Introdução
Como é sabido, o Brasil é um país que ostenta um preocupante índice de violência no âmbito doméstico. Segundo estudos realizados pela “Fundação Perseu Abramo e pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), cinco mulheres são espancadas a cada dois minutos no país. Além disso, durante suas vidas, uma em cada cinco mulheres reportaram já ter sofrido algum tipo de violência cometida por algum homem, conhecido ou desconhecido. Nesse sentido, o parceiro (marido ou namorado) é responsável por mais de 80% dos casos reportados (Venturi e Godinho, 2013)”. (SOARES; TEIXEIRA, 2022, p. 264).
Dados e estudos específicos nos comprovam que “Frequentemente, as mulheres são expostas a mais de um tipo de violência de forma concomitante (Gomes et al., 2016; Carvalho; Oliveira, 2016; Leal et al., 2017). Além disso, uma dinâmica de repetição também tem ficado evidente nos estudos sobre a temática (Cerqueira et al., 2024; Matos; Conde; Peixoto, 2013), ou seja, não se trata de episódios isolados, mas situações que se repetem.” (GALELI et al., 2025, p. 123).
Por isso, o assunto é bastante relevante e merece ser tratado com o devido rigor a fim de coibir novas violências e punir severamente os agressores, não somente no âmbito criminal, mas também civilmente e administrativamente nos órgãos de classe, visto que, conforme melhor será demonstrado, já temos previsões satisfatórias para punições administrativas aos profissionais que cometeram violência contra a mulher ou feminicídio.
Fundamentação Ética e Disciplinar.
A prática de violência doméstica e feminicídio por parte de um despachante documentalista não apenas infringe gravemente os direitos humanos (art. 1º, III da CF/1988), as leis penais brasileiras e as leis civis (dano material, moral, estético e psicológico), mas também está em dissonância com os preceitos éticos basilares que regem essa nobre profissão.
Ao compulsarmos o Código de Ética e Disciplina do CRDD/SP, temos que o mencionado diploma legal taxativamente elenca como infração ética e disciplinar no seu artigo 10º, inciso XI qualquer ato voltado a "Praticar fato tipificado como crime, sendo sentenciado a pena igual ou superior a dois anos de reclusão”.
Ao avançarmos com a leitura, em especial o artigo 16 do mesmo código, se denota que a pena de exclusão é perfeitamente aplicável às" Infrações definidas nos incisos III, IV, VI, VIII, XI, XX do Art. 10. ", ou seja, o inciso XI claramente deve levar à exclusão do profissional.
Portanto, a condenação por crimes que resultem em pena de reclusão igual ou superior a dois anos, pode levar à exclusão do despachante do CRDD/SP, a partir de agora basta sabermos a pena aplicável aos atos de violência doméstica, feminicídio, estupro e demais infrações.
Legislação Penal Aplicável.
A legislação brasileira prevê penas severas para os crimes contra a mulher. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) trata sobre um crime que facilmente pode levar à exclusão do despachante, esse é o descumprimento de uma medida protetiva, cuja pena a partir da Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024 é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Cito o artigo 24-A da Lei nº 11.340, de 2006:
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei:
(Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 14.994, de 2024).
Denota-se que o não cumprimento da medida protetiva pode levar a uma condenação mínima de 2 (dois) anos, sendo assente no STJ que nenhuma atenuante pode levar a pena a ser fixada abaixo do mínimo, tal conclusão se extraí da Súmula 231 do STJ:" A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. "
Ao estudarmos o Código Penal, percebemos que o cometimento de lesão corporal no contexto de violência doméstica enseja uma pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. (Art. 129, § 9º), aplicando igualmente a Súmula 231 do STJ, podendo levar ao desfecho de exclusão do despachante condenado criminalmente por esse delito.
Em pior cenário está o profissional que cometer em face de sua esposa, filhas, mãe, avó e demais familiares atos de estupro (art. 213 do CP), aqui a pena mínima está muito além dos dois anos de reclusão, uma vez sendo o despachante condenado, certamente deverá existir o respectivo PAD para a sua exclusão.
Além disso, a Lei nº 14.994/2024 trouxe alterações significativas ao Código Penal, tornando o feminicídio um crime autônomo e aumentando a pena para reclusão de 20 a 40 anos, aqui, sem maiores dúvidas, o despachante deve ser excluído da categoria por meio do respectivo processo administrativo disciplinar.
Implicações Profissionais.
A condenação por violência doméstica ou feminicídio não apenas acarreta sanções penais e civis (indenizações), mas também implica em consequências profissionais para o despachante documentalista.
A exclusão do CRDD/SP resulta na perda do direito de exercer a profissão, afetando diretamente sua carreira e reputação. Essa medida visa preservar a integridade e a ética da classe, garantindo que seus membros mantenham condutas compatíveis com os preceitos legais e morais estabelecidos.
No Brasil atual, não se coaduna com o exercício da profissão de despachante a leniência ou cometimento de violência doméstica, a condenação em pena igual ou superior a dois anos já basta para a abertura do PAD e após o contraditório e ampla defesa aplicar ao profissional a definitiva exclusão dos quadros da entidade.
Conclusão.
A prática de violência doméstica, estupro e feminicídio por parte de despachantes documentalistas é incompatível com os princípios éticos e legais que norteiam a profissão. Além das severas penalidades criminais previstas na legislação brasileira, tais condutas podem levar à exclusão do profissional de seu conselho de classe, conforme disposto no Código de Ética e Disciplina do CRDD/SP.
Essa penalização reforça a importância de uma conduta irrepreensível por parte dos profissionais, assegurando a confiança da sociedade na categoria e contribuindo para a prevenção e combate à violência contra a mulher.
Por fim, a condenação criminal e administrativa não isenta o profissional de responder civilmente pelos danos causados, esses podem ser morais, materiais, estéticos, lucros cessantes e outros mais.
Referências Bibliográficas.
GALELI, Paola Rodegheri; SORATTO, Jacks; MIRANDA, Vanessa Iribarrem de Avena; TOMASI, Cristiane Damiani. Violência doméstica contra as mulheres: análise das notificações compulsórias de 2017 e 2018 em Santa Catarina. Revista Heterogeneidades da violência: uma contraposição ao homogêneo. Curitiba: CRV, PPP, 121/144, 2025.
SOARES, Laís de Sousa Abreu; TEIXEIRA, Evandro Camargos. Dependência econômica e violência doméstica conjugal no Brasil. Revista Planejamento e políticas públicas – PPP, n. 61, jan.-mar. 2022.
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