RESUMO: A sentença arbitral é um instrumento crucial no campo do direito arbitral, oferecendo uma solução final e vinculativa para disputas submetidas. Sua natureza jurídica tem sido objeto de debate em muitos sistemas jurídicos, com diferentes abordagens e interpretações. Em geral, a sentença arbitral é considerada como um pronunciamento que encerra o litígio entre as partes, de forma análoga à sentença proferida por um tribunal estatal. No presente artigo, busca-se enfrentar as principais correntes doutrinárias sobre a matéria para, ao final, apresentar aquela posição que parece mais consentânea com o tratamento conferido pela legislação de regência, em especial a Lei nº 9.307 e o CPC/15.
A natureza jurídica da arbitragem sempre foi objeto de intenso debate. Vale destacar, nesse sentido, a existência de três correntes doutrinárias de maior importância, a saber: a jurisdicional/pública, a contratual/privatista e a intermediária.
Com efeito, parte da doutrina defende a natureza contratual do instituto, visto que a arbitragem decorre unicamente da vontade das partes, materializada por meio da celebração de cláusula – na hipótese de ser anterior ao litígio – ou de compromisso arbitral – se após o litígio –, espécies contratuais do gênero “convenção de arbitragem”.
Assim, é certo que um determinado conflito somente será submetido à apreciação dos árbitros caso as partes assim convencionem, afastando a apreciação Estatal sobre a questão. Esse é o efeito negativo da convenção de arbitragem, o qual tem o condão de afastar do Estado a função jurisdicional cognitiva e atribuí-la à esfera privada (art. 3º da Lei nº 9.307/96[1]). Não é demais lembrar que o conflito submetido à arbitragem deve versar sobre “direitos patrimoniais disponíveis”[2], sob pena de não conhecimento do litígio posto à apreciação dos árbitros designados.
Vê-se, pois, que o princípio norteador e que vigora na arbitragem é o da autonomia da vontade, sendo o consenso das partes na convenção de arbitragem que, direta ou indiretamente, estabelece os limites do conflito, nomeia o árbitro e elege as regras de direito (material ou processual) que resolverão o litígio.
Ressalte-se que, para parte da doutrina, qualquer interpretação diversa implicaria em afronta ao texto constitucional, pois os órgãos investidos de jurisdição, bem como as suas exceções, estariam, numerus clausus, listados na Constituição Federal de 1988, onde não se encontra a arbitragem, pelo que esta não teria natureza jurisdicional, valendo, neste sentido, destacar as palavras de Ricardo Ranzolin:
A atividade jurisdicional, nos termos da Constituição, então, é atividade do Poder Judiciário – com as exceções previstas no próprio texto constitucional. (...) Contudo, por ora se está a dizer que a arbitragem, nos termos da Constituição Federal, não é atividade jurisdicional; ela ocupa outra órbita. A Constituição é rígida e exclusivista no que tange à delimitação das competências das funções judiciais ao Poder Judiciário e na definição de seus órgãos, entre os quais não se incluem os árbitros escolhidos pelas partes.[3]
Além disso, o árbitro não goza do poder de coerção, o qual é monopólio do Estado, não podendo, portanto, serem por eles praticados quaisquer atos de natureza executiva, o que, alegadamente, fortaleceria ainda mais a natureza privada da arbitragem.
Para tanto, faz-se necessária a intervenção do Estado, nesse caso, do Poder Judiciário, o único capaz de fazer com que o preceito formulado na sentença seja obedecido e prevaleça no mundo dos fatos. O árbitro, após a prolação de sentença, deixa de possuir qualquer atribuição decisória, dando-se por finda a arbitragem, conforme dispõe o art. 29 da Lei nº 9.307/96[4].
Em breves linhas, os principais argumentos trazidos pela doutrina contratualista para negar a natureza jurisdicional da arbitragem são:
i) a arbitragem tem origem em um contrato e, portanto, seria um instituto do direito privado;
ii) o texto constitucional não permite a interpretação de ser a arbitragem dotada de poder jurisdicional, uma vez que não haveria qualquer previsão constitucional nesse sentido; e
iii) o arbitro não possui poder de coerção, o qual, junto com a cognição, é inerente ao poder jurisdicional, sendo certo que, faltando um deles, restará afastada a atribuição jurisdicional.
Por outro lado, tem-se o posicionamento intermediário acerca do tema, segundo o qual a arbitragem teria uma natureza mista, na medida em que se origina exclusivamente da vontade das partes diante da faculdade conferida pela lei, sendo certo, contudo, que uma vez instaurada a arbitragem, a função exercida pelo arbitro possuí precípuo caráter público. Entretanto, a atividade jurisdicional, ainda assim, é exclusiva do Estado.
Nesse sentido, merece destaque os ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara:
“Parece-me que as duas posições são criticáveis. Em primeiro lugar, deve-se afirmar, a meu juízo, a função exercida pelos árbitros é pública, por ser função de pacificação de conflitos, de nítido caráter de colaboração com o Estado na busca de seus objetivos essenciais. De outro lado, parece inegável que a arbitragem, se inicia por ato de direito privado, qual seja, a convenção de arbitragem, que será estudada mais adiante. Não se pode, porém, confundir a convenção de arbitragem, ato que institui o procedimento arbitral, com arbitragem em si. É a natureza desta, e não daquele, que se busca, e tal natureza é, a meu juízo, a de função pública. (...) Sendo a arbitragem um procedimento que se realiza obrigatoriamente em contraditório (o que, aliás, é determinado de forma cogente pela lei de arbitragem, que impõe a observância de tal princípio no procedimento arbitral), faz-se presente o ‘módulo processual’, devendo-se considerar, pois, que a arbitragem é um processo. Não, porém, um processo jurisdicional, pois a jurisdição é monopólio do Estado, não podendo ser exercida pelo árbitro, o qual é um ente privado. Ademais, não se faz presente na arbitragem a relação jurídica processual jurisdicional, qual seja, aquela que se estabelece entre as partes e o Estado-Juiz. Não há, portanto, como se admitir a natureza jurisdicional da arbitragem, embora não se possa negar o múnus público exercido pelo árbitro, em sua atividade privada, de busca da pacificação social. Com isto, coloco-me numa posição publicista frente à arbitragem, negando a tese de quem vê neste instituto uma figura exclusivamente regulada pelo direito privado”[5].
Conquanto sejam defendidos por notórios doutrinadores[6], os referidos entendimentos não nos parecem os mais acertados, pois, muito embora seja a arbitragem originária de um contrato (cláusula ou compromisso arbitral), a função exercida pelo árbitro afigura-se no plano da jurisdição cognitiva, não devendo a análise de sua natureza jurídica ser verificada pela origem da atividade exercida, e sim a partir da atividade em si. No dizer de J. E. Carreira Alvim:
“Quando se afirma a base convencional da arbitragem, não se define a sua natureza jurídica, senão identifica-se a forma por que ela se constitui. Por idêntica razão, ninguém diria que o Tribunal do Júri tem natureza jurídica aleatória pelo simples fato de serem os jurados escolhidos por sorteio.”[7]
De fato, com o advento da Lei nº 9.307/96 passou a ser amplamente majoritária a corrente que considera a arbitragem uma atividade jurisdicional. Isso porque, a sentença arbitral – nos termos do art. 31 da referida lei – produz, entre partes e sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, constituindo, assim, um título executivo judicial (art. 515, VII, do Código de Processo Civil). Mais ainda, o árbitro é juiz de fato e de direito, sendo certo que a sentença por ele proferida não está sujeita à recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário, conforme dispõe o art. 18 da Lei de Arbitragem.
Corroborando com este entendimento, colha-se, uma vez mais, a autorizada lição de J. E. Carreira Alvim:
“Sem dúvida, a arbitragem brasileira, por natureza e definição, tem indiscutível caráter jurisdicional, não cabendo mais, depois da Lei nº 9.037/96, falar-se em contratualidade, salvo no que concerne à sua origem, por resultar da vontade das partes.” [8]
Desse modo, constituindo a arbitragem uma atividade precipuamente jurisdicional, revela-se imprescindível a análise da compatibilidade dos meios de impugnação à sentença arbitral previstos na Lei nº 9.307/96 com o ordenamento jurídico pátrio como um todo, de modo a garantir a incolumidade dos valores mais caros à sociedade, como por exemplo, a ordem pública.
[1] Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
[2] Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
[3] RANZOLIN, Ricardo. Controle Judicial da Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora GZ, 1ª edição, 2011, p. 68-69.
[4] “Proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem, devendo o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, enviar cópia da decisão às partes, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, ou, ainda, entregando-a diretamente às partes, mediante recibo.”
[5] CÂMARA, Alexandre de Freitas. Arbitragem – Lei nº9.307/96. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 4ª Editora, 2005, p. 12-15
[6] Sobre o posicionamento em defesa da natureza contratual da arbitragem, vide: GRAU, Eros Roberto. Arbitragem e Contrato Administrativo. Revista da Faculdade de Direito da UFRHS, Porto Alegre, nº 21, p. 141-148, mar; MAGALHÃES, José Carlos de. Do Estado na Arbitragem Privada. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 98.
[7] ALVIM, J. E. Carreira. Tratado Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2000, p. 133.
[8] ALVIM, J. E. Carreira. Tratado Geral da Arbitragem. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2000, p. 68.
FGV Direito Rio. Pós-graduado e advogado
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Sérgio Bousquet. Breves apontamentos a respeito da natureza da sentença arbitral: seria tal pronunciamento exemplo de exercício jurisdicional? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 mar 2024, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64961/breves-apontamentos-a-respeito-da-natureza-da-sentena-arbitral-seria-tal-pronunciamento-exemplo-de-exerccio-jurisdicional. Acesso em: 22 nov 2024.
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