GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho foi redigido no afã de compreender o quanto os meios de comunicação influenciam em casos de responsabilidade do Tribunal do Júri, levando-se em conta a análise do caso do incêndio na Boate Kiss. A metodologia embasada para o trabalho envolveu o método hipotético-dedutivo conforme pesquisas teóricas e baseadas em artigos científicos e obras doutrinárias. No primeiro capítulo, abordou-se o Tribunal do Júri. O segundo capítulo faz análise acerca dos princípios que devem ser levados em conta na composição das decisões proferidas pelo júri. No terceiro capítulo será citado as hipóteses de desaforamento presentes no Código de Processo Penal. O quarto capítulo aborda influência midiática e suas consequências em casos de crimes dolosos. O quinto capítulo aborta o caso da Boate Kiss fazendo paralelo com os impactos causados pela mídia no julgamento.
Palavras-chave: Mídias sociais; Crimes contra a vida; Tribunal do Júri; Mídia; Boate Kiss.
A O tema voltou a ganhar notoriedade após a grande plataforma de streaming NETFLIX levar ao catálogo uma adaptação do livro “Todo dia a mesma noite”, de Daniela Arbex, tendo sua estreia no dia 25 de janeiro de 2023. A adaptação consiste numa série contendo 5 episódios que traz um maior enfoque nas famílias das vítimas do acidente, sendo uma dramatização dos fatos contendo certo “embasamento” nos fatos.
Diante disso, o tema é alvo de inúmeras discussões, não somente na esfera jurídica, como social. Pelo Direito, o foco se dá por argumentações de diversas autoridades do país acerca do caso no que tange os crimes de violência contra a vida, elencados no Código Penal Brasileiro (Lei no 2.848/1940), Título I, Capítulo I, do art. 121 ao 127.
Segundo o constante na legislação, os crimes contra a vida são o homicídio, infanticídio, aborto e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, insto é, crimes dolosos contra a vida, ou seja, quando há a intenção por parte do autor para cometer o ato ou este tenha assumido o risco de produzir o resultado danoso, na sua forma consumada ou tentada, conforme o artigo 74, § 1º, do Código de Processo Penal de 1941.
O Tribunal do Júri é responsável pelo julgamento de tais crimes e é considerado um dos meios de exercício da cidadania, em um Estado Democrático de Direito, uma vez que se tem a participação direta da sociedade para julgar os referidos tipos penais, por meio da figura dos jurados, que por meio de suas convicções, experiências, culturas e influência social para formular um posicionamento acerca do colhido durante o julgamento. Destaca-se aqui que o ser humano, em seu todo, é um ser falho e, por sua natureza, é influenciável.
No meio acadêmico e social, como um todo, o procedimento do Júri desperta um certo interesse e curiosidade, por tratar-se de crimes considerados socialmente abomináveis devido á sua natureza cruel e reprovável. Dessa forma, a mídia se faz presente continuamente nessa conjuntura, utilizando-se dos mais variados meios de comunicação para satisfazer o interesse do público acerca de determinado fato, o qual foge da habitualidade e princípios sociais. Diante desse cenário, a convicção dos membros do júri pode surgir a partir do meio social que os cerca, através das mídias se constrói, de certa forma, um conceito prévio, o que prejudica a imparcialidade do julgamento, princípio este fundamental presente no Tribunal do Júri e, influenciando, muitas vezes, de forma negativa o devido processo legal.
Ademais, é importante destacar os princípios que norteiam o tribunal do júri, levando-se em conta o princípio de presunção de inocência fazendo um paralelo com a liberdade de imprensa, sendo, portanto, essencial para um melhor entendimento do tema e do caso em concreto.
Para delinear o referido estudo, será realizado um levantamento de dados, por meio da pesquisa bibliográfica, com objetivo de identificar o poder e a influência que os veículos de imprensa exercem sobre as decisões do Tribunal do Júri, acerca das condenações dos réus.
No que se refere a metodologia para o desenvolvimento do referido trabalho de conclusão de curso, será adotada, a priori, a pesquisa bibliográfica a qual permitirá ao autor, uma gama de conhecimentos através de pesquisas que já foram realizadas anteriormente acerca do tema, além de buscar através de livros, artigos científicos, dissertações, teses, dentre outros periódicos, informações das quais possam proporcionar uma dialética técnica para análise dos conteúdos. Utilizará ainda a pesquisa documental, no afã de basear-se na investigação de documentos, análises processuais, documentos oficiais, reportagens de jornais, relatórios e estatísticas (PEREIRA; BARBOSA, 2022).
Em suma, o presente artigo busca primordialmente analisar o poder e influência que a mídia exerce nos casos de crimes contra a vida e a decorrência dos impactos provocados pelas notícias nos jurados. Da mesma forma, busca-se identificar até que ponto a Liberdade de Imprensa, direito garantido constitucionalmente, pode influenciar na decisão de cada jurado, além de analisar, no âmbito da condenação do réu, a função social dos veículos de imprensa.
Para isso, inicialmente será analisado a instituição do Tribunal do Júri em seu contexto histórico, sua importância, estrutura, princípios, competências e objetivos.
Posteriormente, será abordado o impacto exercido pelos noticiários na vida do réu, destacando o modo como é noticiado o fato, suas influências e limites, refletindo sobre as consequências disso na formação da opinião do júri, á medida que tenta-se responder alguns questionamentos: de certa forma, a mídia está exercendo sua função social ou apenas veiculando noticiários, criando realidades a partir de uma ótica única e impessoal? Seria a imprensa o quarto poder?
O estudo será finalizado abordando o caso emblemático que marcou o Tribunal do Júri do Estado do Rio Grande do sul, o qual alcançou a mídia internacional e dividiu opiniões. O caso da Boate Kiss ocorreu no dia 27 de janeiro de 2013, o incêndio ocorrido resultou em 242 (duzentos e quarenta e duas) mortes e deixou mais de 600 (seiscentos) feridos.
O Tribunal do Júri tem previsão legal no artigo 5º, XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal de 1988, sendo de sua competência julgar todos os crimes dolosos contra a vida, conforme o constante nos artigos 121 ao 128 do Código Penal. Dentre os princípios que norteiam o rito, estão assegurados de plenitude de defesa sigilo das votações e a soberania dos veredictos.
Refere-se ao Tribunal do Júri como uma garantia ao direito individual. Assim, aduz Nucci:
Trata-se de uma garantia ao devido processo legal, este sim, uma garantia ao direito de liberdade. Assim, temos a instituição do Júri, no Brasil, para constituir o meio adequado de, em sendo o caso, retirar a liberdade do homicida. Nada impede a existência de garantia da garantia, o que é perfeitamente admissível, bastando ver, que o contraditório é também garantia do devido processo legal […]Por outro lado, não deixamos de visualizar no júri, em segundo plano, um direito individual, consistente na possibilidade que o cidadão de bem possui de participar, diretamente, dos julgamentos do Poder Judiciário (NUCCI, 2013, P. 751).
Desta forma, nota-se que no Tribunal do Júri se faz necessário à formação da democracia brasileira. Nesse sentido, pleiteia Campos (2015. p.6): “Sem o Júri, teríamos no Brasil uma democracia incompleta, manca, aleijada, uma meia democracia, em que o povo teria sua vontade representada no Legislativo e no Executivo, mas esquecida no Judiciário [...]”.
2.1 CONTEXTO HISTÓRICO E EVOLUÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Origem do Tribunal do júri é imprecisa, não é possível citar igualdades entre os procedimentos de tribunais populares ao longo da história, contudo é possível identificar uma semelhança pela competência destinada aos jurados responsáveis pela decisão que será aplicada ao réu.
Parte da doutrina entende que a criação do Tribunal do Júri se deu na Grécia antiga, devido ao grande desenvolvimento da civilização grega bem à frente de seu tempo, outros adotam a ideia de que seu início se deu com a Carta Magna da Inglaterra no ano de 1.215. Assim, afirma Bandeira (2010, p.23) “[...] foi na Inglaterra, com o advento da Magna Carta, em 1215, que nasceu, verdadeiramente, a instituição do júri nos moldes conhecidos pelos países ocidentais, na feição atualmente conhecida no Brasil.[...]” (SILVA, 2022).
Ao longo da história, o Tribunal do Júri passou por diversas mudanças com o viés de se encaixar em cada país em seu devido ordenamento. No Brasil, até o ano de 2008 o rito era ordenado pelo Decreto-Lei 167, de 5 de Janeiro de 1938, para alguns doutrinadores este for a revogado de forma tácita com o advento da Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, da qual alterou do Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, elencado do CPP nos artigos 406 ao 497, a referida reforma do procedimento do Tribunal do Júri.
Posteriormente, a Carta Magna vigente for a promulgada no dia 5 de outubro de 1988, mantendo o órgão do Tribunal do Júri em seus direitos fundamentais, conforme prevê o art. 5º, inciso XXXVIII:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Todos estes, se relacionam entre si para assim formarem com precisão a instituição do júri.
3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI
Afirma Nucci:
O Tribunal Popular possuirá amplas condições de analisar os casos, ouvindo bons argumentos de ambas as partes, com particular ênfase para a defesa. E certos estaremos todos nós, integrantes da sociedade, de que o Estado Democrático de Direito se sustentou sob as sólidas bases da garantia da plenitude de defesa. Afinal, eventual condenação, sem fundamentação alguma, advinda da convicção íntima de leigos, ter-se-ia originado de um processo com defesa perfeita. Realizou-se a vontade soberana do povo. É o que basta. (Nucci, 2015, p.39).
O princípio da plenitude de defesa está elencado no artigo 5, inciso XXXVIII, alínea “a” da CF/88, o qual aduz que ao acusado é garantido o direito dispor de todos os meios de defesa para convencer os jurados.
Aduz Mendonça (2009, p. 3) de acordo com seu entendimento que o sigilo das votações visa assegurar aos jurados a garantia de que não sofrerão perseguições em razão das suas decisões. Para tanto, existe a sala secreta, com os corolários que dela decorrem e a incomunicabilidade entre os jurados (SILVA, 2022).
Destaca aqui o legislador, o cuidado para o sigilo ao jurado e a sua segurança.
3.3 DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
No que tange a soberania dos veredictos, constante na alínea “c”, destaca-se a importância dos votos pelos jurados e a eles compete a decisão, não ao juiz. Assim, aduz Moraes (2003, p. 84): “A Este preceito constitucional significa que a liberdade de convicção e opinião dos jurados deverá sempre ser resguardada, devendo a legislação ordinária prever mecanismos para que não se frustre o mandamento constitucional.”
Com relação a alínea “d”, a Constituição Federal determinou que competia ao Tribunal do Júri os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida, desta forma incumbiu ao Código de Processo Penal, em seu artigo 74, parágrafo 1, elencar os crimes de competência do órgão.
Art. 74.A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados (BRASIL, 1941).
Em suma, o referido dispositivo reforma que o Tribunal do Júri tem a competência de julgar crimes contra a vida, quais sejam: homicídio (art. 121), induzimento, instigação ou auxilio ao suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e aborto (arts. 124 ao 128).
Afirma Moraes que:
O júri é um tribunal popular, de essência e obrigatoriedade constitucional, regulamentado na forma da legislação ordinária, e, atualmente, composto por um juiz de direito, que o preside, e por 21 jurados, que serão sorteados dentre cidadãos que constem do alistamento eleitoral do Município, formando o Conselho de Sentença com sete deles. (Moraes, 2003, p.84).
A composição do conselho de sentença se dá por pessoas comuns, ou seja, normalmente não são dotados de conhecimento jurídico e precisam pautar sua decisão diante do julgamento do tribunal em suas próprias ideias e construindo sua convicção pessoal acerca dos fatos e de tudo que for a dito pelas partes em plenário de forma autônoma. Diante de tal responsabilidade, os jurados prestam compromisso juramentado de decidirem de forma justa e imparcial, munidos de garantias e deveres dos juízes titulares, conforme disposto no artigo 472, do CPP:
Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados nominalmente chamados pelo presidente, responderão: Assim o prometo. (BRASIL, 1941).
Nota-se que o diploma legal traz a responsabilidade dos juízes leigos e dos que eventualmente tentarem manipular suas decisões, como definido no artigo 9, do Decreto-Lei Nº 167, de 5 de janeiro de 1938, que regulamenta a instituição do Júri conforme se observa;
Art. 9º Os jurados são responsáveis criminalmente, nos mesmos termos em que o são os juízes de ofício, por prevaricação, indexação, peita ou suborno.
São igualmente passíveis de pena os que, por meio de dinheiro, dádivas, promessas, influência pessoal ou sugestão, procurarem orientar em qualquer sentido o voto do jurado (BRASIL, 1938).
4 TRIBUNAL DO JÚRI: DAS HIPÓTESES DE DESAFORAMENTO
Mediante o abordado acerca do Tribunal do Júri, se faz importante analisar, também, as hipóteses de desaforamento. O desaforamento trata-se de uma ferramenta utilizada no procedimento do júri, encontrando previsão legal nos arts. 427 e 428 do Código de Processo Penal, que contrasta duas regras básicas do processo penal: a de competência, que aduz a necessidade de o acusado ser julgado na própria região do crime, e a constante garantia da imparcialidade. Princípio aqui esmiuçado e trata-se de um dos mais importantes que deve estar presente no Tribunal do Júri.
Com isso, é preciso entender as normas que estão em conflito para concluir o melhor caminho interpretativo no caso concreto.
Levando-se em conta o instituto do júri, parte da doutrina vela pela imprescindibilidade de que o crime seja julgado no local em que foi perpetrado. Além de pontuar o interesse da Justiça na realização do julgamento no local dos fatos, Magarinos Torres acrescenta que:
A maior virtude do júri é o julgamento do homem pelos que o conhecem, ou estejam mais em condições de parecia-lhe o caráter pela ciência pessoal de seus antecedentes e os da vítima, do meio social e da moral aí dominante". TORRES, Magarinos. Processo Penal do Júri no Brasil, 1ª. ed., São Paulo: (QUORUM, 2008, P. 303).
Por outro lado, não há dúvidas de que a imparcialidade do júri, como já foi abordado, configura um dos pilares do Estado democrático de Direito, e princípio presente no procedimento do júri.
O desaforamento, portanto, conforme do artigo 427 do CPP, trata-se de uma medida excepcional que visa alterar o local do julgamento pelo júri quando: 1) o interesse da ordem pública o reclamar; 2) houver dúvida sobre a imparcialidade do júri; ou 3) houver dúvida sobre a segurança pessoal do acusado. Nota-se que a característica inerente às hipóteses se dá justamente pela preservação da imparcialidade.
Diante das hipóteses, o julgamento pelo júri é transferido para outra comarca, preferencialmente próxima, da qual haja extinção dos motivos determinantes do desaforamento. Porém, aqui, faz-se importante o questionamento: e se os motivos do desaforamento existirem também nas comarcas próximas? O questionamento ganha ainda mais relevância quando analisado pela ótica dos casos de grande repercussão midiática, neste trabalho abordados, por exemplo.
Francesco Carnelutti, na década de 50, já tratava do fenômeno da publicidade exagerada e dos perigos que ela acarreta para o escorreito julgamento do feito, inviabilizando um julgamento justo. Voltando ainda mais na história, a lei mosaica previa que o próprio acusado podia escolher se o julgamento ocorreria na sua própria cidade ou perante um dos dois tribunais dos 23 juízes, que tinham sede em Jerusalém, podendo ele, assim, "furtar-se facilmente às influencias de localidade que muitas vezes são temíveis" (sic).
No próximo capítulo, será abordado a real influência da mídia nas decisões do Tribunal do Júri, bem como sua função social.
5 A MÍDIA E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
A mídia é formada por grandes meios de comunicação, sendo eles: televisão, jornais, rádio e, principalmente, à internet, da qual transmite informações por meio de sites de fácil acesso e redes sociais. Sendo esses meios propagadores de grande fluxo de notícias de forma rápida e excessiva, acabam por influenciar e formar opiniões do leitor e é comum que muitas dessas notícias não encontram veracidade no real contexto.
Com o avanço da tecnologia, a facilidade para acessar informações é crescente, visto que não precisa de muito para receber e enviar informações e, muitas vezes, ignora-se o devido cuidado para que não havia transmissão de matérias sensacionalistas e mensagens de ódio. Dessa forma, afirma Letícia Malinoski:
Com Fake News e propagandas enganosas, a falta de ética está por parte de quem cria esses tipos de conteúdo, disseminando informações erradas que podem induzir várias pessoas ao erro (...). Para impedir o aumento desse tipo de desinformação, deve-se verificar sempre o dado repassado com outras fontes confiáveis disponíveis na rede. Isso é possível a partir de uma pesquisa rápida (MALINOSKI, 2018, online).
Em grandes proporções, essa transmissão afeta diretamente os casos de crimes que contém grande repercussão midiática e julgados pelo tribunal do júri, tendo em vista a formação de convicção antecipada ao contraditório dentro da sessão do júri.
5.1 DIREITO A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A LIBERDADE DE IMPRENSA
Devido à importância do atual tema para a sociedade, importante analisar o contraste que se encontra no contexto analisado, de um lado diz respeito ao bem jurídico tutelado mais importante, a vida humana e por outro lado, o direito à liberdade. Frisa-se que as consequências de uma condenação acalorada pelo clamor da população podem causar danos irreparáveis, uma vez que se trata de dois princípios indispensáveis aos seres humanos enquanto sociedade
O direito à liberdade de imprensa decorre diretamente do direito à informação, que consiste na liberdade de criar e ter acesso aos meios de comunicação. Portanto, é direito do cidadão emitir opiniões, ideias e reproduzir informações decorrentes de sua convicção.
O artigo 19 da Declaração Universal de Direitos Humanos aduz: “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Conquanto que o artigo 1º da Lei 2.083/1953 descreve a liberdade de imprensa como liberdade de publicação e circulação de jornais ou meios similares.
Tal liberdade assegurada constitucionalmente, se aplicada excessivamente e sem o devido cuidado observando-se a ética, as informações repassadas podem ser tendenciosas iniciando um juízo de valor, ferindo a imparcialidade e impedindo um julgamento justo.
5.2 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O princípio da presunção de inocência encontra respaldo no artigo 5º, inciso LVII, da atual Constituição Federal, a qual expõe: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", nesse sentido, também está previsto no Pacto San José da Costa Rica: "toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa".
Ao passo que, no tribunal do júri, para que se alcance um julgamento justo, há de se observar todos os princípios norteadores do devido processo legal, em especial no caso em tela, o direito da presunção de inocência, ou in dubio pro réu, que conceitua que ninguém será considerado culpado até que a sentença penal condenatória transitada em julgado.
Observa-se que grande parte das mídias sensacionalistas transmitem informações de forma totalmente parcial, é evidente que tal fato tem influência nas decisões dos integrantes compositores do conselho de sentença, que são de forma constate expostos a enxurradas de informações tendenciosas que podem server para concretizar sua convicção. Neste cenário, conclui-se que não há imparcialidade
Nessa ótica, considera que o “processo e julgamento público que não presta satisfações à Constituição e às leis, porém produzem efeitos reais. Especialmente no caso de réus ainda não julgados, a presunção de inocência e o direito de um julgamento justo viram pó’’ (NILO, S.d., apud LOPES FILHO, 2008 p.83) - (SILVA, 2022).
5.3 INFLUÊNCIA DA MÍDIA NO TRIBUNAL DO JÚRI EM CASOS DE GRANDE REPERCUSSÃO
O julgamento feito pela mídia corre de forma paralela ao tribunal do júri nos casos de grande repercussão, manchando a imparcialidade do conselho de sentença, de modo que fere os direitos fundamentais que são atribuídos para um julgamento justo.
No artigo 5º, IV, da Constituição Federal, assegura-se o direito à livre manifestação do pensamento, de forma que as informações repassadas nos meios de comunicação podem ser tendenciosas, visto que grande parte dos jornalistas são desprovidos de conhecimento jurídico.
Nesses casos, o impacto ocorre devido a absorção de informações por vezes errôneas que leva ao júri a criar um pré-conceito sem ver de fato a defesa no tribunal, interferindo no direito do contraditório que não será levando em conta.
Pode proporcionar que os jurados cheguem a convicções preconcebidas em relação à culpabilidade ou não dos processados por meio de informações extraprocessuais, com a consequente violação das garantias necessárias para a reta administração da justiça, onde o processo se leva a cabo por meio do contraditório entre acusação e a defesa. (SOUZA,2010, p.207).
É fato que a mídia exerce um papel significativo no processo penal, visto que se apresenta como instrumento de informação e conhecimento da sociedade em relação aos processos criminais. Comumente nos é apresentado informações, através de noticiários, jornais, internet e televisão, sobre procedimentos criminais, prisões, solturas e condenações, a partir disso, a forma como tais casos são veiculados pela mídia pode levar o réu, ainda na fase preliminar do processo, ter sua condenação decretada, prejudicando, portanto, um dos mais importantes princípios no âmbito criminal do contraditório e ampla defesa, além de ferir a imparcialidade dos jurados e juiz do caso.
Portanto, a liberdade de imprensa é um valor de hierarquia constitucional, que não pode ser conspurcado com restrições como a censura prévia. Mas não pode ser esquecido que, ao lado ou em posição da liberdade de imprensa, existem outros valores de igual nobreza constitucional que são intimidade, a imagem, a honra, o devido processo legal e a presunção de inocência (TUCCI, 1999, p. 114).
Desta forma, é impossível o ser humano não se valer da tese de investigação, frequentemente, trazida de forma equivocada pela mídia, considerando difícil desvincular-se do que, por ora, for a presenciado pela sociedade, no que se refere a investigação criminal, isto é, a condenação ocorre com base no que for a trazido de for a dos tribunais, contendo fundamentos advindos de um clamor público, desconsiderando aspectos de materialidade e autoria do crime, desprezando, inclusive, provas apresentadas pela defesa. Segundo Vieira:
[...] o jurado é mais permeável à opinião pública, à comoção, que se criou em torno do caso em julgamento, do que os juízes togados e, por sentirem- se pressionados pela campanha criada na imprensa, correm o risco de se afastarem do dever de imparcialidade e acabam julgando de acordo com o que foi difundido na mídia. (VIEIRA, 2003, p. 246).
Diante do exposto, por si só os crimes contra a vida exercem curiosidade na sociedade e a mídia é o principal veículo para transmitir este fato a população. Este interesse inerente aos indivíduos é notado pela mídia, a qual busca comercializar aquela informação que causa choque midiático em prol de uma exploração sensacionalista para determinados casos.
As consequências disso são os impactos na vida do réu, seus familiares, filhos e, atualmente, a situação se estende à figura dos advogados, que apesar de apenas exercerem sua função, são atacados, ameaçados, agredidos e ofendidos, sobretudo, na era das redes sociais, prejudicando o exercício legal da advocacia.
De acordo com a Dra. Eleonora Nacif, especialista em Direito Penal, em uma de suas palestras a OAB/SP (2016), com o tema “A Influência da Mídia no Processo Penal”, a exposição midiática destes crimes, devido ao interesse público, ocupam grande parte dos noticiários, sendo que imprensa não deveria ser apenas mero instrumento de informação, mas sim, instrumento de reflexão acerca do mesmo delito, no entanto, essa função é distorcida e a mídia busca culpar alguém.
Consoante as prerrogativas do advogado, o mesmo não defende o crime, mas sim a pessoa que o cometeu para que se tenha seus direitos assegurados dentro do processo, logo defende-se o direito de ter direitos. O objetivo do Direito Penal é punir o crime, porém, nota-se o quão prejudicial pode ser acusar ou condenar alguém em razão de um crime tomando por embasamento apenas a mídia, visto que as consequências disto podem ser irreversíveis para o réu e todos que o cercam, uma vez que o mesmo pode perder um dos bens mais preciosos inerentes à humanidade: a liberdade.
Logo, quando se fala em condenar alguém, fala-se sobre privar o sujeito de sua liberdade, do direito de ir e vir, garantido constitucionalmente. Dito isso, cabe ao judiciário preocupar-se em manter um processo justo e honesto, visando o mínimo de segurança ao condenar uma pessoa. Com isso, é de fundamental importância situar-se acerca de quem acusa, quem investiga e quem julga, características advindas de um sistema acusatório. Tais institutos não podem se confundir, mas sim, preservados, principalmente no tocante a imparcialidade do julgador e jurados.
Atualmente, vivencia-se a era da visibilidade e performasse, portanto, os crimes de competência do Júri despertam interesse, curiosidade e atração, ao ponto desses casos, em específico, obterem uma repercussão maior. A exemplo disso, traz-se aqui o caso Susana Von Richtofen (2002), caso Isabella Nardoni (2008), caso Eloá Cristina (2008), caso Eliza Samudio (2010), caso Elize Matsunaga (2012), e, recentemente, o julgamento do incêndio da Boate Kiss (2013), ocorrido em 2021. Crimes com repercussão social, naturalmente esses casos originam rumores sobre os fatos. É sobre isso que se trata o presente trabalho.
Conforme o crescente interesse, a mídia se faz presente nessa esfera como instituição fundamental na veiculação dos fatos. Porém, essas matérias que deveriam conter o cunho informativo, passaram a ser de caráter sensacionalista, fazendo o intercâmbio entre a realidade jurídica e aqueles que desconhecem essa realidade, desenvolvendo o poder de convencimento em massa.
Com isso, acusados no dia de seus julgamentos encontram-se previamente condenados, em razão de uma cobertura midiática que sensacionalista os fatos, comprometendo a imparcialidade do julgamento. A este despeito, segundo o Professor Antônio Evaristo de Moraes Filho é denominado “The trialby mídia”, sendo considerando uma antecipação do julgamento da causa realizado pela imprensa (PEREIRA; BARBOSA, 2022).
Diante do exposto, conforme o Doutor Gabriel Souza (2021), professor da Universidade Potiguar - UnP., corrobora com o pensamento de que na seara criminal , a qual carrega os maiores mais violentos simbolismos, falar a respeito de imparcialidade é garantir o devido processo legal, o que não se confunde com neutralidade humana, mas sim, instrumentos de contenção dos impulses do julgador em razão do réu.
Não obstante, o bom julgador desconfia de si próprio e entende que o processo é um freio para si mesmo, ou seja, é necessário compreender que seu maior inimigo e si mesmo. Assim, é preciso fugir de seus próprios desejos, afastando o poder de convencimento da mídia.
Faz-se necessário dizer que na lógica comercial/econômica, falar bem de alguém, não alcança uma boa circulação no mercado financeiro. Logo, há um grande investimento por parte das empresas em noticiários criminais, com objetivo de despertar clamor púbico, do qual obtém uma visão rasa do caso por inteiro, desconhecendo a materialidade de fato e, imediatamente, transformam o acusado em um monstro, uma pessoa que não é digna de possuir direitos, tornando-se, assim, uma obsessão pela condenação imediata, ferindo vários princípios e garantias constitucionais previstos na Constituição Federal. De acordo com Aury Lopes Júnior:
É preciso encontrar o difícil equilíbrio entre a liberdade de imprensa, e, portanto, de divulgação de crimes, prisões e investigações, e os direitos, igualmente fundamentais, de respeito a imagem e dignidade do imputado preso ou solto. Para tanto, o CPP delega para as autoridades policiais e também jurisdicionais o dever de regulamentar e disciplinar essa difícil relação entre a imprensa e os órgãos de persecução penal, para que as informações sejam transmitidas sem violação dos direitos do preso. (JÚNIOR, 2021, p. 193).
Apesar disso, o que vem sendo observado nos julgamentos de responsabilidade do Júri, inclusive, é uma série de violações de princípios constitucionais, como a falta do princípio do contraditório e ampla defesa, havendo ausência de igualdade processual, pois o juiz e jurados chegam aos tribunais com a visão midiática aflorada, podendo, por fim, prejudicar o réu em razão da alienação que a mídia exerce sobre a sociedade.
Em suma, destaca-se o quão necessário se faz garantir a plenitude de defesa, previsto no art. 5o, inciso LIV, da Carta Magna, no afã de assegurar-se um julgamento justo e garantir que o acusado possa valer-se de seu direito de defesa.
6 CASO BOATE KISS: ANÁLISE DO JULGAMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI
Mediante o exposto, comprova-se a influência da mídia diante de casos que se destacaram nos veículos de imprensas, como por exemplo, o caso da Boate Kiss, do qual obteve grande repercussão a nível mundial, sendo considerado o julgamento mais longo da história do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Se faz necessário, primeiramente, entender os fatos acerca do caso. Segundo informações do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no dia 27 de janeiro de 2013, no município de Santa Maria, Estado do Rio Grande do Sul, a Boate Kiss promoveu uma festa universitária de nome “Aglomerados”, organizada por um grupo de estudantes, na qual uma das atrações era a banda Gurizada Fandangueira.
Durante a apresentação da banda, um dos integrantes do grupo acendeu um artefato pirotécnico no palco momento em que as faíscas geradas pelo mesmo atingiram o teto que estava revestido com espuma de isolamento acústico, provocando o incêndio. O fogo se alastrou rapidamente causando a morte de 242 (duzentos e quarentas e duas) pessoas e deixou mais de 600 (seiscentos) feridos.
Ocorre que, durante a apresentação da banda na casa noturna, um dos integrantes do grupo acendeu um artefato pirotécnico no palco, momento em que provocou o início do incêndio dentro da boate, visto que as faíscas geradas pelo artefato atingiram o teto que estava revestido com espuma, no afã de garantir o isolamento acústico do ambiente. O incêndio se alastrou rapidamente, causou a morte de 242 (duzentos e quarenta e duas) pessoas e deixou mais de 600 (seiscentos) feridos.
Conforme a BBC Brasil (2013), na época dos fatos a cidade de Santa Maria concentrava cerca de 7 (sete) centros de ensino superior, e, por isso, a cidade é conhecida pelas festas universitárias. A tragédia atingiu, sobretudo, jovens entre a faixa etária dos 18 aos 30 anos.
As notícias acerca da tragédia logo se expandiram, e virou destaque nos principais veículos de imprensa do Brasil e do mundo. Manchetes como: “DRAMA EM SANTA MARIA Inocêncio na boate Kiss é o maior em número de mortos nos últimos 50 anos no Brasil”; “Imprensa internacional repercute incêndio em boate com mortos no RS” (G1, 2013); “Tragédia da boate Kiss completa 8 anos: 'Todo janeiro passa um filme na cabeça', diz sobrevivente” (G1, 2021); “JUSTIÇA Incêndio na boate Kiss: oito anos de impunidade (...), entre outros títulos.
Não obstante, as imagens divulgadas, sobretudo nas redes sociais, chocaram o mundo, causando comoção social e sensibilidade com os familiares que perderam seus entes na tragédia, aumentando a sede por justiça. Diante disso, inicia-se busca por culpados e principais responsáveis pela tragédia.
O caso da Boate Kiss resultou muitas mortes e deixou dezenas de feridos, evento que não é comum de se ver. Com base nisto, a mídia do Brasil e do mundo passou a espetacularizar o ocorrido, as mortes, o sofrimento da família e o próprio processo no decorrer dos anos.
A mídia passou a acompanhar diariamente a vida de cada um dos envolvidos e, com o caminhar da investigação e processo, foram sendo atualizados, e, automaticamente, foram esculpindo a face dos condenados. Embora haja o advento da presunção da inocência, direito tutelado pela Constituição Federal, a mídia obter êxito em ultrapassar esse princípio e previamente optou por condenar pessoas que seriam, em seu ponto de vista, responsáveis por tamanha tragédia.
A tragédia seduz a sociedade. No entanto, isso não revela um sadismo social, e, sim, a face mais humana da sociedade como um todo, ao passo que, simultaneamente, há tenuidade entre o lado humano, de comoção e empatia, e o lado animal, que demonstra a sede de justiça/vingança.
Valendo-se disso, os veículos de notícias, visando lucro e visibilidade, não só procuraram essas tragédias, como também, em muitas oportunidades, a fomenta.
Relatos de delitos, histórias fantásticas, catástrofes e desastres, que o povo da rua considera excitante, invadem os jornais. Uma mistura entre o sucesso e o trágico combina-se (...) e desperta grande interesse popular (FERNANDES, 2013, p.33, apud HESEN, 1996, p. 69).
No caso em tela, ocorrido na cidade de Santa Maria, essa realidade não foi diferente. A mídia abusou do sensacionalismo, dando cobertura e narrando todo o caso, levando o processo e julgamento dos réus às pessoas, indiciando e originando opiniões pré-constituídas, sem encontrarem embasamento jurídico.
Em seu artigo “Uma análise da cobertura da Band News FM sobre o caso da Boate Kiss”, o repórter Glauber Grubel Fernandes discorre sobre sua experiência na emissora Band News FM e como correu o acompanhamento do caso.
Em suas pesquisas, o repórter relata em uma espécie de diário todo o ocorrido durante a cobertura do caso. Glauber narra os bastidores das entrevistas das famílias das vítimas e profissionais da saúde.
No presente trabalho, aponta-se uma crítica à mídia no geral, e como ela detém o poder de guiar e influenciar não apenas o processo, mas a vida das pessoas.
Em entrevista ao UOL , no mês de dezembro de 2021, o juiz Orlando Faccini Neto, juiz titular da 2° Juizado da 1° Vara do Júri da Comarca de Santa Maria, presidiu o julgamento do caso aqui analisado e, em síntese, relatou que não houve sensacionalismo durante o júri, em que pese seu acompanhamento em tempo real e o fato de tudo ter sido televisionado. (UOL 2021).
Contudo, impossível descantar-se o sensacionalismo durante o julgamento, visto que, desde o primeiro momento, a mídia debruçou-se sobre o caso, atentando-se a todos os detalhes e atualizando os noticiários em tempo real. Embora haja certeza do zelo por parte dos magistrados ao conduzir o procedimento do júri.
Por parte dos desembargadores, limitaram-se à análise das preliminares arguidas e não se adentraram ao mérito. Os advogados sustentaram que não houve justiça e que os jurados foram selecionados após decorrido o prazo legal, bem como houve contradição entre a decisão e as provas trazidas.
Pela defesa, arguiu-se diversos pontos relevantes, tais como a formação do conselho de sentença e sorteio dos jurados. Para sustentar tal acusação, argumentou-se que o presidente Orlando Faccini Neto utilizou uma forma de sorteio diferente do previsto no CPP. Não obstante, o Ministério Público utilizou-se do sistema de consulta integrada, a qual trata-se de uma ferramenta utilizada por órgãos de segurança pública, destaca-se que a defesa não possui acesso, no afã de realizar pesquisas acerca da vida e experiências dos jurados, e, sob tal ferramenta, não aceitou determinados jurados. Portanto, consolidou o entendimento que não ocorreu a paridade de armas (Adriana Arend, 2021, TJRS).
Outro ponto importante levantado pela defesa foi o magistrado ter conversado em particular com os jurados, não estando presentes o Ministério público e demais advogados. Houve questionamentos por parte do magistrado aos jurados sobre questões não constantes no processo e, ao final, o silêncio dos réus, um direito garantido constitucionalmente, ter sido tido como argumento aos jurados pelo assistente de acusação.
Portanto, por 2 votos a 1, o júri foi anulado.
Ao passo que, um debate importante ainda permeia a sociedade: houve ou não dolo eventual?
O dolo eventual encontra embasamento no artigo 18, inciso I, do Código Penal, o mesmo decorre da “teoria do assentimento”, quando o autor assume o risco de produzir um resultado, apesar de não ser essa sua real intenção. Tal instituto não se confunde com a culpa consciente, na qual o agente acredita, de fato, que o resultado não se concretizará, pois confia inteiramente em sua prática, seja ela qual for. Dessa forma aduz Fernando Capez:
Culpa consciente ou com previsão: é aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto (CAPEZ, 2015, p.225).
No presente momento, não deve ser analisado, de pronto, o sofrimento dos familiares das vitimados do incêndio ou a repercussão internacional midiática, o que, na verdade, ocorre ainda hoje.
Na realidade, é dever dos magistrados ater-se aos fatos do caso e, ainda mais importante, ater-se às alegações trazidas pelas partes.
O objetivo deste trabalho foi elucidar os problemas causados pela influência da mídia nos casos de grande repercussão no julgamento do Tribunal do Júri e a necessidade de se controlar o que é exposto pela mesma dos crimes antes do trânsito em julgado.
Diante do que foi analisado no decorrer do estudo, verifica-se que a mídia deveria ter um caráter meramente informativo, todavia, nota-se a migração para uma exploração sensacionalista desenfreada em determinados temas, principalmente no tocante ao direito penal. A exploração midiática constrói-se de modo a fazer uma campanha negativa, resultando na imediata condenação do réu.
Essa conduta da imprensa promove histeria social, o que dificulta os operadores do direito a realizar o exercício de suas funções, pois em diversos momentos os mesmos são hostilizados por simplesmente desempenharem sua função de defender o direito do réu. A mídia transforma o acusado em um monstro aos olhos da sociedade, ocasião que deixa de ser um sujeito de direitos e se torna um indivíduo desprovido de direito a defesa, ferindo o princípio do contraditório e ampla defesa, em razão da condenação midiática.
Por fim, o direito existe para ser aplicado, por isso é relevante enfatizar que há danos passíveis de indenização, mas não de reparação. O dano antecipado causado pela imprensa na vida do acusado, muitas vezes fica marcado para sempre, destruindo toda sua dignidade e de sua família.
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graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus de Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PESCONI, Alanis Maria Laguna. A influência midiática nas decisões do tribunal do júri: análise do caso da boate Kiss Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2023, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62707/a-influncia-miditica-nas-decises-do-tribunal-do-jri-anlise-do-caso-da-boate-kiss. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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