CRISTIANE DORST MEZZAROBA
[orientadora][1]
RESUMO: Nos delitos de homicídio a preservação do local do crime é essencial para a coleta de evidências. Manter o local do crime intacto é uma tarefa complexa que exige rapidez e eficiência técnica diante de fatores externos como o acesso público, as necessidades médicas urgentes, a intervenção policial, como forma a preservar todos os vestígios que permitam compreender a dinâmica do fato ali ocorrido. O objetivo geral deste estudo é analisar a preservação do local de crime de homicídio, considerando suas implicações legais para a propositura da ação penal. Consequentemente, os objetivos específicos concentram-se em apresentar os princípios fundamentais e respectiva legislação que regem o direito processual penal brasileiro; discorrer sobre a teoria da prova enquanto alicerce do sistema processual penal acusatório vigente; e, discutir a preservação do local de crime nos crimes de homicídio sob a ótica da teoria da prova para propositura de uma ação penal consistente. A pesquisa qualitativa desenvolveu-se por meio do método dedutivo, a partir da revisão bibliográfica, legislativa e da análise da jurisprudência pátria. O presente estudo destaca-se como elemento de análise das fragilidades do processo inicial da coleta de provas no local do crime contribuindo para o desenvolvimento de protocolos forenses de aperfeiçoamento.
Palavras-chave: Local de crime; homicídio; coleta de provas; cadeia de custódia.
O presente artigo nasce da intenção de responder ao questionamento: a preservação do local de crime de homicídio impacta a ação penal subsequente? O objetivo é analisar a preservação do local de crime nos casos de homicídio, considerando suas implicações legais para a propositura da ação penal, sendo de suma importância para assegurar a coleta precisa de evidências, que podem variar desde vestígios biológicos até impressões digitais e objetos relevantes para a resolução do caso, bem com analisar a manutenção da integridade do local do crime.
Pelo fato de ser uma tarefa difícil devido uma série de fatores intrínsecos e extrínsecos como o acesso do público ao local, as necessidades médicas urgentes no cenário do crime e a intervenção inicial das autoridades policiais, bem como presença de curiosos, transeuntes e até mesmo de profissionais de resgate em que pode comprometer a preservação das evidências e, consequentemente, prejudicar a investigação e a obtenção de provas cruciais para o desenrolar do processo penal.
O crime de homicídio deixa um rastro de dor e exige da Justiça uma resposta rápida e precisa, ou seja, culpados devem ser condenados e inocentes absolvidos. Nesse contexto, a preservação do local do crime se caracteriza como peça fundamental para a busca da verdade e a construção de um processo penal justo e eficaz, pois o local do crime guarda vestígios cruciais para a investigação e, consequente ação penal.
Deste modo, a preservação adequada desse local aumenta a probabilidade da mantença da integridade das provas, permitindo a sua coleta precisa e análise rigorosa para a reconstrução dos fatos e a identificação da dinâmica e do autor do crime.
A perícia criminal, com seus métodos e técnicas específicas, assume um papel crucial nesse processo, como a realização do levantamento do local, a coleta de vestígios, elaboração de laudos periciais e auxílio na investigação.
Importa destacar que o processo penal brasileiro, vinculado ao sistema acusatório, está rigidamente alicerçado aos princípios do devido processo legal, da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa e, portanto, todo o acervo probatório colacionado deve estar sob a égide da legalidade, especialmente em relação a sua obtenção e à cadeia de custódia, sob pena de serem descartadas por vícios insanáveis, desamparando todo o processo penal.
Assim sendo, este estudo traz como objetivos específicos apresentar os princípios fundamentais e respectiva legislação que regem o direito processual penal brasileiro; discorrer sobre a teoria da prova enquanto alicerce do sistema processual penal acusatório vigente; e, discutir a preservação do local de crime nos crimes de homicídio sob a ótica da teoria da prova para propositura de uma ação penal consistente.
Buscando o desenvolvimento dos objetivos propostos, a pesquisa assumiu o viés qualitativo, desenvolvendo-se por meio do método dedutivo, a partir da revisão bibliográfica, legislativa e da análise da jurisprudência pátria.
O presente estudo traz além da introdução, quatro seções, sendo a primeira delas as breves considerações sobre o contexto histórico e normativo do atual processo penal brasileiro; a segunda seção discorre sobre a teoria da prova no processo penal; a terceira esboça sobre o crime de homicídio no ordenamento penal brasileiro; e, a quarta seção busca analisar a preservação do local do crime como fonte de coleta de provas para as ações penais decorrentes dos crimes de homicídio. Logo após, as considerações finais e as referências encerram o presente estudo.
1 breves considerações sobre o CONTEXTO histórico e normativo DO ATUAL PROCESSO PENAL BRASILEIRO
O processo penal, instrumento basilar do sistema jurídico no âmbito penal, versa sobre o direito/dever de punir (Jus Puniendi) do Estado, o qual define regra de execução, procedimento e tipos de ação penal. Entretanto, nem sempre foi assim, sendo uma atividade difícil de atribuir sua origem a determinado local ou data por estar intrinsecamente ligada à evolução das sociedades e nas mudanças de interpretação do que seria justiça. Como leciona Greco (2017, p. 15):
Todo grupo social sempre possuiu regras que importavam na punição daquele que praticava fatos contrários a seus interesses. Era uma questão de sobrevivência do próprio grupo ter algum tipo de punição que tivesse o condão de impedir comportamentos que colocavam em risco sua existência.
As normas do processo penal foram influenciadas diretamente pelo Direito Romano, onde se destacava o acusador particular (accusatio) e/ou autoridade pública (denuntiatio), em que o primeiro era um cidadão romano que acusava outra pessoa de um delito de maneira formal e o segundo era a autoridade estatal como um magistrado que não dependia de uma acusação formal, onde reunia-se a iniciativa de denunciar, investigar e processar em uma única pessoa/autoridade, como explica Manzini (1951, p. 3, tradução livre): “No processo penal romano o Estado poderia apresentar-se em duas atitudes: como árbitro entre litigantes privados ou como detentor do poder de punir no interesse social”.
O sistema jurídico da Roma antiga teve um marco histórico quando foi criado a Lei das Doze Tábuas instituídas em 451 a.C., determinando como deveriam ser os julgamentos, as punições para os devedores e o poder do pai no âmbito familiar.
Atualmente, o processo penal brasileiro é regido pelos ditames da Constituição Federal de 1988, sob a égide de princípios rígidos, que se desrespeitados invalidam todo o processo penal.
1.1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Princípio é o discernimento fundamental ou geral que serve como base para ações e decisões. No Direito eles são preceitos fundamentais que orientam a interpretação e a aplicação da lei. De acordo com Reale (1978, p. 10):
Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.
São vários os princípios que regem o sistema processual penal brasileiro, todavia, considerando o objeto deste estudo, destacam-se os princípios do devido processo legal, da presunção de inocência, do contraditório e da ampla defesa e da legalidade, que serão apresentados de forma suscinta nas linhas que seguem.
1.1.1 Princípio do devido processo legal
Previsto na Constituição Federal como parte integrante dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, o princípio do devido processo legal garante a todos os indivíduos um julgamento justo e imparcial antes de serem privados de direitos ou liberdade pessoal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Tal princípio garante um processo justo e correto sob a ótica legislativa vigente, possibilitando ao réu uma ampla possibilidade de demonstrar ao Estado juiz sua inocência, como também a possibilidade de demonstrar a sua culpabilidade. O autor e atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, afirma (2012, p. 11-112):
O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).
É possível deduzir das palavras do ilustre Ministro que o objetivo do devido processo legal constitui proteção dos direitos fundamentais do próprio acusado e da sociedade como, por exemplo, a participação igualitária e eficaz, garantindo, assim, um julgamento limpo e justo.
1.1.2 Princípio do contraditório e da ampla defesa
Também previsto na Constituição da República Federativa do Brasil (1988), dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
O princípio do contraditório estabelece que as partes (autor e réu) de um processo legal tem a oportunidade de contestar as provas, alegações e diligências apresentadas pela outra parte, ou seja, é o direito ao debate, em que as partes devem ter a chance de resposta às acusações feitas contra ela. Nas palavras de Lopes Jr. (2014, p. 75):
O contraditório pode ser inicialmente tratado como um método de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se não mais sobre um juízo potestativo, mas sobre o conflito, disciplinado e ritualizado, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a defesa (expressão do interesse do acusado [e da sociedade] em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionais). É imprescindível para a própria existência da estrutura dialética do processo.
Percebe-se que o contraditório é essencial ao andamento do processo penal, e deve ser aplicado em relação a todas as partes vinculadas ao processo, no intuito de contribuir para correto andamento processual.
O princípio da ampla defesa está ligado diretamente ao princípio do contraditório, garantindo que as partes possam se defender de todas as acusações feitas, podendo argumentar, apresentar provas e arrolar testemunhas ao seu favor, bem como o mais importante, o direito de ser representado por um advogado, constituindo uma defesa técnica. A ampla defesa tem a finalidade de garantir que as partes não sejam prejudicadas por falta de oportunidade de demonstrar a sua versão dos fatos, contestar as alegações contrárias a ela. Bastos (2001) aduz:
Por ampla defesa deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzindo na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim, as diversas modalidades, em um primeiro momento.
Em suma, o contraditório e a ampla defesa são princípios são basilares para garantir a imparcialidade, equidade, justiça e transparência nos processos.
1.1.3 Princípio da legalidade ou Reserva Legal
Esse princípio tem como principal objetivo limitar o poder do Estado e é um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito, e no âmbito do Direito Processual Penal esse princípio regula a atuação do Estado na persecução penal, garantindo que as liberdades individuais sejam respeitadas e que os atos sejam executados em conformidade com a lei (Ferrajoli, 2006, p. 418). O princípio da legalidade pode ser resumido por meio de uma expressão latina nullum crimen, nulla poena sine lege, ou seja, não há crime nem pena sem lei anterior que os defina, consagrado na Constituição Federal, mais específico no artigo 5°, inciso XXXIX, que estabelece: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
O princípio em questão teve como marca de consolidação no período iluminista e se materializou na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, bem como na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) e, surgiu motivado em uma reação ao arbítrio e aos abusos cometidos pelos detentores do poder, em especial durante o Antigo Regime (Capez, 2021).
O princípio da legalidade garante diversas proteções aos acusados em um processo penal, como a previsibilidade em que a conduta criminal e as respectivas sanções são previamente estabelecidas, proporcionando, assim, a segurança jurídica, e que todos os atos processuais, desde a investigação até a execução da pena devem estar estritamente regulamentadas por lei, incluindo os procedimentos feitos pelos agentes públicos, dentre eles a Polícia, Ministério Público, Magistrados. Vale ressaltar que os atos já praticados na ação penal e os prazos em curso não terá prejuízo, pois a lei terá sua aplicabilidade imediata no processo, mas deverá respeitar estas nuances, garantindo uma segurança jurídica (Gomes, 2020).
No Brasil, a Ação Penal refere-se ao direito/dever da busca pela justiça, ou seja, iniciar um processo judicial buscando punir o autor de uma infração penal, bem como evitar que a vítima da infração tome a iniciativa de vingar-se com as próprias mãos do ocorrido, tanto é que hoje tal atitude é considerada como crime no ordenamento penal, explicitado no artigo 345 do Código Penal:
Exercício arbitrário das próprias razões
Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
Vale destacar o posicionamento de Lopes Jr. (2014, p. 75) em relação ao princípio da necessidade:
Impõe-se a necessária utilização da estrutura preestabelecida pelo Estado – o processo penal – em que, mediante a atuação de um terceiro imparcial, cuja designação não corresponde à vontade das partes e resulta da imposição da estrutura institucional, será apurada a existência do delito e sancionado o autor. O processo, como instituição estatal, é a única estrutura que se reconhece como legítima para a imposição da pena.
Considera-se a ação um direito exercido em desfavor do Estado que surge quando houver um direito material violado ou um interesse juridicamente protegido, conforme definição de Romeiro (1978, p. 10): “Ação penal é o direito subjetivo do público de exigir do Estado a prestação jurisdicional sobre uma determinada relação de direito penal”.
O direito de punir pertence ao Estado, e quando ocorre uma infração penal, para mantém a harmonia social e assegura a manutenção da ordem jurídica, o Estado processa, julga e executa, é a regra.
Entretanto, no processo penal existem tipos de ação penal, sendo estas classificadas em: ação penal pública incondicionada, ação penal pública condicionada a representação e ação penal privada, tendo todas como finalidade diferenciar o interesse de agir de acordo com o fato e a competência, buscando o Estado juiz para o exercício legal do jus puniendi.
Nessa senda, a ação penal pública incondicionada é a regra, em que a titularidade da ação compete ao Ministério Público, logo o Promotor de Justiça é o responsável pela ação penal e não necessita de nenhuma provocação para oferecer a denúncia, desde que presentes a justa causa, ou seja, os indícios de autoria e de materialidade. A competência ministerial está expressa no artigo 129, inciso I da Constituição Federal: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; (...).”
A ação penal pública condicionada necessita de condições de procedibilidade em que são a representação do ofendido ou do seu representante legal e/ou por meio de requisição do Ministro da Justiça nas situações expressas em lei.
Nos casos de representação do ofendido a lei prevê sua necessidade por meio da notícia-crime, em que a vítima informa à autoridade competente a prática de uma infração e na mesma ocasião autoriza o Estado em processar o autor dos fatos. De outro modo, para essa representação existe um prazo decadencial de seis meses, expresso nos artigos 103 do Código Penal e 38 do Código de Processo Penal, a saber:
Art. 103. Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do art. 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.
Art. 38. Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no vaso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.
E nos casos de requisição do Ministro da Justiça é “ato de conveniência política, a cargo do Ministro da Justiça, autorizando a persecução penal nas infrações que a exijam” (Távora, 2021, p. 214). Semelhante à representação do ofendido, as duas constituem-se em autorização para a persecução penal, o que distingue da primeira é que não há prazo de oferecimento, desde que a punibilidade não esteja extinta, e tem como autoridade ministerial o Procurador-Geral de Justiça ou o Procurador-Geral da República, e em regra é discricionário, ou seja, sujeita à conveniência e oportunidade do Ministério da Justiça.
E por fim a ação penal privada que visa preservar a intimidade da vítima ou até mesmo o interesse desta, chama-se ação penal privada por ser mais particular do que a pública, em que o titular da ação é o ofendido e quando este for incapaz, ele será representado por quem tenha qualidade para representá-lo, que são descritos de maneira decrescente, cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, conforme artigos 30 e 31 do Código Penal, bem como artigo 100 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.
Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
Art. 100 – A ação penal é publica, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.
§2º – A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
§3º – A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal. §4º- No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão
Vale destacar que os crimes que cabem ação penal privada são descritos de maneira taxativa em nosso ordenamento jurídico, como, por exemplo, os crimes de calúnia, difamação e injúria, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal.
Existe essa distinção para evitar o constrangimento da vítima, em que a divulgação do delito pode ser pior que a impunidade do infrator, por estar em jogo interesses familiares, íntimos e social. Nessa ocasião, o Estado se mantém inerte, deixando tal decisão ao ofendido ou a quem tenha qualidade para tanto.
2 TEORIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL
No processo penal brasileiro entende-se a prova como o meio necessário para punir um indivíduo pelo cometimento de uma infração definida como crime, fornecendo para a ação penal elementos para a formação da convicção do julgador.
Para Lopes Jr (2023, p. 409) prova no processo penal “é o meio através do qual se oferece ao juiz meios de conhecimento, de formação da história do crime, cujos resultados probatórios podem ser utilizados diretamente na decisão”.
Do mesmo modo, o Código de Processo Penal (1941) estabelece:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Portanto, prova é todo elemento material ou imaterial, direto ou indireto que possa esclarecer o que aconteceu ou alguma alegação feita pelas partes, como por exemplo, testemunhas, documentos, perícias, reconhecimento, dentre inúmeras outras.
A prova tem como finalidade precípua o convencimento do juiz e estabelecer a existência da verdade sobre os elementos produzidos pelas partes, visando a fundamentação da decisão judicial. As partes, com as provas produzidas buscam de convencer o órgão julgador da inocência ou da culpa do denunciado.
Regulamentando o dispositivo constitucional, o Código de Processo Penal traz um título exclusivo sobre os tipos de provas e seu tratamento em conformidade de admissibilidade, do artigo 155 ao 250, sendo elas: documentos públicos e particulares, registros de imagens e sons, prova testemunhal, interrogatório, corpo de delito, perícias em geral, reconhecimento de pessoas e coisas, acareação, busca e apreensão e confissão.
2.1 A CONSTITUIÇÃO DO ACERVO PROBATÓRIO NO PROCESSO PENAL
O artigo 5°, inciso LVI, da Constituição Federal, ilustra que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, bem como o Código de Processo Penal em seu artigo 157, preceitua que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.
Desta forma, tão importante quanto os meios de prova é o meio de obtenção da prova no processo penal, definida por Lopes Jr. (2021, p. 409) como:
(...) os instrumentos que permitem obter-se, chegar-se à prova. Não é propriamente “a prova”, senão meios de obtenção. Explica Magalhães Gomes Filho que os meios de obtenção de provas não são por si fontes de conhecimento, mas servem para adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força probatória, e que também podem ter como destinatários a polícia judiciária. Exemplos: delação premiada, buscas e apreensões, interceptações telefônicas, etc.
De acordo com a melhor doutrina (Greco, 2017; Capez, 2019) certas características são essenciais para validar uma prova no processo penal: a licitude do meio de obtenção da prova, ou seja, seguindo rigidamente os preceitos legais; idoneidade, a prova deve ser capaz de demonstrar confiabilidade, credibilidade e veracidade; pertinência, a prova deve ter relação direta aos fatos investigados ou discutidos no processo; e, por fim a constitucionalidade, em que a prova deve ser obtida conforme os ditames constitucionais, respeitando os direitos fundamentais, como a intimidade, privacidade e a não autoincriminação.
Nesse sentido, para que as provas possam ser incluídas ao processo como standard probatório é necessário observar o protocolo da legalidade, especialmente a cadeia de custódia, disciplinada no Código de Processo Penal nos artigos 158-A e seguintes, definida como:
Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.
§ 1º O início da cadeia de custódia dá-se com a preservação do local de crime ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio.
Nas palavras de Velho, Costa e Damasceno (2013, p. 18):
O termo “cadeia de custódia” define uma sucessão de eventos seguros e confiáveis que devem ter início de forma legal no primeiro contato da polícia com o vestígio. Deve ser considerado com muita cautela, pois tem importância fundamental para a persecução penal.
A cadeia de custódia, conforme art. 158-B do CPP, segue um procedimento dividido em 10 etapas e em duas fases, uma ainda no local do crime e a outra em âmbitos externos, como nos laboratórios periciais.
A primeira fase consiste no reconhecimento que é o ato de identificar um elemento como de potencial interesse para produção de prova; o isolamento que evita alteração das coisas, em que consiste no isolar e preservar a área imediato, mediato e relacionado aos vestígios do local; a fixação em que descreve detalhadamente o vestígio do mesmo modo que foi encontrado no local do crime ou no corpo de delito, bem como sai posição, podendo também ser ilustrada por fotografias, filmagens ou croqui, tendo, entretanto, que ser descrito no laudo pericial produzido pelo perito responsável pelo atendimento; a coleta que é o ato de recolher os vestígios que serão submetidos à analises periciais, respeitando sua natureza; e o acondicionamento, procedimento em que cada vestígio coletado é embalado de acordo com suas características físicas, químicas e biológicas, para análises futuras (Código de Processo Penal, artigo 158-B, incisos I, II, III, IV e V).
Já a segunda fase consiste no transporte que é o ato de transferir o vestígio de um local para outro de forma adequada em embalagens e temperatura de acordo com o objeto, visando manter suas características originais; o recebimento que é o ato formal da posse do vestígio, documentando informações referentes a o local de origem, nome de quem transportou o vestígio, código de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio, protocolo, assinatura e identificação de quem recebeu o vestígio; o processamento onde se faz o exame pericial em si, o manejo do vestígio de acordo com sua característica biológica, física e química, com a finalidade de obter o resultado desejado que deve ser formalizado em laudo do perito; o armazenamento, procedimento de guarda em condições adequadas o material para realizar a contraperícia; e por fim o descarte, procedimento de liberação dos vestígios, mediante autorização judicial e respeitando a legislação (Código de Processo Penal, artigo 158-B, incisos VI, VII, VIII, IX e X).
A não observância das etapas de procedibilidade da cadeia de custódia acarretará consequências jurídicas, como por exemplo, a nulidade, pois compromete a integridade e a confiabilidade das provas. Caso a cadeia de custódia não seja rigorosamente observada as provas podem se tornar inadmissíveis, acarretando, assim, à anulação do processo ou até mesmo a absolvição do acusado, ainda que seja o autor do fato.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) expôs seu entendimento em recente Habeas Corpus - HC 653.515, impetrado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, onde por maioria dos votos, a Sexta Turma absolveu um réu acusado por tráfico de drogas devido à quebra da cadeia de custódia. Na ocasião, houve manipulação inadequada das provas e falta de documentação rigorosa sobre quem teve acesso à droga apreendida. O Tribunal concluiu que a falha comprometeu a confiabilidade da prova, e ela não poderia ser utilizada como fundamento para a condenação.
Na mesma seara, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) no HC 214.908 reforçou a relevância do respeito à cadeia de custódia e determinou o trancamento do procedimento penal em que o acusado era denunciado por vender isqueiros impróprios para uso, pelo fato da destruição dos produtos apreendidos na operação policial, o Tribunal afirmou que a destruição dos bens apreendidos impossibilitou o controle da validade da prova produzida, perdendo credibilidade para a admissão da acusação e para o exercício do direito de defesa. O STF, ao analisar a questão, destacou que a cadeia de custódia é um procedimento essencial para assegurar a idoneidade da prova e que sua violação pode resultar na nulidade do processo.
Nesse sentido, essencial analisar a coleta de vestígios, futuras provas no processo penal, sob a perspectiva da cadeia de custódia, o que se fará na seção em sequência.
2.2 DO LOCAL DO CRIME E A CADEIA DE CUSTÓDIA
Local do crime é onde o ato criminoso ocorreu, ou seja, o ambiente constituído por diversos elementos probatórios em que poderão demonstrar de que forma o fato delituoso sobreveio. Nesse sentido, é fato que a coleta de provas no local do crime é essencial para ação penal, como também é o local onde será realizada a primeira interpretação da dinâmica do crime e, por esse motivo, o Código de Processo Penal traz esse cenário em um de seus artigos, in verbis:
Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Observa-se a preocupação do legislador com a preservação do local do crime para que este mantenha intacta a dinâmica do acontecimento dos fatos, possibilitando aos peritos a coleta de provas dentro dos princípios constitucionais para que estas possam instruir o futuro processo penal sem vícios que promovam o seu descarte.
Preservar o local do crime é o primeiro procedimento para alicerçar a cadeia de custódia das provas. Os cuidados com os vestígios são de suma importância, desde seu surgimento até seu destino, sendo um elemento garantidor da verdade real (como os fatos realmente aconteceram) e processual (as provas foram obtidas de maneira lícita).
Assim, não fará sentido possuir a melhor análise pericial probatória se os vestígios tiverem sua origem questionada. O principal cuidado é conservar algumas propriedades, como a autenticidade, integralidade, confiabilidade e a rastreabilidade (Velho; Costa; Damasceno, 2013).
A contaminação de um vestígio, definida como a introdução de elementos estranhos ou alterações não naturais no local de crime, podendo ocorrer devido à movimentação de pessoas, como investigadores, médicos, ou até mesmo curiosos, que podem inadvertidamente alterar ou destruir provas. A contaminação compromete a integridade do local de crime e torna a coleta de provas menos confiável (Solder, 2019).
Sobre a contaminação dos vestígios, Velho, Costa e Damasceno (2013) contribuem afirmando:
A contaminação pode afetar diretamente a coleta de provas, uma vez que as evidências podem ser destruídas, adulteradas ou perdidas, levando a erros na investigação, bem como dificultar a identificação do agressor e prejudica a ação penal. A falta de integridade no local muito das vezes resulta na não aceitação de provas em tribunal devido a preocupação com sua autenticidade e confiabilidade.
A alteração da cena do crime ou o rompimento da sua integridade dificulta e por vezes torna impossível a reconstrução dos eventos. Elementos estranhos, como pegadas ou objetos movidos podem dificultar o entendimento dos fatos, podendo também levar à perda de evidências cruciais. Tal situação ocorre quando elementos valiosos, como vestígios biológicos, impressões digitais ou objetos, são obscurecidos, movidos ou destruídos por interferências não autorizadas. E como consequência, evidências contaminadas são contestadas judicialmente sob o argumento de que as provas delas derivadas não são confiáveis, enfraquecendo o caso contra um suspeito e afetando a justiça do processo (Solder, 2019).
A análise pericial das provas do local de crime são procedimentos fundamentais para a ação penal, pois após elas serem coletadas são cuidadosamente documentadas, armazenadas e submetidas a análises técnicas, como por exemplo testes de DNA, de impressões digitais, exames balísticos, dentre outras.
A confiabilidade dessas análises é essencial para determinar a possível condenação ou absolvição do acusado. Em síntese, a preservação do local do crime nos delitos em geral, em especial nos crimes de homicídio, desempenha um papel crucial na coleta de provas e na condução das ações penais justas, e a contaminação do local do crime é um desafio significativo que pode afetar a integridade das evidências e a qualidade da investigação (Velho; Costa; Damasceno, 2013).
3 O CRIME DE HOMICÍDIO NO ORDENAMENTO PENAL BRASILEIRO
O homicídio é bastante repudiado pela sociedade, pois viola o bem jurídico mais protegido pelo Direito, a vida, como leciona Fernando Capez (2006, p. 3):
É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra. O homicídio é o crime por excelência. Como dizia Impallomeni, todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos bens é o bem da vida. (...) Pois é atentado contra a fonte mesa da ordem e segurança geral, sabendo-se que todos os bens públicos e privados, todas as instituições se fundam sobre o respeito à existência dos indivíduos que compõem o agregado social.
O homicídio está tipificado no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, tendo como núcleo da conduta o verbo “matar”, ou seja, o ato de tirar a vida de outra pessoa de forma intencional ou não, tendo por bem jurídico tutelado a vida humana, mais especificamente o que a doutrina chama de vida extrauterina. Existem algumas classificações de homicídio, dentre eles o homicídio doloso, quando há a intenção de matar e o homicídio culposo, quando não há a intenção de matar, mas acaba ocorrendo o resultado morte por imprudência, negligência ou imperícia do agente.
O homicídio é um crime material, ou seja, o crime só se consuma com a produção do resultado naturalístico, no caso a morte, sendo um crime que na maioria das vezes deixa vestígios, necessitando, portanto, da realização do exame de corpo de delito, por meio da perícia realizada no corpo. Geralmente, diz-se que ocorre o exame de forma direta, entretanto, em casos não comuns é admissível o exame de forma indireta (Capez, 2019, p. 179).
O exame indireto é realizado quando o corpo da vítima não é encontrado, nesses casos o acervo probatório é produzido com base em fontes como testemunhas, filmagens e fotografias. Um exemplo conhecido é o caso da vítima Eliza Samúdio e do condenado Goleiro Bruno, em que o corpo da vítima até hoje não foi encontrado, mas foi realizada a produção de provas testemunhais que foram consideradas suficientes pelo júri popular para condenar o então pronunciado Goleiro Bruno (Lopes Jr., 2014).
Neste viés, um relatório divulgado pelo Instituto Sou da Paz destaca que em 2021, dos 30.883 mil homicídios dolosos apenas 35% foram esclarecidos, representando um terço dos casos e um ano antes a diferença era de apenas 2%, chamando, assim, a atenção para os baixos números de casos de homicídios resolvidos. A diretora-executiva Carolina Ricardo, afirmou que “Quando o Estado não investiga adequadamente e não responsabiliza os autores, isso incentiva a continuação desses crimes” (O GLOBO, 2023).
Por óbvio, há uma relação direta entre a violação do local do crime, a coleta de provas sob a égide da cadeia de custódia e a resposta do Estado na investigação e posterior punição dos autores de crime de homicídio, tema da próxima seção deste estudo.
4 A PRESERVAÇÃO DO LOCAL DO CRIME COMO FONTE DE COLETA DE PROVAS PARA A AÇÕES PENAIS DECORRENTES DOS CRIMES DE HOMICÍDIO
A preservação do local do crime é fundamental para a coleta precisa de provas, visto que para uma interpretação mais exata do que aconteceu e como aconteceu é preciso manter o local intacto para a construção de um caso sólido, embasado em análises periciais a partir de vestígios biológicos, como sangue, cabelos e fluidos corporais, podendo, assim, fornecer informações valiosas sobre a vítima e o agressor, como também, impressões digitais, armas ou objetos encontrados no local, podendo também ser usados para conectar o suspeito ao crime.
Manter a integridade do local do crime envolve a prevenção da contaminação das evidências, isso significa garantir que a cena do crime não seja tocada ou alterada desnecessariamente, evitando a introdução de objetos estranhos que possam prejudicar a investigação. Infelizmente os peritos criminais, na maioria das vezes, não são os primeiros a ter o contato com o local do crime, por esse motivo a importância do isolamento e preservação do local, colaborando, deste modo, com a criminalística para um resultado mais exato e concreto (Velho; Costa e Damasceno, 2013).
Em termos periciais, na interpretação de Velho, Costa e Damasceno (2013), “os vestígios valem não só pelo que são, mas também pelo lugar e pela posição em que se encontram, bem como por suas possíveis relações com outros vestígios, os quais não podem ser perceptíveis de imediato”.
Todavia, o delito de homicídio tem suas peculiaridades, como o sentimento dos familiares e amigos, a atuação de emergência dos profissionais da saúde e pronto-socorro, a curiosidade dos transeuntes que em tempos digitais querem fotografar e filmar o acontecimento, além da intencional violação para destruição das provas, o que interfere diretamente na preservação do local do crime antes da possibilidade do seu isolamento pela autoridade, como preconiza o artigo 169 do Código de Processo Penal.
Por exemplo, pericialmente o recomendado é que a examinação da vítima ocorra ainda no local, mas na maioria das vezes não é o que acontece, com isso acaba sendo um desafio mais complexo manter o local do crime intacto, o cenário muda, as provas são movidas ou até mesmo perdidas, a vítima ainda pode estar viva e por esse motivo é levada com urgência para o hospital.
Quando o modo de execução do homicídio é por arma de fogo, a coleta dos materiais é essencial, pelo fato de que o trabalho do perito terá que ser complementado com a realização do exame de balística forense, pois a arma utilizada pode fornecer material genético da pessoa que à usou, as cápsulas, projéteis e o estojo poderão demonstrar o calibre (Ministério Público do Paraná, s/d).
No decorrer dos exames o perito deve fotografar os vestígios do jeito que foi encontrado, e a análise do cadáver é primordial onde poderá conter sinais em que o perito é capaz de desvendar, como é o caso da rigidez cadavérica que demonstra o tempo de morte, bem como os livores hipostáticos nome dado às manchas que surgem na pele quando o sangue para de circular, e com isso o sangue depõem na região mais baixa por ação da gravidade, e assim o perito consegue saber qual a posição original do corpo mesmo que o corpo seja mexido.
São detalhes que contribuem para a interpretação de toda a dinâmica do crime, contribuindo para responder às perguntas cruciais que serão objeto da futura ação penal em desfavor do agressor, tais como: como? onde? de que modo? e por quê? O perito não pode ter como base apenas o que está em sua frente, mas tudo deve ser validado e questionado.
À vista disso, a cadeia de custódia se torna algo indispensável nessa perspectiva, pois refere-se ao processo de documentação que registra a cronologia da custódia, controle, transferência, análise e disposição das provas físicas, e qualquer ruptura ou irregularidade neste processo pode resultar na inadmissibilidade das provas no processo penal. Ocorre a nulidade de prova quando existe violação dos procedimentos estabelecidos para a coleta e preservação das evidências, comprometendo a confiabilidade das provas apresentadas.
E quando o local do crime não é preservado adequadamente, a coleta de provas se torna corrompida, pelo fato de a contaminação ou perda de evidências impede a reconstrução mais precisa dos fatos, dificultando a identificação dos autores do crime e enfraquecendo a ação penal, podendo resultar na absolvição injusta ou na impossibilidade de se chegar a um veredicto. Conforme definido pelo ministro do STJ Ribeiro Dantas, quando do julgamento do RHC 77.836:
A cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e, principalmente, o direito à prova lícita. O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade.
Em suma, a preservação do local do crime é essencial para a coleta de provas confiáveis e a manutenção da cadeia de custódia, pois a falha nesse panorama pode levar à nulidade das provas e comprometer a eficácia da ação penal. Melhorar os procedimentos de preservação e documentação das evidências é crucial para aumentar a taxa de resolução dos homicídios e garantir a justiça.
No decorrer deste estudo foi explanado como a preservação do local do crime em casos de homicídios está diretamente ligada a a eficácia da ação penal, especialmente quanto a constituição do acervo probatório.
Em primeiro momento foi demonstrado que a preservação adequada do local do crime desempenha um papel crucial na coleta de provas forenses bem como na reconstrução dos eventos que levaram ao homicídio e na identificação do responsável. Entretanto, as negligências e a preservação inadequada do local do crime podem romper seriamente a integridade e a confiabilidade das evidências, tendo, assim, um prejuízo na investigação e futuramente no processo judicial.
Uma preservação deficiente terá pouca credibilidade, enfraquecendo, na ação penal, a acusação face ao questionamento da validade das provas colacionadas aos autos. De outro modo, uma preservação minuciosa poderá fortalecer as argumentações da acusação (Ministério Público), tendo como resultado um julgado mais próximo dos fatos, de forma mais real e justa.
Contudo, ainda existe muita limitação, como por exemplo a falta de recursos adequados, a falta de treinamento dos profissionais que atuam na preservação do local do crime. Tendo isso como base, é inegável um maior investimento em capacitação e treinamento para os profissionais envolvidos, como também a modificação das políticas e protocolos para uma atuação mais rígida, que corrobore na integridade das provas e respeito à cadeia de custódia, bem como destaca-se a importância da conscientização da sociedade sobre a importância da preservação do local do crime, que muitas vezes, por desconhecer os protocolos forenses, acaba por comprometer os vestígios da cena do crime.
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[1] Mestra em Educação. Advogada. Licenciada em Matemática. Bacharela em Direito. Docente nos cursos de Direito na Universidade Estadual do Tocantins – Câmpus de Paraíso do Tocantins e no Centro de Ensino Superior de Palmas - CESUP. Email: [email protected]. Lattes: https://lattes.cnpq.br/9973566335967079. Orcid: https://orcid.org/0009-0000-7792-6272.
Graduando do Curso de Direito do Centro de Ensino Superior de Palmas – CESUP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Lucas Ramos. A preservação do local do crime como fonte de coleta de provas para a ação penal nos crimes de homicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jun 2024, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/65594/a-preservao-do-local-do-crime-como-fonte-de-coleta-de-provas-para-a-ao-penal-nos-crimes-de-homicdio. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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