ANDRÉ DE PAULA VIANA
(orientador)
RESUMO: Conhecido como um transtorno de personalidade, a psicopatia está ligada a uma anomalia no funcionamento do córtex orbitofrontal, responsável por transmitir emoções. Com isso, são pessoas incapazes de discernir emoções e sentimentos, sendo propensas a práticas ilícitas ou cometerem crimes graves à sociedade, o que muitas vezes não possuem leis especificas e são tratados como pessoas “normais” ou portadoras de deficiência mental, não tendo um diagnóstico correto, fazendo com que sejam inseridos em sociedade novamente. Posto isto, este presente artigo tem como objetivo analisar a psicopatia e qual a sua relação com o direito penal. Também será apresentado como o Poder Judiciário Brasileiro se posiciona em casos de crimes praticados por pessoas que possuem tais distúrbios psicológicos e como os condenados são tratados de acordo com as normas brasileiras. Pretende-se ainda, abordar a capacidade dos agentes que possuem a psicopatia de responderem por seus crimes ou se são casos de inimputabilidade penal.
Palavras-chave: Psicopatia; Direito Penal; Crime; Inimputabilidade.
A princípio, pessoas que apresentavam transtornos psicológicos eram consideradas como possuídas por demônios, e que somente os religiosos seriam capazes de curar tais indivíduos (GARDENAL; COIMBRA, 2018). Ao decorrer do tempo, com as inovações tecnológicas, foi possível analisar que pessoas que possuíam transtornos psicológicos não se tratava de possessão demoníaca, mas sim de doenças mentais.
Com isso, foi através de estudos que o termo psicopatia surgiu no século XIX dentro da Medicina Legal, onde todos os indivíduos que apresentavam qualquer doença mental eram classificados como sendo psicopatas (GARDENAL; COIMBRA, 2018).
Também conhecida como um transtorno de personalidade, a psicopatia é um distúrbio que se caracteriza pela falta de empatia, culpa e remorso em relação a terceiros, além disso, também são pessoas muito racionais e possuem a total consciência de seus atos (GARDENAL; COIMBRA, 2018). O conceito para esse transtorno se deu através de estudos médicos que analisaram que muitos criminosos apresentavam clássicos sinais de insanidade e falta de remorso.
Por se tratar de uma doença de alta complexidade e os portadores deste transtorno apresentarem um intelecto acima do normal, o conceito para a psicopatia está em constante mudança, o que dificulta ainda mais o seu diagnóstico.
Deste modo, a pessoa considerada psicopata está mais propensa a cometer crimes tanto no âmbito civil tanto na área penal, sendo mais comuns praticarem crimes como pedofilia, estelionato ou serem assassinos em série.
Tais crimes praticados por psicopatas não possuem leis especificas que determinam suas penas ou tratamentos, ou seja, são tratados como pessoas que possuem doenças mentais e acabam sendo reinseridos em sociedade, o que ocasiona novamente a prática dos crimes.
Estando entre os distúrbios mentais mais difíceis de identificar, a psicopatia é marcada pela falta de empatia e consciência. O psicopata vê o mundo sem emoção ou consideração por terceiros, visando apenas a sua diversão e prazer, fazendo com que sejam manipuladores ao extremo, o que na maioria das vezes o leva a ser um criminoso com maior periculosidade em relação aos outros considerados “normais”.
Ao contrário do que muitos pensam, os atos criminosos dos psicopatas não derivam de uma mente adoecida, mas sim de um raciocínio frio e calculista com uma incapacidade de ter empatia pelo próximo ou de tratar como seres humanos com sentimentos. (SILVA, 2014, p. 32).
Além dos vários conceitos acerca desse assunto, de acordo com a Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional- SBIE – (Fonseca, 2016), o psicopata pensa completamente diferente de uma pessoa normal, sendo pessoas frias e egoístas, onde apenas consideram o seu bem-estar como o mais importante, na maioria das vezes praticando crimes para a sua satisfação. Estes indivíduos são mestres em mentir e manipular, tendo o hábito de se utilizar dessas artimanhas para benefício próprio e conseguir seus objetivos, já que pela ausência de seu emocional e o lado racional predominante, não apresentam quaisquer reações quando estão mentindo.
Ademais, ainda segundo o SBIE – (Fonseca, 2016) por não sentirem culpa, vergonha ou remorso e não sentirem emoções, os psicopatas sentem prazer no sofrimento do outro e na tortura física, psicológica e emocional de suas vítimas ou pessoas próximas a ele.
Este transtorno é caracterizado pela incapacidade de reconhecer a humanidade e o sentimento do próximo e até mesmo seus próprios sentimentos.
O psicopata olha para o humano de forma desfigurada, como algo que pode beneficiá-lo ou não, proporcionar-lhe prazer ou não. Essa seria a frieza dele, o não reconhecimento da humanidade no outro e até mesmo o não reconhecimento de sua própria humanidade (COSTA, 2014, p. 14).
Embora seja um distúrbio com várias características que auxiliam em sua identificação, ainda sim é muito difícil o seu diagnostico, havendo vários estudos acerca desse assunto.
No ano de 1991, um psicólogo canadense chamado Robert Hare criou a famosa Escala de Hare, feita especialmente para identificar um psicopata; a escala é composta por 20 questões, dentre elas estão: boa lábia; ego inflado; reação estourada; sede por adrenalina; impulsividade; falta de culpa; sentimentos superficiais; comportamento antissocial; falta de empatia; má conduta na infância e irresponsabilidade, diagnóstico que só pode ser feita por profissionais na área (BRANDAO, 2023).
Como se sabe, pessoas portadoras da psicopatia não apresentam algum sentimento de culpa ou baixa autoestima, portanto, são incapazes de terem sofrimentos emocionais, tais como, depressão ou ansiedade. Além disso, não esboçam nenhum desejo de mudança.
Os psicopatas, além de achar que não tem problemas, não esboçam nenhum desejo de mudança para se ajustarem a um padrão socialmente aceito. Julgam -se autossuficiente, são egocêntricos, e suas ações são absolutamente satisfatórias e recompensadoras para eles mesmos. (SILVA, 2014, p. 239).
Portanto, não há meios de tratamentos para os portadores da psicopatia, visto que não possuem ou demonstram emoções, assim, é impossível tratar algum sofrimento inexistente.
No nosso ordenamento jurídico, está presente a inimputabilidade penal, da qual o agente é incapaz de responder por sua conduta delituosa devido à presença de alguma doença mental ou desenvolvimento mental incompleto. Como previsto no artigo 26 do Código Penal:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Brasil, 1984).
Para esses casos, em que o agente é considerado inimputável ou semi-imputável, é aplicado as medidas de segurança, assim como prevê no Código Penal, em seu art. 96 e 97:
Art. 96. As medidas de segurança são:
I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;
II - sujeição a tratamento ambulatorial. (BRASIL, 1984)
Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
§ 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. (BRASIL, 1984).
As medidas de segurança são usadas principalmente como uma forma de tratamento ou cura aos agentes portadores de alguma enfermidade mental. Além disso, outra de suas finalidades é a preventiva especial, em que o Estado espera que o indivíduo não volte à pratica de atos delituosos e evita seu contato com a sociedade enquanto perdurar seus tratamentos.
Considerando tais normas, pode-se notar que as penas aplicadas aos criminosos diagnosticados com a psicopatia, estes são tratados como doentes mentais, e são aplicadas as medidas de segurança aos agentes, acreditando que algum tratamento seja capaz de cura-los, o que os levam a ser inseridos novamente em sociedade, tendo uma reincidência na pratica dos crimes.
Segundo a Dra. Ana Beatriz Barbosa de Lima em seu livro Mentes Perigosas; O psicopata mora ao lado (2014), é notável a diferença de reincidência criminal dos psicopatas em relação aos demais criminosos, sendo essa duas vezes maior. O que nos leva a pensar que um dos motivos para tal é a falta de posicionamento do judiciário em relação aos crimes praticados por psicopatas.
Assim, muitas das vezes o réu é submetido a medidas de segurança, como por exemplo, a internação do acusado por tempo determinado e após o cumprimento do prazo, o agente é novamente reinserido em sociedade, voltando a prática dos crimes, podendo ser altamente perigoso.
Desta forma, ao analisar as leis vigentes em nosso ordenamento jurídico, é certo dizer que não possui leis especificas que caracterizam a psicopatia ou como os diagnosticados com tal distúrbio serão tratados ao cometerem algum crime em solo brasileiro.
Ao se analisar as questões apresentadas, pode-se concluir que a Psicopatia não é uma deficiência mental, mas sim, um transtorno de personalidade, da qual o indivíduo portador desta anomalia vê o mundo sem qualquer tipo de consciência, emoção ou sentimentos.
No entanto, em nosso ordenamento jurídico, não há leis que tipifiquem crimes praticados por psicopatas e tampouco formas de punição para tais agentes. Nota-se que, indivíduos portadores desta anomalia são tratados como se fossem pessoas consideradas “normais”, ou que possuem alguma deficiência mental, sendo classificados como inimputáveis e são submetidos a medidas de segurança, da qual são novamente reinseridos em sociedade, ocasionando a reincidência em alguns crimes.
Dito isto, resta evidente a necessidade de criação de leis próprias para tais crimes e suas formas de punição, já que, a psicopatia não se enquadra em nenhumas das tipificações previstas em lei, devendo ser um tema com mais estudos para a melhor adequação em nosso ordenamento jurídico, mais precisamente no âmbito penal.
BRANDAO, R. Psicopatia e suas principais características. ZenKlub, 2023. Disponível em: https://zenklub.com.br/blog/para-voce/psicopatia/#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20psicopatia%3F,e%20desprezo%20pelas%20obriga%C3%A7%C3%B5es%20sociais. Acesso em: 29 abr. 2023.
BRASIL, Código Penal – Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 17 nov. 2022.
CAPEZ, F. Curso de Direito Penal - Parte Geral - V.1. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.
CARVALHO, S. D. Penas e Medidas de Segurança no Direito Penal Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. E-book.
COSTA, C. Se o Mal Tivesse um Nome. Manaus, Vales, 2014. E-book.
FONSECA, R. Conheça as características de um psicopata e como identificar quando vê-lo. SBIE, 2016. Disponível em: https://www.sbie.com.br/conheca-as-caracteristicas-de-um-psicopata-e-como-identificar-quando-ve-lo/. Acesso em: 4 mai. 2023.
GARDENAL, I. B.; COIMBRA, M. Evolução Histórica do Psicopata na Sociedade. JusBrasil, 2018. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/evolucao-historica-do-psicopata-na-sociedade/604499552#:~:text=O%20conceito%20de%20psicopatia%2C%20origin%C3%A1rio,apresentavam%20nenhum%20tipo%20de%20loucura%2C. Acesso em: 17 nov. 2022.
PIMENTA, T. Psicopatia: como identificar um comportamento psicopata. Vittude, 2019. Disponível em: https://www.vittude.com/blog/psicopatia-como-identificar-um-psicopata/#:~:text=Os%20psicopatas%20s%C3%A3o%20muito%20manipuladores,educados%20e%20mant%C3%AAm%20empregos%20est%C3%A1veis. Acesso em: 17 nov. 2022.
SILVA, A. B. B. Mentes Perigosas: O Psicopata mora ao lado. O Globo, São Paulo, 2014. E-book.
Silva, K. R. Mentes perigosas: a psicopata mora ao lado, de Ana Beatriz Barbosa - uma reflexão sobre psicopatia, direito penal e direito fundamental. UNIVEM, Marília/SP, v. 12, n 1, p. 189 – 206, 2019. Disponível em: file:///C:/Users/Advocacia/Downloads/3120-85-6567-1-10-20200317%20(3).pdf. Acesso em: 29 abr. 2023.
Graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Danielle Andrea de Oliveira. Psicopatia e sua relação com o Direito Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 ago 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62330/psicopatia-e-sua-relao-com-o-direito-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
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