ELOISA DA SILVA COSTA
(orientadora)
RESUMO: O Presente trabalho tem por enfoque o instituto excludente de ilicitude, qual seja, a legítima defesa na atuação policial. Conceito da legítima defesa, requisitos para caraterização e valoração no meio jurídico. A proteção de qualquer bem juridicamente tutelado pela lei, será defeso pelo instituto da legítima defesa, e sua definição encontra-se positivada pelo Direito Penal, em sua parte geral. Neste sentido, quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. O agir em legitima defesa deverá ser empregado com moderação e dentro do limite razoável para conter a agressão, para que assim afaste as consequências penais sobre o agente. Analisa-se o cabimento da excludente de ilicitude face aos preceitos legais estabelecidos em lei, bem como os potenciais e consequentes excessos dos atos ilícitos de acordo com as doutrinas. No decorrer do trabalho, foi abrangida a obrigação de agir do poder de polícia em prol da paz social e seguridade pública, fazendo o uso da força e de seus poderes, obedecendo o princípio da legalidade, necessidade, razoabilidade e proporcionalidade.
Palavras-chave: Legítima defesa. Atuação Policial. Moderação.
ABSTRACT: The present work focuses on the exclusionary institute of illegality, that is, self-defense in police action. Concept of legitimate defense, requirements for characterization and valuation in the legal environment. The protection of any good legally protected by the law, will be defended by the institute of legitimate defense, and its definition is positivized by the Criminal Law, in its general part. In this sense, whoever, using the necessary means in moderation, repels unjust aggression, current or imminent, to his or others' right. Acting in self-defence must be used in moderation and within reasonable limits to contain the aggression, so as to avoid the criminal consequences on the agent. The pertinence of the exclusion of unlawfulness is analyzed in view of the legal precepts established by law, as well as the potential and consequent excesses of unlawful acts. During the work, the obligation of the police power to act in favor of social peace and public security was covered, making use of force and its powers, obeying the principle of legality, necessity, reasonableness and proportionality.
Keywords: Legitimate defense. Police Action. Moderation.
Sumário: 1. Introdução 2. Tipicidade, ilicitude e culpabilidade da ação 3. Legítima defesa 3.1 Conceito 3.2 Natureza jurídica e fundamento 3.3 Requisitos da legítima defesa 4. Da moderação face a ação e imediata reação 4.1 Do excesso à defesa 4.1.1 Excesso escusável 5. Atuação policial 5.1 No plano constitucional 5.2 Poder de polícia e uso da força 5.3 Legítima defesa na atuação policial 5.4 Do excesso na legítima defesa em atuação policial 5.4.1 Legitima defesa putativa 5.5 Da responsabilidade objetiva do estado 6. Considerações finais e referências.
O Estado, por meio de seus representantes, é responsável constitucionalmente pela segurança pública, preservando a ordem e incolumidade das pessoas e patrimônio, cujo entendimento encontra-se tipificado no artigo 144 da Constituição Federal de 1988. Diante da impossibilidade de estar em todos os locais, o ente federativo avocou sua função judiciária ao oferecer amparo legal quando injustas forem as agressões. Assim, a proteção de qualquer bem juridicamente tutelado pela lei, será amparado e defeso pelo instituto da legítima defesa.
A legitima defesa sempre foi aceita na maior parte dos sistemas jurídicos, pois decorre do direito natural da civilização em face da necessidade de repelir ou impedir atos injustos. Contudo, é necessário que o agente esteja impossibilitado de recorrer aos meios de proteção oferecido pelo Estado, agindo diretamente em sua defesa ou na defesa de terceiros. Destarte, dá-se como lícito o fato típico praticado quando preenchidos os requisitos legais e cumulativos de ordem subjetiva e objetiva.
O Código Penal (Decreto Lei N° 2.848, de 7 de dezembro de 1940) é regido não apenas por normas incriminadoras mas também por normas permissivas que, com a análise do caso concreto e circunstâncias, autoriza a realização de uma conduta tida como ilícita. Para que haja tal permissibilidade, valer-se-á do estudo da ação do sujeito agressor conjuntamente com as circunstâncias do caso, que possivelmente vieram a induzir um reflexo desajustado do sujeito agredido. Haja vista que, se o intuito é de proteger o bem jurídico que está (atual) ou iminentemente virá a ser lesado, a conduta ilícita será convertida em fato antijurídico lícito.
Dessa maneira, o legislador discorreu no art. 25 do Código Penal, o seguinte conceito à legítima defesa: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” (BRASIL, 1940, art. 25). Então, a possibilidade de defender legitimamente qualquer bem jurídico com as próprias mãos, repelindo injusta agressão, utiliza-se de um requisito de moderação, cuja a ação defensiva será proporcional a agressiva, isso se for possível e estiver ao alcance da suposta vítima.
Neste sentido, fica o presente questionamento: Sendo a legitima defesa tipificada e pré-estabelecida em lei, sua proporcionalidade confronta diretamente com todas as ações que se valham do emprego imoderado dos meios de defesa? Em determinados casos e circunstâncias, poderá ocorrer a deturpação da responsabilidade limítrofe no instituto da excludente de ilicitude tratada?
No intuito de verificar todos os pormenores deste instituto, foi utilizado o método dogmático instrumental, através da interpretação da doutrina e legislação pertinentes. Consubstanciado em pesquisas bibliográficas, os estudos doutrinários que discorrem acerca dos conceitos primitivos sobre o tema, ora já consolidado no ordenamento jurídico brasileiro e, ainda, apontamentos contemporâneos e julgamentos da matéria tratada, com abordagem qualitativa e exploratória de discussões acerca da linha tênue para o excesso. Doutrinadores como Cleber Masson, Fernando Capez, Guilherme de Souza Nucci, Cezar Roberto Bitencourt, André Estefam foram essenciais para a conceituação do instituto da legitima defesa.
O trabalho tem como objetivo geral examinar o instituto da legítima defesa de maneira ampla, seu conceito, dispositivo legal no Código Penal, natureza jurídica, requisitos legais, espécies, moderação e imoderação em congruência com o instituto tratado. No mais, face a relevância do tema, será abrandiga as condutas ilícitas que virão a ser convertidas em fato antijurídico lícito, baseando-se na aplicabilidade do instituto da legitima defesa e sua devida proporcionalidade sob a análise do caso em concreto. Por fim, identificar as limitações do direito à legítima defesa face aos potenciais e consequentes excessos dos atos, direcionada à atuação policial, uso progressivo da força e a responsabilidade objetiva do Estado sobre tais circunstâncias.
2 TIPICIDADE, ILICITUDE E CULPABILIDADE DA AÇÃO
Nos primórdios de um crime haverá a tipicidade da ação ou omissão do agente, pois, a conduta dele estará em contradição com o ordenamento jurídico. Logo, ao restar constituído um delito, o Código Penal, será evocado para solucionar a lide. Contudo, para que haja a intervenção da Lei Penal limitando os direitos ou garantias fundamentais, assim previstos na Constituição Federal Brasileira (CF/88), o agente deve ter sua conduta penalmente tipificada (disciplinada diretamente pela lei).
Neste sentido, como determinados contextos devem ser disciplinadas pela lei (MENDES, BRANCO, 2022, p. 2525), consagra a CF/1988 o princípio da reserva legal, em seu respectivo artigo 5º, inciso XXXIX, in verbis:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; (BRASIL, 1988, art. 5°).
A ilicitude está submetida a esta anterioridade da norma em relação à conduta do agente, composta com os demais requisitos do crime, quais sejam, a tipicidade e culpabilidade. Ademais, o Código Penal traz circunstâncias em que mesmo sendo típico o ato praticado, não haverá crime. De tal modo, é dada a exclusão da responsabilidade penal se presente alguma das causas de excludente de ilicitude. Assim dispõe, em seu artigo 23:
Não há crime quando o agente pratica o fato:
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. (BRASIL, 1940, art. 23).
Logo, o trabalho em questão oferece maior atenção à excludente de ilicitude legítima defesa. Tem-se em vista, que o Estado não estará presente em todos os momentos da vida cotidiana para intervir sobre atos injustos.
Temos por configurada a legítima defesa quando há um conflito existente entre um bem ou interesse juridicamente protegido e um injusto agressor. Assim, aquele que fora atualmente ou vier a ser iminentemente agredido, poderá repelir a injusta agressão, contra direito seu ou de terceiro, usando moderadamente dos meios. Dito isso, a pessoa passível da injustiça contém em suas mãos o poder de reação contra o perigo de lesão sem que haja necessidade de aguardar a atuação do Estado.
Desse modo, o doutrinador Bitencourt (2023, p.1051) faz referência a legítima defesa como sendo uma conquista da civilização:
O reconhecimento do Estado da sua natural impossibilidade de imediata solução de todas as violações da ordem jurídica, e objetivando não constranger a natureza humana a violentar-se numa postura de covarde resignação, permite, excepcionalmente, a reação imediata a uma agressão injusta, desde que atual ou iminente, que a dogmática jurídica denominou legítima defesa.
A saber, nota-se que os o agentes públicos, in casu, também são contemplados pelo instituto da legitima defesa e, para tanto, o doutrinador clássico Cleber Masson (2020, p. 350) pondera e exemplifica:
A Lei 13.964/2019, também conhecida como “Pacote Anticrime”, acrescentou o parágrafo único [...]. [...] propiciar maior segurança jurídica às instituições de segurança pública e seus membros [...]. [...] na situação de um atirador de elite (sniper) para salvar as vítimas de um sequestrador armado que as mantém como reféns no interior de um ônibus, é indiscutível a incidência da legítima defesa, como causa de exclusão da ilicitude, se ocorrer a morte do agente quando ele se propõe a eliminar a vida de uma das vítimas, desde que presentes os requisitos elencados pelo art. 25, caput, do Código Penal.
Logo, a legitima defesa valhe-se como o instituto eficaz para repelir a injusta agressão, cujo o bem jurídico preservado tem valor igual ou superior ao atingido, cuja a ação deverá ser empregada com proporcionalidade, moderação e dentro do limite razoável para conter a agressão.
3.2 NATUREZA JURÍDICA E FUNDAMENTO
A Legítima defesa é causa excludente de ilicitude, como assim fora indicado no artigo 23, inciso II do Código Penal. Para que haja a caracterização do instituto da legítima defesa, faz-se necessário o preenchimento de determinados requisitos. Estes encontram-se indicados no artigo 25 do Código Penal, cumulado com seus respectivos incisos. Em sintese do necessário, são eles: a) agressão injusta; b) atual ou iminente; c) a direito próprio ou de terceiro; d) repulsa com meios necessários; e) uso moderado de tais meios; e f) conhecimento da situação justificante (CAPEZ, 2022, p.753).
3.3 REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA
O primeiro requisito é a existência de uma agressão injusta, seja ela real (realmente existe) ou putativa (imaginária) que, contudo, não pode confundir-se com a mera provocação do agente. Também, o ato de agressão atenta contra direito próprio ou alheio, dirigido a um destinatário certo. Qualquer bem jurídico pode ser protegido pelo instituto da legítima defesa, para repelir agressão injusta, sendo irrelevante a distinção entre bens pessoais e impessoais, disponíveis e indisponíveis. (BITENCOURT, 2023, p.1061).
Por fim, tem que ser atual ou iminente a agressão, não se admitindo a legítima defesa contra agressão passada ou futura (se incerta) e, também descaracterizando a repulsa contra injusta agressão que não acontecerá de forma imediata. É o que diz Biterncourt, em seu livro Tratado de Direito Penal (2023, p.1059):
A reação do agredido para caracterizar a legítima defesa pode ser preventiva ante uma agressão injusta iminente, estando orientada, prioritariamente, a impedir o início da ofensa, mas pode destinar-se a evitar, ante uma agressão injusta atual, a sua continuidade, com o objetivo de impedir que se produza um dano maior ao bem jurídico1035. A reação deve ser, em ambos os casos, imediata à agressão, pois a demora na repulsa descaracteriza o instituto da legítima defesa.
Neste sentido, não se pode cobrar uma proporção mecânica daquele que foi subtamente agredido, pois, se a reação de defesa do bem jurídico tutelado fora o único meio disponível e utilizado de forma moderada, sob o ato de repulsa haverá a causa excludente de ilicitude do artigo 23, incisso II, do Código Penal, pois desta ação procedeu o emprego moderado dos meios de defesa.
4 DA MODERAÇÃO FACE A AÇÃO E IMEDIATA REAÇÃO
Cumulativamente com os requisitos já discorridos, é certo que o agredido (sujeito passivo) deve se utilizar de meios moderados para repelir a injusta agressão do sujeito ativo, assegurando que a moderação perdurará apenas enquanto durar aquela. Ao final, o agente passivo deve ter conhecimento da situação justificante, ciente da ação em repulsa a um ataque atual ou iminente (requisito subjetivo). Desse modo, se houver a imoderação da defesa, com ação além do exigido razoavelmente pelas circunstâncias, pressupor-se-á a caracterização do excesso à defesa.
Faz-se necessario averiguar a conduta do agente, se esta deu-se de maneira dolosa ou culposa, para que enquadre o excesso tipificado em lei.
Face aos mencionados tipos, o doloso se utiliza da voluntariedade e propositalidade em exceder-se na prática do delito; já o culposo, o excesso é resultado de uma imprudência, negligência ou imperícia do agente; ao falarmos do acidental, este se origina de causa fortuita ou de força maior, assim o excesso é penalmente irrelevante já que os eventos causadores foram imprevisíveis e inevitáveis ao agente; temos como exculpante o excesso dado por medo ou susto do agente em face da situação em que se encontra; ao final, temos como intensivo aquele em que o agente se utiliza de meios desproporcionais para defender-se de uma agressão injusta e, extensivo quando não mais existe uma agressão injusta, mas em seguida o agente lesa bem jurídico alheio (MASSON, 2020, p. 370 e 371).
Há casos em que o emprego imoderado da defesa ainda resultará como excludente de culpabilidade, e este entendimento encontra-se na espécie de excesso exculpante, baseado na inexigibilidade de conduta diversa. Este não é previsto no Código Penal, mas é tratado na doutrina, jurisprudências, Código Penal Militar (Decreto Lei - 1001/1969) e ordenamento jurídico de alguns países como Alemanha, Espanha e Portugal. Variáveis são os entendimentos acerca da apreciação ou não dessa tese, por esta ser vaga e com uma dinâmica comprobatória incerta, que pode gerar a impunidade do agente.
O excesso escúsavel recebeu tratamento de causa supra legal de exclusão de culpabilidade, de modo que o fato será tido como típico e antijuridico, mas não culpável. Tal uso imoderado dos meios de defesa decorre do medo, surpresa ou profunda alteração do ânimo do agente em face da situação em que se via em iminente risco. Contudo, apesar da impossibilidade de exigir uma reação moderada do agente, o excesso se deu motivado pelas emoções subjetivas daquele, e mesmo sendo inexigível uma conduta diversa, sua conferência durante a instrução processual, poderá invocar uma certa disparidade de armas e incerteza sobre quem virá a ser caracterizado como a vítima ou agressor do fato gerador.
Entende-se como característica do Estado a preservação da ordem pública bem como a segurança das pessoas e, a ele recai a responsabilidade objetiva sobre seus agentes públicos. A norma constitucional vigente no país de, qual seja, Constituição Federal de 1988, estabelece em seu artigo 144 a previsão de tal entendimento:
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. (BRASIL, 1988, art. 144).
Em breve sintese das funções pelos quais os mencionados órgãos se destinam, a Polícia Federal apura infrações penais contra a ordem pública e social de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas. No mais, a Polícia Rodoviária Federal está relacionada ao patrulhamento ostensivo das rodovias Federais, enquanto a Polícia Ferroviária Federal patrulha as ferrovias federais. Ainda, as Polícias Civis, tem função de polícia judiciária e apuração de infrações penais, enquanto as Militares buscam a preservação da ordem pública.
Tais órgãos, possuem normas que moldam suas condutas e atuações, estabelecendo para tanto direitos e obrigações a fim de uma boa conduta profissional. No que diz respeito a ordem pública, portanto, é de competência primordialmente da Polícia Militar, logo, busca-se sobre ela um comportamento legalista tanto direcionado ao público interno quanto ao público em geral.
5.2 PODER DE POLÍCIA E USO DA FORÇA
O poder de polícia atua em prol da ordem pública e segurança social cuja atribuição vem da administração pública, a fim de combater atos cometidos por determinados individuos que atormentam a paz social. Para sua atuação, há variação das maneiras de solução do conflito, pois nem sempre estes são resolvidos de forma pacífica. Logo, a depender da situação, faz-se necessário o uso progressivo da força, no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso, nos termos do artigo 284 do Código de Processo Penal.
No mais, é de saber que o uso da arma de fogo não é o instrumento prioritário, já que, a utilização de instrumentos que auferem menor potencial ofensivo tem preferência em todo o território nacional. Tendo em vista tal fundamento, deve-se ressaltar que o uso de instrumento de menor potencial ofensivo, ou seja, aquele que contem baixa probabilidade de causar mortes ou lesão permanente, não pode por em risco a integridade física ou psíquica dos policiais. Nestes termos, deve o policial optar para o emprego da força pelo qual for necessária e adequada em resposta ao nível de reação do agressor/infrator da lei, a fim de o conter, debilitar ou incapacitar temporariamente.
A Lei 13.060 de 22 de dezembro de 2014, dispõe acerca do uso dos instrumentos de menor potêncial ofensivo pelos agentes de segurança púbica, em nosso território nacional. No decorrer desta, em seu artigo 2º, parágrafo único, retrata:
Não é legítimo o uso de arma de fogo:
I - contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros; e
II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros. (BRASIL, 2014, art. 2º, parágrafo único).
Neste interino, o uso da arma de fogo deverá ser racional, sendo os agentes de segurança habilitados, pois inclusos em conteúdo programático para formação e capacitação. Ademais, em atuação, a Polícia de forma ostensiva ou preventiva, dentro do estrito cumprimento do dever legal assegurará a paz social, utilizando-se do meio necessário e disponível quando se deparar com resistência, agressão violenta, em cumprimento de mandado de prisão ou até mesmo em abordagem rotineira.
5.3 LEGÍTIMA DEFESA NA ATUAÇÃO POLICIAL
Diariamente o policial se depara com casos de complexibilidade diversificada, ocasião em que sua atuação poderá variar. Nesses momentos, os altos e baixos vão desde uma simples abordagem, até um confronto onde todos os envolvidos são altamente armados. Sob esse ponto, não podemos apenas considerar o que nossos olhos alcançam, pois não estamos tratando de meros defensores da seguridade pública, mas também de humanos com emoções.
Por mais que haja um preparo técnico-psíquico do policial, o mesmo pode ser tomado por adrenalina. Logo, o agente que reage à agressão injusta, seja ela atual ou iminente, utilizando-se dos meios necessários, agirá amparado pelo instituto da legítima defesa e, portanto, pela exclusão da ilicitude de seu ato. Vale ressaltar, que a circunstância descrita não se confunde com o estrito dever do cumprimento legal.
A título de conhecimento, temos como estrito cumprimento do dever legal, uma causa também prevista no artigo 23, inciso III, do Código Penal, que virá a excluir a ilicitude do fato quando enquadrada nas circunstâncias que a tipificam. Isso acontece quando a lei traz uma positivação a um agente público para que o mesmo realize condutas, até mesmo através da pratica de fatos típicos a fim de executar o ato legal. Assim, o autor da obra Direito Penal, Parte Geral, André Estefam (2023, p.756), indica como circunstâncias para tal excludente de ilicitude:
a) existência prévia de um dever legal, leia-se: de uma obrigação imposta por norma jurídica de caráter genérico, não necessariamente lei no sentido formal; o dever poderá advir, inclusive, de um ato administrativo (de conteúdo genérico). Se específico o conteúdo do ato, poder-se-á falar em obediência hierárquica (instituto regulado no art. 22 do CP, que interfere na culpabilidade do agente, como se estudará no próximo capítulo); b) atitude pautada pelos estritos limites do dever; c) conduta, como regra, de agente público e, excepcionalmente, de particular. Como exemplo de dever legal incumbido a particular costuma-se lembrar do dever dos pais quanto à guarda, vigilância e educação dos filhos.
Uma vez identificada a diferença entre estrito cumprimento do dever legal e a legitima defesa, resta claro que, quando preenchido os requisitos de um ou de outro, nos seus referidos termos, haverá a absolvição do policial, pois amparado na excludente de ilicitude. Assim, face a legitima defesa do policial que reagiu a uma agressão injusta, deve ser feita a apuração dos fatos de maneira imparcial (logo, não tendenciosa), considerando ainda os princípios legais para solidificar suas ações.
5.4 DO EXCESSO NA LEGÍTIMA DEFESA EM ATUAÇÃO POLICIAL
O Código Penal, estabelece em seu artigo 23, parágrafo único, a hipótese em que o excesso será punido em qualquer da hipóteses excludentes de ilicitude. Para tanto, a pessoa que agir em excesso terá ultrapassado as barreiras limítrofes durante a prática do fato típico para repelir a agressão injusta, em específico no caso da legítima defesa. Assim sendo, o agente intensifica sua conduta além do necessário e, em razão disso, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Tal hipótese, também alcança os agentes policiais que agirem em excesso em repulsa a agressão injusta. Como fora dito, os agentes de segurança pública possuem preparo técnico-psíquico e, portanto são capacitados a usar a arma de fogo como último e excepcional recurso; mesmo assim, quando estritamente necessário, devem ser treinados para manejá-la tão somente para imobilizar, recebendo treinamento adequado e contínuo para que os disparos não atinjam região vital. Ou seja, atirar para no máximo ferir, realizando, assim, uma defesa qualificada que não se equipara a de um particular, nem tampouco a de um soldado em uma guerra sem lei.
Nestes termos, os policiais não podem atuar além do imprescindível para repelir o dano ou iminente prejuízo, se não sobre eles recairá a excesso. Os agentes estatais tem a responsabilidade de atuar dentro das premissas da paz social e segurança pública, sendo necessário que atuem sem excessos, e principalmente com cautela. Logo, é de saber que o instituto da legítima defesa também o ampara se não caracterizado o excesso, e assim, com a junção de provas no processo penal, torna possível a absolvição do policial que agir em legítima defesa.
5.4.1 Legitima defesa putativa
Nesse caso, na legítima defesa putativa, o agente por erro de tipo ou erro de proibição supõe a existência da legítima defesa, ocasião em que há falsa percepção da realidade, pois acreditava estar realizando uma conduta típica mas com a finalidade de se defender. A título de exemplo, suponhamos estar havendo confronto policial contra traficantes em um bairro afastado do centro da cidade; o policial ao se deparar com um homem portando um objeto semelhante a uma pistola em suas mãos, imediatamente repeliu a suposta agressão que viria a sofrer, vitimando fatalmente o homem. O policial acreditava que o homem estava portando uma pistola, mas na verdade se tratava de um morador do local portando apenas uma furadeira.
Logo, é de se perceber a falsa percepção da realidade que acometeu o policial em seu ato, pois as circunstâncias do fato impulsionou sua reação defensiva. Deste modo, apesar da complexibilidade em demonstrar o dolo do agente policial, o juiz virá a julgar. Se restar isento de pena o policial face a legítima defesa putativa, ainda subsistirá a responsabilidade objetiva do Estado sobre o ato de seu agente.
5.5 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO
Temos como responsabilidade do Estado à preservação da ordem pública bem como a segurança das pessoas, inclusive quando os agentes estiverem em atuação. Com relação à atuação da polícia isto também é valido, tendo os agentes estatais a responsabilidade de atuar sempre tendo estas premissas. Então, é necessário que os agentes estatais atuem sem excessos, e principalmente com cautela.
O constituinte de 1988 adotou a Teoria Responsabilidade Objetiva na modalidade do risco administrativo. Dessa forma, para a configuração do direito a indenização, basta a presença de três elementos: ato ou omissão, nexo causal e dano.
Dessa forma, é cediço que o Estado possui Responsabilidade Objetiva conforme descrito na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, parágrafo 6º, verbis: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa.” Assim, havendo nexo entre a omissão do ente público e o dano sofrido pela vítima de um excesso gerado por policiais, haverá a responsabilidade do Estado.
Posto isso, ainda que o Estado não tenha sido o causador do dano de forma direta, os atos dos agentes da administração pública são imputáveis ao órgão ou entidade que o mesmo atua e, neste sentido, ainda que não tenha sido o causador do dano, não pode usar a seu favor para defesa excludentes ou atenuantes de responsabilidade, assim como indica Spitzcovsky, 2023, p.1321.
Inicialmente, o trabalho indicou acerca da necessidade de evocar o direito Penal para solucionar a lide. No mais, foram previamente mencionadas as causas excludentes de ilicitude quando típico for o ato praticado, sendo elas, estado de necessidade, legitima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito, presente no art. 23 do Código Penal. Com maior amplitude, o instituto da legítima defesa foi desenvolvido em texto, sendo apontadas as características deste que levará a extinção da ilicitude do fato típico praticado pela vítima de uma injusta agressão.
Ainda, teve como apontada a possibilidade de enquadrar atos praticados por policiais, provedores da segurança social nacional, quando se virem em legítima defesa. Foram expostas normas legais que regulam a atuação policial e, concomitantemente, foi feito o apontamento acerca da habilidade técnica dos mesmos para que se valham dos meios de defesa com menor potencial letal a vida humana a de fazer cessar ou repelir o ilícito atual ou iminente. Ademais, restou por compreendido a que os policiais devem fazer uso da força de maneira proporcional e necessária para cessar a agressão, apesar de também estarem condicionados as emoções e reações humanas.
Ao final, foram apontadas situações em que se enquadraria o excesso da legítima defesa, inclusive durante as atuações policiais. Posteriormente, foi falada da legitima defesa putativa que pode vir a ser uma tese defensiva durante ações policiais, oportunidade em que, os mesmos constantemente se deparam com situações de alto risco. Por fim, foi falada da responsabilidade objetiva do Estado quando na presença de três elementos, ato ou omissão, nexo causal e dano gerado por agentes policias, que agiu em legítima defesa putativa, logo, é isento de pena, enquanto aquele deverá indenizar.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral - arts. 1º a 120. 29. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. 2945 p.
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graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCELINO, Poliane Toniolo. A esfera da legítima defesa e a linha tênue para o excesso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2023, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61906/a-esfera-da-legtima-defesa-e-a-linha-tnue-para-o-excesso. Acesso em: 22 nov 2024.
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