidas de conversas de WhatsApp:
EXTORSÃO QUALIFICADA - Apelação Criminal nº 0001491-83.2018.8.26.0625: “Apelação do Assistente de Acusação – Extorsão qualificada – Material fotográfico contendo cenas de sexo entre a vítima e o réu – Ameaças à vítima de divulgação das fotografias, caso não efetuasse o pagamento de uma quantia em dinheiro – Não preservação da prova digital
original – Quebra da cadeia de custódia – Impossibilidade de comprovação do remetente das mensagens contendo as ameaças – Ausência de certeza a respeito da autoria do delito – Aplicação do brocardo 'in dubio pro reo' – Absolvição mantida.” Inteiro teor da Apelação Criminal nº 0001491-83.2018.8.26.0625 – Extorsão qualificada:“(...) Os “prints” a fls. 7/48 são de péssima qualidade e retratam conversas fragmentadas, impossibilitando compreender o contexto dos diálogos e identificar a linha telefônica utilizada para o encaminhamento das mensagens com conteúdo ameaçador. (...) Enfim, o ofendido não preservou os documentos digitais originais, dificultando a verificação da autenticidade dos documentos juntados aos autos, prejudicando assim a constatação segura da autoria do delito.(...) acompanho o parecer do Doutor Procurador de Justiça para aplicar o brocardo “in dubio pro reo” e manter a solução absolutória. (...)”(TJSP; Apelação Criminal 0001491-83.2018.8.26.0625; Relator (a): Cesar Augusto Andrade de Castro ; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Taubaté - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 22/02/2021; Data de Registro: 22/02/2021) (grifou-se).[5]
Conforme discutido em sede processual, as provas colhidas pelo ofendido não foram preservadas da forma correta, sendo impossível, portanto, a comprovação da ordem e contexto dos diálogos de conteúdo ameaçador para configurar a extorsão qualificada nas mensagens de WhatsApp. Logo, ao não ter como comprovar a autenticidade das mensagens, se optou novamente, como no caso abordado anteriormente, a utilização do princípio do in dubio pro reo e manutenção da solução absolutória do acusado.
Ressalta-se, então, a necessidade de manutenção da cadeia de custódia, para que posteriormente essa prova não se torne inidônea. No caso em tela, houve também a não atenção ao disposto no art. 158-B, inciso IX do Código de Processo Penal, o qual consta o requisito que não foi cumprido pelos policiais/ofendido e que geraram a absolvição do réu:
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
(...)
§ 2º O agente público que reconhecer um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial fica responsável por sua preservação.
Art. 158-B. A cadeia de custódia compreende o rastreamento do vestígio nas seguintes etapas:
(...)
IX - armazenamento: procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contra perícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente;
Cabe ressaltar que os tribunais superiores pacificamente decidiram que não há que se falar em validade da prova obtida pelo WhatsApp Web, pois ela viola a etapa de isolamento da cadeia de custódia, nos termos do delineado no art. 158-B, inciso II, do Código de Processo Penal “II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;”, ou seja, sendo possível a alteração do conteúdo quando a parte pode optar pela opção “ apagar mensagem para mim”.[6]
PESQUISA JURISPRUDENCIAL – WHATSAPP WEB - AgRg no RHC 133.430/PE:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. NOTÍCIA ANÔNIMA DO CRIME APRESENTADA JUNTO COM A CAPTURA DA TELA DAS CONVERSAS DO WHATSAPP. INTERLOCUTOR INTEGRANTE DO GRUPO DE CONVERSAS DO APLICATIVO. POSSIBILIDADE DE PROMOÇÃO DE DILIGÊNCIAS PELO PODER PÚBLICO. ESPELHAMENTO, VIA WHATSAPP WEB, DAS CONVERSAS REALIZADAS PELO INVESTIGADO COM TERCEIROS. NULIDADE VERIFICADA. DEMAIS PROVAS VÁLIDAS. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)2. Consta dos autos que os prints das conversas do WhatsApp teriam sido efetivados por um dos integrantes do grupo de conversas do aplicativo, isto é, seria um dos próprios interlocutores, haja vista que ainda consta no acórdão do Tribunal de origem que, "como bem pontuado pela douta Procuradoria de Justiça que '(...) a tese da defesa de que a prova é ilícita se contrapõe a tese da acusação de que as conversas foram vazadas por um dos próprios interlocutores devendo ser objeto de prova no decorrer da instrução processual'".
3. Esta Sexta Turma entende que é invalida a prova obtida pelo WhatsApp Web, pois "é possível, com total liberdade, o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas (registradas antes do emparelhamento) ou recentes (registradas após), tenham elas sido enviadas pelo usuário, tenham elas sido recebidas de algum contato.
Eventual exclusão de mensagem enviada (na opção "Apagar somente para Mim") ou de mensagem recebida (em qualquer caso) não deixa absolutamente nenhum vestígio, seja no aplicativo, seja no computador emparelhado, e, por conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em processo penal, tendo em vista que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em razão da tecnologia de encriptação ponta-a-ponta, não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários" (RHC 99.735/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 12/12/2018).
4. Agravo regimental parcialmente provido, para declarar nulas as mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web(...) (AgRg no RHC 133.430/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021) (grifou-se)[7]
Assim, tanto no que concerne as provas físicas como em relação às provas digitais, é necessária atenção ao real método de armazenamento, fazendo com que se cumpra com a finalidade de validação da prova em ulterior sede processual.
Outro caso pode ser avaliado em similar contexto:
PESQUISA JURISPRUDENCIAL – FURTO – TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 0000535-96.2015.8.15.1201:
“APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO QUALIFICADO. ART. 155, §4º, I, DO CP. CONDENAÇÃO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. RECURSO TEMPESTIVO. 1. DO PLEITO ABSOLUTÓRIO EM RAZÃO AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À AUTORIA DELITIVA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. DANIFICAÇÃO DAS IMAGENS DO CIRCUITO DE SEGURANÇA, ACOSTADA AOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE RECUPERAÇÃO. PROVA NÃO PRESERVADA. RECONHECIMENTO DO ACUSADO REALIZADO COM BASE EM PROVA IMPRESTÁVEL/ILÍCITA. INTELIGÊNCIA DO ART. 157, §1º , DO CPP. FRAGILIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS PARA UM ÉDITO CONDENATÓRIO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. REFORMA DA SENTENÇA. ABSOLVIÇÃO DO RECORRENTE. 2. PROVIMENTO DO APELO PARA ABSOLVER O APELANTE DO CRIME PELO QUAL FOI CONDENADO, COM FULCRO NO ART. 386, VII, DO CPP, EM HARMONIA COM O PARECER. 1. É sabido que a condenação criminal exige prova irrefutável de autoria. (...)- Na hipótese, analisando a prova oral colhida, observo que a única pessoa que viu as imagens das câmeras de segurança e que reconheceu o réu pela filmagem foi o escrivão de polícia Tarcísio Noberto da Silva, tendo este afirmado que, apesar da imagem estar embaçada, conseguiu reconhecer o denunciado pela altura dele, a roupa e a tatuagem que tinha. - Por sua vez, o acusado, na delegacia (f. 09) e em juízo (mídia de f. 85), negou a prática delitiva. - Como visto, o reconhecimento do acusado foi realizado apenas pela testemunha Tarcísio Noberto da Silva através das filmagens das câmeras de segurança, todavia o réu afirma que é impossível o reconhecimento pelas referidas imagens, sendo estas, portanto essenciais para a comprovação da autoria. - Todavia, o ‘pen drive’ que conteria as filmagens do circuito interno, acostado à f. 20, encontra-se corrompido e apesar desta relatoria ter diligenciado para obter uma cópia, foi informado pelo magistrado singular, que AS IMAGENS NÃO FORAM COPIADAS NO JUÍZO, NA DELEGACIA OU MESMO PELA VÍTIMA (ofícios de fls. 157/165). - Assim, inegável que houve quebra na cadeia de custódia, devendo incidir, na hipótese toda a dinâmica positivada com o advento da Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), constante no art. 158-A2 e seguintes do CPP, com bem ressaltou o procurador de justiça no parecer de fls. 172/181. (...) - Desta forma, uma vez perdidas as imagens pelas quais o denunciado/apelante teria sido identificado, inexistindo notícias até mesmo de que o Juízo sentenciante as tenha assistido, porquanto ausente esta informação na sentença, não há dúvidas sobre a quebra da cadeia de custódia o que enseja o reconhecimento da imprestabilidade/ilicitude da prova nos termos do art. 1573 do CPP. (...) Dessa forma, ausentes provas suficientes a comprovar a autoria delitiva, em homenagem ao princípio in dubio pro reo, reformo a sentença dardejada, absolvendo o acusado do crime imputado na denúncia, nos termos do art. 386, VII, do CPP. 2. Provimento do recurso, para absolver o apelante do crime pelo qual foi condenado, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, em harmonia com o parecer ministerial. (TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00005359620158151201, Câmara Especializada Criminal, Relator DES. RICARDO VITAL DE ALMEIDA, j. em 29-09-2020) (grifou-se).[8]
De acordo com o analisado no contexto acima, fica evidente que houve descuido no exigido pelo artigo 158-B inciso IX do CPP, no que se refere a preservação da prova, pois apesar de inicialmente ter acondicionado as imagens em pen-drive, não se foi realizada uma cópia de segurança, ou até mesmo disponibilizada essa prova no sistema eletrônico do tribunal competente. Assim, não sendo possível a análise das imagens pelas partes no decorrer do processo, reconheceu-se a imprestabilidade da prova.
Em contrapartida, apesar das decisões anteriormente arguidas neste trabalho, o Supremo Tribunal Federal já assim decidiu:
“(...) além da necessária demonstração de concreto prejuízo, não se verifica a quebra da cadeia de custódia se não houver nos autos elementos que demonstrem ter havido adulteração das provas, alteração na ordem dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja (...)” (STF – HC 5741131 RS HC 2020/0089692-5, Rel. Min. Nefi Cordeiro (1159), Sexta Turma, Julgado em 25/08/2020) (Retirado do Inteiro Teor da Decisão prolatada pelo STJ – RHC: 140275 MG 2020/0343724-8, Relator: Ministro FELIX FISHER, Data da Publicação: DJ 25/02/2021).[9]
Isso posto, não basta para o defensor a mera alegação de adulteração das provas, faz-se necessário que nos autos se comprove minimamente a demonstração de concreto prejuízo. Cabe, então, também ao defensor no decorrer da atuação prática criminal, embasar as alegações de quebra da cadeia de custódia, para que de fato seja relevante a análise em âmbito recursal.
2.DA MANUTENÇÃO E VALIDADE DA PROVA DIGITAL
Diante da celeuma apresentada pelos tribunais supracitados no que concerne a validação das provas digitais, a seguir busca-se apresentar métodos alternativos com a finalidade de auxiliar os operadores do direito, para que as partes possam conseguir utilizar as evidências digitais no processo criminal.
Logo, como visto, muito tem se discutido sobre a possibilidade de quebra da cadeia de custódia no que concerne ao disposto no art. 158-B, inciso II, do Código de Processo Penal “II - isolamento: ato de evitar que se altere o estado das coisas, devendo isolar e preservar o ambiente imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de crime;”[10], ou seja, quando se teme que determinado conteúdo digital tenha sido alterado pelas partes para fins de indução da autoridade judiciária a erro.
Desse modo, um exemplo de tecnologia que pode contribuir para manutenção da validade da prova digital é a tecnologia de “blockchain” para garantir que não haja a quebra da cadeia de custódia das provas obtidas pela internet e por aplicativos.
De acordo com o site https://panoramacrypto.com.br , o “blockchain” é considerado um protocolo de registro distribuído, por meio do qual se divide em blocos, e cada bloco que faz parte da cadeia é protegido por um código criptografado, o qual armazena uma informação. Seguindo este conceito, uma vez validado a informação se junta aos demais blocos, ganha um registro permanente e não pode ser alterado. Cabe salientar que essa tecnologia pode ser usada para validação de documentos, a exemplo dos contratos, bem como transações financeiras, rastreamento de remessas, informações de saúde, votos, dentre outros.[11]
Em vista disso, a tecnologia de blockchain pode ser um meio por meio do qual o judiciário ou as partes podem utilizar para manutenção da cadeia de custódia da prova digital, já que possui tencologia que permite a não alteração e por vezes o sigilo da informação.
Outra opção seria a emissão de um código hash para o arquivo digital, de acordo com o Instituto Nacional da Propriedade Intelectual:
“A função criptográfica hash é um algoritmo utilizado para garantir a integridade de um documento eletrônico, de modo que, um perito técnico possa comprovar que não houve alteração neste documento desde a época em que este foi transformado. Assim, uma simples alteração neste documento acarretará em uma alteração do resumo hash original, desconstituindo assim a prova de integridade do depósito do programa de computador.”
Assim, é possível que uma prova digital seja manipulada pelos peritos técnicos e não seja alterada, com o código hash preservado, e com isso, mantendo a cadeia de custódia.
CONCLUSÃO
Conforme pontos supracitados, objetivou-se a análise das consequências da quebra da cadeia de custódia na fase processual em relação aos procedimentos descritos no art. 158-B da Lei n. 13.964/2019.
Diante de diversos julgados incluindo os tribunais superiores, foi possível notar que basta haver uma fragilidade da cadeia, não sendo devidamente aplicada e respeitada, que ocasionará a impossibilidade de rastreamento das fontes de prova e por consequência o descumprimento aos mandamentos legais e constitucionais garantidores do devido processo legal.
O efeito produzido pela quebra da cadeia de custódia será a ilicitude de toda prova relacionada ao material violado, a exclusão da prova contaminada e de todas as que dela derivam, nos termos do art. 157 e §§ 1º e 3º do Código de Processo Penal. Nessa linha, Guilherme Nucci consubstancia que caso uma prova seja “conseguida por mecanismo ilícito, com o destino de absolver o acusado, é de ser aceita, tendo em vista que a falha judiciária necessita de qualquer maneira ser evitada (...)”.[12]
E diante da atualização trazida pela lei n. 13.964/2019, vislumbra-se cada vez mais pelas partes no processo penal a invalidação das provas digitais, já que demandam ainda mais atenção em relação a sua não alteração. Desse modo, torna-se mister a atenção aos preceitos legais e constitucionais na atuação prática criminal, com a finalidade de manter o respeito ao Devido Processo legal e aos princípios norteadores do Direito Penal e Processual Penal, como o do In Dubio Pro Reu e o da paridade de armas no contraditório processual.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Planalto, Brasília, 03 out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm. Acesso em: 02 de outubro de 2022.>
BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Planalto, Brasília, 29 dez. 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm#art3. Acesso em: 29 de setembro de 2022. BRASIL. TJ-PB. ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00005359620158151201, Câmara Especializada Criminal, Relator DES. RICARDO VITAL DE ALMEIDA , j. em 29-09-2020.Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pb/1109396234/inteiro-teor-1109396243> Acesso em: 02 de outubro de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1795341/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 14/05/2019. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/709372796> Acesso em: 27 de setembro de 2022.
BRASIL. TJSP; Apelação Criminal 0001491-83.2018.8.26.0625; Relator (a): Cesar Augusto Andrade de Castro ; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Taubaté - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 22/02/2021; Data de Registro: 22/02/2021. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1172240341/inteiro-teor-1172240360> Acesso em: 27 de setembro de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RHC 133.430/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1202621413/inteiro-teor-1202621423> Acesso em: 27 de setembro de 2022.
BRASIL. STF – HC 5741131 RS HC 2020/0089692-5, Rel. Min. Nefi Cordeiro (1159), Sexta Turma, Julgado em 25/08/2020) (Retirado do Inteiro Teor da Decisão prolatada pelo STJ – RHC: 140275 MG 2020/0343724-8, Relator: Ministro FELIX FISHER, Data da Publicação: DJ 25/02/2021. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1203153504/inteiro-teor-1203153528.> Acesso em: 27 de setembro de 2022.
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OLIVEIRA, Rafael Serra. Cadeia de custódia: admissibilidade e valoração da prova pericial de DNA. Teses USP. São Paulo, 2020. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-29032021-134630/en.php.> Acesso em: 02 de outubro de 2022.
[1] BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Planalto, Brasília, 03 out. 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em 02 de outubro de 2022.
[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1795341/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 14/05/2019. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/709372796>
[3] BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: < <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 02 de outubro de 2022.
[4] PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2017. E-book, p. 37.
[5] BRASIL. TJSP. Apelação Criminal 0001491-83.2018.8.26.0625; Relator (a): Cesar Augusto Andrade de Castro ; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Taubaté - 2ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 22/02/2021; Data de Registro: 22/02/2021. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1172240341/inteiro-teor-1172240360>
[6] BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Planalto, Brasília, 03 out. 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em 02 de outubro de 2022.
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no RHC 133.430/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1202621413/inteiro-teor-1202621423
[8] BRASIL. TJ-PB. ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00005359620158151201, Câmara Especializada Criminal, Relator DES. RICARDO VITAL DE ALMEIDA , j. em 29-09-2020.Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pb/1109396234/inteiro-teor-1109396243
[9] BRASIL. STF – HC 5741131 RS HC 2020/0089692-5, Rel. Min. Nefi Cordeiro (1159), Sexta Turma, Julgado em 25/08/2020) (Retirado do Inteiro Teor da Decisão prolatada pelo STJ – RHC: 140275 MG 2020/0343724-8, Relator: Ministro FELIX FISHER, Data da Publicação: DJ 25/02/2021. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/1203153504/inteiro-teor-1203153528.
[10] BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Planalto, Brasília, 03 out. 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm> Acesso em 02 de outubro de 2022.
[11] PANORAMACRYPTO. Entenda como é e como funciona a blockchain. 2021. Disponível em <https://panoramacrypto.com.br/entenda-o-que-e-e-como-funciona-a-blockchain/>
[12] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 13. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016.
Bacharelanda em Direito pela Estácio de Sá .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Mariana Vianna de Barros. As consequências da quebra da cadeia de custódia da prova digital na atuação prática criminal após a Lei nº: 13.964/2019 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2023, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61594/as-consequncias-da-quebra-da-cadeia-de-custdia-da-prova-digital-na-atuao-prtica-criminal-aps-a-lei-n-13-964-2019. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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