RESUMO: A conceituação da desconsideração da personalidade juridica ser um tema demasiadamente debatido no entanto ainda é alvo de muitos questionamentos quanto ao seu momento de aplicabilidade, o presente estudo nos fornece subsidios concretos sobre uma conceito mais enxuto e objetivo descrito no atual artigo 49 A e artigo 50 do Codigo Civil Brasileiro alterado pela Lei de Liberdade Economica (Lei 13.874/19) em confronto com varios entendimentos doutrinários construido em nosso ordenamento juridico.
Palavras Chave: Desconsideração da personalidade juridica; código civil,;Liberdade Econômica.
ABSTRACT: The concept of disregarding legal personality is an overly debated topic, however it is still the subject of many questions regarding its applicability. The present study provides us with concrete information on a leaner and more objective concept described in the current article 49 A and article 50 of the Brazilian Civil Code amended by the Economic Freedom Law (Law 13.874/19) in confrontation with various doctrinal understandings built in our legal system.
Keywords: Disregard for legal personality; civil code,;Economic Freedom.
A expressão “desconsideração da personalidade jurídica”[1] recebe diferentes nomenclaturas para denominar o mecanismo; ela é chamada pelos alemães de Durchgriffbei juristichen Person; pelos italianos de superamento dela personalita giurica; em países da Commow Law: Piercing the Corporate Veil, entre outros termos[2].
Segundo Menezes Cordeiro, o termo “desconsideração” é um termo inadequado. Menezes Cordeiro entende que o termo mais adequado seria o de “superamento”, utilizado pelos italianos, tendo em vista que a pessoa jurídica não pode ser considerada um obstáculo, mas algo perfeitamente regular, a afastar, em certos casos[3]. O autor afirma que o verbo levantar seria o termo mais assertivo que o “desconsiderar”, e que “desconsiderar” é tratar sem respeito ou desatenção o instituto.
Desde 1989, quando falamos em desconsiderar a personalidade jurídica[4] (penetrá-la, superá-la), na correta acepção, deve ser a suspensão da eficácia momentânea[5] da autonomia patrimonial e da limitação da responsabilidade dos sócios, e não o levantamento de sua personalidade.
O termo “desconsiderar”[6] é a suspensão momentânea[7] da autonomia patrimonial para alcançar os bens dos membros da pessoa jurídica. Desconsiderar, para fins de responsabilidade patrimonial, é suspender eficácia de limitação da responsabilidade instituída por ato normativo[8] e declarar a responsabilidade indireta (ou seja, atribuir esta responsabilidade a terceiros). Essa definição traz consequências processuais relevantes para averiguar a posição do responsável subsidiária ou solidária (sócio ou sociedade) dentro do processo[9].
No Brasil, é importante compreendermos que a desconsideração foi um instituto nascido de discussões doutrinárias recepcionadas pela jurisprudência e não incorporado diretamente por meio da Lei, como relembra Marçal Justen Filho[10] “não partiu de fundamentos teóricos já definidos e sistematizados”.
A doutrina e a jurisprudência brasileiras analisaram e aplicaram a teoria de desconsideração da personalidade jurídica antes de ela ser consagrada por algum dispositivo legal. Segundo Lamartine Corrêa[11], há decisões na:
jurisprudência de nossos tribunais que envolvem já, de modo mais claro ou menos claro, quebra do princípio da separação e, explicita ou implicitamente, aceitação de teses de desestimação da pessoa jurídica, pelo menos no sentido amplo empregado pelo pensamento de Serick.[12]
Posteriormente, a norma foi positivada em várias áreas do Direito. No entanto, nos parece que o legislador e o Judiciário, atualmente, estão mais preocupados com autonomia patrimonial como um meio de dificultar o recebimento do credor, distorcendo a desconsideração propriamente dita, seguindo seus ditames clássicos[13], o que veremos mais adiante nesta investigação doutoral.
Em nossa doutrina, a sistematização da desconsideração da personalidade jurídica sobre o uso abusivo da pessoa jurídica foi Rubens Requião[14], em sua obra Aspectos Modernos do Direito Comercial, em 1969, tratou sobre a disregard doctrine em uma conferência da UFPR, apontando o início dos debates na temática.
No Brasil, Menezes Cordeiro explica que a origem da teoria da desconsideração está fortemente subordinada a uma sociedade alicerçada em um grande desequilíbrio de renda e acesso. O autor entende que o Poder Judiciário precisou fornecer respostas rápidas, pois a demora na prestação jurisdicional em conflitos, prioritariamente o uso da lei para esquivar-se de suas obrigações, cometendo inúmeras fraudes. Nesse contexto, surgiu a desconsideração da personalidade no Brasil, como forma do julgador estancar as manobras da inadimplente diante das facilidades preceituadas em nossa legislação[15].
No Brasil, em 1919, todos os tipos societários admitidos pelo ordenamento jurídico imputavam aos sócios a integral responsabilidade solidária e ou subsidiária, naquele momento a separação entre pessoa física e jurídica não significava a responsabilização limitada[16]. Em nossa legislação, consagrou-se, no passado, autonomia patrimonial[17], no artigo 20, do CC de 1916[18]. A desconsideração é uma elaboração teórica que busca o rompimento desta autonomia[19] quando presente a realização de fraudes e abusos.
Posteriormente, o entendimento se modificou com a promulgação do Código Civil de 2002, já com uma responsabilização limitada e com o legislador impondo uma ordem jurídica positiva, o conceito de sanção por abuso do direito, que estabeleceu o elemento moral ou ontológico da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, já que antes não existia o termo desconsideração da personalidade jurídica[20].
Nesse cenário, o texto normativo exposto no artigo 50, do Código Civil, representa o fundamento legal para a desconsideração da personalidade jurídica nas relações que não são objeto de microssistemas específicos, pretende, como ele mesmo aduz, reprimir uma espécie de abuso do direito, ou seja, aquele cometido pela manipulação da personalidade jurídica.[21]
O artigo 50, do Código Civil[22] conservaria, em tese, esses ditames clássicos, ou seja o alcance dos sócios através de parâmetros líquidos e certos, por meio de critérios discutidos e amadurecidos ao longo do tempo na doutrina, mesmo que hermeneuticamente desviados, explicitando conceitualmente quais momentos seriam considerados abuso da pessoa jurídica, para então levantarmos o seu véu.
É necessário o “plus” da fraude ou do abuso decorrente a personificação para, então, atingirmos determinados sócios; a explicação é lógica, no sentido de que a teoria em debate não pune o inadimplemento de uma obrigação, mas sim o mau uso da pessoa jurídica[23].
Por esses desvios hermenêuticos, é importante aprofundarmos a terminologia do abuso da personalidade, pois, em nossa pesquisa empírica realizada, o principal fundamento para desconsiderar a pessoa jurídica é o abuso da personalidade jurídica.
Segundo Leandro Zanitelli, o abuso pode ocorrer em dois momentos: “o abuso da pessoa jurídica pode ser flagrado em duas ocasiões distintas, às quais corresponderão espécies também distintas de contrariedade à função”[24]. NO primeiro caso, está atrelada à limitação da responsabilidade, por exemplo, quando o sócio pratica atos que geram redução anormal do risco (que modifica a limitação natural que desperta a realização dos negócios, por exemplo o empreendimento é um porte médio a grande com um capital social de trinta(30) mil reais), não condizente com o aporte do empreendimento[25]. A segunda ocasião é quando este abuso está relacionado aos seus membros e à pessoa jurídica. Nessa espécie, o abuso é verificado na alteração da separação invocada em condições anormais, adversas às funções estabelecidas[26]. Podemos ponderar que a desconsideração da personalidade jurídica é uma sanção por eventual abuso do direito. A grande problemática é que o termo “abuso do direito” pode ser utilizado para qualificar inúmeros atos. Pode ser empregado para designar todo ou qualquer exercício anormal e a intensidade dessa pessoa jurídica[27]. Autores, como Leandro Zanitelli, qualificam a desconsideração da personalidade jurídica como o exercício de direito de forma incomum ou apenas quando é um obstáculo a ser vencido para o recebimento de eventual crédito de terceiros, de modo que há uma desproporção objetiva dos parâmetros para este ato[28]. Ao definir o abuso, Calixto Salomão traz uma importante distinção. Diz que há o abuso individual e institucional. O individual seria aquele uso indevido da pessoa jurídica “com o objetivo especifico de causar dano a terceiro”. Já o abuso institucional é aquele em que há geral “utilização do privilégio da responsabilidade limitada contrária a seus objetivos e a sua função” e tem como diferença a desconsideração em benefício a qualquer credor[29]”
A confusão[30] supracitada pode ser designada quando uma espécie de mistura entre o patrimônio da sociedade e a do sócio, ou seja, quando não é possível diferenciar se determinado bem é do sócio ou da sociedade. A confusão dá-se quando a qualidade do credor e de devedor venham a reunir-se na mesma pessoa[31].
Na extensão da desconsideração, a confusão[32] está conectada a uma interpretação funcional da pessoa jurídica, como afirmam Comparato – Salomão[33]. Até porque um dos propósitos da criação da personalidade jurídica é o da constituição de separação patrimonial entre ela e os membros que a compõem. Assim, ocorrendo a confusão patrimonial, há um nítido desvio de sua função e, neste caso, poderia ser alcançado pelo instituto.
Para Dropnig, amalgama patrimonial por si, não é suficiente para condenar os seus membros a uma possível desconsideração, sendo fundamental o esvaziamento do patrimônio social [34] Ainda sobre esta conceituação, a Ministra Nancy exemplifica de diversas formas “empresas com os mesmos sócios, muitas vezes no mesmo endereço, conglomerados familiares, empresas controladas e empresas controladoras, nas quais é normal a transferência de ativos e passivos, custos e de lucros”[35].
Apesar de não estar expressa em nosso artigo 50, do CC, a terminologia “fraude[36]” também está embrenhada nas mais presentes aplicações jurisprudenciais da desconsideração. Apesar de não explícitas as hipóteses de fraudes cometidas na utilização da personalidade jurídica, estão indiretamente compreendidas no ordenamento jurídico do artigo 50, do Código Civil. A fraude é, em si, uma figura do abuso e que exige o animus de prejudicar mais acentuado[37].
Se aplica sob duas formas. Fraude à lei, que ocorre “com a utilização de uma pessoa jurídica sempre que os destinatários de determinada forma jurídica se ocultarem por trás de pessoa jurídica já existente ou criada para tal finalidade específica, subtraindo assim a incidência da norma[38]”. E fraude a disposições contratuais, que se dá quando o sócio visa a utilizar a pessoa jurídica para driblar determinada vedação a algum contrato[39].
As perplexidades geradas pelo conflito apresentado neste estudo são, na verdade, fruto de uma confusão conceitual, como bem afirma Calixto Salomão Filho,[40] pois é necessário distinguir o problema do método quando se trata da desconsideração da personalidade jurídica. O problema da desconsideração é algo muito mais profundo que o método[41] e manifesta sempre que se trata de imputar certa norma, dever ou obrigação a pessoa diversa de seu destinatário normal, é imprescindível admitir que qualquer qualidade de discussão a respeito da imputação de direitos e obrigações (e não apenas da responsabilidade patrimonial) implica averiguar os limites de cada centro de imputação e, consequentemente, a respectiva viabilidade de desconsideração.[42]
É possível considerar a lei como algo não acabado, pois o legislador não consegue prever todas as variações que a prática produzirá. Por esse motivo, o juiz dará o acabamento: como aplicador das normas, muitas vezes, percorrerá um caminho para além da lei[43].
Contudo, isso não pode nos levar a uma arbitrariedade; ao realizar o direito na decisão de casos concretos, o juiz deve fazê-lo de acordo com os princípios fundamentais do ordenamento jurídico, com a Constituição e correspondência em regulamentações legais efetivamente existentes; em suma, deve poder integrar-se no sistema intrínseco da ordem jurídica[44].
Dessa forma, apesar de uma certa autonomia na aplicação da lei, o juiz não pode decidir segundo suas concepções pessoais ou seu arbítrio, devendo, na realidade, manter-se no âmbito global da ordem jurídica, fundamentando nela suas decisões[45].
Nesse ponto nevrálgico de nosso trabalho, dada as recentes formas de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, a partir das primeiras análises conceituais, em primeiro momento, conseguimos compreender o campo em que se deve desenvolver a desconsideração. Essas análises conceituais atreladas à pesquisa jurimétrica realizada sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, deparamo-nos com novos meios, ou seja, conceitos além do que está evidenciado pelo artigo 50, do Código Civil.
Observamos que o procedimento processual alterou substancialmente a maneira segundo a qual a desconsideração é tratada, gerando reflexos jurídicos em várias searas do
direito, por exemplo, na Justiça do Trabalho[46].
Importante ressaltar que existem microssistemas legais[47] que possuem sua construção jurídica, como a legislação consumerista, ambiental, entre outras, em que parte da doutrina convencionou utilizar a nomenclatura “Teoria Menor”[48].
Só para demonstrar as várias formas com que a teoria[49] se manifesta, Marcio Nunes expressa uma variedade de nomenclaturas, como as mais conhecidas Teoria Maior e Teoria Menor; Teoria Objetiva e Subjetiva e ainda Teoria Inversa, Teoria Direta, Teoria Indireta, Teoria Benéfica, Desconsideração da Responsabilidade Limitada, Desconsideração, Despersonalização, Desestimação, Superação Episódica, entre outras. Para o autor, a vasta nomenclatura resulta em uma inegável manipulação e uma perigosa sensação de impotência gerada pela submissão a interpretações extremamente vaga/ imprecisa[50].
Nesse pensamento é o argumento de Bruno Meyerhof Salama, de modo que a solução para o problema da disregard doctrine é o uso de terminologias imprecisas e atalhos interpretativos que geram insegurança jurídica[51].
[1] Em obra clássica, Tullio Ascarelli (2008, op. cit., p. 130) indica outro nome para chamada “teoria da desconsideração da personalidade”, o autor faz referência “corporação fictícia -os tribunais vão ignorar a existência corporativa, onde é fraudulento o que o acionista não pode legalmente fazer: como indivíduo ou empresa, normalmente não é responsável pelos débitos deste último”.
[2] É conhecida pelas designações no direito inglês e no americano, como disregard of legal entity, disregard of corporate entity, lifting the corporate veil, cracking open the corporate shell; no direito italiano superamento dela personalita giuridica; no direito argentino, teoria de la penetracion o desestimacion de la personalidade; no direito francês, mise a l’ecart de la personnalite.
[3] CORDEIRO, Antônio Menezes. Tratado de Direito Civil Português. Almedina: Coimbra, 2010. v. 1. t. III. p 619.
[4] Conforme afirma Claus, “a personalidade jurídica, porém, submete-se à ordem constitucional que serve de fundamento de validade a todos os institutos jurídicos, de modo que está vinculada ao programa constitucional de forma geral e de forma específica ao valor social da livre iniciativa (CF, art, 1º, IV) e à função social da propriedade privada (CF, art. 5, XXIII e art. 170, III), razão por que sua atividade deve guardar as balizas do interesse maior da sociedade. Em outras palavras, a personificação societária tem função econômica e social, mas não pode ser instrumento para fraude ou abuso de direito”. (CLAUS, Ben-Hur Silveira. A desconsideração da personalidade jurídica na execução trabalhista: alguns aspectos teóricos. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, v. 42, n. 167, p. 57-76, jan.-fev. 2016).
[5] Dessa maneira, compreende Fábio Ulhôa Coelho: "O juiz pode decretar a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ela foi utilizada como instrumento para a realização de fraude
[6] [...] Com efeito, o que se pretende com a doutrina do disregard não é a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude)” (REQUIÃO, op. cit., 1977, p. 60 e 65). 129 Segundo a autora Marcela Blok, o termo desconsiderar é uma suspensão momentânea de eficácia da personalidade diferentemente de despersonalizar, “[d]espersonalizar significa anular a personalidade, o que não ocorre na desconsideração. Assim, nesta, não se anula a personalidade, ao contrário, esta resta mais protegida, não se trata de despersonalização (anulação definitiva da personalidade), mas de simples desconsideração, leia- se, retirada momentânea de eficácia da personalidade”. (BLOK, Marcela. Desconsideração da personalidade jurídica: visão contemporânea. [S. n.]: [S. l.], 2020. Ebook kindle. pos. 366-473).
[7] Segundo Rubens Requião: “O mais curioso é que a Disregard Doctrine não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou aos bens que atrás dela se escondem. É caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo todavia incólume para seus outros fins legítimos. [...] Com efeito, o que se pretende com a doutrina do disregard não é a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude)” (REQUIÃO, op. cit., 1977, p. 60 e 65).
[8] Código Civil (art. 50); Lei nº 11.101/2005 – Lei de Recuperação de Empresas e Falências (art. 82); Lei nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional (art. 135, II); Lei nº 8.884/1994 – Lei Antitruste Brasileira (art. 18) (atualmente, Lei nº 12.529/2011, art. 34); Lei nº 8078/1991 – Código de Defesa do Consumidor (art. 28); Lei nº 9.605/1998 – Lei dos Crimes Ambientais (art. 4º).
[9] BIANCHI, op. cit., p. 87-91.
[10] JUSTIN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade jurídica societária no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1987. p. 54.
[11] O autor adota a técnica de classificação das decisões em grupo, referindo-se aos seguintes: no primeiro, as decisões que visaram impedir a “ fraude a dever contratual”, onde apresenta o caso julgado pelo juiz da 11° Vara Cível do antigo DF, Dr. Antonio Pereira Pinto, envolvendo a sociedade Predial Corcovado S/A, controlada por José João Abdalla, e o acionista Alziro José D’Avila Junior, que se tornou importante justamente “por ser uma das primeiras decisões brasileiras em que foi invocada e aplicada de modo expresso a doutrina do Durchgriff ((RF 188/268), e o segundo grupo, decisões que visam coibir a “fraude a lei” onde são referidos os julgados citados por Rubens Requião, em sua conferência (RT 238/393, 343/181 e 316/165) e no terceiro grupo, as “decisões que desconsideravam a separação patrimonial apenas para limitados efeitos de natureza processuais, onde são analisadas, além de outro decisório lembrado por Rubens Requião, duas decisões do STF (RT 156/826 e RTJ 72/77), no último grupo, “as decisões que de modo genérico estendem a responsabilidade aos sócios em casos de insolvência da sociedade, citando o acórdão TJ/ SC, inserto na RT 500/194, e, estranhamente, citando a Súmula 486 do STF, além dos casos de sociedades compostas exclusivamente por marido e mulher (RT 484/419 e 418/213). (CORRÊA DE OLIVEIRA, op. cit., p. 521; p. 533-536).
[12] Ibid., p. 521.
[13] Nos ditames clássicos, a desconsideração deveria resultar a partir de atos impróprios da personalidade jurídica, que gerasse desvio da entidade, ou o próprio abuso da personalidade jurídica, com animus de prejudicar os terceiros e a sociedade geral.
[14] Importante, desde já, ressaltarmos que apesar do doutrinador ser o primeiro jurista a sistematizar a desconsideração da personalidade jurídica, o autor era defensor da autonomia patrimonial, contrário a banalização na aplicação da desconsideração, devendo considerá-la como um evento de caráter excepcional, para os casos de fraude ou abuso do direito. As lições do referido autor frisam “Com efeito, o que se pretende com a doutrina disregard não é a anulação da personalidade jurídica em toda sua extensão, mas apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em virtude de o uso legitimo da personalidade ter sido desviado de sua legitima finalidade ( abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei (fraude)”. (REQUIÃO, 1977, op. cit., p. 65).
[15] CORDEIRO, Antônio Menezes. A desconsideração da personalidade jurídica. In: ALVIM, A.; CERQUEIRA CÉSAR, J.; ROSAS, R. (coords.). Aspectos controvertidos do Novo Código Civil, 2003. p. 87.
[16] ANDRIGHI, Fátima Nancy. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Palestra proferida na Primeira Semana do Consumidor – Faculdade de Direito do UniCeub. Brasília, 18 de março de 2004. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/79058513.pdf. Acesso em: 23 jul. 2021. p. 3-4.
[17] A separação entre os patrimônios da pessoa jurídica e os das pessoas que a compõem gerando importantes consequências no tocante a responsabilização patrimonial, posto que pelas obrigações dos membros da pessoa jurídica não responde o patrimônio da pessoa jurídica, nem pelas obrigações desta será possível alcançar o patrimônio individual de seu membro, senão em hipóteses excepcionais e raras.
[18] Art. 20. As pessoas jurídicas tem existência distinta da dos seus membros. § 1º Não se poderão constituir, sem prévia autorização, as sociedades, as agências ou os estabelecimentos de seguros, montepio e caixas econômicas, salvo as cooperativas e os sindicatos profissionais e agrícolas, legalmente organizados.
[19] Nesse sentido, estabelece Fabio Ulhoa a respeito da autonomia patrimonial que “[a] teoria da desconsideração da personalidade jurídica visa, justamente, a impedir que essa fraudes e esses abusos da pessoa jurídica , perpetrados com utilização do instituto pessoa jurídica, se consumam. É uma elaboração teórica destinada a coibição das práticas fraudulentas que se valem da pessoa jurídica. E é, ao mesmo tempo, uma tentativa de preservar o instituto pessoa jurídica, ao mostrar que o problema não reside no próprio instituto, mas no mau uso que se pode fazer dele.” (COELHO, op. cit., 1989, p. 13).
[20] Importante ressaltar que, apesar de a norma do Código Civil de 2002, não estabelecer os conceitos objetivos em seu artigo, o enunciado n° 7 do Centro de Estudos Judiciários do conselho da Justiça Federal aplica a desconsideração nos seguintes termos: “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular, e limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido”. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/653. Ainda nesse pensamento, são as palavras de Napoleão Nunes Maia Filho: “No que se refere ao tão comum fenômeno da subcapitalização, cabe registrar que o Código Civil de 2002 (art. 50) não a inseriu como causa pré-justifi cadora da desconsideração da personalidade jurídica; ocorre esse fenômeno quando os recursos da pessoa jurídica (entidade) não insuficientes para cobrir as suas operações normais e os seus acionistas não a socorrem ou não lhe aportam recursos adicionais, levando-a ao descumprimento de suas obrigações; por conseguinte, não se mostra viável se ter a subcapitalização como fraude objetiva ou excesso objetivo de poder”. (MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A Desconsideração da Pessoa Jurídica em face da Evolução do Direito Obrigacional e os limites de sua aplicação judicial. Superior Tribunal de Justiça
– Doutrina, Edição Comemorativa – 20 anos. Brasília, 2009. Disponível em: https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/dout20anos/article/view/3415/3539. Acesso em: 09 out. 2021. p. 52).
[21] ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Desconsideração da personalidade jurídica no novo código civil. Editora MP: São Paulo, 2005. p. 63-68.
[22] Redação dada pelo Código Civil de 2002, art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
[23] Entendendo que a mera insuficiência patrimonial, falência, insolvência, inadimplência não se apresentam como causas para a desconsideração são as posições de Marcio Guimaraes ao criticar os equívocos de interpretação oriundos da Lei 8078/90 e Lei 8.884/94 e Monica Gusmão, a qual inclusive cita o precedente revelado pelo desembargador Sergio Cavalieri Filho nesta mesma linha. (GUIMARÃES, Marcio Souza. Aspectos Modernos da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, n 25. 2004. p. 234; e GUSMÃO, Monica. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e o abuso do direito de sócio, Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, n. 26, v. 07, p. 269-271, 2004).
[24] ZANITELLI, Leandro Martins. Abuso da pessoa jurídica e desconsideração. In: MARTINS COSTA, J. (org.). A reconstrução do Direito privado. Reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no Direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 248. p. 719.
[25] Ibid., p. 719-720.
[26] Ibid., p. 719-720.
[27] Como no caso de a empresa faturar com uma enorme massa de fornecedores, dispondo de um capital social muito aquém da sua capacidade, intensificando o uso desta pessoa além do seu exercício natural.
[28] ANDRADE FILHO, op. cit. O autor (op. cit., p. 86-87) da referida obra sobre o abuso, explica: “a expressão é problemática porque encerra, de plano, uma ideia de contradição. A ideia do abuso é contraria ao Direito, que existe para sancionar exatamente as condutas abusivas em geral”.
[29] SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. 4. ed. Revisada e ampliada. São Paulo: Malheiro, 2015. p. 222.
[30] “É importante notar que a noção de confusão estudada não se limita à mera confusão de patrimônio, caracterizado pelo aproveitamento de bens ou capital pelo sócio para uso pessoal, desvinculado dos interesses sociais (como depósito de pagamentos devidos à sociedade na conta do sócio, registro de veículos para uso pessoal em nome da sociedade, despesas particulares em geral, tais como viagens turísticas ou alimentação, pagas com dinheiro da sociedade etc.).Pelo contrário, a confusão que se pretende coibir abrange hipótese muito maior, alargando a sua noção para incluir também hipóteses em que se verifica a confusão de denominação social ou organização societária. São hipóteses bastante frequentes a confusão entre nomes semelhantes atribuídos à sociedade controladora e à controlada; a coincidência de sede, administração ou contabilidade; além da confusão patrimonial acima exposta”. (GIANNICO NETO, Francisco Ettore. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019).
[31] TORRENTE, Andreia. Manuale di dirritto privado. 17. ed. Milano: Giuffre., 2004. p. 390.
[32] Para Ceolin a confusão: “[...] não se pode entender por confusão patrimonial, enquanto critério de aplicabilidade da desconsideração, por exemplo, a mera transferência de bens do sócio para a sociedade ou vice- versa. Nessas hipóteses, caracterizada estará a ocorrência de simulação ou fraude, seja contra credores, seja contra o processo executório, jamais abuso da estrutura formal da pessoa jurídica”. (CEOLIN, Ana Caroline Santos. Abusos na aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 54).
[33] Os autores ainda lecionam que em matéria empresarial, a pessoa jurídica é apenas uma técnica de separação patrimonial. (SALOMÃO FILHO, Calixto; COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 362).
[34] “Logicamente que a mistura por si só não é fator suficiente que autoriza a desconsideração. Porque se há a confusão, mas o credor consegue distinguir o patrimônio suficiente da sociedade, falta-lhe o interesse público para pedir a desconsideração”. Haftungsdurchgriff bei kapitalgesellschaften (BIANCHI, op. cit., p. 55).
[35] ANDRIGHI, op. cit., p. 5.
[36] Para Clóvis Bevilácqua, o vocábulo fraude trouxe do Direito romano uma certa vacilação de significado, que passou para o Direito francês e o pátrio. Realmente, os romanos, umas vezes, designavam por fraus qualquer meio ardil ou embuste empregado no intuito de enganar, outras vezes, fraus equivalia à simulação, como na frase fraudem sinônima a simulação, e Coelho da Rocha apresenta como equivalente a dolo. Teixeira de Freitas, porém, acentuou a distinção que se deve fazer entre os dois vocábulos e fixou a noção de fraude. E a definição de Caio Mario da Silva Pereira como artifício malicioso para prejudicar terceiro. (COELHO, 1989, op. cit., p. 56). Por fim, Alexandre Couto explica “A fraude é o artifício malicioso o qual pode ser traduzido como uma ‘distorção intencional da verdade com o intuito de prejudicar terceiros”. (SILVA, Alexandre Couto, op. cit., p. 46).
[37] ANDRADE FILHO, op. cit., p. 97-104.
[38] CORRÊA DE OLIVEIRA, op. cit., p. 300.
[39] Serick exemplifica o este caso “a pessoa assume contratualmente uma obrigação de não fazer e, para burlar essa cláusula, constitui determinada pessoa jurídica para a prática do ato” (Forma e Realita dela persona giuridica, Milano, Giuffre p 40 e s. apud BIANCHI, op. cit.
[40] SALOMÃO FILHO, op. cit., p. 251-258.
[41] “A desconsideração entendida como método não pode ser confundida com uma ampliação da teoria dualista da obrigação, ou seja, da imputação da responsabilidade a pessoa diferente do devedor”. (Ibid., p. 229). E continua o autor “Coisa diversa é o ‘método’ de desconsideração da personalidade jurídica. Esse é dotado de pressupostos específicos de aplicação. Com relação a ele, não é possível misturar questões de responsabilidade e de imputação. Essas últimas se referem-se, o mais das vezes, a situações potencialmente conflituais”. (Ibid., p. 260).
[42] Em sistemas como o Brasil, no qual a personalidade jurídica é atribuída a todas as sociedades, com ou sem responsabilidade limitada. Sua definição do problema da desconsideração torna-se, portanto, aplicável apenas admitindo-se a função de máxima separação de esferas por ele atribuída à pessoa jurídica, o que, do ponto do vista positivo, é arriscado e, do ponto de vista histórico-sistemático, incerto. (CORRÊA DE OLIVEIRA, op. cit., p. 611).
[43] LARENZ, Karl. Metodologia de ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkin, 1997. p. 331-333.
[44] Ibid., p. 344-345.
[45] Corrobora, nesse sentido, Luiz Siches, quando explica que o juiz deve verificar os resultados práticos que a aplicação de norma, sempre que estes resultados se mostrarem de acordo com valorações que inspiram a ordem jurídica positiva, deve-se aplicar a ordem jurídica positiva. Caso contrário a norma ao ser aplicada produzirá efeitos que são opostos a ordem jurídica. (SICHES, Luis Recaséns. Nueva Filosofia de la interpretación del derecho. 2.ed. México. Porrua. 1973 apud FARIAS, Marcia Ferreira Cunha. A norma no pragmatismo jurídico e a lógica do razoável: Um paralelo da filosofia jurídica de Oliver Wendell Holmes e de Luis Recaséns Siches. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 40, n. 158, p. 71-96, abr./jun. 2003).
[46] Vários estudos demonstrnado alterações da jurisprudência trabalhista sobre os reflexos do CPC.
[47] Art. 28, do Código de Defesa do Consumidor; art. 4º, da Lei do Meio Ambiente (Lei n° 9.605/98); art. 34, da Lei nº 12.529/11 e Lei n° 12.846/2013 (aplicação da teoria no âmbito do processo administrativo).
[48] “A aplicação dessa teoria (menor) parte de mero casuísmo e nega toda a base de direito societário porque não relativiza a distinção consagrada entre a figura da sociedade e a de seus sócios e ignora todo o princípio da autonomia patrimonial [...]. Há quem invoque a regra do artigo 28 desse artigo com o fundamento para aplicação da teoria menor, ou seja, a insatisfação do credor seria o bastante para que o juiz determinasse a responsabilidade pessoal dos sócios.” (GUSMÃO, Monica. A desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74. 2016 p. 185).
[49] Conquanto definir a teoria da desconsideração da personalidade jurídica seja tarefa complexa, lançaremos mão de uma, assim formulada: a desconsideração da personalidade jurídica é a retirada episódica, momentânea e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus sócios ou administradores, com o fim de coibir o desvio da função da pessoa jurídica, perpetrada por estes. (BLOK, op. cit., pos. 366-473).
[50] NUNES, 2005, op. cit., p. 28-29.
[51] SALAMA, Bruno Meyerhof. O fim da responsabilidade limitada no Brasil – história, direito e economia. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 295.
Graduado em Direito na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS -2013), Pós Graduado em Formação de Professores para Educação Superior Jurídica (Anhanguera- 2015), Mestre em Direito Processual e Cidadania (Unipar-2016), Doutor em Direito na Universidade de São Paulo (USP- 2021), Pós-Doutor na Universidade do Vale do Itajaí com investigação na Universidade de Perugia - Itália (2022-2023) e atuou como Docente no Curso de Direito atuou na UEMS, UniRV (efetivo), Anhanguera, UNIESP e UnirG- TO. Atualmente Procurador Geral no Município de Gurupi- TO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REGINATO, Alexandre Orion. Aspectos conceituais da desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jan 2024, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64496/aspectos-conceituais-da-desconsiderao-da-personalidade-jurdica-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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