Um dos riscos gerados pelo novo constitucionalismo consiste no possível enfraquecimento da democracia, na medida em que uma decisão judicial pode substituir a vontade democrática do povo.
A Justiça Eleitoral brasileira, a propósito, já cassou dois governadores (Paraíba e Maranhão). Outros processos (contra outros governadores) estão em andamento no TSE. Isso é o que se pode chamar de “judicialização da vida político-partidária”, visto que a decisão do Judiciário está acima da vontade dos eleitores que, pelos seus votos, elegeram tais governadores e seus vices. Estaria a democracia sendo desrespeitada ou violada?
Pensamos que não, porque tudo que o Judiciário está fazendo está nas leis e na Constituição (que foram aprovadas, antes, pelo Poder Legislativo). De qualquer maneira, é certo que a questão se torna ainda mais angustiante (e preocupante) quando se sabe que, pela jurisprudência firmada, o tribunal destitui os governadores do cargo e passa o governo para as mãos de quem foi derrotado (segundo colocado), ou seja, para quem não foi eleito (democraticamente) pelo povo.
O importante é não confundir “judicialização” com “ativismo judicial”. A diferença é a seguinte: a judicialização constitui decorrência natural do princípio do acesso ao Judiciário. Todo direito quando violado ou ameaçado pode desaguar no Judiciário. Os conflitos estão se judicializando cada vez mais em virtude, precisamente, do mais amplo acesso que a CF possibilitou para todos. O ativismo judicial é outra coisa: ele revela excesso, intromissão indevida, ingerência em temas não autorizados ou decisão de forma não permitida. Em alguns momentos, já se pode notar um certo ativismo judicial na emissão das súmulas vinculantes. Isso está ocorrendo quando o STF vai além do que está nas leis e na CF.
De qualquer modo, na destituição dos governadores eleitos, até agora, o que temos visto é mais judicialização que ativismo judicial. Judicialização essa que decorre de dois fatores: (a) primeiro é a flexibilidade (ou postura nada ortodoxa) dos partidos políticos, que não têm fiscalizado seus candidatos; (b) segundo é a necessidade de moralizar o processo eleitoral brasileiro (recorde-se que os candidatos foram cassados em razão do abuso do poder econômico, compra de votos etc.). Quem é eleito de forma irregular está não vangloriando, sim, maculando o sistema democrático. Não é digno de subsistir (eleitoralmente) no regime democrático quem dele se serve para galgar cargo público de forma abusiva ou corrupta.
É questionável o critério jurisprudencial que dá posse, no lugar do eleito, a um segundo colocado. Talvez melhor fosse uma nova eleição (limpa e isenta de vícios que corroem o sistema democrático). De qualquer maneira, não menos certo é que para o cargo foi eleito quem não observou as regras básicas do jogo. Pode-se até pensar em melhorias no sistema jurídico, mas parece de todo incontestável o valor didático-pedagógico das decisões do TSE no sentido de que nenhum processo eleitoral pode ser maculado pela corrupção, pelo abuso da máquina pública, pela compra de votos etc.
Desde que a decisão do Judiciário tenha base democrática indireta, ou seja, desde que não ultrapasse os limites do direito vigente (transformando-se assim em detestável ativismo judicial), pouco importam os efeitos colaterais das suas determinações (mudança do quadro eleitoral do país, retorno de oligarquias ao poder etc.). Nada disso pode ser decisivo no momento do julgamento do TSE, que jamais pode se distanciar de critérios objetivos e concretos. Se a prova da corrupção eleitoral é inequívoca, cabe sempre ao Judiciário reafirmar as consequencias jurídicas decorrentes das normas vigentes (doa a quem doer). Isso significa reafirmar o valor da norma, sua cogência, sua importância (para a boa manutenção das regras democráticas do jogo eleitoral).
Claro que processos desse teor deveriam merecer toda prioridade do mundo dentro da Justiça eleitoral, porque são nefastos (para os governos e para os governados) os prejuízos decorrentes da morosidade da Justiça. Esse ajuste deve ser feito prontamente. De qualquer modo, o que não parece razoável é querer que a Justiça siga o mesmo tempo da mídia. Cada instituição tem seu tempo. O Judiciário depende de provas e de sua valoração. Ou seja: precisa de um determinado tempo para distribuir o valor justiça. Mas isso não pode ultrapassar a linha do razoável.
Que todos os esforços sejam voltados para a aceleração dos processos de cassação. É dessa maneira que a Justiça eleitoral será cada vez mais respeitada por todos. As bases éticas dos seus julgados não foram questionadas. A questão é o tempo da decisão. Sendo assim, pode-se ficar perto da perfeição conciliando-se eficácia, celeridade e respeito às garantias fundamentais das pessoas.
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