PEDRO HENRIQUE SANTOS SOUZA[1]
(coautor)
NATALIA CARDOSO MARRA
(orientadora)
RESUMO: Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tem como objetivo analisar a ineficácia da Lei Maria da Penha e a criminalização do feminicídio no Brasil, investigando os desafios e limitações na aplicação dessas legislações. A Lei Maria da Penha, promulgada em 2006, representa um marco na luta contra a violência doméstica, enquanto a tipificação do feminicídio, incorporada ao Código Penal em 2015, visa reconhecer a gravidade específica dos homicídios de mulheres em razão do gênero. A metodologia deste estudo incluiu a revisão bibliográfica de fontes acadêmicas, análise de dados estatísticos sobre violência contra a mulher, e exame de casos judiciais relevantes. Os resultados indicam que, apesar dos avanços proporcionados por essas legislações, a sua implementação enfrenta sérios obstáculos. Entre os principais desafios estão a falta de infraestrutura adequada, a insuficiência de treinamento especializado para os profissionais de segurança e justiça, a subnotificação dos casos e a desigualdade na aplicação das penas. Os dados coletados revelam que a Lei Maria da Penha muitas vezes não alcança seu potencial preventivo e punitivo devido a falhas na execução prática, como a demora na concessão de medidas protetivas e a falta de apoio às vítimas. Da mesma forma, como forma de apoio, foi criado a lei do feminicídio. Este TCC conclui que, para aumentar a eficácia dessas leis, é necessária uma abordagem integrada e multidisciplinar, envolvendo não apenas reformas no sistema judiciário, mas também ações nas áreas de educação, saúde e assistência social. A capacitação contínua dos profissionais envolvidos, a conscientização pública sobre os direitos das mulheres e o fortalecimento da rede de apoio às vítimas são essenciais para reduzir a violência de gênero. Assim, este estudo contribui para o entendimento das limitações atuais e aponta direções para futuras pesquisas e políticas públicas que possam efetivamente combater a violência contra a mulher no Brasil. Espera-se que estas conclusões inspirem ações concretas e sustentáveis, promovendo um ambiente mais seguro e igualitário para todas as mulheres.
Palavras-chave: Feminicídio Ineficácia, Lei Maria da Penha, mulher e violência.
ABSTRACT: This Course Completion Work (TCC) aims to analyze the ineffectiveness of the Maria da Penha Law and the criminalization of feminicide in Brazil, investigating the challenges and limitations in the application of these laws. The Maria da Penha Law, enacted in 2006, represents a milestone in the fight against domestic violence, while the classification of feminicide, incorporated into the Penal Code in 2015, aims to recognize the specific gravity of homicides of women based on gender. The methodology of this study included a bibliographic review of academic sources, analysis of statistical data on violence against women, and examination of relevant court cases. The results indicate that, despite the advances provided by these legislations, their implementation faces serious obstacles. Among the main challenges are the lack of adequate infrastructure, insufficient specialized training for security and justice professionals, underreporting of cases and inequality in the application of sentences. The data collected reveals that the Maria da Penha Law often does not reach its preventive and punitive potential due to flaws in practical implementation, such as the delay in granting protective measures and the lack of support for victims. Likewise, as a form of support, the feminicide law was created. This TCC concludes that, to increase the effectiveness of these laws, an integrated and multidisciplinary approach is necessary, involving not only reforms in the judicial system, but also actions in the areas of education, health and social assistance. Continuous training of the professionals involved, raising public awareness about women's rights and strengthening the support network for victims are essential to reduce gender-based violence. Thus, this study contributes to the understanding of current limitations and points out directions for future research and public policies that can effectively combat violence against women in Brazil. It is hoped that these conclusions will inspire concrete and sustainable actions, promoting a safer and more equal environment for all women.
Key-words: Ineffectiveness of feminicide, Maria da Penha Law, women and violence.
A Lei Maria da Penha, 11.340 publicada no ano de 2006 dispõe sobre proteger mulheres em situação de violência e salvar vidas, a lei pune agressores, fortalece a autonomia das mulheres, educa a sociedade e cria meios de assistências ao combate à violência de gênero.
Esta definiu vários instrumentos de proteção á mulher e fomentou diversas políticas públicas porém os dados que indicam o número de mulheres mortas em razão do seu gênero ainda são alarmantes, onde, O Brasil registrou 1.463 casos de mulheres que foram vítimas de feminicídio no ano passado - ou seja, cerca de 1 caso a cada 6 horas. Esse é o maior número registrado desde que a lei contra feminicídio foi criada, em 2015. O número também é 1,6% maior que o de 2022, segundo o relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Válido ressaltar também que nos três primeiros meses de 2024, 76 mulheres foram assassinadas no Ceará, conforme os dados da Superintendência de Pesquisa e Estratégia (Supesp), disponibilizados pela Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), com um cenário alarmante como este, a sociedade precisou entrar em alerta e com isso,foi necessário rever a eficácia da Lei Maria da Penha e preciso criminalizar o feminicídio.
Diante disso o presente artigo visa discutir alguns pontos da Lei Maria da Penha que não foram eficazes no controle da violência de gênero que levaram à necessidade de alteração do Código Penal para criar o feminicídio. Com a publicação da Lei 13.104/2015 ocorreu à alteração no CP, para incluir a modalidade de crime qualificado ao feminicídio, que nada mais é do que o assassinato da mulher pela condição de ser mulher. O reconhecimento do feminicídio como uma categoria de crime é uma resposta à necessidade de abordar a violência de gênero de forma mais abrangente e eficaz.
Esta necessidade de criação do feminicidio nos faz questionar a eficácia sobre as medidas de prevenções e punições que estão em vigor. Para combater eficazmente a violência doméstica e proteger as vítimas, é crucial que o estado aprimore seus métodos de investigação e avaliação dos agressores. Isso pode incluir a implementação de programas de reabilitação para agressores e o fornecimento de recursos para ajudá-los a lidar com questões psicológicas subjacentes. Além disso, é essencial que as vítimas tenham acesso a apoio adequado, aconselhamento e medidas de segurança para que possam romper o ciclo de violência. Em última análise, abordar a violência doméstica de forma eficaz requer um esforço coordenado de todas as partes envolvidas, incluindo a aplicação da lei, profissionais de saúde mental, organizações de apoio às vítimas e a sociedade em geral.
2.CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL E LEI MARIA DA PENHA
A violência contra a mulher é social e histórica e é uma das condições fundamentais das relações socialmente estabelecidas. Ao longo da história, a concretização deste fenómeno manifestou-se em diversos aspectos e matrizes decorrentes de relações de poder económico, político e social que banalizaram a figura feminina. Esta violência é um processo antigo e multifatorial que causa problemas sociais, políticos, económicos e de saúde.
Seu comportamento covarde e silencioso tem feito refém a figura feminina no ambiente familiar. Ser colocada em posição de responsabilidade pelo lar e pelos filhos, ter o companheiro a explorá-la, tratá-la como objeto de propriedade ou colocá-la no papel de guardiã do “dever conjugal”. Segundo Sonia Prates Tavares, em sua monografia “A Evolução da Mulher no Contexto Social e sua Inserção no Mundo do Trabalho” (2012, p. 27), durante toda a história, a figura feminina sempre foi subjugada, colocada em patamares de inferioridade comparada com a figura masculina social.
Uma existência marcada por subordinação, domínio e marginalização da função feminina na evolução humana, fruto de uma cultura hierarquizada e patriarcal, evidenciando a ausência de direitos, onde exercia o papel apenas de cuidar dos filhos e do lar. A dependência econômica, social ou afetiva da mulher em relação ao homem, legitima a prática da violência doméstica, posto a subordinação no cotidiano feminino. Conforme Maria Berenice Dias em seu artigo “A lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei n. 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher” (2007, p. 16), para manter um padrão socialmente aceito, necessitava se submeter a esse tipo de tratamento pelo próprio companheiro, ficando o homem como proprietário do corpo e vontade da mulher, achando-se no direito de utilizar de violência física e psicológica quando entendia necessário. A intervenção estatal nas relações intrafamiliares não era possível, uma vez que os acontecimentos do âmbito familiar deveriam ser resolvidos na privacidade do seu lar e aos componentes daquele meio. Nesse sentido, nota-se a necessidade da regularização por parte do Estado da relação familiar, conforme World Health Organization, 2013:
A violência contra a mulher é um fenômeno global que afeta mulheres de todas as idades, classes sociais e culturas. Ela se manifesta de várias formas, incluindo violência física, sexual, psicológica e econômica, e é profundamente enraizada em desigualdades de gênero e relações de poder desequilibradas.
Em função da maneira como está socializada esta violência, nem sempre é percebida, tornando se muitas vezes invisível. Nesse contexto, pode-se dizer que são vários os fatos que levam a mulher a sofrer calada, não denunciando a violência sofrida pelo companheiro e devido a este tal fato, e ocasiões pode acontecer os feminicídios que não são registrados pela Policia Militar, trazendo a consequência de não registro.
Apesar de o Brasil ainda ser um dos países que mais mata mulheres no mundo, as mobilizações feministas permitiram importantes avanços na luta pelo fim da violência contra a mulher no Brasil.
Marco importante dessa luta foi a Convenção de Belém do Pará, conhecida também como Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, promulgada em 1994 e adotada pelo Brasil em 1995.
Essa convenção é importante pois estabelece o direito de as mulheres viverem livre de violência e classifica a violência contra a mulher uma violação aos Direitos Humanos. Cabe aos Estados signatários a responsabilidade de erradicar esse tipo de violência.
Este caso deu o nome à mais importante lei contra a violência doméstica e familiar no Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). Essa lei prevê punições mais severas às agressões domésticas e familiares. Penas alternativas, como o pagamento de cestas básicas eram usadas como punição para os agressores. A partir dessa lei, os agressores podem ter prisão preventiva decretada ou serem presos em flagrante. Além disso, o tempo de detenção foi elevado e foram adotadas medidas para que o agressor não possa se aproximar da vítima.
No dia 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei nº 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, em virtude de uma das tantas vítimas de violência doméstica existentes no país. Maria da Penha Maia Fernandes é uma biofarmacêutica que sofreu as mais variadas intimidações e agressões durante o seu casamento. Seu marido, Marco Antônio, por derradeiro, tentou assassiná-la duas vezes. Após deixar a vergonha de lado, mesmo temendo a integridade física das suas filhas, resolveu denunciar o seu agressor.
A Lei Maria da Penha recebeu essa nomenclatura em virtude da farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, a qual foi mais uma das tantas vítimas de violência doméstica espalhadas pelo mundo. Lutou durante vinte anos para que pudesse ver o seu agressor, ora marido, condenado. Maria da Penha era casada com Marco Antônio Heredia Viveiros, professor universitário e economista, o qual tentou matá-la duas vezes. A primeira vez ocorreu no dia 29 de maio de 1983, quando este simulou um assalto fazendo uso, inclusive, de uma espingarda. Maria levou um tiro nas costas e, em decorrência disso, ficou paraplégica. Já a segunda tentativa ocorreu no mesmo ano, alguns dias após a primeira. Porém nesta, Marco, através de uma descarga elétrica, tentou eletrocutá-la durante o seu banho
Acordei de repente com um forte estampido dentro do quarto. Abri os olhos. Não vi ninguém. Tentei mexer-me, mas não consegui. Imediatamente fechei os olhos e um só pensamento me ocorreu: “Meu Deus, o Marco me matou com um tiro”. Um gosto estranho de metal se fez sentir, forte, na minha boca, enquanto um borbulhamento nas minhas costas me deixou ainda mais assustada. Isso me fez permanecer com os olhos fechados, fingindo me de morta, pois temia que Marco me desse um segundo tiro. (FERNANDES, 2010, p. 36, grifo do autor).
Tal história gerou uma grande repercussão, fazendo com que o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL formalizassem uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. E ainda, nesta mesma linha, afirma Silva (2012, p. 09):
A corajosa atitude de haver recorrido a uma Corte Internacional de Justiça transformou o caso da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes em acontecimento emblemático, pelo que se configurou baluarte do movimento feminista na luta por uma legislação penal mais rigorosa na repressão os delitos que envolvessem as diversas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Deste modo, diante da leniência brasileira com a morosidade do processamento dos crimes cometidos mediante violência doméstica, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concluiu que:
a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil. [...] Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida.
O objetivo da criação da Lei Maria da Penha foi coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226
da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher‖ (BRASIL, 2006). Ela foi aprovada em 2006, pelo presidente Lula, e é fruto de lutas e manifestações feministas pelo reconhecimento público da violência contra a mulher, como uma forma de violação aos direitos humanos e problema social.
Diante disso, inúmeras Convenções foram realizadas em prol da proteção das mulheres, em destaque, a Comissão Interamericana de Mulheres, que na 6° Assembleia Extraordinária de Delegadas da CIM, teve projeto aprovado e o apresentou durante ao 24° Período Ordinário de sessões da Assembleia Geral da OEA, nomeado Convenção de Belém do Pará, a mesma, entrou em vigor em 5 de março de 1995, e tornou-se referência mundial no enfrentamento à violência contra a mulher. Foi aprovada no Brasil pelo decreto n° 107 de 1° de setembro de 1995 e ratificada em 27 de novembro de 1995. (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015).
A Convenção de Belém do Pará estabeleceu, pela primeira vez, o direito de as mulheres viverem uma vida livre de violência, ao tratar a violência contra elas como uma violação aos direitos humanos. Nesse sentido, adotou um novo paradigma na luta internacional da concepção e de direitos humanos, considerando que o privado é público e, por consequência, cabe aos Estados assumirem a responsabilidade e o dever indelegável de erradicar e sancionar as situações de violência contra as mulheres (Online, 1995).
Além dessas manifestações e movimentos, houve a responsabilização do Estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso de Maria da Penha. O relatório de julgamento desse processo aponta que o Estado foi omisso, negligente e tolerante em relação à violência doméstica contra as mulheres brasileiras.
[...] O caso de Maria da Penha também foi reportado pelas entidades feministas ao Comitê da CEDAW, que em 2003 recomendou que o Estado brasileiro adotasse ‗sem demora uma legislação sobre violência e medidas práticas para acompanhar e monitorar a aplicação da lei e avaliar sua efetividade‘ (PANDJIARJIAN, 2007; PASINATO, 2010, p. 20).
O propósito da Lei 11.340/2006 é garantir que a mulher tenha direito a uma vida sem violência (DIAS, 2010). É fundamentada em abordagens de gênero (violência doméstica e familiar contra a mulher) e de vitimização (por um lado foca na violência, por outro deixa a mulher em situação e posição de passividade, dicotomizando o debate). A categoria afetada é a mulher. De acordo com Dias (2010), o verdadeiro alcance da Lei Maria da Penha é desligar o conceito de violência doméstica da prática delitiva e considerar, inclusive, a concessão de medidas protetivas, ou seja, que nem todas as formas de violência são consideradas como delitos. Esse ato passa a ser visto sob a ótica da ação penal25 e da ação civil26. Até a criação da Lei 11.340/2006, o que era considerado crime em relação à violência cometida contra a mulher era a lesão corporal, que recebia pena mais severa quando praticada em decorrência de relações domésticas
Em relação a esta violência, observa-se o uso do termo violência doméstica na própria Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, 2006):
Art. 5º. [...] configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa.
A partir disso, avaliamos que O Artigo 5º, Inciso I, descreve a violência dentro da unidade doméstica como ocorrendo em locais onde pessoas convivem constantemente, independentemente de terem laços familiares, e incluindo até mesmo pessoas que ocasionalmente se agregam. Assim, a lei protege mulheres que compartilham o mesmo espaço, mesmo que não haja um parentesco formal entre elas. Por exemplo, abrange situações de violência entre coabitantes temporários ou esporádicos em uma residência. O Inciso II amplia ainda mais essa salvaguarda ao abordar a violência no âmbito familiar, definida como a comunidade formada por indivíduos que se consideram parentes, unidos por laços naturais, afinidade ou vontade expressa. Dessa forma, a legislação engloba não só relações de parentesco biológico, mas também aquelas baseadas em afeto e convivência, tanto formais quanto informais.
Segundo a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V.
Essas formas de agressão são complexas, perversas, não ocorrem isoladas umas das outras e têm graves consequências para a mulher. Qualquer uma delas constitui ato de violação dos direitos humanos. As violências são:
Física: conduta que atente contra a saúde corporal ou integridade física da mulher. São exemplos: espancamento, sufocamento, lesões com objetos cortantes ou perfurantes, tortura, ferimentos causados por arma de fogo e queimaduras. A violência física conforme consta no artigo 7º da Lei 11.340/06 pode ser compreendida, como a violência que deixa marcas no corpo da vítima, meios agressivos e dolorosos que o agressor utiliza para impor sua vontade monstruosa de domínio sobre a mulher. 11 São meios da violência física: bater, empurrar, apertar qualquer membro do corpo, torturar, sacudir, provocar queimaduras, causar ferimentos com arma de fogo, espancamento, entre outros. Infringindo assim a integridade física da mulher. Para (BERENICE, 2012.s.p) ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde da mulher constitui vis corporalis, expressão que define a violência física.
Psicológica: conduta que cause prejuízo emocional e à autoestima e perturbe o desenvolvimento da mulher ou exerça controle sobre suas ações e decisões. São exemplos: constrangimento, ameaça, humilhação, perseguição, isolamento e exploração. Conforme ressalta o artigo 7º, II, da Lei 11.340/06, a violência psicológica se encontra de várias maneiras e observa-se que é uma das violências mais recorrente em relacionamentos abusivos. Os agressores fazem ameaças, chantagens, humilham as vítimas em seu âmbito familiar e profissional. As proíbem de ter amigos, participar de reuniões familiares entre outros. Por muitas vezes as limitam do seu direito de ir e vir. Estão sempre por perto vigiando. Com a baixa autoestima, resultado das violências psicológicas por parte dos agressores, as vítimas ficam reféns do abuso ficam presas na relação, sem forças e coragem pra sair.
Sexual: qualquer ação que obrigue a mulher a ter relações sexuais não desejadas. São elas: estupro, o impedimento de métodos contraceptivos, forçar aborto ou limitar qualquer direito reprodutivo da mulher. Observa-se ainda a violência sexual, a qual está ligada a prática de relação sexual sem consentimento da vítima, praticando de maneira forçada, tirando seu direito de escolha, além da impedição da utilização de métodos contraceptivos, forçando uma gravidez, aborto por meio de chantagens, coações, entre outros. De acordo com MARTINS, 2019, A violência sexual envolve qualquer tipo de coerção sexual contra a vontade da vítima, incluindo estupro, abuso sexual, coerção para relações sexuais, entre outros.
Patrimonial: qualquer ato de destruição, retenção ou subtração de objetos pessoais, bens e recursos econômicos. São exemplos: controle do dinheiro, destruição de documentos, não pagamento da pensão alimentícia, furto, extorsão e estelionato. Conforme conta no Artigo 7º, IV da Lei 11.340/06 “Violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos.” Pode se estender ainda a violência patrimonial aquela em que o companheiro da vítima controla sua vida pecuniária, salário, cartão de crédito além de as proibirem de trabalhar e conquistar sua independência financeira. Destruir pertences da vítima, objetos, roupas também configura violência patrimonial.
Moral: ações que se configurem como calúnia, difamação ou injúria. São exemplos: críticas mentirosas, rebaixamento da mulher por meio de xingamento, exposição da vida íntima, desvalorização da mulher pela sua forma de se vestir. Citada no parágrafo V, artigo 7º da Lei 11.340/06 a violência moral é caracterizada pela difamação, calúnia e injuria contra a vítima. Demostradas em situações vexatórias e de constrangimento com falsas falácias desmoralizando a mulher perante familiares e a sociedade. Esse tipo de violência afeta diretamente o psicológico da mulher, as fazendo acreditar que são incapazes, que necessitam do agressor para continuar vivendo e assim as tornam reféns desse ciclo vicioso da violência doméstica, que majoritariamente começam por essas agressões de cunho moral e psicológico para chegarem nas agressões físicas.
A violência contra a mulher pode ser praticada no âmbito da vida privada em ações individuais, exemplos disso são: o assédio, a violência doméstica, o estupro, o feminicídio e a violência obstétrica. No entanto, a violência contra a mulher também pode ser praticada como ação coletiva, é o caso, por exemplo, de políticas estatais de mutilação genital feminina ainda hoje praticada em alguns lugares. A ação coletiva de violência também pode ser praticada por organizações criminosas, como a rede de tráfico de mulheres para prostituição forçada. Entre tantas outras, compõem o panorama cultural de uma sociedade patriarcal que legitima, promove, banaliza e silencia diante da violência contra a mulher, entendida também por MARIA DA PENHA (2012):
Conhecia também uma violência praticada de forma quase invisível, que é o preconceito contra as mulheres, desrespeito que abre caminho para atos mais severos e graves contra nós. Apesar de nossas conquistas, mesmo não tendo as melhores oportunidades, ainda costumam dizer que somos inferiores, e isso continua a transparecer em comentários públicos, piadas letras de músicas, filmes ou peças de publicidade. Dizem que somos más motoristas, que gostamos de ser agredidas, que devemos nos restringir à cozinha, à cama ou às sombras.
Então a partir deste trecho, avaliamos em destaque uma maneira sorrateira e por vezes imperceptível de violência contra as mulheres: a discriminação e desvalorização arraigadas sistematicamente em vários setores da sociedade. A violência simbólica e cultural desse tipo é igualmente danosa, uma vez que estabelece um contexto que valida e sustenta outras manifestações de violência mais evidentes.
Desde sua promulgação, a Lei Maria da Penha trouxe avanços significativos na proteção das mulheres contra a violência doméstica.
A criação de tribunais especializados e a aplicação de medidas de proteção têm colaborado para a diminuição da impunidade e oferecido suporte adicional às vítimas.
Adicionalmente, a Lei Maria da Penha ajudou a conscientizar a população e a alertar sobre a seriedade da violência contra as mulheres, encorajando a denúncia e a procura por auxílio. Esse decreto foi um ponto fundamental na história do Brasil, pois freou diversos abusos que estavam sendo cometidos. Antes da implementação da lei, tais atitudes eram tratadas como casos de menor relevância devido à ausência de mecanismos legais para combater e penalizar a violência doméstica.
Diversos foram os impactos significativos que a Lei gerou na sociedade, como: a melhoria dos procedimentos para assistência às vítimas; implementação de juizados especiais para os casos de violência doméstica contra mulheres, abrangendo tanto aspectos criminais quanto civis (alimentos, divórcio, entre outros); imposição ao Estado de agilizar os processos criminais; estímulo à realização de pesquisas para coletar dados estatísticos sobre os crimes e fomentar ações de prevenção; estabelecimento de medidas emergenciais de proteção. É perceptível que, após a aprovação da legislação, houve avanços significativos, embora, devido a lacunas existentes, o crime de feminicídio tenha sido introduzido para reforçar a proteção às mulheres vítimas de violência.
3.1 CONCEITO E DEFINIÇÃO
Feminicídio é um termo utilizado para designar o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres, trata-se de um crime de ódio baseado no gênero.
Diana Russel, ativista feminista e escritora, empregou pela primeira vez o termo “femicide”, originalmente em inglês, em 1976, no primeiro Tribunal Internacional sobre Crimes contra as mulheres, em Bruxelas, na Bélgica. Este evento reuniu cerca de quarenta países com um público estimado de duas mil mulheres. Este evento foi um marco na luta feminina, neste foram denotados os crimes cometidos contra as mulheres em diversos países. Posteriormente, Diana Russel 13 define femicídio como "a matança de fêmeas por homens porque elas são mulheres" e cita alguns exemplos de femicídio:
Incluem o apedrejamento até a morte de mulheres (que eu considero uma forma de femicídio de tortura); assassinatos de mulheres para a chamada "honra"; assassinatos de estupro; assassinatos de mulheres e meninas por maridos, namorados e namorados, por ter um caso, ser rebelde ou qualquer outro tipo de desculpa; matar a mulher por imolação por causa de muito pouco dote; mortes como resultado de mutilações genitais; escravas sexuais femininas, mulheres traficadas e mulheres prostituídas, assassinadas por seus "donos", traficantes, "johns" e proxenetas, e fêmeas mortas por desconhecidos misóginos, conhecidos e serial killers.
Segundo a antropóloga mexicana, o feminicídio pode ser praticado pelo atual ou ex-parceiro da vítima, parente, familiar, colega de trabalho, desconhecido, grupos de criminosos, de modo individual ou serial, ocasional ou profissional. E concorre de forma criminosa o silêncio, a omissão e a negligência por parte das autoridades encarregadas de prevenir e erradicar esses delitos (CHAKIAN, 2017)
Para Marcela Lagarde (2006, p. 221), o feminicídio não é apenas uma violência exercida por homens contra mulheres, mas por homens em posição de supremacia social, sexual, jurídica, econômica, política, ideológica e de todo tipo, sobre mulheres em condições de desigualdade, de subordinação, de exploração ou de opressão, e com a particularidade da exclusão.
Por sua vez, o professor Francisco Dirceu Barros (2015), conceitua feminicídio como:
O feminicídio pode ser definido como uma qualificadora do crime de homicídio motivada pelo ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre essas circunstâncias estão incluídos: os assassinatos em contexto de violência doméstica/familiar, e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Os crimes que caracterizam a qualificadora do feminicídio reportam, no campo simbólico, a destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher.
O feminicídio nada mais é do que a qualificadora do crime de homicídio e configura-se por ser o assassinato de mulher por razões de gênero, somando-se a condição de estar presente a violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher (MELLO, 2015).
O conceito de feminicídio tem levado bastante assunto e debate a todos, alguns estudiosos exaltam a importância que é necessária explicar os tipos de feminicídios existentes, sendo eles:
INTIMO E FAMILIAR: Denomina-se feminicídio intimo quando é cometido pelo companheiro ou ex- companheiro da vitima, qual seja a situação legal entre eles ou então quando a mulher é morta dentro do círculo familiar, podendo ser cometido assim por parentes ou amigos próximos da vítima. LESBICÍDIO :O lesbicídio é a morte de mulher lesbicas ou bissexuais. O motivo principal da morte dessas pessoas seria pelo fato delas se assumirem sua sexualidade. FEMINICÍDIO RACIAL: O Feminicídio racial acontece, principalmente quando há guerras, ocorrendo um homicídio de mulheres de apenas uma etnia ou um grupo específico. FEMINICÍDIO EM SÉRIE :quando o homem mata várias mulheres com o desejo de obter prazer sexual, geralmente são cometido por homens psicopatas com sérios problemas.
3.2 IMPORTANCIA DA CRIMINALIZAÇÃO
Com a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, representou um grande avanço nacional no que tange ao reconhecimento da necessidade de proteção à mulher. No entanto, a norma não trouxe em seu escopo nenhuma tipificação incriminadora, tendo apenas como caráter primordial medidas protetivas e preventivas (ARANTES, 2018).
Devido ao grande índice de homicídios femininos, principalmente causados por parceiros íntimos, constantemente praticados na presença de ascendentes e descendentes, aliado à violência verbal, psicológica, tornou-se de extrema necessidade tomar medidas para coibir esses crimes (PANDOLFO, 2015).
Diante de índices elevadíssimos de morte de mulheres, o legislador brasileiro atentou-se para a extrema necessidade de penalizar a conduta de homicídio praticado contra as mulheres. Destarte, a Lei n 13.104 entrou em vigor em 10 de março de 2015 discorrendo sobre o Feminicídio e originou-se em 2012, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) de Violência contra a Mulher no Brasil e no Projeto de Lei do Senado nº 292 de 2013. A Lei do feminicídio não se trata de um tipo penal próprio e sim incluir mais uma modalidade de homicídio qualificado. Prevê causas especiais de aumento e altera a Lei dos Crimes hediondos.
Antes de discorrer o assunto sobre a lei é importante para o estudo deixar bem claro a diferença entre o feminicídio e femicídio. Ele ocorre na possibilidade em que o agente do delito mata uma mulher, tipificando, assim sendo, homicídio simples, disposto no art. 121, caput, do Código Penal Brasileiro. A lei 13.104/15 incluiu ao art. 121, § 2º do Código Penal, inciso VI, que diz a sobre o crime de feminicídio. Assim podemos ver que tal novidade legislativa foi inserida na legislação penal como uma qualificadora de homicídio. A diferença que podemos notar desta qualificadora para o femicídio, é a real necessidade do homicídio ser praticado contra mulher, em razão do seu próprio sexo feminino. Sobre o VI, entende-se por feminicídio ser um homicídio qualificado, no qual uma pessoa mata uma mulher, tendo que esta morte será causada pelo simples fato da vítima ser do sexo feminino. A lei 13.104/15 aprofundada no ato, acrescentou ainda causas que trazem o aumento de pena, apresenta três hipóteses em que o delito de feminicídio é aumentado de 1/3 (um terço) até metade, incidindo quando for praticado:
I - durante a gestação ou nos 3(três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima
Com razões esta Lei 13.104/2015 através do feminicídio como crime hediondo, não há que se questionar sobre o objetivo de diminuir os crimes atribuídos contra mulheres no nosso país, pode-se tornar mais severas e mais rígidas, uma perspectiva é que seja eficaz.
4. ANÁLISE DA INEFICÁCIA DA LEI MARIA DA PENHA
A análise da ineficácia da Lei Maria da Penha pode ser dividida em vários aspectos, incluindo subnotificação e falta de denúncias, lentidão e morosidade do sistema judicial, e falta de políticas de prevenção. Cada um desses tópicos contribui para a perpetuação da violência contra a mulher, apesar da existência da legislação específica para combatê-la.
4.1 SUBNOTIFICAÇÃO E FALTA DE DENÚNCIAS
A subnotificação e a falta de denúncias são problemas graves relacionados à eficácia da Lei Maria da Penha. Muitas vítimas de violência doméstica não denunciam seus agressores por uma variedade de razões, incluindo medo de retaliação, dependência econômica, vergonha, pressão social e falta de confiança nas autoridades para resolver o problema de forma eficaz e segura. Essa subnotificação significa que muitos casos de violência não são registrados oficialmente, dificultando a aplicação da lei e a prestação de apoio adequado às vítimas.
De acordo com um estudo recém-publicado por pesquisadores da UFMG, da University of Washington (EUA) e da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) a subnotificação de violência contra as mulheres no Brasil foi de 98,5%, 75,9% e 89,4% para as violências psicológica, física e sexual, respectivamente. Além disso, o número de mulheres que sofreram violência e procuraram atendimento em saúde foi 10 vezes superior ao número de notificações.
Por tanto, segundo Nádia Vasconcelos (2023) concluiu que:
“Geralmente, as violências físicas são as que demandam maior atenção da saúde porque atentam diretamente contra a vida e, muitas vezes, deixam suas vítimas em risco de morte. Além disso, as consequências físicas costumam ser mais visíveis, o que pode elevar o reconhecimento da violência e engajar mais profissionais na notificação desses casos”.
Ademais, de acordo com Wania Pasinato e Eva Blay (2018), ainda há dificuldade de combater a invisibilidade da violência doméstica devido a omissão das vítimas em notificar:
No Brasil convivemos com uma lacuna histórica na produção de dados nacionais capazes de mostrar as dimensões da violência contra as mulheres, suas características e produzir indicadores que nos permitam avaliar se as leis estão sendo aplicadas, como a ausência de serviços e investimentos afeta as respostas de prevenção à violência e proteção às mulheres, quais são os custos sociais e econômicos da violência contra as mulheres.
Dessa forma, a subnotificação e a falta de denúncias continuam a ser desafios cruciais para a eficácia da Lei Maria da Penha no Brasil, revelando que a maioria dos casos de violência contra as mulheres não é oficialmente registrada, dificultando a aplicação da lei e a prestação de apoio às vítimas. Sendo assim, é essencial promover medidas que incentivem a denúncia e o registro desses casos, especialmente em relação à violência física, que representa um risco iminente à vida das vítimas.
4.2 LENTIDÃO E MOROSIDADE DO SISTEMA JUDICIAL
Outro aspecto crítico da ineficácia da Lei Maria da Penha é a lentidão e morosidade do sistema judicial. Mesmo quando os casos são denunciados, o processo de investigação e julgamento pode ser extremamente demorado, prolongando o sofrimento das vítimas e permitindo que os agressores permaneçam em liberdade. Além disso, a falta de recursos adequados, capacitação e sensibilidade por parte dos profissionais do sistema judicial pode resultar em decisões injustas ou inadequadas, minando a confiança das vítimas no processo legal.
4.3 FALTA DE POLÍTICAS DE PREVENÇÃO
A falta de políticas de prevenção eficazes é outro fator que contribui para a ineficácia da Lei Maria da Penha. Embora a legislação tenha como objetivo principal punir os agressores e oferecer proteção às vítimas, a abordagem reativa não resolve as causas profundas da violência doméstica. É crucial implementar políticas e programas de prevenção que abordem questões como desigualdade de gênero, educação sobre relacionamentos saudáveis, empoderamento econômico das mulheres e campanhas de conscientização para mudar as atitudes sociais em relação à violência contra a mulher.
5. JUSTIFICATIVA PARA A CRIMINALIZAÇÃO DO FEMINICÍDIO
O feminicídio, definido como o assassinato de uma mulher devido ao seu gênero, é uma forma extrema de violência de gênero que reflete e perpetua desigualdades profundamente enraizadas na sociedade. A criminalização específica do feminicídio é justificada por várias razões, incluindo o reconhecimento da motivação de gênero por trás desses crimes e a necessidade de prevenção e punição adequada.
5.1 RECONHECIMENTO DA MOTIVAÇÃO DE GÊNERO
O reconhecimento da motivação de gênero por trás dos assassinatos de mulheres é fundamental para entender a necessidade de criminalizar o feminicídio. Muitos desses crimes são cometidos como uma forma de controle, punição ou intimidação de mulheres, simplesmente por causa de sua identidade de gênero. Essa motivação é frequentemente evidenciada por padrões de violência específicos, como o histórico de abuso doméstico, comportamento possessivo e ciúmes extremos por parte do agressor.
Dessa forma, para Maria Amélia Teles e Mônica de Melo (2020), a violência de gênero representa:
“Uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos”.
Ao reconhecer e nomear a motivação de gênero por trás desses crimes, a criminalização do feminicídio envia uma mensagem clara de que a violência contra as mulheres não será tolerada e que esses crimes serão tratados com a seriedade e a gravidade que merecem. Além disso, a identificação do feminicídio como uma forma específica de homicídio destaca a necessidade de medidas preventivas e de proteção direcionadas às mulheres que estão em maior risco.
5.2 PREVENÇÃO E PUNIÇÃO ADEQUADA
A criminalização do feminicídio é essencial para garantir a prevenção e punição adequada desses crimes. Ao reconhecer o feminicídio como uma ofensa distinta, os sistemas legais podem implementar medidas preventivas mais eficazes, como políticas de prevenção da violência de gênero, campanhas de conscientização e educação sobre relacionamentos saudáveis e igualdade de gênero.
Além disso, a criminalização específica do feminicídio permite uma resposta legal mais eficaz e proporcional a esses crimes. Isso inclui o estabelecimento de penas mais severas para os autores de feminicídio, bem como a garantia de que esses casos sejam investigados de maneira adequada e imparcial, com o devido respeito aos direitos das vítimas.
Ao garantir que os autores de feminicídio sejam responsabilizados por seus crimes, a criminalização do feminicídio envia uma mensagem clara de que a violência de gênero não será tolerada e que a vida das mulheres deve ser valorizada e protegida.
5.3 PRODUÇÃO DE DADOS E POLÍTICAS MAIS EFICAZES
A eficácia no combate ao feminicídio depende diretamente de uma produção de dados mais precisa e abrangente. Isso implica em ampliar a coleta de informações para além dos casos oficialmente registrados, considerando também aqueles que podem não ser denunciados ou subnotificados. Para tanto, é imprescindível implementar sistemas de monitoramento mais eficientes e colaborativos entre órgãos governamentais, instituições de segurança pública e organizações da sociedade civil.
Adicionalmente, urge o desenvolvimento e implementação de políticas mais eficazes para prevenir o feminicídio e proteger mulheres em situação de risco. Isso inclui ações de conscientização e educação para fomentar uma cultura de respeito aos direitos das mulheres e igualdade de gênero. Além disso, é fundamental fortalecer os serviços de apoio às vítimas, garantindo acesso a abrigos, assistência jurídica e psicológica, e capacitando profissionais para lidar de forma sensível e adequada com casos de violência de gênero.
Dessa forma, Cristina Tubino, presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da OAB/DF, falou sobre o panorama da violência de gênero e mudanças nas medidas protetivas para lidar com esse fenômeno. Nesse sentido, ela vê que há necessidade de um conjunto abrangente e multidisciplinar de políticas públicas, que visem não só a prevenção, mas principalmente a conscientização:
“Temos que repensar, por exemplo, a forma com que divulgamos a Lei Maria da Penha, a violência e os direitos que a mulher tem. Talvez não seja eficaz uma propaganda — às vezes vista como política pública — de ‘mulher, denuncie’. Precisamos antes explicar para essa mulher o que é violência e que todos são iguais, e que elas têm direito iguais”.
Para abordar as causas estruturais da violência contra as mulheres, como desigualdade de gênero, machismo e discriminação, é necessário promover igualdade de oportunidades e empoderamento feminino em todas as esferas da sociedade. Isso também implica em punir de maneira efetiva os agressores e assegurar que a justiça seja aplicada de forma rigorosa nos casos de feminicídio.
Torna-se evidente a urgência de um compromisso coletivo e coordenado de diferentes atores da sociedade, incluindo governo, instituições de segurança, organizações da sociedade civil e a população em geral. A violência contra as mulheres é uma realidade preocupante, como revelado pela pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que apontou que quase 30% das brasileiras sofreram algum tipo de violência ou agressão em 2022.
Além das violências cotidianas, as mulheres também enfrentam a violência letal. Nos últimos dez anos, mais de 49 mil mulheres foram assassinadas no Brasil, e em 2021, 3.858 mulheres foram vítimas de homicídio, segundo dados do Ministério da Saúde. A pandemia agravou ainda mais essa situação, resultando em um aumento significativo no número de vidas femininas perdidas, com 7.691 mulheres mortas entre 2020 e 2021.
Observa-se também uma variação na proporção de homicídios de mulheres em diferentes faixas etárias ao longo do tempo, com um aumento proporcional na letalidade entre mulheres acima de 30 anos de idade. Ademais, as mulheres negras são as maiores vítimas de violência no Brasil, representando 67,4% do total de mulheres assassinadas em 2021.
Diante desses números alarmantes e da persistente desigualdade racial no impacto da violência letal, é crucial o desenvolvimento de políticas públicas eficazes que abordem não apenas a prevenção do feminicídio, mas também suas causas estruturais, visando promover uma sociedade mais justa e igualitária para todas as mulheres brasileiras.
A conclusão deste Trabalho de Conclusão de Curso sobre a ineficácia da Lei Maria da Penha e a criminalização do feminicídio permite algumas reflexões importantes sobre o impacto e as lacunas das políticas públicas voltadas para a proteção das mulheres no Brasil.
Primeiramente, foi possível constatar que, apesar dos avanços legislativos representados pela Lei Maria da Penha, a sua implementação enfrenta diversos desafios. Entre esses desafios estão a falta de infraestrutura adequada, a insuficiência de treinamento especializado para profissionais de segurança e justiça, além de dificuldades no acesso das vítimas aos mecanismos de proteção previstos pela lei. Esses fatores contribuem para uma percepção de ineficácia da legislação, evidenciada pelos persistentes índices de violência doméstica.
A criminalização do feminicídio, por sua vez, representou um passo significativo ao reconhecer a gravidade e a especificidade da violência de gênero. No entanto, a análise dos dados e das práticas judiciais revelou que ainda há um longo caminho a percorrer para que essa tipificação cumpra plenamente seu papel de prevenir e punir de forma adequada os crimes de feminicídio. Problemas como a subnotificação, a falta de sensibilização dos operadores do direito e a aplicação desigual das penas mostram que a legislação, por si só, não é suficiente para transformar a realidade de violência contra a mulher.
Além disso, é imperativo que futuras investigações explorem os efeitos de políticas públicas complementares, como programas de educação sobre igualdade de gênero, iniciativas de empoderamento econômico para mulheres e campanhas de conscientização sobre os direitos previstos pela Lei Maria da Penha e a criminalização do feminicídio. Esses estudos poderão oferecer uma visão mais ampla e integrada das ações necessárias para reduzir a violência contra a mulher.
No âmbito prático, os resultados deste TCC sugerem que a implementação efetiva da Lei Maria da Penha e a adequada aplicação da criminalização do feminicídio requerem uma abordagem multidisciplinar e integrada, envolvendo não apenas o sistema de justiça, mas também áreas como saúde, assistência social e educação. É crucial fortalecer a rede de apoio às vítimas, garantir a capacitação contínua dos profissionais envolvidos e promover a conscientização pública sobre a gravidade da violência de gênero.
Em suma, este trabalho destaca a necessidade de um compromisso renovado e contínuo por parte do Estado e da sociedade para enfrentar a violência contra a mulher de maneira eficaz. Agradecemos a todos que contribuíram para a realização deste estudo e esperamos que suas conclusões inspirem novas políticas, práticas e pesquisas que promovam a segurança e a dignidade das mulheres.
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NOTA:
[1] graduando em Direito pelo Centro Universitário UNA.
graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAPISTRANIS, Helen de Paula Cruz. A ineficácia da Lei Maria da Penha e a criminalização do feminicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2024, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65576/a-ineficcia-da-lei-maria-da-penha-e-a-criminalizao-do-feminicdio. Acesso em: 22 nov 2024.
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