LETÍCIA SANGALETO TERRON[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente estudo tem como finalidade realizar uma análise da colaboração premiada como meio de obtenção de prova consagrada pela Lei nº 12.850/13, para utilização do Ministério Público e da Polícia Judiciária no combate efetivo ao fenômeno da criminalidade organizada. Por meio deste trabalho, pretende-se demonstrar que a referida lei é uma legislação que atende aos anseios de efetivação da justiça, na medida em que trouxe importantes inovações legislativas para a persecução do crime organizado, tais como o conceito de organização criminosa, além de que trouxe também a tipificação de crime de organização criminosa e a previsão de meios de obtenção de provas, tais como a colaboração premiada. Casos como a Operação Lava Jato demonstram a eficácia dessa prática. O trabalho também examina os benefícios oferecidos aos colaboradores, como a redução ou extinção da pena, e discute os desafios e limitações na sua aplicação, incluindo questões éticas. Para a condução da análise, adota-se a metodologia dedutiva, partindo-se de uma abordagem teórica sobre a colaboração premiada e suas bases legais, para, em seguida, avaliar como essa legislação tem sido aplicada na prática e o impacto gerado no combate à criminalidade organizada. A pesquisa será embasada em revisão bibliográfica e análise de casos concretos, de forma a verificar a eficácia e os desafios enfrentados na aplicação da colaboração premiada.
PALAVRAS-CHAVE: Colaboração Premiada. Crime Organizado. Justiça Criminal. Aplicação da Lei.
ABSTRACT: The present study aims to analyze plea bargaining as a means of obtaining evidence, established by Law No. 12.850/13, for use by the Public Prosecutor’s Office and the Judicial Police in the effective fight against organized crime. This work seeks to demonstrate that the aforementioned law meets the demands for the realization of justice, as it has introduced important legislative innovations for the prosecution of organized crime, such as the concept of criminal organizations, as well as the criminalization of organized crime and the provision of means of obtaining evidence, such as plea bargaining. Cases like Operation Car Wash demonstrate the effectiveness of this practice. The study also examines the benefits offered to collaborators, such as sentence reduction or dismissal, and discusses the challenges and limitations in its application, including ethical issues. The study adopts a deductive methodology, starting with a theoretical approach to plea bargaining and its legal foundations, and subsequently evaluating how this legislation has been applied in practice and the impact it has had in the fight against organized crime. The research will be based on a literature review and the analysis of concrete cases to verify the effectiveness and challenges faced in the application of plea bargaining.
KEYWORDS: Plea Bargaining. Organized Crime. Criminal Justice. Law Enforcement.
1 INTRODUÇÃO
O combate às organizações criminosas tem se tornado um desafio crescente para as autoridades em todo o mundo. Essas organizações, que se caracterizam por uma estrutura hierárquica complexa e pela prática sistemática de crimes, apresentam uma ameaça significativa à ordem pública, à economia e à segurança de diversos países. No Brasil, o cenário não é diferente. O país enfrenta uma luta constante contra o crime organizado, cujas atividades incluem tráfico de drogas, armas, pessoas, lavagem de dinheiro, corrupção, extorsão, entre outras práticas ilícitas que afetam profundamente a sociedade. Nesse contexto, a colaboração premiada emergiu como uma ferramenta jurídica de grande importância no enfrentamento dessas organizações criminosas. Esse mecanismo permite que integrantes de organizações criminosas colaborem com as autoridades, fornecendo informações valiosas em troca de benefícios legais, como a redução de pena ou até mesmo o perdão judicial.
Essa prática, amplamente utilizada em países como os Estados Unidos e a Itália, foi introduzida de forma mais estruturada no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 12.850/2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal. O presente trabalho tem como objetivo analisar a eficácia da colaboração premiada no combate às organizações criminosas no Brasil, explorando seus fundamentos legais, suas vantagens, limitações e os desafios enfrentados em sua aplicação. Utilizando a metodologia dedutiva, a pesquisa parte de uma abordagem teórica sobre a colaboração premiada, embasada em revisão bibliográfica e análise de casos emblemáticos, para então verificar sua aplicabilidade e impacto na desarticulação de organizações criminosas e na promoção da justiça.
2 CONCEITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
A descrição de organização criminosa, está de acordo com as leis de cada país, todavia, trata - se de uma união organizada de pessoas que se dedicam a práticas criminosas de maneira constante e planeada, visando obter vantagens ilegais, seja em termos de influência, finanças ou outros ganhos.
No Brasil, o aritgo 1, da Lei nº 12.850/2013, estabelece o conceito de grupo criminoso:
Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e especificada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
O conceito de colaboração premiada, é um instrumento jurídico no qual um acusado ou réu em um processo criminal fornece informações relevantes, valiosas, sobre atividades criminosas em troca de benefícios legais. Esta prática é utilizada principalmente no combate ao crime organizado, como se trata a presente pesquisa, no combate para desarticular estruturas criminosas complexas ao obter provas e identificar os envolvidos. como a Operação Lava Jato no Brasil, que usufruiu desste instrumento de investigação.
De acordo com a Lei 12.850/2013 (1988, p. 273), que dispõe sobre a investigação criminal e os meios de obtenção de prova para crimes de organização criminosa, a colaboração premiada é definida como:
Denunciar alguém como autor de uma infração quando o denunciante é pessoa não incumbida de participar da repressão penal, nem é legitimamente interessada na acusação, e procura algum proveito indefensável.Tem, portanto, sentido pejorativo: “caguetar”.
Esta ferramenta, também foi usada para auxiliar os governantes a controlar o seu império visto que o estado não tinha técnicas suficientes para desmantelar certos delitos, com isso necessitava da colaboração de coautores para resolver esses problemas.
Entretanto, teve seu grande crescimento com o surgimento das Ordenações Filipinas na qual a colaboração premiada estava prevista em suas leis, na parte criminal, no livro V, título IV, parágrafo 12, e no livro V, título CXVI.
No Brasil, está prevista no ordenamento jurídico desde 1990, onde era encontrada no Direito Penal pela Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) porém muito timidamente, com o passar dos anos ocorreram diversas mudanças, desde os requisitos para se fazer o acordo até os benefícios que o réu poderia adquirir.
Nucci (2007, p.16), define a colaboração premiada como:
(...) significa a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.
A solicitação para tal ferramenta, é amplamente discutida entre doutrinadores e juristas, o que prevalece é que pode ocorrer em qualquer fase da persecução penal, incluindo após o trânsito em julgado da sentença.
A Lei 12.850/2013, em seu artigo 4°, que é a norma que regula a colaboração premiada no Brasil, não determina um momento exato para que essa estratégia possa acontecer. Isso significa que a colaboração premiada pode ser feita em diferentes etapas do processo criminal. Por exemplo, ela pode ocorrer durante o inquérito policial, que é a fase em que se investigam os fatos para decidir se a denúncia será apresentada.
Além disso, pode acontecer enquanto o processo criminal está em andamento nos tribunais, e até mesmo depois que já houve uma condenação definitiva, quando a sentença já transitou em julgado e não há mais possibilidade de recursos. Dessa forma, a lei oferece flexibilidade para que o réu colabore com as autoridades em troca de benefícios, independentemente da fase em que o caso se encontra.
3 PRINCIPAIS ATIVIDADES DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
As organizações criminosas se envolvem em uma variedade de atividades ilegais, muitas das quais têm impactos profundos e negativos na sociedade. O tráfico de drogas é um exemplo, e é uma das atividades mais lucrativas para organizações criminosas.
O impacto social é devastador, contribuindo para a violência, dependência química e degradação de comunidades inteiras. As redes de tráfico frequentemente operam internacionalmente, tornando o combate a essa atividade um desafio global.
Assim diz o art. 41 da Lei n° 11.343/06:
Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co- autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.
Outro exemplo as fraudes, que incluem uma vasta gama de atividades, como financeiras, de seguros, identidades e corporativas. As organizações criminosas utilizam fraudes para roubar grandes quantias de dinheiro, enganando indivíduos e empresas, causando danos financeiros significativos, até mesmo uma falência.
O artigo 171 do Código Penal Brasileiro define o crime de estelionato, que é uma das formas mais comuns de fraude:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
Também outro exemplo é a corrupção, que é uma prática de subornar funcionários públicos ou privados para obter vantagens ilícitas. Isso pode envolver licitações fraudulentas, favorecimento em contratos públicos, ou proteção contra investigações e processos judiciais. A corrupção mina a confiança nas instituições, prejudica o desenvolvimento econômico e perpetua a impunidade.
O artigo 317, do Código Penal, trata da corrupção passiva, que ocorre quando um funcionário público solicita ou recebe vantagem indevida, enquanto o artigo 333, também do Código Penal, aborda a corrupção ativa, que ocorre quando alguém oferece ou promete vantagem indevida a um funcionário público.
As organizações criminosas são caracterizadas por uma estrutura hierárquica claramente definida, onde cada nível desempenha funções específicas. O líder ou chefão é o principal responsável por tomar decisões estratégicas e coordenar as operações da organização. Subchefes administram áreas operacionais ou regiões geográficas específicas, reportando diretamente ao líder. Gerentes de Operações supervisionam atividades específicas, como o transporte de drogas e a lavagem de dinheiro. Soldados ou operacionais realizam tarefas diárias, incluindo o transporte de drogas, a cobrança de pagamentos e a execução de atos violentos. Associados são indivíduos que, embora não sejam membros formais da organização, colaboram com ela em troca de proteção ou benefícios financeiros (Cavalcanti, 2018).
4 OS BENEFÍCIOS E AS CONSEQUÊNCIAS
Um dos principais atrativos da colaboração premiada para os envolvidos em crimes é a possibilidade de redução significativa da pena. Isso quer dizer que, dependendo de quanto o delator colabora com as investigações e da relevância das informações que ele fornece, sua pena pode ser bastante reduzida. Por exemplo, se ele fornece informações que ajudem a resolver o crime ou a desmantelar uma organização criminosa, as autoridades podem oferecer uma pena muito menor do que a inicialmente prevista.
Em situações excepcionais, quando a colaboração é considerada extremamente importante, ele pode até mesmo receber o perdão judicial. Isso significa que, ao invés de apenas ter a pena reduzida, sua punição é completamente extinta, ou seja, ele não precisa mais cumprir nenhuma pena.
Além disso, a pena privativa de liberdade, que seria o tempo de prisão, pode ser substituída por penas alternativas, como prestação de serviços à comunidade ou restrição de direitos. Isso permite que o delator cumpra sua sentença de uma forma menos severa.
Outra vantagem é a possibilidade de cumprir a pena em um regime prisional mais brando, como o semiaberto ou o aberto, ao invés de ficar em regime fechado desde o início. Essas medidas são oferecidas como incentivos para que o delator colabore com as autoridades e ajude na resolução do caso.
Esses benefícios são concedidos com o objetivo de incentivar a cooperação de membros, que, ao fornecerem informações.
No entanto, a concessão desses benefícios não é garantida de forma automática. Eles estão diretamente condicionados à veracidade e à relevância das informações fornecidas pelo delator. Isso significa que as autoridades judiciais irão avaliar se o que foi dito realmente contribui de maneira significativa para a investigação ou para a solução do caso.
Além disso, a justiça precisa considerar se o delator realmente colaborou de forma efetiva, ou seja, se suas informações ajudaram a esclarecer os fatos ou a desmantelar a organização criminosa. Somente após essa avaliação é que os benefícios, como a redução da pena ou o perdão judicial, podem ser concedidos.
As garantias oferecidas aos colaboradores, são essenciais para assegurar a integridade e a confiança daqueles que decidem cooperar com as autoridades. Essas garantias ajudam a proteger contra possíveis retaliações e assegurar que ele cumpra os termos acordados com o Estado.
A proteção da identidade do colaborador são garantidos para evitar que ele ou sua família sofram represálias por parte de outros membros da organização criminosa ou de terceiros envolvidos. Medidas como o uso de pseudônimos e depoimentos sigilosos são comuns.
O colaborador e seus familiares podem ser incluídos em programas de proteção, como o Programa de Proteção a Testemunhas, que oferece medidas como mudança de identidade, realocação geográfica e escolta policial, visando garantir a segurança física dos envolvidos.
As informações prestadas pelo colaborador durante o processo, são protegidas contra uso indevido. O depoimento não pode ser utilizado em prejuízo do próprio colaborador, exceto em casos de descumprimento dos termos do acordo.
Direito à Preservação do Patrimônio: Em alguns casos, o colaborador pode ter parte de seu patrimônio preservado, especialmente se provar que os bens não estão diretamente relacionados à prática de crimes. Isso inclui a possibilidade de acordo sobre a devolução de valores ilícitos.
Segundo o doutrinador Rogério Greco (2020, p. 748):
(...) a colaboração premiada é um meio de obtenção de prova que visa à eficácia do sistema punitivo, promovendo por meio da confissão de um investigado ou acusado, a obtenção de provas sobre s ptrática criminosa, em troca da redução ou substituição da pena.
O pensamento que o doutrinador oferece é que o objetivo central da colaboração premiada, é aumentar a eficiência da investigação e da persecução penal, oferecendo ao colaborador algum tipo de benefício, como a redução da pena, o perdão judicial, ou até a substituição da pena por outra medida menos severa. Greco enfatiza que esse recurso é uma troca entre o acusado e o Estado, o acusado colabora oferecendo provas, e o Estado oferece uma vantagem em termos de punição.
No entanto, é importante destacar que a concessão desses benefícios está condicionada à avaliação das autoridades judiciais, que irão determinar se a colaboração foi realmente eficaz para a elucidação dos fatos ou para a desarticulação de organizações criminosas.
Ao oferecerem segurança, incentivam a cooperação, devido as vantagens significativas ao contribuir de forma relevante com as investigações.
5 CONCLUSÃO
Podemos dizer que a colaboração premiada é uma ferramenta indispensável no arsenal jurídico contra o crime organizado e a corrupção. No entanto, seu uso deve ser equilibrado com medidas de proteção aos colaboradores e salvaguardas legais que previnam abusos. A transparência e a supervisão judicial são cruciais para assegurar que os benefícios concedidos sejam proporcionais e justificados pela qualidade e relevância das informações fornecidas.
A evolução contínua das legislações e práticas relacionadas à colaboração premiada é necessária para adaptar-se às novas formas de criminalidade e aos desafios emergentes. A colaboração premiada deve ser vista não apenas como um meio de punição, mas como um componente estratégico de políticas públicas voltadas para a prevenção e o combate ao crime.
Em resumo, quando aplicada de maneira justa e eficaz, pode transformar significativamente o panorama da justiça criminal, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e segura.
Um desafio significativo, é a necessidade de garantir que a colaboração premiada seja utilizada dentro dos limites da legalidade e da ética. Há preocupações sobre a possível instrumentalização do instituto para fins políticos ou para obtenção de vantagens indevidas, o que pode comprometer a credibilidade do sistema de justiça. O equilíbrio entre a eficiência no combate ao crime e o respeito aos direitos dos acusados deve ser uma prioridade contínua para os operadores do direito.
É fundamental que o legislador e os tribunais continuem a evoluir e aperfeiçoar o arcabouço normativo e jurisprudencial que regula a colaboração premiada, de modo a assegurar a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos e a integridade do processo penal. Entre as melhorias sugeridas estão a padronização dos procedimentos, o aumento da transparência nos acordos e o estabelecimento de critérios mais rigorosos para a concessão de benefícios.
Ainda, quando aplicada de maneira adequada, tem o potencial de permanecer como um pilar importante no combate ao crime organizado e a corrupção. No entanto, sua utilização deve ser pautada por princípios de justiça, proporcionalidade e respeito aos direitos humanos, garantindo que o instituto contribua para um sistema de justiça mais eficaz e equitativo.
Esta conclusão busca sintetizar os principais pontos discutidos no presente artigo, avaliando tanto os avanços proporcionados, quanto os desafios ainda presentes. Ela também propõe caminhos para o aprimoramento do instituto, ressaltando a importância de um equilíbrio entre a eficácia no combate ao crime e a proteção dos direitos fundamentais.
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