EDUARDO CURY
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo realizar uma abordagem objetiva e detalhada dos distintos entendimentos vigentes no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em relação ao cálculo adequado da indenização por fruição nos casos de rescisão contratual imotivada de promessa de compra e venda de imóveis construídos em regime de multipropriedade. Ainda, o artigo discute os riscos decorrentes dessa divergência para o setor imobiliário, que está em franca expansão, como essa situação tem dificultado as negociações entre as partes envolvidas, bem como o planejamento financeiro familiar e empresarial. A divergência de entendimentos em relação ao cálculo da indenização por fruição traz insegurança jurídica para o negócio, já que os magistrados acabam descumprindo a legislação vigente. Para abordar essa questão, o artigo analisa os conceitos, os contextos históricos e legislativos relacionados ao sistema de construção em multipropriedade e incorporação imobiliária, assim como a indenização por fruição. Também são analisadas as decisões judiciais proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, examinando seu mérito e fundamentação. A metodologia adotada para a realização deste trabalho baseou-se em revisões de literatura especializada, bem como em pesquisas realizadas em plataformas online que discutem específica temática.
Palavras chaves: Multipropriedade. Incorporação Imobiliária. Fruição. Divergência jurisprudencial. Tribunal de Justiça de São Paulo.
ABSTRACT: This article aims to carry out an objective and detailed approach to the different understandings in force in the Court of Justice of the State of São Paulo in relation to the adequate calculation of the indemnity for fruition in cases of contractual termination without cause of promise to buy and sell real estate built in a multi-ownership regime. Still, the article discusses the risks arising from this divergence for the real estate sector, which is booming, as this situation has hindered negotiations between the parties involved, as well as family and business financial planning. The divergence of understandings in relation to the calculation of the indemnity for fruition brings legal uncertainty to the business, since the magistrates end up not complying with the current legislation. To address this issue, the article analyzes the concepts, historical and legislative contexts related to the multi-ownership construction system and real estate development, as well as the compensation for fruition. Judicial decisions handed down by the Court of Justice of the State of São Paulo are also analyzed, examining their merits and reasoning. The methodology adopted to carry out this work was based on reviews of specialized literature, as well as research carried out on online platforms that discuss a specific topic.
Keywords: Timeshare. Real Estate Incorporation. Fruition. Jurisprudential divergence. São Paulo Court of Justice.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo expor as divergências de entendimento dentro do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca da forma de se calcular a devida indenização por fruição em casos de rescisão contratual imotivada de promessa de compra e venda, de imóvel construído em regime de multipropriedade, por parte do Proeminente Comprador.
A necessidade de se indenizar o Incorporador pelo período em que o imóvel esteve em posse do Proeminente Comprador ao se rescindir a promessa de compra e venda já é tema pacificado nos tribunais e reforçado pela lei 13.786/18, entretanto, o que vem gerando discussão e divergências de entendimentos é a forma como se deve calcular esta indenização quando este imóvel é construído no formato de multipropriedade.
Atualmente existem ao menos três tipos de entendimento vigentes dentro do TJ-SP, completamente distintos entre si, o que traz enorme insegurança jurídica a um setor em constante expansão, com crescimento anual de 17% (dezessete porcento), responsável por girar dezenas de bilhões de reais anualmente. Referidos casos se tornarão cada vez mais corriqueiros, sendo necessário assim um entendimento único sobre o tema, para que seja viável uma projeção segura de lucros e perdas por parte da Incorporadora.
A primeira corrente de entendimento sustenta que a indenização por fruição deve ser calculada com base na totalidade do valor do contrato assinado, entretanto apenas sobre os dias em que o Proeminente Comprador efetivamente utilizou o empreendimento.
A segunda corrente defende que a indenização deve ser calculada também com base do valor do contrato assinado, entretanto, com base em todo o período em que o imóvel esteve sob posse do proeminente comprador, pois considera que o valor do contrato assinado já é proporcional ao período de utilização do imóvel por deste.
A terceira corrente sugere que a indenização deve levar em conta o valor da diária da unidade hoteleira onde o empreendimento se encontra, ignorando o valor do contrato.
Essas divergências de entendimento têm causado incerteza e insegurança tanto para os Proeminentes Compradores quanto para os Incorporadores. A falta de uma posição consolidada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo gera a necessidade de análise casuística e aumenta o risco de decisões discrepantes em casos semelhantes.
Diante do expressivo crescimento do mercado de multipropriedade e da importância econômica desse setor, é fundamental que o Tribunal de Justiça estabeleça um entendimento único e coerente acerca do cálculo da indenização por fruição nos casos de rescisão contratual imotivada. Essa medida proporcionará segurança jurídica, permitindo às partes envolvidas fazer projeções financeiras precisas e contribuindo para o desenvolvimento sustentável do mercado imobiliário.
2 MULTIPROPRIEDADE: CONTEXTO HISTÓRICO E CONCEITO
Segundo Gustavo Tepedino (1993) “Multipropriedade de forma genérica é a relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua”. Também conhecido como Timeshare, este conceito começou a ser desenvolvido em meados dos anos 1950, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, em uma Europa em reconstrução.
Com realidade financeira distinta da pré-guerra, a maior parte das famílias já não podiam se dar ao luxo de possuírem uma casa de veraneio, entretanto, a necessidade de momentos de lazer, para que pudessem se desconectar da cada vez mais estressante rotina, ainda era presente. Como uma solução para este empasse, as famílias começaram a se unir e adquirirem imóveis em conjunto, sendo estes divididos em frações de tempo. Ou seja, um mesmo imóvel poderia possuir dois ou mais donos, e estes alternariam a posse do imóvel entre si.
No Brasil, a primeira tentativa de regulamentar esta modalidade de posse partiu do Ministério do Turismo, em 1997, através da Deliberação Normativa n. 373, entretanto, ao invés de esclarecer, tal deliberação apenas confundiu ainda mais, em virtude da utilização equivocada de institutos jurídicos, o entendimento acerca do tema.
Ao redigirem o Código Civil de 2002, os legisladores nada falaram acerca do tema, tendo este sido abordado em nossa legislação apenas com a promulgação da lei n. 13.777, em 20 de dezembro de 2018, que incluiu os art. 1.358 - A à 1.358 – U ao Código.
O art. 1.358-C, do CC, veio a definir que “Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada” (BRASIL, 2002, Art. 1.358-C).
Em função da grande insegurança jurídica, antes da promulgação da lei acima citada, esta modalidade de negócio pouco se desenvolveu, entretanto, após a sua aprovação, os números de empreendimentos em multipropriedade cresceu consideravelmente, tendo se desenvolvido 17% (dezessete porcento) e movimentado R$ 28.300.000.000,00 (vinte e oito bilhões e trezentos milhões de reais) entre os anos de 2020 e 2021, mesmo com a grave crise gerada pelo COVID- 19. Para o ano de 2023, a precisão de crescimento do setor é de 28% (vinte e oito porcento), mesmo com a insegurança jurídica existente.
3 INCORPORAÇÃO IMOBILIARIA: CONTEXTO HISTÓRICO E CONCEITO
O conceito de incorporação imobiliária fora introduzido ao direito brasileiro ainda em 1964, através da lei n. 4591/64, é definida, sob a ótica da lei, como “a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas” (BRASIL, 1964, Art. 28), entretanto, quem dá a definição mais precisa sobre o tema é Melhin Chalhub (2019. p. 9):
A expressão incorporação imobiliária tem o significado de mobilizar fatores de produção para construir e vender, durante a construção, unidades imobiliárias em edificações coletivas, envolvendo a arregimentação de pessoas e a articulação de uma série de medidas no sentido de levar a cabo a construção até sua conclusão, com a individualização e discriminação das unidades imobiliárias no Registro de Imóveis.
Grosso modo, a principal característica de uma incorporação imobiliária é a comercialização do imóvel antes de sua construção, através de um contrato de promessa de compra e venda. Esta modalidade de negócio beneficia não apenas o incorporador, que consegue arrecadar fundos para a construção, sem precisar assim desembolsar valores, mas também o proeminente comprador, que adquire o imóvel por preço inferior ao que este seria comercializado caso as obras já estivessem concluídas.
Visando a segurança neste tipo de negociação, a lei n. 4597/64 impôs ao incorporador uma série de obrigações, dentre elas o registro de memorial do empreendimento, que nada mais é que uma demonstração técnica e financeira da viabilidade da incorporação.
Ou seja, o sucesso de uma Incorporação passa principalmente pela capacidade do incorporador, uma vez que este é o responsável pela aquisição do terreno, desenvolvimento do projeto arquitetônico, angariação de fundos. Para Caio Mário da Silva Pereira (1985. p. 244), o Incorporador é a “Chave do negócio”.
Durante muito tempo, o principal problema dos Incorporadores foi a rescisão unilateral e imotivada dos contratos de promessa de compra e venda por parte dos proeminentes compradores, estes, agindo no color da emoção, e sem um planejamento financeiro adequado, sob influência de comercializadores, embarcavam em negócios que não possuíam condições, ou vontade, de adimplir.
Quando perdiam o interesse no negócio, os proeminentes compradores recorriam ao poder judiciário, pleiteando a rescisão contratual, e tinham seu caso analisado sob a hedge da lei n 8078/1990, o código de defesa do consumidor, que em geral, declarava abusiva e nula a maiorias das cláusulas penais previstas em contrato, sendo determinada a rescisão contratual com devoluções entre 80% (oitenta porcento) e 90% (noventa porcento) dos valores já pagos.
Observando esta insegurança jurídica, que afundava o setor imobiliário nacional, os legisladores viram a necessidade de regulamentar o desfazimento contratual desta modalidade de negócio, promulgando, com este intuito, a lei n.13.786/18, em 27 de dezembro de 2018, que ficou popularmente conhecida com a “Lei do Distrato”, que incluiu à lei de incorporações imobiliárias, lei n. 4597/64, os art. 35-A, 43-A e 67-A.
Dentre diversas clausulas penais, o parágrafo segundo inciso terceiro, do art. 67-A, prevê a necessidade de indenização ao incorporador, correspondente à 0,5% (meio porcento) do valor atualizado do contrato, por mês de disponibilidade, em casos de rescisão onde o imóvel negociado já tenha sido entregue, que será na alisada no próximo tópico.
4 INDENIZAÇÃO POR FRUIÇÃO E SUA APLICAÇÃO EM IMÓVEIS CONSTRUIDOS EM MULTIPROPRIEDADE.
Taxa de fruição nada mais é que uma indenização ao proeminente vendedor pelo período em que este não teve acesso ao seu imóvel, não podendo assim auferir lucro, em função de vigência de contrato de compra e venda que veio a ser rescindido posteriormente.
Havia dissenso acerca da aplicação desta taxa, havendo interpretações de magistrados que estas incidiram apenas sobre o período de inadimplência do proeminente comprador, entretanto, o tema fora pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que referida taxa é devida por todo o período em que o imóvel esteve à disposição do proeminente comprador.
Com base nessa decisão do STJ, a taxa de fruição passou a abranger não apenas o período de inadimplência, mas também todo o tempo em que o imóvel ficou disponível para o comprador, sem que ele o utilizasse. Isso significa que, mesmo que o comprador não esteja em situação de inadimplência, o vendedor tem direito a ser indenizado por todo o período em que o imóvel deixou de gerar lucros.
No entanto, uma lacuna na legislação surge quando tratamos da aplicação da taxa de fruição em empreendimentos construídos em multipropriedade. A lei do distrato, que estabelece a taxa em 0,5% (meio porcento) do valor atualizado do contrato, pro rata die, como já citado anteriormente, entretanto, não discorre especificamente sobre como essa taxa deve ser aplicada nesse tipo de empreendimento.
A princípio, é intuitivo que sua aplicação deve ser feita nos mesmos moldes de incorporações não submetidas à multipropriedade, visto que o valor do contrato firmado já é proporcional à fração de tempo adquirida, não correspondendo este ao real valor do imóvel, entretanto, este não é o entendimento de todas as câmeras de direito privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
A falta de previsão literal no texto da lei, abre brecha para interpretações distintas e muitas vezes arbitrárias, dos responsáveis por estipular os valores devidos aos incorporadores, sendo este o tema do próximo tópico.
5 AS DIVERGÊNCIAS DE ENTENDENIMENTO DENTRO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Atualmente, o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo acerca da maneira que se deve fixar a indenização por fruição do imóvel em multipropriedade varia de acordo com a câmara que julga o pedido.
A Trigésima Terceira Câmara de Direito Privado, nos autos do processo número 1003231-49.2020.8.26.0541, julgou o recurso oferecido por Grandes Lagos Internacional Turismo Ltda., da seguinte maneira:
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – MULTIPROPRIEDADE – Rescisão contratual – Restituição de valores – Interpretação do conjunto da postulação que exige boa-fé – Coisa julgada – Mudança de fundamento para a restituição de mesmo valor pretendido em demanda anterior julgada improcedente que evidencia a alteração da verdade dos fatos e a postulação temerária, com a movimentação injustificada da máquina judiciária – Litigância de má-fé reconhecida – Taxa de fruição devida – Cobrança proporcional, considerada a titularidade da fração de tempo decorrente da multipropriedade – Sentença mantida. Apelações não providas. (Processo n. 1003231-49.2020.8.26.0541, relator João Carlos Sá Moreira de Oliveira, Trigésima Terceira Câmara de Direito Privado, julgado em 16/05/2022, DJ de 13/06/2022.)
O Relato, João Carlos Sá Moreira de Oliveira, em fundamentação ao acordão entende que “considerada a natureza da multipropriedade, adequada a proporcionalidade aplicada pelo MM. Juízo ‘a quo’, para fazer remunerar pelo período disponível para utilização pela apelante CUSTODIA.” (2022. p.532).
Em primeiro grau, o MM. Juízo, entendeu que, por se tratar de multipropriedade, a fruição de 0,5% (meio porcento) a.m. deveria ser proporcional aos dias em que a proeminente compradora teve acesso ao imóvel.
Ou seja, a indenização por fruição em um contrato de R$ 45.900,00 (quarenta e cinco mil e novecentos reais), onde o imóvel fora entregue 24 meses antes da rescisão contratual, veio a ser calculada proporcionalmente, o que resultou em apenas um mês e 26 dias de utilização, sendo arbitrada assim, aproximadamente, em míseros R$ 427,00 (quatrocentos e vinte e sete reais), o que corresponde à uma diária de aproximadamente R$ 7,62 (sete reais e sessenta e dois centavos).
Assim, uma diária, em um empreendimento milionário, com instalações e serviços de excelência, aos olhos do nobre magistrado, custa menos de R$ 10,00 (dez reais). Sob essa ótica, caso um indivíduo decidisse instalar-se definitivamente neste empreendimento, sete dias por semana e 365 (trezentos e sessenta e cinco dias) dias por ano, este pagaria anualmente o montante de R$ 2.781,30 (dois mil setecentos e oitenta e um reais e trinta centavos), mensalmente desembolsaria algo em torno de R$ 231,77 (duzentos e trinta e um reais e setenta e sete centavos).
Referidos valores escancaram o prejuízo gerado aos incorporadores em função do entendimento acima apresentado, onde se ignora por completo a já proporcionalidade do valor do contrato firmado ao período de tempo em que o proeminente comprador teria acesso ao imóvel.
Por sua vez, a Quarta Câmara de Direito Privado, nos autos do processo número 1001910-42.2021.8.26.0541, julgou o pedido formulado pela mesma empresa, Grandes Lagos Internacional Turismo Ltda., em face de Alexsander Varconti e Fernanda Bordão Varconti, da seguinte maneira:
CONDOMÍNIO EM MULTIPROPRIEDADE - Indenização por fruição do imóvel – Inexistência de coisa julgada que deve ser afastada – Sentença citra petita em ação anterior que não impede a posterior apreciação da questão - Faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, durante o período correspondente à sua fração de tempo (Art. 1.358-I, inciso I, CC)- Os requeridos tinham direito a usar o bem 34 dias por ano conforme períodos previstos no contrato, de maneira que devem ser apurados os valores que pagariam normalmente pelo uso, nos respectivos períodos, caso não fossem associados, conforme tabelas praticadas pela autora nas épocas, com atualização pelos índices da Tabela Prática do TJSP e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês da citação - Recurso provido em parte. (Processo n. 1001910-42.2021.8.26.0541, relator Alcides Leopoldo, Quarta Câmara de Direito Privado, julgado em 18/02/2022, DJ de 24/02/2022.)
O relator, Alcides Leopoldo e Silva Junior, determina que “devem ser apurados os valores que pagariam normalmente pelo uso, nos respectivos períodos, caso não fossem associados, conforme tabelas praticadas pela autora nas épocas” (2022. p. 405).
Ou seja, tendo o proeminente comprador tido acesso ao imóvel por um total de 64 (sessenta e quatro) dias durante sua posse, que perdurou entre 12 de setembro de 2017 a 27 de agosto de 2019, a indenização fora arbitrada em um montante equivalente a 64 (sessenta e quatro) diárias no empreendimento hoteleiro da incorporadora.
Tal arbitramento ignora completamente os outros encargos suportados pelo proeminente comprador enquanto este era proprietário da cota, se o entendimento jurisprudencial anteriormente citado coloca a incorporadora em situação frágil, este coloca os compradores em vulnerabilidade.
Ainda, neste caso, nobre magistrado ignora a legislação vigente e profere uma decisão completamente arbitrária, um completo atentado à ordem e a segurança jurídica. Neste caso, não há uma interpretação distinta da lei, como nos demais, mas sim um descarte do texto legislativo.
A Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado, nos autos do processo número 1001045-87.2019.8.26.0541, julgou o pedido reconvencional, também postulado pelo Grandes Lagos Internacional Turismo Ltda., em uma ação de rescisão contratual com restituição dos valores pagos, da seguinte maneira:
Promessa de compra e venda. Aquisição de imóvel em regime de multipropriedade. Ação de rescisão contratual com pedido de restituição de valores pagos. Desistência do promissário-comprador. Fato que não afasta a necessidade de restituição das partes ao status quo ante. Sentença que autorizou a retenção integral do valor dado a título de sinal. Inadmissibilidade. Arras pactuadas que possuem natureza confirmatória. Retenção de 20% do total das importâncias pagas pelo comprador que se mostra suficiente para indenizar as despesas operacionais da vendedora. Taxa de fruição que também é devida, ainda que se trate de imóvel em regime de multipropriedade, posto que a base de cálculo será proporcional ao valor da fração que havia sido vendida ao autor. Procedência parcial da ação e da reconvenção. Sucumbência recíproca. Recurso parcialmente provido (Processo n. 1001045-87.2019.8.26.0541, relator Ruy Copolla, Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado, julgado em 20/01/2022, DJ de 26/01/2022.)
O relator, Ruy Coppola, entende que “é certo que a incidência da taxa de fruição, nos moldes reconhecidos na sentença, não se mostra desarrazoada, posto que sua base de cálculo já leva em consideração o valor proporcional do imóvel.” (2022. p. 359).
O MM. Juízo “a quo” sentenciou o proeminente comprador ao pagamento de indenização por fruição correspondente à a 0,5% (meio porcento) do valor do contrato por mês de exercício de posse.
Tal interpretação da lei, é o mais justo para ambas as partes, a final, o valor pago pelo proeminente comprador já é proporcional à sua fração de tempo. É claro que o valor de imóvel, não corresponde ao valor do contrato, uma vez que os compradores não exercem a posse constante do imóvel, mas sim de forma alternada. Ou seja, o Tribunal de Justiça de São Paulo possui três entendimentos completamente distintos, para casos idênticos, onde a incorporadora é a mesma, assim como os contratos e os pedidos.
6 A DISCREPANCIA DE VALORES EM UMA SITUAÇÃO HIPOTÉTICA.
Para se ter uma noção da gritante discrepância entre os entendimentos, segue abaixo um caso hipotético:
No cenário em questão, o proeminente comprador Y estabelece um contrato de promessa de compra e venda com a incorporadora X, envolvendo um imóvel construído em modalidade de multipropriedade, com valor estipulado de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). A propriedade é compartilhada entre 13 multiproprietários, onde, cada um, possui em média 28 dias de usufruto por ano, e está situado em um empreendimento hoteleiro com diária média corresponde à R$ 400,00 (quinhentos reais).
Após um ano de exercício de posse do imóvel, o comprador Y toma a decisão de rescindir o contrato de maneira imotivada e ingressa judicialmente para obter tal rescisão.
Caso o magistrado responsável decida aplicar o entendimento apresentado pela Trigésima Terceira Câmara de Direito Privado, a indenização por fruição será de aproximadamente R$230,13 (duzentos e trinta reais e treze centavos).
Caso decida o magistrado aplicar o entendimento apresentado pela Trigésima Segunda Câmara de Direito Privado, tal indenização será estipulada em R$ 3.000,00 (três mil reais).
Entretanto, caso decida o magistrado aplicar o entendimento apresentado pela Quarta Câmara de Direito Privado, a indenização será de R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais)
Ou seja, o mesmo caso, com as mesmas partes e mesmo objeto, podem ter três julgamentos completamente distintos, podendo variar entre R$230,13 (duzentos e trinta reais e treze centavos) e R$ 11.200,00 (onze mil e duzentos reais), dependendo apenas de qual entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo será utilizado para arbitrar a indenização.
A situação acima relatada é inconcebível em um ordenamento jurídico sério e traz enorme insegurança jurídica para as incorporações imobiliárias construídas em multipropriedade.
6 CONCLUSÃO
É de suma importância que um mercado em franca expansão, que movimenta dezenas de bilhões de reais todos os anos, possa operar com a devida segurança jurídica. Não é crível que um mesmo tribunal, aplique em favor, ou desfavor, de uma mesma empresa, com o mesmo contrato e em casos idênticos três entendimentos completamente distintos sobre o mesmo tema, a insegurança jurídica gerada por tal prática é gigantesca.
Como em toda operação comercial, é necessário que a Incorporadora Imobiliária seja capaz de estimar seus lucros e suas perdas, para que possa se manter estável e colocar em prática planos de expansões, o que, no atual cenário, é completamente prejudicado pelas divergências de entendimento neste artigo apontadas.
O cenário presente atualmente em nosso sistema judiciário age ora em desfavor ao proeminente comprador, ora em desfavor à incorporadora, algumas vezes ignorando completamente a legislação vigente, atentando desta forma contra o estado democrático de direto. O que se tem atualmente, são desembargadores que pouco se preocupam e analisar a legislação e obter o que é justo, proferindo assim decisões completamente desconexas da realidade.
É notório que os casos como os apresentados em tela, que já são extremamente recorrentes, se farão cada vez mais presentes no dia a dia do tribunal, dada a expansão do setor no mercado nacional, devendo tais divergências de entendimento serem sanadas urgentemente e é imperioso que se respeite as leis a fim de se obter o que é justo, para ambas as partes. Também é pouco provável que em período próximo seja editado o texto legislativo e incluída tal especificidade.
Portanto, está claro que se faz urgente a pacificação do tema, para que nem a Incorporadora, nem o Proeminente Comprador, sejam pegos de surpresa na hora da rescisão contratual de uma Promessa de Compra e Venda de um empreendimento construído em modelo de multipropriedade, sendo trazida assim a relação mantida entre as partes segurança jurídica, que viabilize o planejamento financeiro, tanto das incorporadoras quanto dos compradores, impedindo assim surpresas desagradáveis a hora da rescisão contratual, que fragilizem o caixa das partes envolvidas.
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP - UNIFUNEC,
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Samir Pereira da. As divergências de entendimento acerca da estipulação de indenização por fruição de imóveis construídos em regime de multipropriedade dentro do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2023, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62309/as-divergncias-de-entendimento-acerca-da-estipulao-de-indenizao-por-fruio-de-imveis-construdos-em-regime-de-multipropriedade-dentro-do-tribunal-de-justia-do-estado-de-so-paulo. Acesso em: 22 nov 2024.
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