SIMONE PEREIRA RIBEIRO[1]
CLYNTHON BUENO SOUSA DE AZERÊDO[2]
(coautores)
Resumo: A violência doméstica contra a mulher é um problema social generalizado, transcendendo barreiras de classe social, etnia e religião que tem afetado milhões de mulheres em todo o mundo, incluindo o município de Paraíso do Tocantins, estado do Tocantins. Debater acerca desse tema é necessário e indispensável, numa comunhão de esforços entre o poder estatal, as instituições privadas e a sociedade civil para atender adequadamente as vítimas, bem como prevenir e enfrentar a violência doméstica. Nesse contexto, o presente estudo tem por objetivo geral apresentar a política pública governamental denominada de Patrulha Maria da Penha no âmbito da Polícia Militar, como instrumento de efetiva proteção e atendimento emergencial às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em Paraíso do Tocantins, a partir das experiências desenvolvidas em outros estados da federação e da aplicação dos termos da Lei do Estado do Tocantins n. 3.560/2019. O método dedutivo, construído a partir das pesquisas de natureza estatística, bibliográfica e de campo, norteou a metodologia. Espera-se que as reflexões e fundamentos apresentados contribuam para a decisão governamental de instituir oficialmente a Patrulha Maria da Penha do município de Paraíso do Tocantins o mais breve possível.
Palavras-chave: Patrulha Maria da Penha. Violência doméstica. Mulher. Paraíso do Tocantins.
Introdução
A violência doméstica e familiar contra a mulher é um fenômeno multifacetado que envolve agressões físicas, psicológicas, morais, patrimoniais e sexuais, ocorrendo principalmente nas relações íntimas de afeto, como casamentos e uniões estáveis e, apesar dos esforços de organismos internacionais e nacionais para combatê-la continua sendo um desafio persistente.
Internacionalmente, a Recomendação Geral n. 19 (1992) da Organização das Nações Unidas incluiu na Convenção Sobre A Eliminação De Todas As Formas De Discriminação Contra A Mulher – CEDAW a violência contra a mulher como uma das formas de discriminação, assim definida:
Comentário geral
6. O artigo 1 da Convenção que define a descriminação contra a mulher. Essa definição inclui a violência baseada no sexo, como sendo, a violência que é dirigida contra a mulher por ela ser mulher ou aquela que afeta desproporcionalmente as mulheres. Esta violência inclui os atos que infligem danos ou sofrimento físico, mental ou sexual, as ameaças de cometer esses atos, a coerção e outras formas de privações da liberdade. A violência baseada no gênero pode contrariar disposições específicas da Convenção, independentemente de expressamente mencionarem a violência.
No sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, o documento mais relevante em defesa e proteção da mulher vítima de violência é a Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, publicada em 1994 e ratificada pelo Brasil em 1995, sendo esse o tratado interamericano responsável por reconhecer de forma pioneira a violência contra a mulher como uma violação direta aos direitos humanos e, portanto, uma questão de ordem pública, cabendo aos Estados assumirem a responsabilidade e o dever de erradicar toda e qualquer forma de violência contra a mulher.
A Convenção de Belém do Pará (1994) conceitua a violência contra a mulher e reconhece logo em seus primeiros artigos que toda mulher tem o direito de ser livre, bem como, deve ser protegida em todos os seus direitos humanos:
Artigo 1
Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.
Artigo 2
Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica:
a. ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
b. ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e
c. perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.
Artigo 3
Toda mulher tem direito a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada.
Cumpre ressaltar que os termos da Convenção de Belém do Pará alicerçaram as denúncias contra o Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH no caso n. 12.051/2001 da brasileira Maria da Penha Fernandes Maia, que culminou na Recomendação expressa ao Brasil para adotar medidas de combate à violência contra as mulheres e proteção às vítimas:
VIII. Recomendações
61. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera ao Estado Brasileiro as seguintes recomendações:
(...)
3. Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão, as medidas necessárias para que o Estado assegure à vítima adequada reparação simbólica e material pelas violações aqui estabelecidas, particularmente por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por impedir com esse atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação e indenização civil.
4. Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil (sem grifos no original).
A reparação simbólica a que a Recomendação da CIDH impôs ao Brasil foi cumprida com a promulgação em 7 de agosto de 2006 da Lei 11.340, nomeada como Lei Maria da Penha e representa o mais importante marco legislativo brasileiro enquanto mecanismo para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Além de atender a recomendação da CIDH, a Lei Maria da Penha atendeu aos termos do artigo 226, parágrafo 8º da Constituição Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...). §8º. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.
Assim como na Convenção de Belém do Pará, a Lei 11340/2006 definiu a violência doméstica e familiar contra a mulher como violência de gênero, ou seja, quando a violência ocorre pela condição de ser mulher, bem como asseverou esse tipo de violência como uma forma direta de violação dos direitos humanos:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
Dentro desse contexto de proteção aos direitos humanos das mulheres, especialmente em relação à violência doméstica e familiar, em conformidade como preconizado internacional e nacionalmente, a equipe de extensão universitária que subscreve o presente estudo, vinculada ao Programa Pensar Direito da Universidade Estadual do Tocantins – Câmpus de Paraíso do Tocantins, desenvolveu estudos estatísticos sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher no município de Paraíso do Tocantins, compilando dados referentes aos anos de 2021 e 2022 a partir dos registros de atendimentos das polícias Militar e Civil.
A partir da análise dos dados, que permitiu compreender a realidade paraisense, tanto no quantitativo de casos registrados, como na determinação do perfil etário, étnico, relação da vítima com o agressor, bairros de maior incidência de ocorrências e tipos de violências sofridas pelas mulheres vítimas, buscou-se exemplos de iniciativas governamentais nacionais que contribuíram positivamente para a redução do número de casos de violência e a análise da possibilidade de implantação no município, como forma de proteger e atender emergencialmente as mulheres em situação de vulnerabilidade à violência doméstica.
Consoante, o presente estudo tem por objetivo geral apresentar a política pública governamental denominada de Patrulha Maria da Penha no âmbito da Polícia Militar como possível instrumento de efetiva proteção e atendimento emergencial às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar em Paraíso do Tocantins. Como objetivos específicos propõe-se posicionar a Polícia Militar enquanto instituição pública legalmente competente para desenvolver o projeto da Patrulha Maria da Penha; conceituar a Patrulha Maria da Penha a partir Lei do Estado do Tocantins n. 3.560/2019; apresentar as diretrizes para implementação da Patrulha Maria da Penha no município de Paraíso do Tocantins.
Visando atender aos objetivos propostos a metodologia fundamenta-se no método dedutivo, construído a partir de pesquisas de ordem tanto quantitativa, quanto qualitativa. Quantitativamente serão apresentados dados estatísticos que visam corroborar com a discussão apresentada, especialmente na demonstração da realidade brasileira e municipal da violência doméstica e familiar contra a mulher, coletados em documentos estatísticos de instituições credibilizadas, quanto provenientes da pesquisa de campo realizada pelos próprios autores deste estudo junto aos dados dos registros policiais do município de Paraíso do Tocantins.
No viés qualitativo encontram-se a pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, bem como a entrevista semiestruturada. A pesquisa bibliográfica objetiva a revisão de estudos e publicações acadêmicas relevantes ao tema, fundamentando teoricamente a análise do tema proposto, enquanto a revisão legislativa e jurisprudencial ressalta a legalidade das premissas e conclusões apresentadas. Por fim, a entrevista semiestruturada foi utilizada como complemento à discussão da especificidade da implantação da Patrulha Maria da Penha no município de Paraíso do Tocantins.
1. Violência doméstica e familiar contra a mulher: números de uma tragédia brasileira
Ante ao crescimento dos números nas últimas décadas a violência doméstica e familiar contra a mulher vem recebendo atenção também dos medidores estatísticos. Antes invisibilizada pelas paredes dos lares, geralmente cenário da violência contra a mulher, a violência é hoje visível também pela compilação dos dados estatísticos nacionais decorrentes dos registros de ocorrências das polícias Militar e Civil e pelo número de requerimento de medidas protetivas de urgência, rompendo assim as paredes do anonimato do lar e revelando com nitidez o que representa atualmente uma epidemia.
No Brasil, infelizmente, houve o aumento do número de todas as formas de violência contra a mulher. Os dados estatísticos do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023, p. 136) revelam que:
Os feminicídios cresceram 6,1% em 2022, resultando em 1.437 mulheres mortas simplesmente por serem mulheres. Os homicídios dolosos de mulheres também cresceram (1,2% em relação ao ano anterior), o que impossibilita falar apenas em melhora da notificação como causa explicativa para o aumento da violência letal.
Além dos crimes contra a vida, as agressões em contexto de violência doméstica tiveram aumento de 2,9%, totalizando 245.713 casos; as ameaças cresceram 7,2%, resultando em 613.529 casos; e os acionamentos ao 190, número de emergência da Polícia Militar, chegaram a 899.485 ligações, o que significa uma média de 102 acionamentos por hora.
Além disso, registros de assédio sexual cresceram 49,7% e totalizaram 6.114 casos em 2022 e importunação sexual teve crescimento de 37%, chegando ao patamar de 27.530 casos no último ano. (...).
As ameaças também apresentaram crescimento e resultaram em um total de 613.529 registros, o que significa um aumento de 7,2% em relação a 2021.
Percebe-se o aumento significativo dos números nas diversas formas de violências elencadas no artigo 7º da Lei 11.340/2006, o que significa que as políticas públicas de enfrentamento da violência de gênero não estão atendendo às reais necessidades da sociedade.
Outro dado importante a ser considerado é a relação da vítima com o seu agressor, vez que para caracterizar a violência doméstica e familiar contra a mulher é necessário, nos termos do artigo 5º da Lei Maria da Penha que exista a relação de convívio no âmbito familiar da vítima com o seu agressor, ainda que fora dos laços sanguíneos diretos ou da coabitação. Nos casos de feminicídio, o Anuário 2023 revela que em 70% dos casos a vítima sofre a violência letal dentro de casa e em 53,6% dos casos o agressor é o companheiro.
No Tocantins, de acordo com os dados da Secretaria da Segurança Pública do Tocantins (online) no ano de 2022, foram registrados 11.366 boletins de ocorrência relacionados aos tipos de violência previstos na Lei 11.340/2006. Destes, 3.670 foram pelo tipo penal de ameaça e 1.975 por lesão corporal, os dois crimes com maior incidência de casos. Palmas foi a cidade com maior número de registros, 3.084 e domingo foi o dia com o maior número de ocorrências, 2.403.
Especificamente no município de Paraíso do Tocantins, localizado a 60 km da capital Palmas, com uma população de 52.360 habitantes (IBGE, 2023), foram registrados em 2022, de acordo com a Secretária da Segurança Pública do Tocantins (online) 435 casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. Também ocupam o topo da lista os crimes de ameaça, com 151 casos e lesão corporal, com 99 casos registrados.
De acordo com as pesquisas de campo realizadas junto às polícias Militar, especialmente o 8º Batalhão e Civil, por meio da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher e Vulneráveis – DEAMV, ambas de Paraíso do Tocantins, nos anos de 2021 e 2022, 67% das agressões às mulheres foram proferidas pelo seu companheiro e 29% por ex companheiro, o que contabiliza 96% dos casos, demonstrando o quão vulnerável está a mulher paraisense dentro de casa. A mulher parda, na faixa etária de 24 a 41 anos e residente no bairro Jardim Paulista está mais suscetível à violência doméstica e familiar de acordo com a pesquisa realizada.
Em entrevista realizada no mês de abril de 2023, a Major Joicilene Araújo Rezende, do 8º Batalhão da Polícia Militar de Paraíso do Tocantins informou um aumento de 82% dos atendimentos entre janeiro e março de 2023 em relação ao mesmo período de 2022 e, nesses atendimentos houve 9 prisões em flagrante em 2022 e em 2023 já ocorreram 24 prisões.
Frisa a entrevistada que o 8º Batalhão de Paraíso do Tocantins ganhou reforço de efetivo em 2023, bem como treinamentos específicos para atendimento às demandas relacionadas à violência doméstica, inclusive com inserção na matriz curricular da formação dos alunos-soldados de disciplina específica para tais atendimentos.
Nesse sentido, o aumento do número de registros de casos, segundo a major, também estaria relacionado a maior efetividade nos atendimentos, inclusive atendendo municípios da circunscrição do 8º Batalhão que até então não eram atendidos com efetivo próprio.
Corroborando com os dados e informações prestadas pela Major tocantinense, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023, p. 138) afirma:
Em 2022 foram registrados 899.485 acionamentos ao 190 relacionados a casos de violência doméstica. O número de emergência das Polícias Militares é uma das medidas mais utilizadas pelas vítimas como forma de acesso rápido à proteção policial. Os valores indicam que as polícias militares receberam 102 acionamentos a cada hora para o atendimento dessas ocorrências no último ano, evidenciando a pressão nas organizações responsáveis pelo policiamento ostensivo, frequentemente acusadas de não prestarem atendimento adequado às vítimas (sem grifos no original).
Contudo, importante salientar que diante do significativo número do aumento de casos, seja no contexto nacional, seja no municipal, impossível atribuir apenas a melhora no atendimento e, consequentemente nas notificações como única causa explicativa para o aumento da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Embora seja extremamente complexo elencar fatores determinantes para o aumento da criminalidade doméstica contra a mulher, algumas hipóteses foram destacadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2023, p. 8):
O primeiro, já identificado em outros relatórios publicados por nós, tem relação com o desfinanciamento das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do Governo Federal nos últimos quatro anos (FBSP, 2022a). Nota técnica produzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que em 2022 ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres em uma década. Sem recursos financeiros, materiais e humanos não se faz política pública.
A pandemia de Covid-19, por sua vez, comprometeu o funcionamento de serviços de acolhimento às mulheres em situação de violência. A restrição nos horários de funcionamento, as dificuldades de circulação impostas pelas necessárias medidas de isolamento social e a redução das equipes de atendimento foram fatores que afetaram em algum grau os serviços de saúde, assistência social, segurança e acesso à justiça em todo o país.
Um terceiro ponto a ser destacado tem relação com a ação política de movimentos ultraconservadores que se intensificaram na última década e elegeram, dentre outros temas, a igualdade de gênero como um tema a ser combatido.
Ainda em termos estatísticos, cumpre analisar os dados relativos a concessão de medidas protetivas de urgência – MPU pelo Poder Judiciário, considerando que a Patrulha Maria da Penha - PMP tem por viés principal o atendimento das mulheres com MPU vigentes.
Regulamentadas pela Lei 11.340/2006, especialmente no artigo 22, as MPUs são medidas judiciais que visam proteger a mulher que sofreu ou está na iminência de sofrer algum tipo de violência doméstica e familiar. A MPU é imposta ao agressor e busca, primordialmente, afastar o agressor da vítima e seus dependentes. Em termos legais, compõe as MPUs:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
Em termos nacionais, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023) foram concedidas 445.456 medidas protetivas de urgência em 2022, um aumento de 13,7% em relação a 2021. No Tocantins, esse número foi de 3.575, um aumento de 3,1% em relação ao ano anterior. Em Paraíso do Tocantins foram concedidas 152 MPUs em 2022 e 122 em 2021.
De janeiro a julho de 2023, nas referências estatísticas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Tocantins (online) foram concedidas 2.491 MPUs nas comarcas tocantinenses. Destas, 116 foram em Paraíso do Tocantins, perdendo apenas para Palmas (733), Araguaína (460) e Gurupi (192).
Em termos gerais, Paraíso do Tocantins é a sexta comarca com maior número de processos ativos envolvendo a Lei 11.340/2006, com 689 processos.
Resta evidente que a partir do conhecimento dos números e dos prováveis fatores do crescimento da criminalidade doméstica e, consequentemente, da concessão de medidas protetivas de urgência, cumpre tanto ao Estado, quanto as instituições privadas, juntamente com a sociedade civil, a necessidade de enfrentamento do problema, com ações capazes de colocar um freio na conduta machista e desigual que ainda predomina na sociedade brasileira.
Dentre as ações de enfrentamento e prevenção da violência doméstica contra a mulher está a atuação ostensiva da polícia Militar, considerando, como relatado em linhas anteriores, tem sido uma das principais portas de acesso à proteção estatal procurada pelas vítimas.
2. A atuação da Polícia Militar na prevenção e enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher
A atuação da Polícia Militar no enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher é uma questão complexa e diferenciada dos demais atendimentos de ocorrências. Quando uma pessoa é vítima, por exemplo, de um roubo, ao contactar a polícia, busca providências. A vítima quer o agressor punido para que ele não volte a reincidir no crime, seja com ela ou com outras vítimas.
No contexto da violência doméstica nem sempre é assim. Muitas vezes a vítima, em razão do seu estado de vulnerabilidade, do medo, da falta de clareza sobre a toxidade do relacionamento, o receio de agravamento das agressões ou mesmo do abandono, deixa de representar formalmente contra o agressor, prejudicando as providências legais. Corriqueiramente não é a vítima que aciona a força policial, mas sim os vizinhos ou outros familiares e ao chegar no local a vítima ainda busca proteger o agressor para que este não seja flagranciado pela violência cometida.
Via de regra, a Polícia Militar realiza o atendimento emergencial, cessando de imediato a violência, retirando o agressor do local e, se necessário, acionando os demais serviços de emergência. É a Polícia Militar que tem o contato direto e cotidiano com a população, desenvolvendo a função constitucional da ostensividade e a preservação da ordem pública (Constituição Federal, 1988).
Contudo, a atuação da Polícia Militar pode ir além do atendimento primário da violência, desempenhando papel crucial também na prevenção e proteção das mulheres vítimas da violência doméstica e familiar, garantindo a proteção da vítima e seus dependentes a partir do estabelecimento da relação de confiança com a comunidade, realizando acompanhamento posterior às vítimas, especialmente as que tenham concessão de medida protetiva de urgência, promovendo palestras de conscientização e esclarecimentos sobre os direitos das mulheres e como e onde buscar auxílio em caso de violência, entre outras que se alicerçam no atendimento humanizado à população para além do atendimento na ocorrência do delito.
No contexto da violência doméstica considera-se necessário um atendimento diferenciado, pois como relatado em linhas anteriores, o agressor geralmente é o próprio cônjuge ou companheiro, ou seja, envolve relações afetivas, que nem sempre são fáceis de serem rompidas, perpassando pelo suporte emocional adequado, que infelizmente, não faz parte da qualificação de todos os policiais, que devido à ausência de capacitação acabam por piorar a situação com palavras e ações inadequadas para com a vítima, que acaba sendo agredida novamente, mas desta vez, pelo Estado.
Capacitação profissional adequada, inserção de mulheres no efetivo policial para atendimento às demandas de violência doméstica, acolhimento psicológico das vítimas, sensibilidade e empatia no atendimento, estabelecimento de vínculo comunitário para acompanhamento posterior das vítimas, são medidas essenciais para uma resposta efetiva ao enfrentamento preventivo da violência de gênero por parte da Polícia Militar.
Vários são os exemplos de ações desenvolvidas pela Polícia Militar que tem surtido efeito positivo na onda epidêmica da violência doméstica e familiar contra a mulher. Dentre elas destaca-se a Patrulha Maria da Penha.
3. Diretrizes para implantação da Patrulha da Penha em Paraíso do Tocantins
A Patrulha Maria da Penha – PMP surgiu no ano de 2012, a partir das discussões envolvendo a conscientização a respeito das políticas públicas e boas práticas na defesa da igualdade de gênero, promovidas no I Seminário Internacional Mulheres e Segurança Pública, realizado de 6 a 9 de março de 2012, na cidade de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul (Gerhard, 2014).
A partir do evento realizado em Porto Alegre surgiram várias políticas públicas de enfrentamento da violência contra a mulher. Foram envolvidas diversas instituições da segurança pública, como a Polícia Civil, a Superintendência de Serviços Penitenciários, o Instituto Geral de Perícias e a Polícia Militar.
No âmbito da Polícia Militar, houve o aprimoramento das discussões sobre a atuação policial na comunidade, evidenciando-se a filosofia da polícia comunitária, cuja atuação é bem mais ampla, como destaca Gerhard (2014. p. 82):
No entanto, de acordo com a filosofia da polícia comunitária, a atuação policial é bem mais ampla, iniciando pela interação comunitária, envolvimento, comprometimento, formação de redes de cooperação, prevenção propriamente dita, atendimento a fatos consumados, investigação, apuração penal e acompanhamento pós-traumático, oferecendo à cidadã, efetivamente, o pleno atendimento na esfera de atuação dos órgãos policiais, especificamente da Polícia Militar.
Nesse contexto, foi criado em 20 de outubro de 2012, pela polícia Militar gaúcha, o programa Patrulha Maria da Penha, com foco na parceria entre a polícia e a população, indo além da prestação de serviço policial de ostensividade e preservação da ordem pública.
Com policiais especialmente treinados, com uniforme e viatura caracterizados por logomarca própria, a Patrulha Maria da Penha implantada em Porto Alegre, além das atividades de rotina, passou a realizar fiscalizações aleatórias dos cumprimentos das Medidas Protetivas de Urgência – MPU, mesmo sem que houvesse chamado específico da vítima, fazendo-se presentes diuturnamente nas comunidades onde o projeto foi implantado.
Os resultados positivos do projeto repercutiram pelo Brasil e diversos estados da federação o implantaram.
No Tocantins, a Patrulha Maria da Penha foi criada em 18 de dezembro de 2018, com assinatura do termo de cooperação técnica entre Polícia Militar, Tribunal de Justiça, Secretaria de Segurança Pública, Ministério Público e Defensoria Pública do Estado. A atividade operacional começou a ser desenvolvida em 19 de fevereiro de 2019 e em 29 de outubro de 2019 o então comandante-geral da Polícia Militar tocantinense assinou a instrução normativa da PMP definindo as diretrizes da nova modalidade de policiamento no âmbito da instituição. Em 28 de novembro de 2019, foi instituída oficialmente a Patrulha Maria da Penha, sendo sancionada a Lei Estadual n. 3.560/2019 com a seguinte redação:
Art. 1º Fica instituída no âmbito do Estado do Tocantins a Patrulha Maria da Penha que deverá atuar no enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e será regida pelas diretrizes dispostas nesta Lei e na Lei Federal nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha.
Parágrafo único. Compete à Polícia Militar do Estado do Tocantins o planejamento e execução das ações operacionais e administrativas da Patrulha Maria da Penha.
Art. 2º O patrulhamento deverá ocorrer para garantir o cumprimento das medidas protetivas estabelecidas pela Lei Maria da Penha, concedidas pela justiça às mulheres vítima de violência doméstica.
Art. 3º O acompanhamento às mulheres referidas no art. 2º serão realizados de forma humanizada e inclusiva, através de visitas preventivas realizadas periodicamente às suas residências ou locais de trabalho.
Parágrafo único. As guarnições da Patrulha Maria da Penha deverão ser compostas, sempre que possível, por no mínimo uma policial militar feminina.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Com o objetivo de fazer o acompanhamento preventivo e garantir maior proteção às mulheres em situação de violência doméstica, em especial as que possuem medidas protetivas de urgência em vigor, a PMP foi implantada primeiramente na capital tocantinense em 2019 e estendida para o município de Araguaína somente em 8 de março de 2023, ou seja, esse serviço especializado atualmente somente existe nas duas maiores cidades do Estado (Patrulha Maria da Penha, 2023).
Destaca-se que a atuação do policial militar na PMP exige capacitação específica, perpassando, portanto, também por investimentos em qualificação profissional. No Tocantins, em março de 2023 foram formados mais 43 policiais militares com qualificação própria para atuarem na PMP no município de Araguaína, demonstrando que a Polícia Militar do Tocantins possui conhecimento e competência para ofertar a formação adequada também aos militares de Paraíso do Tocantins, para que possam integrar a PMP.
O Estado do Tocantins possui 139 municípios, dentre esses os cinco maiores em população são, de acordo com o IBGE (2023): Palmas (capital), Araguaína, Gurupi, Porto Nacional e Paraíso do Tocantins. Importante ressaltar que Paraíso do Tocantins ocupa a quinta posição em número de habitantes, mas a quarta posição em termos de desenvolvimento econômico do estado e, como evidenciado em linhas anteriores, o quarto lugar em concessão de medidas protetivas de urgência no ano de 2023.
Apesar de todos os esforços, tanto da Polícia Militar quanto da Delegacia Especializada em Atendimento a Mulheres e Vulneráveis, o cenário da violência contra a mulher em Paraíso do Tocantins, com o crescente número nos registros de violência, requer atitudes mais específicas por parte do poder público. A mantença da situação implicará em números ainda mais desastrosos no final do ano de 2023.
Neste cenário, a implantação da Patrulha Maria da Penha enquanto política pública, é uma medida urgente e necessária para Paraíso do Tocantins. Ainda que pese a necessidade de investimentos, há de se considerar que existe implantado o 8º Batalhão da Polícia Militar no município, inclusive com mulheres no seu efetivo para compor a PMP, como sugere a lei tocantinense, ou seja, um contexto extremamente favorável para a implantação da PMP a custos mínimos, mas com potencial para mudar radicalmente o cenário e, consequentemente, os números envolvendo a violência doméstica e familiar contra a mulher, contribuindo para uma cidade mais segura, justa e igualitária, onde todas as pessoas, independente de gênero, possam viver sem medo da violência.
Considerações finais
A violência doméstica é uma realidade alarmante na cidade de Paraíso do Tocantins. Por meio das pesquisas estatísticas, bibliográficas e entrevista com representante da Polícia Militar, foi possível compreender a gravidade desse problema e a propositura de medidas para combatê-lo.
A atuação da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher e Vulneráveis e do 8º Batalhão da Polícia Militar tem sido fundamental nesse processo, mas ainda há muito a ser feito para fortalecer a rede de apoio às vítimas, seja proporcionando acolhimento, assistência jurídica e psicossocial de qualidade, seja investindo em ações educativas e de conscientização, visando a prevenção da violência desde a infância, com a promoção de relações sadias e respeitosas entre os gêneros.
Entre as possíveis políticas públicas este estudo destacou a implantação da Patrulha Maria da Penha como mecanismo de proteção à vítima e prevenção de ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher em Paraíso do Tocantins.
Implantada em diversos estados brasileiros, no Tocantins a Patrulha Maria da Penha ainda é uma realidade de somente dois municípios: Palmas e Araguaína. Contudo, demonstrou-se ao longo do estudo, por meio de dados estatísticos, o crescente número de violência doméstica que assola o município de Paraíso do Tocantins e, a inércia sobre esta situação implicará em um futuro desastroso.
A conscientização da população, a união dos agentes públicos municipais e estaduais, bem como das forças de segurança são imprescindíveis para tornar a Patrulha Maria da Penha uma realidade paraisense.
A Patrulha representa um importante avanço na luta contra a violência de gênero e na promoção da igualdade de classe, ao garantir a proteção e a segurança das mulheres que estão em situação de risco e vulnerabilidade. É importante que iniciativas como essa sejam valorizadas e apoiadas, para que possam continuar a promover a defesa dos direitos humanos das mulheres e a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Referências
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 4 jun. 2023.
______. Lei 11340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 4 jun. 2023.
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir E Erradicar A Violência Contra A Mulher, “Convenção De Belém Do Pará”, de 9 de junho de 1994. Disponível em http://www.cidh.org/basicos/portugues/m.belem.do.para.htm. Acesso em: 17 jul. 2023.
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[1] Estudante do 8º período do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins – Câmpus de Paraíso do Tocantins. Email: [email protected].
[2] Estudante do 4º período do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins – Câmpus de Paraíso do Tocantins. Email: [email protected].
Mestra em Educação. Advogada. Licenciada em Matemática. Bacharel em Direito. Docente na Universidade Estadual do Tocantins – Câmpus de Paraíso do Tocantins e no Centro de Ensino Superior de Palmas, nas disciplinas de Direito Processual Penal, Direito Penal, Direitos Humanos e Estágio Supervisionado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEZZAROBA, Cristiane Dorst. A implantação da patrulha Maria da Penha enquanto política pública de atendimento e proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar em Paraíso do Tocantins Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2023, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62636/a-implantao-da-patrulha-maria-da-penha-enquanto-poltica-pblica-de-atendimento-e-proteo-mulher-vtima-de-violncia-domstica-e-familiar-em-paraso-do-tocantins. Acesso em: 22 nov 2024.
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