RESUMO: o presente trabalho pesquisará acerca da inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal. Como objetivo geral, será exposto o procedimento aplicável à citação por hora certa na esfera criminal. Far-se-á, como objetivo específico, a análise do efeito da citação por hora certa, qual seja, a revelia, a luz dos consagrados princípios constitucionais aplicáveis ao processo constitucional-penal: princípios do devido processo legal; da presunção de inocência; princípios do contraditório e da ampla defesa. No concernente a organização metodológica do trabalho, iniciou-se, no primeiro capítulo, com os princípios constitucionais explícitos no direito processual criminal. Após, foram abordados os atos de comunicação processual, diferenciando citação, intimação e notificação, bem como suas formas de aplicação e consequentes efeitos para o processo penal. Derradeiramente, aborda-se sobre o efeito da revelia para o direito processual, destacando a inconstitucionalidade da citação por hora certa, introduzida no processo penal através da lei 11.719/08.
Palavras-chave: Processo penal; Citação por hora certa; Inconstitucionalidade; Revelia.
ABSTRACT: the present work will research about the unconstitutionality of citation by right time in the criminal procedure. as a general objective, the procedure applicable to the citation by the right time in the criminal sphere will be exposed. it will be done, as a specific objective, the analysis of the effect of summons at the right time, that is, by default, in the light of the enshrined constitutional principles applicable to the constitutional-criminal process: principles of due process of law; the presumption of innocence; principles of contradictory and full defense. regarding the methodological organization of the work, the first chapter began with the explicit constitutional principles in criminal procedural law. afterwards, the acts of procedural communication were addressed, differentiating citation, subpoena and notification, as well as their forms of application and consequent effects for the criminal procedure. lastly, it addresses the effect of default for procedural law, highlighting the unconstitutionality of citation by right time, introduced in criminal proceedings through law 11.719/08.
Keywords: Criminal procedure; Warrant by appointment. Unconstitutionality. Default.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Princípios constitucionais explícitos no processo penal. 2. Atos de comunicação processual. 2.1. Citação, intimação e notificação. 2.2. Das formas de citação: pessoal e ficta. 2.3. Da citação ficta ou presumida. 2.3.1. Da citação por edital. 2.3.2. Da citação por hora certa. 3. A inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda a inconstitucionalidade da citação por hora certa e seus efeitos no Processo Penal.
Como seu objetivo principal, pretende-se confrontar esta moderna modalidade de citação, introduzida no processo penal com o advento da Lei n.º 11.719/2008, aos consagrados princípios constitucionais aplicáveis à justiça criminal, sobretudo em seu âmbito processual.
Buscando um método mais adequado e límpido para expor o seguinte tema, entendeu-se como oportuno desenvolvê-lo da seguinte forma: dos princípios constitucionais aplicáveis ao processo penal; dos atos de comunicação processual; e sobre a inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal.
Denota-se, então, que o primeiro capítulo deste trabalho será reservado não há todos os princípios constitucionais existentes no processo penal, mas somente àqueles correlacionados aos atos de comunicação processual.
Ato contínuo, aborda-se os atos de comunicação processual aplicáveis ao processo penal, os quais se destacam a citação, intimação e notificação, possuindo, cada qual, regramentos e efeitos particulares e específicos.
Por fim, adentrar-se-á, de fato, nas raízes que originaram o presente artigo, onde será enfrentada à questão da revelia no processo penal, para depois, enfim, apresentar a conclusão pela inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal, criticando-se a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a reconhece válida.
1. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS EXPLÍCITOS NO PROCESSO PENAL
Conforme preceitua o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República Federativa do Brasil, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
O contraditório foi assim definido por Aury Lopes Jr (2013, p. 230):
O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre um conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo) e a defesa (expressão do interesse do acusado [e da sociedade] em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas). É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo.
O ato de “contradizer” a suposta verdade afirmada na acusação (enquanto declaração petitória) é ato imprescindível para um mínimo de configuração acusatória do processo. O contraditório conduz ao direito de audiência e as alegações mútuas das partes na forma dialética.
O festejado professor Renato Brasileiro de Lima (2012, p. 18-19) é preciso ao definir o Princípio do Contraditório:
Pela concepção original do princípio do contraditório, entendia-se que, quanto à reação, bastava que a mesma fosse possibilitada, ou seja, tratava-se de reação possível. No entanto, a mudança de concepção sobre o princípio da isonomia, com a superação de mera igualdade formal e a busca de uma igualdade substancial, produziu a necessidade de se igualar os desiguais, repercutindo também no âmbito do princípio do contraditório. O contraditório, assim, deixou de ser visto como uma mera possibilidade de participação de desiguais para se transformar em uma realidade. Enfim, há de se assegurar uma real e igualitária participação dos sujeitos processuais ao longo de todo o processo, assegurando a efetividade e plenitude do contraditório. É o que se denomina contraditório efetivo e equilibrado. [...].
Notadamente no âmbito processual penal, não basta assegurar ao acusado apenas o direito à informação e à reação em um plano formal, tal qual acontece no processo civil. Estando em discussão a liberdade de locomoção, ainda que o acusado não tenha interesse em oferecer reação à pretensão acusatória, o próprio ordenamento jurídico impõe a obrigatoriedade de assistência técnica de um defensor.
Destarte, veja que o princípio do contraditório é característica essencial do sistema acusatório, sendo, então, direito de qualquer cidadão, no mínimo, ser ouvido, ou seja, dar sua versão sobre uma suposta prática que lhe está sendo imputada.
O contraditório é característico do sistema acusatório que, para atingir a finalidade jurisdicional, permite a absoluta paridade entre as partes (CAPEZ, 2013, p. 80).
O princípio ora exposto, evidentemente não se esgota apenas na CRFB, mas também no Pacto de São José da Costa Rica - Convenção Americana sobre os Direitos Humanos que determina:
Art. 8. n°1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
O princípio da ampla defesa é considerado como o outro lado do contraditório, ou, buscando uma melhor definição, a ampla defesa nada mais é do que uma consequência do contraditório.
A ampla defesa assegura ao réu sua participação no processo em todos os sentidos, ou seja, não lhe concede apenas o direito de ser ouvido, como também, muito possivelmente o que há de mais emblemático no processo penal, o direito a defesa técnica.
Conforme Eugênio Pacelli de Oliveira (2008, p. 32-35):
Enquanto o contraditório exige a garantia de participação, o princípio da ampla defesa vai além, impondo a realização efetiva desta participação, sob pena de nulidade, se e quando prejudicial ao acusado. [...]
Pode se afirmar, portanto, que a ampla defesa realiza-se por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva e, finalmente, por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado.
Renato Brasileiro de Lima dispõe que a ampla defesa deve ser vista na forma de um direito, privilegiando o interesse do acusado, assim como uma garantia, proporcionando ao réu um processo justo. (2012, p. 23)
Denota-se, então, a importância da defesa técnica ao réu, sendo, dessa forma, um direito indisponível e irrenunciável do denunciado.
Em razão disso apregoa o artigo 261 do CPP que “nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será julgado ou processado sem defensor”.
Conclui-se, desta feita, a imprescindibilidade da ampla defesa no processo penal, desde a autodefesa até a chamada defesa técnica, exercida por um advogado ou defensor constituído pelo Estado, sob pena, sempre, de nulidade por cerceamento de defesa.
O princípio a publicidade é direito individual de todo e qualquer indivíduo, ainda mais, para com aqueles que estão sendo processados judicialmente.
A publicidade dos atos processuais possui, evidentemente, previsão constitucional que, em seu art. 5º, inciso LX, dispõe, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
Conforme se explicitou, o direito individual a publicidade dos atos processuais é a regra, existindo, todavia, casos excepcionais em que o referido princípio é relativizado em virtude da coletividade.
Destarte, restou elucidado a importância e exigência da publicidade dos, e nos, atos processuais, sendo esta, uma regra constitucional e processual penal, que pode ser ultrapassada, unicamente, em casos extraordinários, onde a ordem pública e o interesse coletivo são analisados em um plano superior.
O princípio norteador do processo penal referente à presunção da inocência significa o dever de não se poder condenar um indivíduo previamente, sem um devido processo legal, sem uma sentença transitada em julgado que o declare culpado de modo definitivo.
Não basta, portanto, a mera imputação de uma prática delitiva, mas, necessariamente, uma condenação criminal para atribuirmos o rótulo de culpado a um indivíduo.
O art. 5º, inciso LVII, da CRFB assegura o princípio ora mencionado: Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Denota-se, então, que no concernente a aplicação do princípio ora desvendado, mostra-se oportuno à velha máxima do direito e processo penal, que todos são inocentes, até que se prove o contrário.
2. ATOS DE COMUNICAÇÃO PROCESSUAL
2.1. CITAÇÃO, INTIMAÇÃO E NOTIFICAÇÃO
Concluído o momento inquisitorial, ou seja, a seara administrativa da persecução penal, inicia-se, com o recebimento da denúncia, o processo penal de fato, o qual, independente do procedimento adotado, será constituído de um conjunto de atos processuais, entre eles, os atos de comunicação processual.
Como já se salientou, é direito constitucional do acusado conhecer integralmente o processo, desde o seu chamamento inicial, até a sua conclusão, que se dá com a sentença de primeiro grau ou acórdão de instâncias superiores.
Diante disso, existem três formas de comunicação processual: citação, intimação e notificação; cada qual, embora semelhantes em determinados pontos, possuem finalidades específicas para o prosseguimento do feito em um processo criminal.
A citação é o primeiro ato de comunicação processual, afinal, é ela que possui o objetivo de chamar o réu para a demanda litigiosa, ou melhor, informa-lhe que em face dele existe uma denúncia ou queixa e que deverá dela se defender.
Sua previsão legal está contida no artigo 351 do Código de Processo Penal, que determina a citação por mandado, ou seja, pessoal, como sendo a regra dessa forma de comunicação.
Nesse mesmo sentido, é válido sempre pontuar os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci que define a citação como: “é o chamamento do réu a juízo, dando-lhe ciência do ajuizamento da ação, imputando-lhe a prática de uma infração penal, bem como lhe oferecendo a oportunidade de se defender pessoalmente e através de defesa técnica.”. (NUCCI, 2008, p. 623).
Após a citação do réu e, por conseguinte, com o recebimento da denúncia, já podemos tratar o feito como sendo processualístico de fato, entrando em cena os atos de intimação e notificação judicial.
Dando prosseguimento, infere-se que a citação não se confunde com a intimação ou com a notificação, sendo perfeitamente possível não apenas uma distinção teórica, mas também, na prática processual, vejamos.
Dessa forma, para uma melhor definição, infere-se que os atos de comunicação processual podem ser assim definidos:
a) Citação: é o ato que chama o réu ao processo, lhe dando ciência de uma imputação que lhe é imposta, para, assim, se autodefender e apresentar defesa técnica;
b) Intimação: é o ato que dá ciência ao réu de algo já realizado no processo;
c) Notificação: é o ato que cientifica o réu de que ele poderá realizar algo positivo no processo.
Conforme exposto, pelo fato de cada ato de comunicação processual possuir uma finalidade específica, sua falta, acarretando em qualquer prejuízo para as partes, dará ensejo à anulação do ato praticado ou, até mesmo, de todo o curso do processo penal.
2.2. DAS FORMAS DE CITAÇÃO: PESSOAL (OU REAL) E FICTA (OU PRESUMIDA)
No que se refere a citação no processo penal, não devemos nos ater as regras normalmente utilizadas no processo civil, muito porque, na justiça criminal, o réu é citado para defender sua liberdade, enquanto no cível ele é chamado para, no máximo, defender seu patrimônio.
Acerca da importância de cada instituto, percebe-se que embora liberdade e patrimônio sejam, sem dúvida, direitos individuais fundamentais consagrados na Constituição Federal, o primeiro corresponde a direito universal enquanto o segundo é um direito singular, não devendo, por conseguinte, possuírem as mesmas regras de proteção, sobretudo quando adentramos a seara criminal.
Diante disso, as normas relacionadas a citação no âmbito criminal possuem uma importância superior às demais searas do direito, afinal, reflete no direito individual de maior proteção, qual seja, a liberdade do ser humano.
A citação dar-se-á de duas formas, de modo pessoal, onde o réu é pessoalmente citado, por meio de mandado, carta precatória, rogatória ou de ordem, ou mediante requisição; ou, ainda, excepcionalmente, de modo ficto, quando o denunciado é presumidamente citado, por meio de edital ou por hora certa.
A regra explícita no processo penal é que a citação do acusado será pessoal, por mandado, como apregoa o artigo 351 do Código de Processo Penal: A citação inicial far-se-á por mandado, quando o réu estiver no território do sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado.
Dessa forma, o juízo só poderá se valer da citação ficta, quando esgotado todos os meios pessoais que poderiam acarretar em uma citação pessoal.
Assim leciona Paulo Rangel (2004, p. 680-681):
É cediço que, para que haja citação ficta, ou seja, por edital, imprescindível que todos os esforços necessários para se localizar o réu tenham sido feitos, ou, na hipótese de o réu se ocultar, que, efetivamente, constata-se que ele assim agiu. Não é suficiente apenas a certidão do oficial de justiça, dizendo que o réu encontra-se em lugar incerto e não sabido ou que se oculta. Necessário se faz que haja nos autos do processo diligências visando a localização do réu em determinados lugares, oficiando-se determinados órgãos públicos para que forneçam possível endereço do acusado. Somente após estas diligências é que, pensamos, deve o juiz determinar a publicação do edital de citação com requisitos do art. 365 do CPP.
Não é outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como também dos Tribunais Pátrios, vejamos:
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. PRISÃO CAUTELAR. ALEGADA NULIDADE. CITAÇÃO EDITALÍCIA INVÁLIDA. NÃO CONFIGURAÇÃO. TENTATIVAS DE CITAÇÃO PESSOAL FRUSTRADAS. PACIENTE NÃO ENCONTRADO NOS ENDEREÇOS FORNECIDOS NOS AUTOS. PACIENTE EM LOCAL INCERTO E NÃO SABIDO. NULIDADE INOCORRENTE. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. Não há que se falar em constrangimento ilegal, sendo válida é a citação por edital, se foram efetuadas todas as diligências possíveis, visando a localização do paciente e mesmo assim, não lograram êxito. (STF, 2014, HC n. 121175 PB)
Posto isso, evidencia-se que a regra é pela citação pessoal do acusado, existindo, contudo, apenas em casos de exceção, a citação em sua forma presumida.
2.3. DA CITAÇÃO FICTA OU PRESUMIDA
2.3.1. DA CITAÇÃO POR EDITAL
A citação por edital é uma das modalidades de citação ficta, onde o réu, ao invés de ser pessoalmente cientificado, tem seu nome apregoado nas paredes do fórum ou meios comunicativos de grande circulação, em virtude de encontrar-se em lugar incerto e não sabido.
A legislação processual penal é clara ao salientar que essa espécie de citação é subsidiária, ou seja, ela só terá eficácia caso restarem esgotados todas as formas de citação pessoal do acusado.
O chamado ficto por edital está expresso no Código de Processo Penal:
Art. 361. Se o réu não for encontrado, será citado por edital, com o prazo de 15 (quinze) dias. [...]
Art. 363. O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado.
§1° Não sendo encontrado o acusado, será procedida a citação por edital.
Denota-se, novamente, a preocupação do legislador em reafirmar que a citação ficta por edital só ocorrerá ante a ineficácia de todos os meios pessoais de citação do denunciado.
Nesse sentido, Norberto Avena (2013, p. 138):
Note-se que a validade da citação ficta aqui é condicionada ao fato de que as tentativas de localização do réu tenham sido esgotadas. Destarte, impõe-se que tenha sido o acusado procurado por oficial de justiça em todos os endereços existentes no inquérito e no processo, sem embargo de outras diligências serem realizadas, de acordo com as particularidades do citando. Outra cautela sempre necessária de parte do juiz é oficiar aos órgãos responsáveis pela administração da população carcerária e às varas de execuções criminais com o objetivo de cientificar-se quanto ao fato de não estar o acusado preso, pois, se ocorrer essa hipótese, for ele citado por edital, tal citação será nula.
Portanto, constata-se que a citação por edital deve sempre estar condicionada a última modalidade para citar o acusado, caso contrário, deverá ser anulada, assim como todos os efeitos posteriores que ela produziu.
Seguidamente, verificada a possibilidade em se realizar a citação por edital, é indispensável à validade do ato que seja observada a forma prevista no artigo 365 do Código de Processo Penal aponta os requisitos do edital: I – o nome do juiz que a determinar; II – o nome do réu, ou, se não for conhecido, os seus sinais característicos, bem como sua residência e profissão, se constarem do processo; III – o fim para que é feita a citação; IV – o juízo e o dia, a hora e o lugar em que o réu deverá comparecer; V – o prazo, que será contado do dia da publicação do edital na imprensa, se houver, ou da sua afixação. Além disso, o edital será afixado à porta do edifício onde funcionar o juízo e será publicado pela imprensa, onde houver, devendo a afixação ser certificada pelo oficial que a tiver feito e a publicação provada por exemplar do jornal ou certidão do escrivão, da qual conste a página do jornal com a data da publicação.
Evidentemente, ainda que cumpridas todas as formalidades – pressupostos e requisitos – da citação por edital, há sempre a possibilidade do acusado não comparecer nem constituir advogado para apresentar defesa técnica.
Diante disso, ocorre a chamada suspensão do processo ou a aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal:
Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
A legislação processual supracitada é bastante elucidativa no concernente ao efeito do não comparecimento do acusado ao chamado judicial, qual seja a suspensão do processo, oriunda da Lei nº 9.271/1996, extinguindo, nessa hipótese de citação, o efeito da revelia que até então era o aplicável.
Todavia, embora a suspensão do processo seja o efeito principal, existem, ainda no caput do artigo 366, do CPP, outras consequências que poderão ser adotadas, como a produção antecipada de provas e (ou) decretação da prisão preventiva do réu.
É justamente nesse ponto, que doutrina, lei e jurisprudência têm atuado com frequência, pois tais atos podem afrontar de forma absoluta os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Destarte, a suspensão do processo e do prazo prescricional (aplicação do art. 366, CPP) busca assegurar o princípio do contraditório e da ampla defesa:
Para suspensão do processo e da prescrição, exige-se o preenchimento de três pressupostos: a) que o acusado tenha sido citado por edital; b) que o acusado não tenha comparecido para o interrogatório; c) que o acusado não tenha constituído defensor. O objetivo do dispositivo é evidente: visa assegurar uma atuação efetiva e concreta do contraditório e da ampla defesa. De fato, sobretudo em casos de nomeação de defensor público ou advogado dativo, a citação por edital do acusado, com ulterior decretação de revelia, tal qual ocorria anteriormente, inviabilizava por demais o exercício da ampla defesa, na medida em que impossibilitava que o acusado apresentasse ao juiz sua versão a respeito do fato da imputação, bem como que acompanhasse, ao lado de seu defensor, os atos da instrução processual. Atende, portanto, o citado dispositivo, aos ditames da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. nº 678/1992), que, em seu art. 8º, § 2º, assegura a toda pessoa acusada de delito as garantias mínimas de comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada (“b”), concessão do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa (“c”) e o direito de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor (“d”). (BRASILEIRO LIMA, 2012, pp. 37/38)
Infere-se ressaltar que por muito tempo discutiu-se acerca do prazo prescricional da suspensão do processo, ou melhor, por quanto tempo o processo ficaria suspenso.
Como não poderia deixar de ser, entendimentos doutrinários e jurisprudenciais foram criados e adotados, para diversos lados e em diferentes formas, até que o Superior Tribunal de Justiça, abarrotado de demandas nesse sentido, editou a súmula 415, pacificando o assunto.
Súmula 415 do STJ: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.”.
Dessa forma, a suspensão do prazo prescricional deve ser balizada nas regras previstas no artigo 109 do Código Penal, igualmente aos casos de prescrição da pretensão punitiva e executória.
Deve-se ser ressaltada, ainda, a possibilidade do magistrado, ao aplicar a suspensão do processo (art. 366, do CPP), decretar a prisão preventiva do réu ausente, assim como a antecipar a produção de provas ligadas ao feito.
Dentre essas consequências ora analisadas, merece ser destacado o dever do juiz em fundamentar concretamente a decisão que antecipa provas ou decreta a prisão preventiva do réu.
Diante disso, veja que tais medidas devem ser tratadas como exceções.
Nesses termos fixou entendimento o Superior Tribunal de Justiça em sua súmula 455: “A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando a unicamente o mero decurso de tempo.”.
Destarte, evidenciaram-se as consequências do não comparecimento do réu citado fictamente por edital, as quais, em suma, se resumem na suspensão do processo e não mais na revelia do acusado, mudança acertada, advinda da evolução processual penal ocorrida em 1996.
2.3.2 DA CITAÇÃO POR HORA CERTA
Com o advento da Lei n.° 11.719/2008, surgiram significativas mudanças no Código de Processo Penal, dentre elas, passou a existir, como há tempos já ocorre no Processo Civil, uma segunda modalidade de citação ficta ou presumida, denominada citação por hora certa.
A previsibilidade legal da citação por hora certa no processo penal está enunciada no caput do artigo 362 do CPP, que assim, remete a processualística desse ato de comunicação processual àquela existente na legislação civil:
Art. 362. Verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá a citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
Com efeito, mister a transcrição da legislação processual civil correspondente:
Art. 252. Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver procurado o citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo suspeita de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta, qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a citação, na hora que designar.
Parágrafo único. Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a intimação a que se refere o caput feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência.
Art. 253. No dia e na hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à residência do citando a fim de realizar a diligência.
§ 1º Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o citando se tenha ocultado em outra comarca, seção ou subseção judiciárias.
§ 2º A citação com hora certa será efetivada mesmo que a pessoa da família ou o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora presente, a pessoa da família ou o vizinho se recusar a receber o mandado.
§ 3º Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.
§ 4º O oficial de justiça fará constar do mandado a advertência de que será nomeado curador especial se houver revelia.
Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe de tudo ciência.
Denota-se, então, que na citação por hora certa, o réu não se encontra desaparecido, mas sim foragido, escondendo-se para não atender o chamado processual, possibilitando, assim, que o próprio oficial de justiça, após três tentativas infrutíferas, designe data e hora para citar o acusado, ato este que será validado ainda que o réu permaneça ausente.
Assim pontua Renato Marcão (2014, p. 799):
Atualmente, se ficar demonstrado nos autos que o acusado se oculta para não ser citado, será determinada sua citação por hora certa, conforme se extrai do §2° do art. 355 e do art. 362, ambos do CPP.
Nessa hipótese o acusado não está em lugar incerto e não sabido. Ao contrário, está em local conhecido, porém maliciosamente se oculta para não ser encontrado e citado pessoalmente. Tenta impor sua má-fé e pretensa astúcia com falsa ilusão de que assim conseguirá furtar-se ao chamamento judicial e à aplicação da lei penal.
Expedido o mandado de citação ou a carta precatória, se durante as diligências o oficial de justiça constatar que o réu está se ocultando para não ser citado, deverá certificar nos autos de forma detalhada as diligências realizadas e os motivos que o levaram a tal conclusão, que por certo não podem decorrer de uma única tentativa de citação pessoal. Só depois de bem analisadas as ponderações do oficial é que o juiz irá decidir sobre a realidade da ocultação e cabimento ou não da citação na forma tratada.
Diante disso, restou demonstrado que a citação por hora certa é condicionada a real suspeita do oficial de justiça na ocultação proposital do acusado.
Realizada a citação por hora certa, o oficial de justiça deixará contrafé com pessoa da família ou qualquer vizinho e o escrivão enviará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe de tudo ciência.
Todavia, há sempre a possibilidade do réu, citado por hora certa, não atender ao chamado processual, ocasionando, diferentemente do efeito proporcionado pelo edital, sua revelia.
Com efeito, será nomeado advogado dativo e o processo tramitará regularmente, sem a presença do acusado.
O parágrafo único do artigo 362, bem como o artigo 367, ambos do Código de Processo Penal são escorreitos, considerando, que finalizada essa modalidade de citação, o réu é considerado devidamente citado, prosseguindo-se com o litígio:
Art. 362. Parágrafo Único. Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.
Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.
Não há suspensão do processo, como se dá nos casos de não comparecimento ao edital, mas sim em prosseguimento do feito, onde o denunciado tem sua revelia decretada, nomeia-se um defensor e o procedimento tem seu curso regular até a final condenação ou absolvição.
Denota-se que o instituto em análise visa obstar a suspensão do processo em determinados casos:
As disposições de citação com hora certa visam limitar o arbítrio e criam condições de fazer chegar à ciência do acusado a imputação que sobre ele recai, reduzindo as chances de revelia, eis que, nessa hipótese (malgrado se cuide de citação ficta, presumida, embora feita por oficial de justiça), o processo não se suspende como se dá em casos de citação por edital. Aí residem, certamente, os efeitos processuais mais gravosos ao réu, como estudaremos no capítulo específico (Capítulo XIII). É que, se o réu, citado por hora certa, não apresentar defesa preliminar, ser-lhe-á nomeado defensor dativo, e o processo seguirá à revelia. (TÁVORA, 2013, p. 694)
No referente à contumácia (revelia):
Uma vez citado, o réu fica vinculado à instância, com todos os ônus daí decorrentes. Em decorrência desta vinculação, o acusado deverá comparecer quando citado, bem como toda vez em que for intimado. Sua inércia em atender ao chamado denomina-se contumácia, que significa ausência injustificada. O efeito imediato da contumácia é a revelia, ou seja, “o processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo” (CPP, art. 367, com redação dada pela Lei n. 9.271/96). Com a revelia, deixará de ser comunicado dos atos processuais posteriores, porém, contra ele não recairá a presunção de veracidade quanto aos fatos que lhe foram imputados, ante o princípio da verdade real, que norteia o processo penal. Mesmo revel, o réu poderá, em qualquer fase do processo, retomar o seu curso, restabelecendo-se o contraditório. Cumpre ressaltar, todavia, --que com o advento da Lei n. 9.271, de 17-4-1996, o fenômeno da revelia somente se verificará nas hipóteses de contumácia de réu citado pessoalmente ou por edital, quando, neste último caso, tiver defensor constituído. (CAPEZ, 2012, p. 573)
Ante o exposto, evidenciou-se que a citação por hora certa é condicionada a determinados requisitos, assim como, o não comparecimento ao seu chamado gera a revelia do acusado e o, consequente, seguimento do processo penal.
3. A INCONSTITUCIONALIDADE DO EFEITO DA CITAÇÃO POR HORA CERTA NO PROCESSO PENAL
Conforme já se elucidou, anteriormente a modificação do Código de Processo Penal, ocorrida em 2008, o acusado que não fosse citado pessoalmente seria chamado ao feito pela via editalícia e se casualmente ainda não atendesse teria o processo suspenso.
Dessa forma, a revelia só teria aplicabilidade nos casos em que o acusado fosse eficazmente citado ou intimado e, ainda sim, não comparecesse ao litígio processual.
É sabido que com o advento da Lei n.º 11.719/08, dentre as várias alterações que a mesma provocou no CPP, deve ser destacado a introdução da citação por hora certa, que outrora só existia no âmbito cível, na seara criminal.
Em razão disso, o réu que citado por hora certa não atender ao chamado judicial será considerado revel, será lhe nomeado um defensor e o processo prosseguir-lhe-á naturalmente (art. 362, parágrafo único, e art. 367, ambos do Código de Processo Penal).
Julio Fabbrini Mirabete (2004, p. 480-481) leciona sobre a revelia e seus efeitos no processo penal:
O prosseguimento do processo à revelia do acusado é uma penalidade processual imposta ao réu que descumpre suas obrigações para com o processo. Também é regular a decretação da revelia quando o réu, devidamente intimado, não comparece a ato processual a que deveria estar presente sem formular uma justificativa plausível. Tem-se em vista com esse instituto que o réu se mantenha a disposição da justiça. Essa penalidade, porém, pode ser elidida quando houver justa causa para a omissão do acusado (moléstia grave, caso fortuito etc.). Assim se decidiu em caso de internação em clínica.
A revelia, no processo penal, não implica confissão ficta, podendo, contudo, influir contra os interesses do réu, na hora do julgamento da causa. A única hipótese em que o réu não pode ser julgado à revelia, no processo penal, é o daquele que deve ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri por crime inafiançável (art. 451, § 1°).
Evidentemente, a revelia não causa outros efeitos senão os que a lei prevê, não impedindo o direito de defesa, como deixam claro os artigos 261 e 396, parágrafo único nem a constituição de defensor (item 9.4.6). Em princípio também não pode impedir, por si, a concessão de suspensão condicional da pena e que lhe seja facultado apelar em liberdade contra a sentença condenatória.
A revelia não impede a presença física do réu revel aos atos de instrução se ele comparecer mesmo não tendo sido notificado. Ao contrário, tem-se decidido, inclusive, que, desaparecida a contumácia, deve ser ele intimado e notificado para os atos posteriores do processo, embora haja decisões em contrário.
Não menos importante é a lição de Paulo Rangel (2004, p. 680):
Se o réu, citado pessoalmente, não comparecer, haverá a contumácia, aplicando-se a sanção de revelia, ou seja, o processo seguirá sem a presença do réu, porém deverá ser nomeado defensor público (ou advogado dativo) para que seja feita a defesa técnica. [...]
Assim, a imprescindibilidade é quanto ao chamamento do réu a juízo para se defender. Entretanto, uma vez citado e não comparecendo, torna-se revel.
A revelia é consequência do não-comparecimento do réu ao juízo. Porém, no processo penal, não tem o mesmo efeito do cível, em que o juiz reputa verdadeiros os fatos afirmados pelo autor se o réu não contestar a ação (cf. art. 319 do CPC).
Acerca dos efeitos da revelia, merece ser destacado que, diferentemente do que ocorre no âmbito civilista, no processo penal a contumácia não importa em confissão do réu, privilegiando, mormente, o sagrado princípio constitucional da presunção de inocência.
“No processo penal, a revelia não importa em confissão ficta, devendo o réu, ainda, ser intimado da sentença, na forma legal.” (BONFIM, 2006, p. 444)
Para dirimir qualquer dúvida nessa importante fenda de diferenciação dos efeitos da revelia nas searas cível e criminal, faz-se mister trazer a baila a consagrada doutrina de Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 633-634), vejamos:
Pensamos que, no processo penal, inexiste a figura da revelia, tal como ocorre no processo civil. Neste, conforme prevê o art. 319 do Código de Processo Civil, caso o réu não conteste a ação, quando devidamente citado, reputar-se-ão verdadeiro os fatos afirmados pelo autor na inicial. É o efeito da revelia, isto é, o estado de quem, cientificado da existência de ação contra si proposta, desinteressa-se de proporcionar defesa. [...]
Ora, totalmente diversa é a situação no processo penal. O réu, citado, que não comparece para ser interrogado, desinteressando-se por sua defesa, uma vez que os direitos são sempre indisponíveis nesse caso, terá defensor nomeado pelo juiz (art. 261, CPP), que deverá ter atuação eficiente, sob pena de ser afastado e substituído por outro pelo juiz. Ademais, não há possibilidade de um réu “contestar” a ação pelo outro, como no cível, pois a ação penal é voltada individualmente a cada um dos autores da conduta criminosa.
Enfim, o que ocorre na esfera penal é a simples ausência do processo, consequência natural do direito de audiência. O réu pode acompanhar a instrução pessoalmente, mas não é obrigado a tal. Estando presente seu defensor, o que é absolutamente indispensável, ainda que ad hoc, não pode ser considerado revel (aquele que não compareceu nem se fez representar). É preciso, pois, terminar com o hábito judicial de se decretar a revelia do réu ausente à instrução, como se fosse um ato constitutivo de algo. [...]
Assim, presume-se a inocência do indivíduo, até que se prove obtenha uma sentença condenatória com trânsito em julgado (art. 5º, LVII, CF), bem como a ele é assegurada a ampla defesa, quanto o contraditório (art. 5º, LV, CF), tudo a constituir o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF).
Portanto, restou evidente que ao acusado revel será nomeado um defensor e ao feito litigioso dar-se-á andamento, sendo este, o principal efeito da revelia no processo penal.
A introdução da citação por hora certa no processo penal (Lei n.° 11.719/2008), como não poderia ser diferente, provocou não apenas a doutrina, mas também todo o ordenamento jurídico a manifestar-se sobre o tema, gerando, dessa forma, entendimentos favoráveis (constitucional) e desfavoráveis (inconstitucional).
Na órbita dos que defendem e zelam pela constitucionalidade da citação por certa na seara criminal, a tese central ampara-se no sentido de que ninguém pode valer-se da própria torpeza, ou seja, é totalmente justo, para com aqueles que optam por se esconder, que o processo tenha seu regular prosseguimento.
Seguindo essa linha de raciocínio, então, considera-se que o advento da citação por hora certa, há tempos utilizada no processo civil, também no processo penal, apenas corrigiu um retrocesso existente no direito processual criminal.
Nesse sentido, assevera-se que a constitucionalidade dessa modalidade de citação obsta a má-fé e revoluciona, positivamente, o processo penal:
O que a Lei 11.719/2008 fez foi trazer para o Processo Penal um instituto que não é com ele incompatível e que o Processo Civil já reconhecia há tempos devido à sua maior desenvoltura técnica amplamente reconhecida. Havia uma falha quando o Processo Penal não contava com a citação por hora certa e permitia que a má fé ou a astúcia de um acusado o beneficiasse. Com o advento da Lei 11.719/2008 e a nova redação do artigo 362, CPP essa falha foi colmatada e temos hoje um Processo Penal mais eficiente sem perda de sua face garantista como pretendem alegar alguns.
É muito comum o vício de enxergar o garantismo somente sob seu aspecto negativo, ou seja, com relação às limitações impostas ao Estado perante o indivíduo. Acontece que o garantismo tem também sua face positiva, consistente na busca da eficiência da proteção estatal perante a sociedade e não permitindo inconstitucionalidades que não se conformam por excesso, mas por insuficiência protetiva. É missão do legislador buscar um equilíbrio virtuoso entre garantias e eficácia processual no interesse da sociedade e de cada um de seus membros. Um processo excessivamente garantista sob o ângulo negativo será criador de insuficiência protetiva, ao passo que um processo excessivamente voltado para a eficácia, abandonando as garantias individuais básicas, tenderá ao autoritarismo. No caso da citação por hora certa é necessário dar ênfase ao aspecto positivo do garantismo penal e processual penal para que não se permita que a astúcia ou a torpeza de um acusado o beneficie perante um processo marcado por laxismo e até mesmo ingenuidade. [...]
É bem verdade que a citação por hora certa é uma modalidade de “citação ficta ou presumida”, mas, diversamente da citação por edital, afigura-se situação em que o acusado sabe perfeitamente que está sendo procurado para ser citado e, deliberadamente, por ato próprio, foge à citação, com o intuito de causar tumulto processual. Nesse caso, não há falar-se em qualquer dano. Tanto é fato que o citado pessoalmente que não comparece injustificadamente aos atos posteriores do processo pode ter sua revelia declarada, assim como mesmo aquele citado por edital que apresenta advogado constituído (inteligência do artigo 366, CPP). Nesses casos trabalha-se com a questão da instrumentalidade das formas e da impossibilidade de beneficiar-se alguém com sua própria torpeza. Ora, se o réu tem advogado constituído e se defende normalmente no processo ou se citado pessoalmente decide abandonar o andamento processual, não pode ser beneficiado com qualquer medida que possa gerar eventual prescrição. (CABETTE, 2013, CONJUR)
Nesse sentido, a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO PENAL. CITAÇÃO POR HORA CERTA. ARTIGO 362 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONSTITUCIONALIDADE. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
1. É constitucional a citação por hora certa, prevista no art. 362, do Código de Processo Penal.
2. A conformação dada pelo legislador à citação por hora certa está de acordo com a Constituição Federal e com o Pacto de São José da Costa Rica.
3. A ocultação do réu para ser citado infringe cláusulas constitucionais do devido processo legal e viola as garantias constitucionais do acesso à justiça e da razoável duração do processo.
4. O acusado que se utiliza de meios escusos para não ser pessoalmente citado atua em exercício abusivo de seu direito de defesa. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
(RE 635145, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-207 DIVULG 12-09-2017 PUBLIC 13-09-2017)
Denota-se, então, que mesmo aqueles que aclaram pela constitucionalidade desse novo ato de comunicação processual, aduzem pela necessariedade do cumprimento de todos os requisitos que condicionam a citação por hora certa, afinal, a regra do Código de Processo Penal é pela citação pessoal do acusado.
Desta feita, ao argumento de que o denunciado não pode ser agraciado por sua própria má-fé, nos casos em que a citação pessoal for obstada pela torpeza do réu, será perfeitamente válido e constitucional a realização do ato de comunicação processual em análise.
Noutro norte, existem, é claro, aqueles que sustentam a inconstitucionalidade do efeito da citação por hora certa no processo penal, ao argumento de que esta modalidade de citação ficta, ligada ao seu consequente efeito da revelia, afronta diretamente os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório.
Na esteira da inconstitucionalidade, assevera Christiany Pegorari Conte:
Parece-nos, contudo, inconstitucional a previsão do art. 362 do CPP, por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois a ampla defesa abarca a defesa técnica e a autodefesa, ficando esta última prejudicada em face da continuidade do processo, cujo procedimento citatório fora por hora certa. (CONTE, 2008, MIGALHAS)
Entende Ivan Luis Marques que a citação por hora certa no processo penal desrespeita o direito individual constitucional do acusado (2008, p. 21):
O princípio da ampla defesa somente é respeitado de forma ampla com a presença, no decorrer da ação penal, da defesa técnica e da autodefesa. Faltando uma dessas modalidades, mitigado estará o princípio e, por razões lógicas, eivada a ação penal de vício passível de anulação futura. Foi justamente para evitar esse problema que a redação do art. 366 do CPP foi alterada pela Lei 9.271/1996, para evitar que o acusado fosse processado sem ter ciência disso. Vem agora o novo art. 362, com a citação por hora certa, desequilibrar, novamente, a relação processual e desrespeitar direito individual constitucional do acusado. A citação por hora certa no processo penal é, em nossa opinião, inconstitucional. Defendemos a viabilidade desta modalidade de citação apenas quando os direitos atingidos por eventual prestação jurisdicional são disponíveis, o que, por óbvio, não é o caso do processo penal.
Como se não bastasse, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no artigo 8º, 2, “b”, “c”, “d”, assegura:
Artigo 8º - Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovado sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor.
Infere-se, que o tratado internacional que versa sobre direitos humanos busca privilegiar e assegurar a ampla defesa em sua forma mais principiológica, qual seja, a defesa realizada pelo próprio acusado, aquela de sua livre escolha e conveniência.
Diferentemente do processo civil, no âmbito criminal não basta, ao acusado, ser-lhe assegurado à informação e à reação formal, mas também e, principalmente, em uma acepção material que, de fato, lhe proporcione a segurança do contraditório e da ampla defesa.
Nesse sentido, Renato Brasileiro de Lima (2011, p. 20) apregoa: “Estando em discussão a liberdade de locomoção, ainda que o acusado não tenha interesse em fornecer reação à pretensão executória, o próprio ordenamento jurídico impõe a obrigatoriedade de assistência técnica de um defensor.”
Dessa forma, posiciona-se Roberto Delmanto Junior (2013, p. 748):
A Citação por hora certa, acaba ressuscitando a possibilidade de existir um processo sem o conhecimento da acusação, nomeando-se defensor dativo, com base em critérios subjetivos do oficial de justiça de que ele tem ciência da acusação.
A doutrina que atende pela inconstitucionalidade dessa modalidade de citação ficta, aduz, principalmente, pelo risco que é conferir, com a devida vênia, ao Oficial de Justiça um poder deste quilate, que é a validação deste chamamento processual.
Ante a tamanha responsabilidade conferida ao Oficial de Justiça pela Lei n.º 11.719/2008, deverá o magistrado manter-se extremamente cuidadoso para evitar, dessa forma, qualquer manobra que atente contra o direito do acusado de ser pessoalmente citado.
Eugênio Pacelli de Oliveira (2013, p. 613) assevera pela preferência e obrigatoriedade da citação pessoal, não podendo, quando possível, ser substituída pela forma ficta:
Cumpre estabelecer, contudo, que referida modalidade de citação não poderá ser utilizada como substitutivo da citação pessoal, como se qualquer ausência do citando no endereço justificasse a adoção da medida. Há que se cumprir rigorosamente as exigências legais, dado que o aludido ato processual é absolutamente relevante para a estrita observância do devido processo legal.
Em sua obra de processo penal, Aury Lopes Junior (2013, p. 751) também apregoa pela devida cautela desta modalidade de citação:
Para além da duvidosa constitucionalidade, pensamos que em caso de citação por hora certa deve-se ter extrema cautela, citando-se o réu por edital, para após suspender-se o processo e a prescrição. É uma cautela adequada, diante do retrocesso de ter-se um processo pena sem que o acusado tenha ciência da imputação.
Com efeito, não resta dúvida de que o entendimento pela inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal é aquele que se adequa à normativa constitucional e convencional.
CONCLUSÃO
O presente artigo foi exposto com base nos princípios constitucionais atinentes ao processo penal e na forma como estes são interpretados pela doutrina e pela jurisprudência.
Tratou-se da definição, processualística e efeitos dos atos de comunicação processual inerentes a justiça criminal, buscando, acima de tudo, demonstrar não apenas a importância, como também a necessidade e obrigatoriedade de cada instituto para o regular trâmite do processo.
Visualizou-se, assim, que a modalidade de citação por hora certa foi introduzida no âmbito criminal com o advento da Lei n.° 11.719/2008, abrangendo, dessa forma, o processo penal com um instituto até então puramente civil.
O trabalho demonstrou que a inovação processual supramencionada aumentou a aplicabilidade da revelia no Código de Processo Penal que, agora, permite a tramitação do processo sem a presença do acusado, caso este esteja sob suspeita de ocultação para não ser citado.
Partindo deste cenário, apontou-se que, diferentemente do processo civil, no âmbito criminal não basta, ao acusado, ser-lhe assegurado à informação e à reação formal, mas também e, principalmente, em uma acepção material que, de fato, lhe proporcione a segurança do contraditório e da ampla defesa.
Destacou-se que existem defensores da constitucionalidade da norma, que sustentam que a citação por certa na seara criminal ampara no sentido de que ninguém pode valer-se da própria torpeza, ou seja, é totalmente justo, para com aqueles que optam por se esconder, que o processo tenha seu regular prosseguimento.
Nesse sentido, inclusive, a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, conforme relatado.
Nada obstante, vale pontuar, como já feito oportunamente, os ensinamentos de Luigi Ferrajoli (2011, p. 20-21) que foi brilhante ao asseverar que, embora fundamentais, patrimônio e liberdade são direitos diferentes, portanto, não devem ser processados de modo semelhante.
O argumento pela inconstitucionalidade dessa modalidade de citação ficta, traduz-se, principalmente, pelo risco que é conferir, com a devida vênia, ao Oficial de Justiça um poder deste quilate, que é a validação deste chamamento processual.
Com efeito, não resta dúvida de que o entendimento pela inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal é aquele que se adequa à normativa constitucional (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF) e convencional (Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica).
Portanto, imperiosa a necessidade de revisão e superação do entendimento jurisprudencial dominante, com base nos argumentos expostos.
Cumpre dizer, por fim, que o processo penal é o responsável pela liberdade do ser humano, o que enseja um cuidado absoluto para com seus institutos e procedimentos, principalmente daqueles advindos da justiça cível, como no caso em análise, a citação por hora certa.
REFERÊNCIAS
AVENA, N. C. P. Processo penal: esquematizado. 5ª ed. São Paulo: Método, 2013.
BARROS, F. D. Direito Processual Penal: teoria, jurisprudência e questões. V. 2. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
BONFIM, E. M. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.
CABETTE, E. L. S. C. Citação por hora certa no processo penal é constitucional. Revista CONJUR. Classificação disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jan-20/eduardo-cabette-citacao-hora-certa-processo-penal-constitucional#top. Acessado em 12 de agosto de 2014.
CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
______. Curso de Processo Penal. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
______. Curso de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
CONTE, C. P. Aspectos relevantes acerca da citação no novo processo penal. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/mobile/mig_materia.aspx?cod=81509>. Acesso em: 03 de setembro de 2014.
FEITOZA, D. Direito Processual Penal: Teoria, Crítica e Práxis. 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
FERRAJOLI, L. Por uma teoria dos direitos e dos bens fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.
GOMES, L. F. Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de Trânsito. Luiz Flávio Gomes; Rogério Sanches Cunha; Ronaldo Batista Pinto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
GONÇALVES, M. V. R. Direito Processual Civil Esquematizado. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
JUNIOR, Roberto Delmanto. Direito Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
LIMA, R. B. Manual de Processo Penal. V.1. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.
______. Manual de Processo Penal. V.1. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.
LOPES JR, A. Direito Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MARCÃO, R. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2014.
MARQUES, I. L. Reforma Processual Penal de 2008. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MIRABETE, J. F. Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
NEGRÃO, T. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
NERY JUNIOR, N. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em vigor. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
NUCCI, G. S. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
______. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
______. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
PACELLI DE OLIVEIRA, E. Curso de Processo Penal. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
______. Curso de Processo Penal. 16ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
______. Curso de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
RANGEL, P. Direito Processual Penal. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2013.
______. Direito Processual Penal. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
______. Direito Processual Penal. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
TÁVORA, N. Curso de Direito Processual Penal. 8ª ed. Bahia: JusPodivm, 2013.
Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, no ano de 2014. Pós-graduado em Direito Público pelo Centro Universitário Unigran Capital, em 2019. Auditor do Estado da Controladoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul. Advogado, inscrito no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MIRANDA, Matheus Henrique Pleutim de. A inconstitucionalidade da citação por hora certa no processo penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2023, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62032/a-inconstitucionalidade-da-citao-por-hora-certa-no-processo-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.