SUMÁRIO: Introdução; 1. Políticas públicas: conceito; 2. Elaboração das políticas públicas: planejamento e previsão orçamentária; 3. Limites à implementação das políticas públicas: insuficiência de recursos financeiros e a teoria da reserva do possível; 4. Escolha adequada: a questão da discricionariedade administrativa no âmbito das políticas públicas; 5. O Ministério Público e as políticas públicas: estratégias de atuação em busca da inclusão social; Considerações finais.
RESUMO: As políticas públicas correspondem aos instrumentos destinados à concretização dos direitos sociais, sendo que, por meio delas, devem ser analisadas as prioridades de atuação do Estado, avaliando-se a disponibilidade orçamentária em busca de uma adequada estratégia de alocação dos recursos financeiros. Além das inafastáveis atuações dos Poderes Executivo e Legislativo, a temática das políticas públicas, dentro de uma concepção pluralista, deve abrir espaço para a participação da sociedade, representada pelos seus mais diversos segmentos, destacando-se a atuação dos Conselhos de Gestão como importantes organismos que devem atuar em conjunto com os Poderes do Estado no âmbito da elaboração, implementação e controle das políticas públicas, sempre na busca da superação dos limites impostos pela insuficiência de recursos financeiros, analisando-se de forma criteriosa os argumentos decorrentes da teoria da reserva do possível, buscando-se, ainda, uma nova forma de interpretar a amplitude da discricionariedade administrativa quando o tema em pauta for a concretização dos direitos sociais. As atribuições do Ministério Público no âmbito da tutela dos direitos sociais demandam uma atuação pró-ativa de seus representantes, buscando, em princípio, a mobilização social e dos Poderes do Estado na busca da implementação de políticas públicas que priorizem o atendimento das metas explicitadas no texto constitucional, tomando em conta, em um segundo momento, a possibilidade de ser utilizada a via jurisdicional, sobretudo por meio da ação civil pública, na busca da concretização dos direitos sociais negligenciados pelo Estado. Tal forma de atuação do Ministério Público exige um novo perfil de seus representantes, que devem se mostrar profundamente vocacionados e comprometidos com as causas institucionais, sempre buscando afastar a paralisia do Estado que compromete o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
ABSTRACT: The public policies correspond to the instruments destined to the social rights achievement, being that, through them, there must be analyzed the priorities of performance of the State, evaluating the budgetary availability in search of an adequate strategy of allocation of the financial resources. As well as the indispensable performances of the Executive and Legislative Powers, the thematic of the public policies, in a pluralist conception, must open space for the society participation, represented in their most different segments, pointing out the Management Councils performance like important organisms that must act with the State Powers in the scope of creation, implementation and control of the public policies, always in search of overcoming the imposed limits through the insufficiency of financial resources, analyzing in a thorough way the subsequent arguments of the reserve of the possible theory, looking for, yet, a new way of interpreting the extension of the administrative discretionarity when the subject in guideline is the achievement of the social rights. The prerogatives of the Public Prosecution Service in the scope of the social rights guardianship demand a pro-active performance of its representatives, searching, in principle, the social and the State Powers mobilization in search of the public policies implementation that prioritize the attendance of the presented goals, in the constitutional text, taking charge, in a second moment, the possibility of being used the jurisdictional ways, especially through the public civil action in search of the social rights achievement neglected by the State. Such way of performance of the Public Prosecution Service demands a new profile of its representatives that must show themselves deeply connected and committed to the institutional causes, always trying to move the State paralysis away that commits to the respect to the principle of the dignity of the person human being.
PALAVRAS-CHAVE: direitos sociais; políticas públicas; Ministério Público.
KEYWORDS: social rights; public policies; Public Prosecution Service.
Introdução
Perplexidade, indignação e esperança: estas são as palavras que explicitam os motivos determinantes deste artigo.
O abismo existente entre os mais ricos e os mais pobres gera a perplexidade, sendo esta a mola propulsora da indignação que, mesmo em um nível profundo, não se mostra capaz de fulminar, por completo, a esperança de que o Direito, enquanto instrumento de transformação social, resgate a dignidade daqueles que a perderam.
A temática pertinente à concretização dos direitos fundamentais, vista como tábua de salvação de referida esperança, é tratada neste trabalho pelo viés dos direitos sociais, sendo as políticas públicas compreendidas como instrumentos de concretização de tais direitos.
Após a apresentação do conceito de políticas públicas, procuramos tratar das etapas voltadas à sua implementação, desde as estratégias de planejamento até a previsão orçamentária.
Os limites concernentes à implementação das políticas públicas são alvo de nossa atenção, sobretudo no que diz respeito à insuficiência de recursos financeiros, com foco especial na análise da teoria da reserva do possível.
Também abordamos a questão da discricionariedade administrativa no que tange às escolhas que envolvem as políticas públicas.
Por fim, ressaltamos o papel do Ministério Público no que diz respeito à busca da concretização dos direitos fundamentais sociais por meio da implementação das políticas públicas.
A abordagem dos mencionados tópicos procura evidenciar a necessidade de que o Ministério Público, por meio do cumprimento irrestrito das prerrogativas institucionais que lhe foram outorgadas pela Constituição Federal de 1988, trilhe pelos caminhos que garantam a todos os indivíduos o direito à plena inclusão social, com amplo acesso aos serviços públicos capazes de garantir o mais completo respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, afastando dos homens e mulheres o estigma da pobreza e da miséria absoluta que os condena à infelicidade, contrariando o destino natural do ser humano.
1. Políticas públicas: conceito
Estamos inseridos em uma democracia formal há mais de duas décadas e, ao longo desse período, implementou-se, de forma gradativa, o debate em torno do conceito de “espaço público”, bem como a respeito de que atores devem construir esse espaço e como formular e concretizar políticas capazes de estruturar um País efetivamente democrático, diverso e socialmente justo. (LANZONI, 2007, p. 31)
Os direitos fundamentais sociais, de índole prestacional, demandam a implementação de políticas públicas, expressão que “designa a atuação do Estado, desde a pressuposição de uma bem marcada separação entre Estado e sociedade”.[1] (GRAU, 2008, p. 25)
O fundamento das políticas públicas está no reconhecimento dos direitos sociais, aqueles que se concretizam mediante prestações positivas do Estado. Enquanto os direitos individuais consistem em liberdades, os direitos sociais consistem em prestações. (BREUS, 2007, p. 219)
Por serem exigências de superação da inércia estatal, ou formas de se evitar o desvio da ação dos Poderes Públicos em favor das classes sociais ricas e poderosas, os direitos sociais têm por objeto políticas públicas ou programas de ação governamental que devem ser coordenados entre si. A elevação do nível da qualidade de vida das populações carentes supõe, no mínimo, um programa conjugado de medidas governamentais no campo do trabalho, saúde, da previdência social, da educação e da habitação popular. Tais objetivos sociais são interdependentes, de sorte que a não-realização de um deles compromete a realização de todos os outros. (COMPARATO, 2007, p. 338) Procurando esmiuçar essa abordagem, temos que:
[...] as políticas públicas são execuções das normas legais ou constitucionais, verdadeiros mecanismos de sua efetivação ou um “law enforcement” (reforço para execução da lei). Não são apenas atos meramente políticos ou de governo, os chamados atos de gestão.
As políticas públicas são os meios de planejamento para a execução dos serviços públicos. Em todas as áreas o Estado deve possuir políticas públicas de forma clara e precisa, na busca de melhor desempenho de suas atividades estatais. As principais políticas públicas são: política econômica, política educacional, política habitacional, política ambiental, política previdenciária, política de saúde e política de segurança pública. A fixação das políticas públicas ocorre por meio dos mecanismos estatais de planejamento das ações, estratégias e metas para atingir a finalidade pública de forma eficiente, na prestação de ações e serviços públicos. As políticas públicas correspondem ao planejamento e as obras e serviços públicos caracterizam a execução material da função.
Na sua atuação, o Estado desempenha inúmeras atividades, prestando serviços públicos essenciais e não essenciais, de relevância pública ou não. Para as várias áreas de atuação do Poder Público há necessidade de fixação de uma rota de atuação estatal, seja expressa ou implícita, as chamadas políticas públicas. A Constituição Federal é a base da fixação das políticas públicas, porque ao estabelecer princípios e programas normativos já fornece o caminho da atuação estatal no desenvolvimento das atividades públicas, as estradas a percorrer, obrigando o legislador infraconstitucional e o agente público ao seguimento do caminho previamente traçado ou direcionado. (SANTIN, 2004, p. 34-35)
Deve ser registrado, porém, que a exigência da atuação positiva, e não meramente absenteísta do Estado, realça a grande dificuldade para a efetivação das políticas públicas pertinentes aos direitos fundamentais de conteúdo econômico, social e cultural.[2] Neste sentido, uma política pública não se caracteriza como um ato isolado nem como a abstenção no que tange à prática de determinados atos. As políticas públicas estão, de acordo com a mais recente teoria jurídica, atreladas ao conceito de “atividade”, sendo este compreendido como uma série de atos, do mais variado tipo, unificados por um mesmo objetivo e organizados num programa de longo prazo. A doutrina jurídica tradicional, tanto nos países de civil law quanto nos de common law, desde o direito romano, ocupou-se quase que exclusivamente de atos isolados: contratos, testamentos, matrimônio, adoção, nomeação e demissão de funcionários públicos, e assim por diante. “Foi só recentemente, em razão do desenvolvimento da economia de massa, que começaram a ser elaboradas regras jurídicas específicas sobre o desenvolvimento de atividades, como a organização do serviço público, ou a exploração empresarial”. (COMPARATO, 2007, p. 339)
As políticas públicas podem ser compreendidas como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com o escopo de garantir igualdade de oportunidades aos indivíduos e, assim, assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos.[3] (APPIO, 2006, p. 136) O terreno das políticas públicas caracteriza-se como o espaço institucional para a explicitação dos “fatores reais de poder”[4] ativos na sociedade em determinado momento histórico, em relação a um objeto de interesse público. “Política aqui não conota, evidentemente, a política partidária, mas política num sentido amplo, como atividade de conhecimento e organização do poder”. (BUCCI, 2006, p. 242)
Com base no que foi até aqui exposto, podemos dizer que as políticas públicas no Brasil se desenvolvem em duas frentes principais, a social e a econômica, ambas voltadas para o desenvolvimento do País.[5] (APPIO, 2006, p. 136) O desenvolvimento, portanto, pode ser apontado como a principal política pública, conformando e harmonizando todas as demais. O desenvolvimento econômico e social, com a eliminação das desigualdades, pode ser considerado como a síntese dos objetivos históricos nacionais. (BERCOVICI, 2006, p. 144)
Dentro desta concepção, é preciso ressaltar que as políticas públicas, sobretudo aquelas voltadas para a concretização dos direitos fundamentais sociais, estão diretamente ligadas à concepção de desenvolvimento. Para explicitarmos essa idéia:
O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez até mesmo à maioria. Às vezes a ausência de liberdades substantivas relaciona-se diretamente com a pobreza econômica, que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome, de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis, a oportunidade de vestir-se ou morar de modo apropriado, de ter acesso a água tratada ou saneamento básico. Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social, como por exemplo a ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais. Em outros casos, a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social, política e econômica da comunidade. (SEN, 2000, p. 18)
Na busca de uma sistematização, podemos apontar que as políticas públicas agrupam-se em gêneros diversos: a) políticas sociais relacionadas à prestação de serviços essenciais (saúde, educação, segurança, justiça, etc.); b) políticas sociais compensatórias (previdência e assistência social, seguro desemprego, etc.); c) políticas de fomento (créditos, incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico, agrícola, etc.); d) as reformas de base (reforma urbana, agrária, etc.); e) políticas de estabilização monetária; além de outras mais específicas ou genéricas. (LOPES, 2005, p. 133)
As políticas públicas constituem temática oriunda da Ciência Política e da Ciência da Administração Pública, sendo que ingressam no foco de interesse do Direito na medida em que o universo jurídico se alarga, abraçando a concepção por meio da qual os direitos sociais deixam de ser meras declarações retóricas e passam a ser direitos positivados em busca de concretização. (BUCCI, 2006, p. 241)
Trazer o conceito de políticas públicas para o campo do Direito significa aceitar um grau maior de interpenetração entre as esferas jurídica e política ou, em outras palavras, assumir a comunicação que há entre os dois subsistemas, reconhecendo e tornando públicos os processos dessa comunicação na estrutura burocrática do Poder, Estado e Administração Pública. (BUCCI, 2006, p. 241-242)
A interpenetração dos universos jurídico e político, dentro do nosso objeto de estudo, mostra-se ainda mais evidente se lembrarmos que as normas constitucionais definidoras de direitos sociais são caracterizadas, invariavelmente, como normas programáticas, de cunho principiológico, dependentes da atuação posterior das diversas faces do Poder Público, mediante a elaboração de programas voltados para a concretização de tal modalidade de direitos.
A elaboração e cumprimento de tais programas envolvem atividades a serem desenvolvidas tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Poder Legislativo, passando pela contribuição decisiva da própria sociedade civil organizada.
Dentro dessa linha de entendimento, mostra-se necessário destacar que a análise das políticas públicas está diretamente relacionada ao “atual estágio de desenvolvimento da atuação do Estado para a realização dos direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais”. (BREUS, 2007, p. 211)
Com efeito, o Estado, organização política da sociedade, possui sua existência focada na promoção e proteção dos direitos fundamentais, sendo que o desenvolvimento de um Estado será tanto maior quanto maior for a rede de proteção de tais direitos, por meio de políticas públicas eficazes. (AITH, 2006, p. 219)
Vale destacar, aqui, que a Constituição Federal de 1988 caracteriza-se como estatuto marcadamente voltado, tanto do ponto de vista político quanto do jurídico, para a concretização dos direitos fundamentais sociais, apontando para as políticas públicas como instrumentos de ação do Estado contemporâneo brasileiro voltados para tal finalidade.
2. Elaboração das políticas públicas: planejamento e previsão orçamentária
A elaboração de uma política pública guarda um evidente paralelo com a atividade de planejamento, sendo esta voltada para a realização do bem comum, permitindo a elevação do nível de racionalidade das decisões que comandam complexos processos sociais. (BUCCI, 2006, p. 259-260)
A análise da estrutura de um planejamento voltado para a elaboração e implementação das políticas públicas demanda a sua decomposição em três elementos fundamentais: programa; ação-coordenação; e processo.
O “programa” tem como finalidade individualizar as unidades de ação administrativa relacionadas aos resultados que se pretende alcançar. Em outras palavras, o programa nos remete ao conteúdo propriamente dito de uma política pública, à sua dimensão material, sendo que nele são especificados os objetivos a atingir e os meios correspondentes. Por outro lado, considerando que a característica primordial de uma política pública é a de buscar a concretização de um objetivo por meio da observância de um determinado programa, mostra-se evidente que este deve ser concebido como um programa de “ação coordenada”. Agir coordenadamente permite que o Estado consiga obter os resultados almejados no programa. Por último, quanto ao “processo”, tem-se que um programa de ações coordenadas, para efetivar-se, depende da conjugação do procedimento (enquanto conjunto de atos direcionados a um fim) e do contraditório (na medida em que exige a participação ativa e dinâmica dos interessados). (BUCCI, 2006-A, p. 40-44)
A noção de planejamento, com seus três elementos fundamentais (programa, ação-coordenação e processo), que permeia as políticas públicas enquanto programas destinados à implementação de direitos sociais, leva ao entendimento de que a atividade estatal, neste campo, verifica-se por meio de ciclos, abrangendo as fases da formação, execução, controle e avaliação. Neste sentido:
A política pública é tida, pelo senso comum, como procedimento linear em que fases perfeitamente distintas sucedem-se, de modo a se partir da formação, passando pela implementação, finalizando com a avaliação. É necessário ao jurista o conhecimento do ciclo da política pública para tornar possível o controle jurídico de seu processo e de seus resultados.
Desde logo, é preciso ter claro que a política pública dá-se por ciclos, não sendo possível discernir de forma definitiva suas fases, por se verificar um processo de retroalimentação, onde a avaliação não é feita ao final, mas no curso da execução. Isto introduz novos elementos no quadro inicialmente proposto, modificando-o, de forma a adequá-lo à realização do objetivo. (MASSA-ARZABE, 2006, p. 70)
A formação de uma política pública envolve: a) o processo de identificação dos problemas a serem tratados; b) o estabelecimento de uma agenda e propositura de soluções, abrangendo a realização dos estudos multidisciplinares necessários; c) a especificação dos objetivos que se pretende alcançar; d) por fim, a indicação dos melhores modos de condução da ação pública, tratando-se, desta maneira, da formulação da política. (MASSA-ARZABE, 2006, p. 70) Ampliando esta abordagem:
As definições das políticas públicas relacionam-se com o perfil institucional que cada Estado desenha para si, através de seu ordenamento, e esta questão exerce influência significativa nos resultados substanciais do processo político, pois, conforme as regras definidas, haverá vantagens ou desvantagens para os diversos participantes do processo. Quem toma decisões políticas deve estar investido de autoridade formal para tais atos, já que terá, em conseqüência, autoridade para comprometer os recursos estatais. Cada país estabelece, em sua Constituição, as competências para a definição das escolhas das políticas públicas. Nos Estados democráticos, as decisões surgem da avaliação de, pelo menos, dois poderes, o Legislativo e o Executivo. As decisões políticas costumam ocorrer nos cenários institucionais, onde se reúnem os cidadãos representantes das populações para participar do processo político. Os objetivos desses participantes, todavia, podem não coincidir, pois alguns se orientam pela moral pública, outros, pelos próprios interesses. (DAL BOSCO, 2008, p. 248)
De forma geral, o próprio Poder Executivo, por meio do planejamento de suas estratégias de atuação, é quem elabora as políticas públicas. Sem prejuízo da previsão do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, o Brasil adota, de forma prioritária, a modalidade de democracia indireta ou representativa, com o que se transfere aos mandatários, eleitos pelo voto direto dos cidadãos, a legitimidade para a representação da vontade geral. (AGUIAR, 2009, p. 07)
O Poder Executivo, portanto, caracteriza-se como o responsável direto pela implementação de programas de governo que visem à realização do bem comum.
Atualmente, porém, o Poder Executivo tem se auxiliado das atividades dos chamados Conselhos de Gestão no que diz respeito à elaboração das políticas públicas, sobretudo nas áreas da saúde, crianças e adolescentes, educação e assistência social. Tais Conselhos, que contam com a participação de diversos segmentos da sociedade (Poder Público, entidades de classe, associações, clubes de serviço, etc.), contribuem para o diagnóstico das prioridades do ente público nas áreas correspondentes aos direitos sociais, formulando projetos, encaminhando sugestões e requerimentos ao Poder Executivo no sentido de que sejam implementados.
No Brasil, os Conselhos são resultantes do esforço de mobilização social e dos debates públicos que precederam a Constituição Federal de 1988, sendo que esta adotou o princípio da participação popular na elaboração das políticas públicas da saúde, da assistência social, educação e direitos da criança e do adolescente, buscando possibilitar que a sociedade compartilhe com o Estado a definição de prioridades e a formulação de políticas públicas como forma de exercício da cidadania e de controle social (arts. 29, XII; 194, parágrafo único, VII; 198, III; 204, II; 206, VI; e 227, § 1º.). A criação dos Conselhos de Políticas Públicas (conselhos setoriais) se dá por meio de lei com instituição de suas competências, tais como: planejamento, gestão, fiscalização e avaliação no tocante ao princípio da eficiência. (MARTINS, 2008, p. 116-117)
Ainda a respeito da importância do “sistema de Conselhos”:
Não resta dúvida de que a forma democrática mais autêntica de participação, deliberação e controle é o “sistema de conselhos”, disseminado nos diferentes níveis da esfera e do poder local (bairro, distrito e município). A estrutura geral dos conselhos, que pode também compreender “comitês de fábrica”, “comissões mistas” de espécies distintas ou “juntas distritais”, é, por excelência, a efetivação maior do arcabouço político de uma democracia pluralista descentralizada, assentada na “participação de base” e no poder da “autonomia local”. O “sistema de conselhos” propicia mais facilmente a participação, a tomada de decisões e o controle popular no processo de socialização, não só na dinâmica do trabalho e da produção, como igualmente na distribuição e no uso social. Ademais, no âmbito do espaço público local, a ordenação político-democrática da estrutura piramidal dos conselhos (internamente composta por comitês de consulta, deliberação e execução) é constituída por uma rede de múltiplas forças sociais distribuídas desde uma escala maior (Conselho Comunitário, Municipal ou Distrital) até níveis menores (Conselho de Bairros, de Favelas, de Fábricas, de Entidades Públicas, de Sindicatos, de Associações Profissionais e Comerciais, dos Trabalhadores Urbanos e Rurais etc.).
Registra-se que, quando no governo dos Conselhos, o núcleo de poder reside no conjunto dos organismos de base: as decisões tomadas são passadas, asseguradas e executadas para a cúpula administrativa com delegação. Entretanto, quando o sistema está escalonado sob a forma de uma pirâmide de poderes difusos e interpostos, as bases deverão dispor de instrumentos eficazes para opinar, pressionar e controlar os núcleos de decisão e de poder mais acima. (WOLKMER, 2001, p. 258-259)
A sociedade civil organizada, em especial as instituições que atuam no chamado “Terceiro Setor” (Organizações não Governamentais – ONG’s),[6] também colaboram no encaminhamento de diversas questões inerentes aos direitos sociais, promovendo gestões a respeito do tema junto aos órgãos dos Poderes Executivo e Legislativo e demonstrando quais as prioridades a serem implementadas em suas respectivas áreas de atuação. “O Terceiro Setor, trabalhando sobre os valores comuns, reforça as condições culturais e subjetivas com as quais o Estado e o mercado devem funcionar, exercita a cidadania e estimula o cidadão a buscar a democracia”. (WESCHENFELDER, 2007, p. 313)
A Administração Pública, na atualidade, passou a adotar novos métodos de atuação que se fundamentam na cultura do diálogo e na oitiva das divergências sociais, seguindo a tendência de não mais se afirmar contrapondo-se à atuação da sociedade. Assim, as relações entre a Administração Pública e a sociedade não mais se assemelham à tutela, sendo que isto ocorre porque a Administração depende da vitalidade das mediações sociais e do dinamismo de seus atores. Desta forma, ao lado de mecanismos tradicionais como a coerção, injunção e constrangimento, a Administração, no que tange à sua interface com a sociedade, deve utilizar, principalmente, a orientação, a persuasão e a ajuda. (PEREZ, 2006, p. 166)
É importante observar que a estrutura fundamental das políticas públicas encontra-se consolidada na Constituição Federal sendo que, dentro de uma concepção pluralista, os sujeitos chamados à interpretação das regras constitucionais pertinentes aos direitos sociais não se limitam àqueles inseridos na estrutura estatal, abrangendo todas as forças sociais interessadas. Neste sentido:
[...] a interpretação constitucional não é um ‘evento exclusivamente estatal’, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista prático. A esse processo tem acesso potencialmente todas as forças da comunidade política. [...] Até pouco tempo imperava a idéia de que o processo de interpretação constitucional estava reduzido aos órgãos estatais ou aos participantes diretos do processo. Tinha-se, pois, uma fixação da interpretação constitucional nos ‘órgãos oficiais’, naqueles órgãos que desempenham o complexo jogo jurídico-institucional das funções estatais. Isso não significa que se não reconheça a importância da atividade desenvolvida por esses entes. A interpretação constitucional é, todavia, uma ‘atividade’ que, potencialmente, diz respeito a todos. Os grupos [...] e o próprio indivíduo podem ser considerados intérpretes constitucionais indiretos ou a longo prazo. A conformação da realidade da Constituição torna-se também parte da interpretação das normas constitucionais pertinentes a essa realidade. (HÄBERLE, 2002, p. 23-24)
Mostra-se relevante, neste ponto, destacarmos o papel do Poder Legislativo no momento da formulação das políticas públicas destinadas à implementação dos direitos sociais, sobretudo quando a atividade legiferante volta-se para o campo dos instrumentos pertinentes ao direito econômico e financeiro (leis de cunho orçamentário).
Grande parte dos dispositivos constitucionais pertinentes aos direitos fundamentais de segunda dimensão é lançada sob o modelo de norma programática, de natureza eminentemente principiológica.
Não obstante a constatação de que a norma programática goza de plena eficácia e efetividade na exata medida de sua densidade normativa, não é menos certa a idéia de que referida modalidade legal realiza melhor suas potencialidades quando desenvolvida por outras normas jurídicas (leis complementares e leis ordinárias, por exemplo). (ROTHENBURG, 2003, p. 82)
As questões inerentes aos direitos sociais, enquanto direitos subjetivos e tomando em conta sua dimensão jurídico-objetiva, devem ser postas em dois planos: o subjetivo e o objetivo. No plano subjetivo, os direitos sociais devem ser considerados como inseridos no espaço existencial do cidadão, independentemente da possibilidade da sua exeqüibilidade imediata. Já no plano objetivo, as normas consagradoras dos direitos sociais estabelecem imposições legiferantes, no sentido de que o legislador deve atuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos. (CANOTILHO, 2001, p. 367-368)
Assim, inegável a profunda relevância do Poder Legislativo no âmbito da formulação das políticas públicas, sobretudo porque é na esfera do parlamento que as diversas forças sociais colocam-se em debate, apresentando, por intermédio de representantes eleitos pelo povo, seus melhores argumentos, objetivando a construção de pontes destinadas a transpor as profundas desigualdades entre os indivíduos – desigualdades estas que provocam o esgarçamento do tecido social e conduzem, sobretudo os mais humildes, ao sofrimento, distanciando o homem de seu indelével destino: a felicidade.
Outra face imprescindível das políticas públicas diz respeito à necessidade de sua previsão orçamentária. Todos os envolvidos na elaboração e cumprimento das políticas públicas devem ter conhecimento da forma pela qual o planejamento dos gastos públicos é elaborado e executado. Para tanto, mostra-se de extrema importância compreender o papel do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), uma vez que desempenham função relevante na definição e priorização das ações governamentais.
O planejamento e a implementação das políticas públicas dependem, inequivocamente, da disponibilização de recursos. (BREUS, 2007, p. 231) Assim, é possível afirmar que sem os planos e orçamentos nada de política pública pode ser implementado, sendo que para a adequada compreensão das políticas públicas é essencial que se tenha um adequado conhecimento acerca do regime das finanças da Administração Pública. (LOPES, 2005, p. 132-133)
Todos os envolvidos na elaboração e cumprimento das políticas públicas devem ter conhecimento da forma pela qual o planejamento dos gastos públicos é elaborado e executado. Para tanto, mostra-se de extrema importância compreender o papel do Plano Plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA), uma vez que desempenham função relevante na definição e priorização das ações governamentais.
De acordo com o art. 174[7] da Constituição Federal de 1988, o planejamento é obrigatório para o setor público e indicativo para o setor privado. Em que pese estar inserido entre os dispositivos que tratam da ordem econômica e financeira, referido artigo aplica-se às normas constitucionais orçamentárias, dando ensejo à formação do que se pode denominar “planejamento orçamentário tridimensional”, tendo por instrumentos o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). (SILVA, 2007, p. 127-128)
A imprescindibilidade de referidos instrumentos legais no campo dos orçamentos públicos decorre da previsão constitucional do princípio da programação, que estabelece uma certa hierarquia ou certo efeito subordinante entre as leis de cunho orçamentário, viabilizando a concretização dos direitos sociais. (SILVA, 2007, p. 127-128)
Necessário destacar, ainda, uma ferramenta que o País conhece, desde o final dos anos 1980, desenvolvida apenas em nível municipal, qual seja: o orçamento participativo. Entre os Municípios que adotaram tal forma de participação popular no âmbito do planejamento orçamentário podem ser citados os de Porto Alegre, Recife e São Paulo. (DAL BOSCO, 2008, p. 295)
O orçamento participativo deve ser encarado como instrumento voltado para a implementação das políticas públicas que têm como alvo a inclusão social e, dentro desta linha de entendimento, afigura-se como autêntica estratégia na busca da efetividade dos direitos fundamentais de segunda dimensão.
3. Limites à implementação das políticas públicas: insuficiência de recursos financeiros e a teoria da reserva do possível
Os direitos sociais, conforme sustentamos no tópico anterior, demandam recursos que possam cobrir os custos das prestações deles decorrentes.
Ao mesmo passo em que os direitos sociais impõem ao Estado o dever de garantir prestações aos indivíduos, estes estão obrigados ao pagamento autoritário e coativo de tributos destinados a satisfazer as demandas prestacionais.
Dentro do contexto do Estado neoliberal que claramente se busca implantar mundo afora, bem como diante das sucessivas crises financeiras que, em virtude do fenômeno da globalização, afetam quase todos os países, vem à tona o discurso de que é cada vez maior a escassez de recursos públicos necessários para o custeio das políticas voltadas para a implementação dos direitos sociais. (BREUS, 2007, p. 232)
Hoje como ontem, os direitos sociais colocam um problema incontrolável: custam dinheiro, custam muito dinheiro. Por isso, logo no começo da década de 1970, Peter Häberle formulou a teoria da “reserva das caixas financeiras” para exprimir a idéia de que:
[...] os direitos econômicos, sociais e culturais estão sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, se e na medida em que eles consistirem em direitos a prestações financiadas pelos cofres públicos. Na mesma altura, um outro jusplubicista alemão, W. Martens, reforçava esta idéia através de expressões plásticas que hoje são saturadamente repetidas nos manuais: os direitos subjetivos públicos suscetíveis de realização só podem ser garantidos no âmbito do possível e do adequado, e já por este motivo eles são desprovidos de estado jurídico-constitucional. Desde então, a “reserva do possível” (“Vorbehalt des Möglichen”) logrou centralidade dogmática a ponto de obscurecer quaisquer renovações no capítulo dos direitos sociais. (CANOTILHO, 2004, p. 107)
A concepção pertinente à reserva do possível surgiu no momento histórico em que se construía a “teoria dos custos dos direitos”, baseada em estudos promovidos em universidades norte-americanas que defendiam a necessidade de se levar em conta o valor econômico que a realização de determinado direito poderia acarretar. (BREUS, 2007, p. 232)
Como fica claro, a teoria da reserva do possível parte do pressuposto de que “as prestações estatais estão sujeitas a limites materiais ingênitos, oriundos da escassez de recursos financeiros pelo Poder Público. Logo, a ampliação da rede de proteção social dependeria da existência de disponibilidade orçamentária para tanto”. (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 172)
Entretanto, é preciso lembrar que, apesar das sempre presentes limitações orçamentárias relativas às possibilidades de implementação das políticas públicas pertinentes aos direitos fundamentais sociais, temos como certo que a mera invocação da teoria da reserva do possível não pode ser aceita na busca de uma justificativa para os tão baixos níveis na amplitude de atendimento e na eficiência (qualidade) dos serviços públicos.
De fato, a norma jurídica não tem o condão do “toque de Midas”. A mera previsão constitucional de um determinado direito não cria, por si só, as condições socioeconômicas para implementá-lo. A aplicabilidade e a interpretação da norma constitucional devem ser regidas pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a que sejam evitadas conclusões inviáveis. Neste sentido, temos que a Constituição não pode preconizar promessas irrealizáveis do ponto de vista fático e, por isso, a escassez de recursos econômicos não deve ser ignorada pelo operador do Direito, sendo que este não pode ter uma atuação dissociada da realidade socioeconômica. É preciso destacar, por outro lado, que a reserva do possível, por si só, não pode ser utilizada como argumento para se afastar pura e simplesmente qualquer eficácia das normas constitucionais que consubstanciam os direitos sociais, valendo observar que tais normas possuem eficácia para gerar a responsabilidade do Estado pela implementação de políticas públicas que concretizem os direitos fundamentais de segunda dimensão. Ademais, os direitos sociais geram direitos subjetivos públicos positivos, plenamente exigíveis, não podendo as contingências orçamentárias afastar sua eficácia ou inviabilizar a sua exigibilidade jurisdicional. (PORT, 2005, p. 105-106)
Importante destacar que a teoria da reserva do possível mostra-se em constante tensão com o conceito de mínimo existencial, sendo que referida tensão deve ser harmonizada pelo critério da proporcionalidade, dentro de uma prática argumentativa racional e democrática. (JORGE NETO, 2008, p. 155)
Assim, inegável que a teoria da reserva do possível reveste-se de um caráter contingente, somente sendo aplicável diante de certas condições: “primeira, a de que o mínimo vital esteja satisfeito (acesso à saúde, educação básica, etc.); segunda, a de que o Estado comprove gestões significativas para a realização do direito social reclamado; terceira, a avaliação de razoabilidade da demanda”. (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 175)
4. Escolha adequada: a questão da discricionariedade administrativa no âmbito das políticas públicas
As políticas públicas devem ser encaradas como um processo destinado à escolha racional e coletiva de prioridades, no qual “explicitam-se e contrapõem-se os direitos, deveres, ônus e faculdades dos vários interessados na atuação administrativa, além da própria Administração”. (BUCCI, 2006, p. 264)
Assim, percebe-se que a temática das políticas públicas está diretamente relacionada com o processo de formação do interesse público e, portanto, à questão da discricionariedade do administrador. Na realidade, as políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle prévio da discricionariedade na medida em que exigem a apresentação dos pressupostos materiais que informam a decisão, em conseqüência da qual se desencadeia a ação administrativa. O processo de elaboração da política pública mostra-se apto a documentar os pressupostos da atividade administrativa, tornando viável o controle posterior dos motivos. (BUCCI, 2006, p. 265)
A discricionariedade administrativa pode ser definida como “a faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o Direito”. (DI PIETRO, 2007, p. 67).
A discricionariedade, portanto, é a faculdade que adquire a Administração Pública para assegurar, de forma eficaz, os meios realizadores de determinado fim.[8] A toda evidência, não seria razoável exigir do administrador a previsão de todas as situações possíveis, nem mesmo se poderia estabelecer formas de proceder imutáveis e perenes, uma vez que estas logo se mostrariam inadequadas para atender às freqüentes mutações da vida social. Por este motivo, a discricionariedade caracteriza-se como a ferramenta jurídica entregue ao administrador para que a gestão dos interesses sociais se realize de acordo com as necessidades de cada momento. (DI PIETRO, 2007, p. 69)[9]
Observamos, porém, que a existência de uma possibilidade de opção discricionária não torna imune a atividade administrativa ao controle jurisdicional, uma vez que “sua atribuição ao administrador público não significa um ‘cheque em branco’ ou a possibilidade de opções desarrazoadas, personalíssimas, preconceituosas e, sobretudo, ofensivas aos vetores axiológicos do ordenamento jurídico”. (COELHO, 2002, p. 49)
Entretanto, considerando que a discricionariedade, no Estado Democrático de Direito, só existe dentro da lei, com o escopo de satisfazer os fins por ela contemplados, temos que, diante de norma constitucional como aquelas pertinentes aos direitos sociais e que se incumbem de atribuir a todos os indivíduos, por exemplo, o direito público subjetivo à educação básica e à saúde, deixando evidente o dever do Estado de adotar medidas concretas a fim de satisfazer tais desideratos normativos, não há, com efeito, “margem de liberdade para o administrador escolher se vai atender, ou não, os demandatários de tais espécies de atenção pública”. (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 202)
Tal conclusão se apresenta diante dos seguintes argumentos:
Cuida-se, em primeiro lugar, de norma constitucional, o que, por si, faz com que os direitos indigitados precedam, no rol de possibilidades do Administrador, quaisquer outros encampados por lei, o que deflui do próprio sentido de hierarquia das espécies normativas, própria de um ordenamento piramidal.
Em segundo lugar, são direitos fundamentais, o que lhes dá precedência – pelo comando de máxima efetividade –, mesmo em relação a outros direitos constitucionais, que não desfrutem do mesmo status constitucional.
São direitos inquestionavelmente insertos no âmbito do chamado mínimo existencial, o que, ainda uma vez, predica-lhes de precedência no rol de prioridades administrativas do Estado.
Estão hospedados em normas cuja compostura jurídica só deposita discricionariedade nos motivos, o que conduz à conclusão de que ao Administrador só remanesce margem discricionária na conformação dos meios materiais para que o objetivo – atendimento integral da demanda – seja adequadamente alcançado. (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 2003)
Assim, a discricionariedade administrativa, nas situações em que o ordenamento jurídico hospede direitos públicos subjetivos, só existe na conformação dos meios que deverão ser adotados para a consecução dos fins estabelecidos pela norma jurídica. Aqui, necessário observar que boa parte dos direitos prestacionais foi regrada por meio de normas programáticas, em que o constituinte, ou o reformador da Constituição, se restringiu à fixação de programas, diretrizes ou fins a serem atingidos. (NUNES JÚNIOR, 2009, p. 204-205)
5. O Ministério Público e as políticas públicas: estratégias de atuação em busca da inclusão social
O art. 127, caput, da Constituição Federal de 1988 define o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Nestes termos, cabe ao Ministério Público atuar como o “grande braço protetor da sociedade”. O Ministério Público nem é governo, nem oposição. O Ministério Público é constitucional; “é a Constituição em ação, em nome da sociedade, do interesse público, da defesa do regime, da eficácia e salvaguarda das instituições”. (BONAVIDES, 2003, p. 383-384)
O Ministério Público é, portanto, “pedaço vivo da Constituição; órgão que o Executivo, mergulhado num oceano de podridão, num mar de lama, num abismo de miséria, desejara morto ou inibido para o desempenho de sua missão ética e saneadora das instituições”. (BONAVIDES, 2003, p. 383-384 e 388)
Tais características trazem ao Ministério Público especial relevância no rol das instituições que estruturam o Estado Democrático de Direito, colocando-o como base de sustentação de um de seus fundamentos, qual seja, a cidadania (art. 1º, II, da Constituição Federal de 1988).
Ao lhe atribuir a missão institucional correspondente à defesa dos interesses sociais indisponíveis, o legislador constituinte, representando a soberania da vontade popular, depositou no Ministério Público a confiança de que se caracterizaria como o guardião dos direitos sociais.
O Ministério Público, desta forma, deve marcar sua atuação na busca da implementação dos direitos consagrados no art. 6º da Carta Magna. Para tanto, seus representantes, em um primeiro momento, deverão atuar como fonte de mobilização dos diversos atores sociais e de fomento das políticas públicas. “A mobilização da sociedade civil é um processo que deve ser construído pelos Promotores de Justiça e constitui uma das alternativas de efetivação da norma, uma vez que devemos considerar a conexão direito/poder como mecanismo de aprimoramento das relações sociais”. (TARIN, 2009, p. 59)
Em sentido amplo, o Ministério Público deve orientar sua atuação para o equacionamento de três demandas básicas: a inclusão social, a ética nas relações públicas e a melhoria da qualidade de vida. O tema da inclusão social, marcado pela necessidade de que seja garantida a dignidade humana, não pode ser tratado fora da preocupação com a melhoria da qualidade de vida. Desta forma, muito mais do que moradia, educação, saúde e lazer, o que se deve buscar é moradia em condições urbanas adequadas, com equipamentos de educação, saúde e lazer eficientes, integrados a um mesmo projeto urbanístico. Em síntese, temos que as questões pertinentes à inclusão social de determinados segmentos da sociedade não podem estar desatreladas a temas relacionados à qualidade de vida, estes tomados em sua perspectiva global. (NUNES JÚNIOR, 2004, p. 24)
No âmbito do movimento social, podemos identificar três importantes personagens que devem atuar, de forma interdependente, no tempo e no espaço, quais sejam: a) o “produtor social”, que é a pessoa (ou instituição) capaz de criar condições econômicas, técnicas e profissionais para que um processo de mobilização ocorra, sendo a responsável por viabilizar o movimento, por conduzir as negociações que vão lhe dar legitimidade política e social; b) o “reeditor social”, ou seja, a pessoa que, por seu papel social, ocupação ou trabalho, tem a capacidade de readequar mensagens, segundo circunstâncias e propósitos, com credibilidade e legitimidade, possuindo capacidade de negar, transformar, introduzir e criar sentido frente a seu público, contribuindo para modificar suas formas de pensar, sentir e atuar; c) “editor”, sendo este a pessoa (ou instituição) profissional de comunicação responsável por fazer chegar ao reeditor as mensagens voltadas para a mobilização e participação social. (TARIN, 2009, p. 60)
Os representantes do Ministério Público podem ser “produtores sociais”. Entretanto, para que isto se verifique, alguns obstáculos devem ser transpostos, sobretudo se considerarmos que a formação dos promotores e procuradores não os qualifica para este papel, devendo existir um compromisso institucional no sentido de ser adotada mais esta alternativa de atuação.[10] (TARIN, 2009, p. 60)
O Ministério Público pode atuar como incentivador das entidades e organizações que atuam no chamado “Terceiro Setor”, auxiliando na criação e influenciando positivamente na atuação de associações civis, entre as quais aquelas votadas para a defesa dos direitos sociais. É evidente que este processo não surgirá de decisões de cunho burocrático ou de processos judiciais a serem instaurados. O que deve acontecer é uma interação do Ministério Público e de seus agentes no meio social. (NUNES JÚNIOR, 2004, p. 28-29) Deixando claro este entendimento:
Como, por exemplo, falar-se do Ministério Público protegendo direitos humanos, direito à saúde ou direito do consumidor fora do contexto em que a sociedade se organiza para esses fins? Como se falar em proteção da infância sem uma relação estreita com os Conselhos Tutelares e, por via de conseqüência, sem conhecimento dos problemas que afligem a infância e a juventude nas diversas regiões da cidade? Na verdade, o que parece é que o ponto básico de uma reordenação institucional seria exatamente uma inserção mais significativa do Ministério Público no meio social. A partir dessa inserção certamente a redefinição de prioridades e, por via de conseqüência, a reorganização da instituição afluiriam quase que automáticas, ensejando o engajamento do Ministério Público na sua função de vanguarda das instituições públicas e o seu engajamento nas demandas sociais mais importantes. (NUNES JÚNIOR, 2004, p. 28-29)
Na condição de “produtores sociais”, os representantes do Ministério Público podem atuar de duas maneiras fundamentais. A primeira delas se verifica na busca de tornar transparente o direito que é opaco. Tal maneira de atuação verifica-se por intermédio da tentativa de educar, sensibilizar e conscientizar o cidadão a respeito de seus direitos civis, políticos e sociais. Para tanto, podem ser utilizados diversos instrumentos como, por exemplo, os meios de comunicação de massa, cartilhas, vídeos, peças de teatro e palestras. Uma outra forma de atuação diz respeito à busca de uma mobilização social voltada para a formulação das políticas públicas e a implementação dos correspondentes direitos. (TARIN, 2009, p. 66)
No processo de mobilização social, o Ministério Público, por intermédio de seus representantes, deve estabelecer alianças com a sociedade civil e, desta maneira, identificar os problemas a serem enfrentados por meio da formulação de políticas públicas. A fim de ser alcançado tal objetivo, cinco etapas devem ser cumpridas: “1 – decidir que existe um problema; 2 – decidir que se deve tentar resolver o problema; 3 – decidir a melhor estratégia para enfrentar o problema; 4 – atuar na solução do problema; 5 – institucionalizar a solução do problema mediante a formulação de políticas públicas”. (TARIN, 2009, p. 67)
Dentro dessa perspectiva, mostra-se necessário que a participação popular seja a mais democrática possível, conclamando-se todas as esferas de representação comunitária por intermédio dos meios de comunicação e, se possível, os representantes do Ministério Público devem se dirigir ao ambiente familiar e social das pessoas para sensibilizá-las a respeito da importância da participação de todos no processo de formulação das políticas públicas, sob pena da participação ser inexpressiva e destituída de valor de transformação. (TARIN, 2009, p. 68)
O movimento tendente à mobilização da comunidade deve assentar-se em um plano de comunicação social, possibilitando o intercâmbio de informações, sendo que tal movimento passa a atingir seus resultados a partir do momento em que ganha espaço na mídia, influenciando na formação da opinião pública. Com isso, o Poder Executivo local, pressionado pelos cidadãos e instituições integrantes do movimento, abandona sua inércia e passa a atuar para atender ao propósito da reação popular, operando as modificações reclamadas pela cidadania. O grau de participação e a solidez destes movimentos fazem com que os meros eleitores ascendam ao patamar de efetivos cidadãos. “O empoderamento dos direitos pelos cidadãos no processo de mobilização social com fins à formulação de políticas públicas os legitima a influir nas decisões políticas, concretizando o ideal da democracia participativa”. (TARIN, 2009, p. 68)
Neste ponto, devemos destacar que, mesmo diante de uma profunda mobilização social na busca da concretização dos direitos fundamentais por intermédio das políticas públicas, os Poderes Públicos podem permanecer inertes.
Tal quadro, caso se verifique, pode ensejar a intervenção do Ministério Público em outra esfera, qual seja, a judicial.
O Ministério Público vem se mostrando um agente fundamental na implementação de políticas públicas, especialmente atuando como legitimado ativo em processos individuais e coletivos. Em pouco espaço de tempo, em virtude de intenso esforço institucional:
[...] o Ministério Público brasileiro mudou seu paradigma e passou a ser uma instituição ativa e voltada para a realização do acesso a uma adequada tutela dos direitos, sendo que, para que tenhamos um Ministério Público “cujos pulmões respiram o oxigênio da Constituição”,[11] a instituição deve buscar incessantemente ser um meio de acesso à tutela adequada dos direitos sociais e/ou indisponíveis. Por meio do Ministério Público, direitos que não seriam tutelados ou que o seriam de maneira precária – e tutelar direitos precariamente é, em última análise, o mesmo que não os tutelar – passaram a contar com uma possibilidade efetiva de realização. Não soa excessivo afirmar que o Ministério Público otimizou o acesso a uma adequada tutela dos direitos, fortalecendo a democracia e contribuindo para a realização do Estado de Direito. Conjugando o perfil constitucional do Ministério Público com a teoria sobre o acesso à justiça desenvolvida por Mauro Cappelletti e Bryant Garth,[12] veremos que a instituição possui instrumentos para a realização das célebres “três ondas” renovatórias do processo [...]. Na implementação judicial de políticas públicas, o Ministério Público vem atuando intensamente, seja por meio de ações coletivas, seja por meio de ações na defesa de direitos individuais indisponíveis, em temas como, por exemplo, direito à saúde, à educação, ao saneamento básico, à ordem urbanística, ao patrimônio cultural, ao meio ambiente, à segurança no trânsito, ao patrimônio público, na defesa de crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiência, comunidades indígenas, entre outras diversas hipóteses, além de ter na ação de improbidade um importante instrumento para a realização de políticas públicas, inclusive por seu caráter pedagógico. Em sua atuação, pode o Ministério Público contribuir decisivamente para a admissibilidade dos processos envolvendo políticas públicas, seja por meio de ações tecnicamente cuidadosas, explicitando as razões que autorizam a iniciativa judicial, seja por uma ativa participação como interveniente, aditando a petição inicial e manifestando-se de modo a suprir falhas que podem impedir indevida e desnecessariamente o julgamento do mérito. (GODINHO, 2009, p. 189-192)
No Brasil, o Ministério Público, que originariamente atuava como braço do poder estatal na punição de crimes, passou, com a Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), a ter atribuição para defender interesses coletivos e difusos, atuando como verdadeiro advogado da sociedade, ao lado das demais entidades co-legitimadas (como as associações civis ou organizações não governamentais). O papel de órgão de mediação entre a sociedade civil e a Administração mostra-se cada vez mais presente na medida em que aquela vê no Ministério Público uma instituição independente e autônoma que, por conta de sua legitimação constitucional, pode tanto negociar em igualdade de condições com a Administração, ou mesmo com os entes privados prestadores de serviços públicos, quanto agir em juízo, ultrapassando os obstáculos existentes (custas, honorários advocatícios, preparo técnico para deduzir e defender o direito desrespeitado), o que muito dificilmente ocorre com entidades da sociedade civil organizada, em especial aquelas dedicadas à defesa dos direitos sociais. (FRISCHEISEN, 2000, p. 112-113)
Como se percebe, no campo das políticas públicas pertinentes aos direitos sociais, a intervenção do Ministério Público está diretamente ligada à concretização de uma outra modalidade de direito fundamental: o acesso à justiça. O tema do acesso à justiça é aquele que:
[...] mais diretamente equaciona as relações entre o processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-formal e desigualdade socioeconômica. [...] A consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e sua expansão paralela à do Estado providência transformou o direito ao acesso efetivo à justiça num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações políticas, de conteúdo e de função mistificadores. (SANTOS, 2001, p. 167)
Assim, temos que o direito ao acesso à justiça passa, muitas vezes, pela atuação do Ministério Público. Neste sentido, vale lembrar que a Constituição Federal estabelece em seu art. 129 que são funções institucionais do Ministério Público a de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, bem como a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.[13] Dessa forma, mostra-se inequívoca a legitimidade do Ministério Público para a defesa coletiva dos direitos sociais, assegurados no art. 6º da Lei Maior. (FRISCHEISEN, 2000, p. 118)
Os instrumentos jurídicos postos à disposição do Ministério Público para a tutela dos direitos sociais são, primordialmente, o inquérito civil e a ação civil pública.
O inquérito civil, que se caracteriza como um procedimento administrativo de natureza inquisitiva, tendente a recolher elementos de prova capazes de ensejar o ajuizamento da ação civil pública, também pode viabilizar a intervenção do Ministério Público na esfera extrajudicial.
Os procedimentos administrativos de atribuição do Ministério Público permitem a negociação com a Administração ou com os entes privados responsáveis pela implementação de políticas públicas. A importância desse espaço de negociação é inegável porque nele poderão ser discutidas e contempladas as grandes questões atinentes à efetivação de tais políticas (como as temporais e orçamentárias), permitindo a conciliação entre as várias demandas existentes na sociedade por meio da fixação de prazos para o cumprimento das exigências legais e eventuais adequações orçamentárias. (FRISCHEISEN, 2000, p. 133)
No inquérito civil também podem ser elaboradas atas compromissárias entre várias partes envolvidas com determinada política pública, sendo que tais partes não necessariamente poderiam ser acionadas em uma ação civil pública ou, mesmo que pudessem, gerariam inúmeras contestações, sem que uma sentença conseguisse impor obrigações principais e secundárias para cada uma delas.
É ainda na esfera do inquérito civil público que poderão ser negociadas mudanças em procedimentos da Administração que, apesar de não serem necessariamente ilegais, mostram-se ineficazes para o alcance de seus objetivos.
O Ministério Público funciona, então, como órgão mediador e indutor das mudanças. (FRISCHEISEN, 2000, p. 133-134)
Dentro do inquérito civil, ou seja, ainda na esfera extrajudicial, um dos instrumentos que pode ser utilizado pelo Ministério Público é o “compromisso de ajustamento de conduta”.
Previsto no art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85, o compromisso de ajustamento de conduta tem como objetivo obter, dos órgãos públicos ou privados, a adequação de atuação em conformidade com as normas constitucionais e legais.
O compromisso de ajuste é o instrumento no qual condições temporais e orçamentárias para a efetiva implantação de determinada política pública poderão ficar assentadas. De se destacar, entretanto, que o compromisso de ajuste não pode resultar na renúncia de direitos ou aceitação de condutas ilegais. O que se mostra passível de negociação são prazos e condições para que a Administração, que tem o dever de cumprir a política pública em questão, se ajuste às exigências constitucionais e legais. Desta forma, o compromisso de ajuste caracteriza-se como ato jurídico firmado perante o Ministério Público, por meio de um instrumento escrito, no âmbito do qual a Administração se compromete a cessar a conduta ilegal ou inconstitucional (comissiva ou omissiva) no prazo e condições negociados. (FRISCHEISEN, 2000, p. 136-137)
Outro instrumento que pode ser utilizado pelo Ministério Público na esfera extrajudicial é a “recomendação”, cuja previsão encontra-se no art. 6º, XX, da Lei Complementar nº 75/93 (dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União), c.c. o art. 80 da Lei nº 8.625/93 (institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências).
A recomendação, na área dos direitos sociais, permite ao administrador público incorporar em seu planejamento linhas de atuação capazes de auxiliar na efetiva implementação dos direitos assegurados na Constituição, conciliando interesses que foram levados pela sociedade civil ao Ministério Público ou que surgiram da própria ação de fiscal da lei do Parquet.
Se os acordos (reuniões vinculativas e compromissos de ajuste) têm como vetores informativos demandas já postas, o descumprimento da Constituição e da legislação integradora, seja pela má implementação de determinada política pública seja pela omissão da Administração, as recomendações têm um caráter inovador, qual seja, o de levar à Administração novas demandas, estratégias e idéias. (FRISCHEISEN, 2000, p. 139-140)
Dessa forma, a recomendação:
[...] será mais eficiente, na exata proporção que o Administrador entenda o Ministério Público como um agente que também tem como atribuição constitucional a construção de mecanismos eficazes para o efetivo exercício dos direitos da ordem social constitucional. Nesse sentido, o Ministério Público estará mais uma vez atuando como um canal de mediação de demandas coletivas existentes na sociedade, criando mais um canal de comunicação entre a comunidade e a Administração. (FRISCHEISEN, 2000, p. 140)
Tanto o “compromisso de ajustamento de conduta” quanto a “recomendação” caracterizam-se como instrumentos que buscam evitar a propositura da ação civil pública. “Entretanto, mantendo-se a Administração ou entes privados responsáveis omissos na implantação das políticas públicas garantidoras dos direitos sociais, poderão ser questionados judicialmente”. (FRISCHEISEN, 2000, p. 140)
A ação civil pública, disciplinada pela Lei nº 7.347/85, constitui instrumento do Ministério Público para a defesa, em juízo, do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, buscando responsabilizar o agente público que, não cumprindo o seu dever, desrespeitou direito alheio, coletivamente considerado, impondo-lhe uma obrigação de fazer. (FRISCHEISEN, 2000, p. 124-125)
Com base no que foi até aqui exposto, podemos afirmar que o Ministério Público, ao ganhar autonomia funcional e singular status institucional, em sintonia com o mundo democrático, adquiriu posição que lhe permite o desempenho eficaz da função de controle dos Poderes do Estado, especialmente dos Executivos hipertrofiados, passando a ser o condutor da cidadania, caracterizando-se como voz de afirmação do Estado Democrático de Direito, preocupado, agora, em levar ao Poder Judiciário uma interpretação da lei de cunho muito mais social que formal, quando, independente, tornou-se apto a atuar decisivamente para fazer prevalecer o governo das leis sobre o governo dos homens. (GIACÓIA, 2007, p. 282)
Dentro dessa concepção de Ministério Público, uma pergunta que vem à tona é aquela relacionada ao perfil vocacional que poderá atender a essa nova demanda institucional. A este respeito, temos que:
Não será, certamente, aquele que se seduz pelo poder enquanto poder, embora com um novo figurino, mas impregnado de similar coronelismo político, com matreira habilidade midiática na exposição desnecessária de pessoas e valores. E sim o de protagonista de uma nova agenda social composta por políticas públicas efetivamente comprometidas com a doutrina dos direitos humanos. Preocupado em alargar o acesso popular ao Judiciário, trazendo para a arena jurídica um novo jeito de operar o Direito, da ótica das questões realmente relevantes para a sociedade, sob o signo da justiça social, por meio do dístico multifário e difuso.[14] (GIACÓIA, 2007, p. 283)
Assim, é preciso que os representantes do Ministério Público, conscientes da importância da missão que devem desempenhar na sociedade, redobrem atenção a respeito de suas atribuições pois:
[...] se é a violência que grassa, tornando o homem presente um refém de seu próprio tempo; se é a fraude que se generaliza, transformando o nosso País no reino da malícia, da esperteza e do enriquecimento ilícito; se é a miséria a se instalar no entorno dos centros urbanos e na distância dos campos com toda sua vasta e nefasta gama de conseqüências; se é, enfim, a despeito da complexidade cada vez maior das relações sociais e do sofisticado avanço tecnológico, uma sociedade cada vez mais contraditória e desigual que se enxerga na janela de nossa realidade; ressai a extraordinária importância do Ministério Público no enfrentamento dessa realidade adversa. (GIACÓIA, 2007, p. 283)
Inegável, portanto, a relevância do papel a ser cumprido pelo Ministério Público no que tange à efetivação das políticas públicas, em especial daquelas voltadas para os direitos fundamentais sociais, razão pela qual os responsáveis pelos rumos da Instituição, em suas diversas esferas, devem conduzir suas gestões na busca da concretização de tal modelo institucional. (DERANI, 2006, p. 133-134)
Vivenciamos um período em que o Ministério Público vem ganhando notoriedade em virtude de sua firme atuação contra forças, sobretudo de ordem política, que, apesar de sua mais absoluta ineficácia e negligência no que diz respeito ao trato da coisa pública, condenando imensas regiões do País ao atraso, jamais foram alvo de questionamentos na esfera judicial, seja no âmbito cível ou criminal.
Essa nova postura dos promotores e procuradores vem provocando a ira dos que, acostumados a lotear o Estado entre seus familiares, apaniguados e asseclas, vislumbram a possibilidade de que sejam impedidos de continuar com tal prática e, por isso, tentam, a todo custo, retirar do Ministério Público suas atribuições, bem como amordaçar os seus representantes.
Contra essa estratégia, o Ministério Público deve se aliar ao povo, fazendo com que a sociedade perceba a relevância de suas atribuições, reconhecendo, assim, os bons resultados de sua atuação, sendo que a opinião pública afigura-se como uma poderosa aliada contra toda e qualquer tentativa de amesquinhamento da Instituição.
Considerações finais
A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo nova esperança de que, enfim, as promessas da modernidade, marcadamente aquela voltada para a implementação do necessário para que a dignidade humana fosse algo real e extensível a todos, seriam alcançadas.
Mais de vinte anos depois da promulgação da “Carta Cidadã”, referida esperança mostra-se arranhada em decorrência da incapacidade dos Poderes Públicos em tornar realidade o que, com amplitude ímpar, os legisladores constituintes asseguraram a cada um e a todos os membros de nossa sociedade.
As dificuldades financeiras, sempre alegadas pelos administradores como justificativa para a baixa amplitude e qualidade dos serviços públicos essenciais, não devem ser encaradas como argumento definitivo. A escassez orçamentária caracteriza-se como algo diferente da inexistência total e completa de recursos, sendo que as dificuldades devem ser enfrentadas por meio de uma consciente escolha de prioridades, com alocação adequada de recursos, priorizando, por óbvio, o que a Constituição Federal já sinaliza como objetivos e metas fundamentais.
A participação do Ministério Público na elaboração das políticas públicas passa, em primeiro plano, pelo conhecimento da realidade de cada um dos Municípios, Estados e da União no que concerne ao atendimento dos direitos sociais, buscando, em conjunto com os Poderes Executivo e Legislativo, Conselhos de Gestão e sociedade civil organizada definir prioridades a fim de que eventuais falhas nesse atendimento sejam devidamente corrigidas, indicando a melhor forma de fazer com que os orçamentos públicos contemplem recursos suficientes para tanto. Vale observar, entretanto, que o Ministério Público não deve se sujeitar a discussões intermináveis sobre determinada política pública a ser implementada e cumprida. Para que tais discussões estéreis não se verifiquem, é preciso que o Administrador Público tenha sempre presente a possibilidade de que, caso não cumpra o dever constitucional a que está obrigado, o Poder Judiciário poderá ser acionado a fim de que sejam tutelados os direitos sociais de forma efetiva.
Como se percebe, o caminho a ser percorrido em busca da efetiva implementação das políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos fundamentais é longo e repleto de dificuldades. Entretanto, o fim almejado é justo e recompensador, sendo que somente poderá ser alcançado por intermédio da mobilização da sociedade e do comprometimento dos Poderes do Estado, tendo no Ministério Público o ponto de apoio e de fomento, encontrando no Poder Judiciárioo Poder Judiciiva o futuro da s a certeza da justiça social, exatamente aquela proclamada por Jesus Cristo, cujo símbolo indelével é a partilha do pão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Ainda com Eros Roberto Grau: “A expressão ‘políticas públicas’ designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção do Poder Público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o próprio Direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública – o Direito é também, ele próprio, uma política pública”. (GRAU, 2008, p. 26)
[2] Com a observação de Celso Fernandes Campilongo: “Longa tradição sociológica dos países centrais apresenta o quadro evolutivo dos direitos nos últimos séculos da seguinte forma: no séc. XVIII, a afirmação dos direitos civis (liberdade individual, garantias pessoais, propriedade etc.); no séc. XIX, a expansão dos direitos políticos (sufrágio universal, democracia representativa, partidos etc.); por fim, no séc. XX, a consolidação dos direitos sociais e coletivos (saúde, educação, trabalho, acesso à justiça etc.). Marshall, o mais conhecido formulador dessa hipótese, descreveu o processo de forma cumulativa: o respeito aos direitos civis possibilitou a conquista dos direitos políticos; a combinação do reconhecimento dos direitos civis e políticos garantiu a eficácia dos direitos sociais e econômicos, dentre os quais a saúde do trabalhador”. (CAMPILONGO, 1995, p. 132-134)
[3] Em complementação, apresentamos o conceito lançado por Nilson do Rosário Costa: “Considera-se como política pública o espaço de tomada de decisão autorizada ou sancionada por intermédio de atores governamentais, compreendendo atos que viabilizam agendas de inovação em políticas ou que respondem a demandas de grupos de interesses”. (COSTA, 1998. p. 07)
[4] A expressão é de Ferdinand Lassale, que sobre ela escreve da seguinte maneira: Será que existe em algum país – e fazendo esta pergunta os horizontes clareiam – alguma força ativa que possa influir de tal forma em todas as leis do mesmo, que as obrigue a ser necessariamente, até certo ponto, o que são e como são, sem poderem ser de outro modo? Esta incógnita que estamos investigando apóia-se, simplesmente, nos fatores reais de poder que regem uma determinada sociedade. Os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser como elas são”. (LASSALLE, 2000, p. 10-11)
[5] Na esteira desse entendimento, a posição de Rogério Gesta Leal: “[...] qualquer política pública no Brasil tem como função nuclear a de servir como esfera de intermediação entre o sistema jurídico constitucional (e infraconstitucional) e o modo de vida republicano, democrático e social que se pretende instituir no País. Em outras palavras, é através de ações estatais absolutamente vinculadas/comprometidas com os indicadores parametrizantes de mínimo existencial previamente delimitados, que vai se tentar diminuir a tensão entre validade e faticidade que envolve o Estado e a Sociedade Constitucional e o Estado e a Sociedade Real no Brasil”. (LEAL, 2005, p. 167)
[6] Sobre o relevante papel das ONG’s no âmbito das políticas públicas, vale conferir o posicionamento de Inajara Tainá Lessa Gomes: “Graças à Constituição de 1988 foi possível nortear os rumos da democracia no Brasil nos anos seguintes, com uma clara tentativa de impedir que novos governos autoritários ganhassem o poder. O período pós-Constituição de 1988 foi marcado por uma ampliação dos direitos civis e políticos da sociedade brasileira. Todos passaram a ser cidadãos, porém a questão dos direitos sociais ainda permanece controversa, pois a Constituição os garante, mas isso não ocorre de fato. [...] Portanto, é de fundamental importância continuar discutindo a construção de uma cidadania e, ao mesmo tempo, de uma identidade brasileira, para que todos os cidadãos tenham a consciência de seus direitos e possam realmente exercê-los. Assim, a discussão sobre ONG’s deve passar pela discussão sobre cidadania, pois essas organizações desenvolvem, muitas vezes, atividades que a priori deveriam ser exercidas pelo Estado. As ONG’s, muitas vezes, diagnosticam o problema que não foi resolvido pelo Estado e tentam, com ajuda da sociedade civil, resolvê-lo. Portanto, são atores da sociedade que exercem os seus direitos e, simultaneamente, tentam levar a consciência desses direitos às pessoas que deles não usufruem. É notável o desenvolvimento e a difusão das ONG’s nesse início de século XXI, muitas vezes encaradas sob uma perspectiva pessimista, como organizações sem legitimidade ou poder para desenvolver políticas públicas eficazes. Outras vezes elas são vistas de forma extremamente idealista ou, até mesmo, ingênua, como se fossem capazes de resolver os problemas que os Estados não conseguiram solucionar. [...] essas organizações vêm para questionar as ações do Estado, mas precisam também se associar a ele para ganhar legitimidade ou poder, a fim de implementar os projetos”. (GOMES, 2008, p. 52-53)
[7] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
[8] Destacando-se a advertência de Eros Roberto Grau: “A análise do tema do poder discricionário reclama, preliminarmente, a determinação de uma precisão. A referência a um poder discricionário porta em si a pressuposição de que o Estado, através de seus agentes, exerça o poder discricionário de decisão (seja decisão administrativa, seja decisão judicial). A noção de poder, contudo, na esfera estatal, compõe-se no conceito de função pública. E toda função pública – não apenas a função administrativa – é expressão de um poder-dever (ou dever-poder, como enfatiza Celso Antônio Bandeira de Mello)”. (GRAU, 1990, p. 41)
[9] Com base no entendimento de Bartolomé A. Fiorini. La discrecionalidad en la Administración Pública. Buenos Aires: Alfa, 1952, p. 31-41.
[10] Explicitando esse entendimento, a observação de Denise Tarin: “O Promotor de Justiça não nasce pronto, o fato de ter sido aprovado em concurso público não o transforma naquele momento em um profissional dotado de todos os recursos para a solução dos conflitos. Característica fundamental a ser observada pelo Promotor que pretende mobilizar a sua Comarca é a humildade, humildade entendida não como subserviência, mas como equilíbrio emocional que o inspira para o desempenho de suas funções e o envolve com o sentimento de responsabilidade social”. (TARIN, 2009, p. 60-61)
[11] A citação é de Paulo Bonavides. Os dois Ministérios Públicos do Brasil: o da Constituição e o do Governo. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais nº 1. Belo Horizonte: Del Rey, janeiro/junho de 2003, p. 57.
[12] Sobre as “três ondas” relacionadas ao direito ao acesso à justiça, a lição de Mauro Cappelletti e Bryant Garth: “A primeira onda: assistência judiciária para os pobres. Os primeiros esforços importantes para incrementar o acesso à justiça nos países ocidentais concentraram-se, muito adequadamente, em proporcionar serviços jurídicos aos pobres. [...] A segunda onda: representação dos interesses difusos. O segundo grande movimento no esforço de melhorar o acesso à justiça enfrentou o problema da representação dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais, diversos daqueles dos pobres. [...] A terceira onda: do acesso à representação em juízo a uma concepção mais ampla de acesso à justiça. Um novo enfoque de acesso à justiça. [...] Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. Nós o denominamos ‘o enfoque do acesso à justiça’ por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso”. (CAPPELLETTI et al, 2002, p. 31-32, 49 e 67-68)
[13] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; [...] IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
[14] A esse respeito, explicitando a necessidade de que os promotores e procuradores sejam vocacionados, as preciosas palavras de Paulo Bonavides, fazendo a distinção entre os dois Ministérios Públicos do Brasil – o da Constituição e o do Governo: “Com efeito, há dois Ministérios Públicos no Brasil; um é o da Constituição; o outro o do Governo. Um protege os interesses da Sociedade e o povo o aplaude; o outro serve aos fins de quem governa e o povo o reprova. O primeiro é a efígie da independência e da isenção; advoga a causa social, tutela o bem comum, por isso, recebe os louvores da opinião e do corpo de cidadãos. O segundo, ao revés, se mostra o órgão do status quo, é instrumento submisso do Estado, máquina do governo que o mantém debaixo de seu influxo preponderante. O MP da Constituição é a maioria, a legitimidade, o colegiado da cidadania. O do Governo é a minoria, a omissão, o engavetamento, a absência, a deserção nos graves momentos constitucionais de crise do regime. Um é enaltecido, o outro menosprezado. Aquele zela pela moralidade pública em todos os distritos da governança política; este se rebaixa ao grau de servilismo, instrumento inferior do Poder Executivo, o qual lhe nomeia o Chefe, em ordem a configurar, pelos laços da sujeição estabelecida, o vício institucional gerador de toda essa ruptura, que é a guerra civil interna nos quadros do Ministério Público, responsável do divórcio entre a cúpula e as bases. Um guarda a liberdade, a Constituição, a moral administrativa; o outro faz-se serventuário dos desígnios executivos e se acolhe à sombra do paço presidencial onde cultiva a intimidade do poder”. (BONAVIDES, 2003, p. 383-385)
Promotor de Justiça - Estado de São Paulo. Graduado e Pós-Graduado (Mestrado em Ciência Jurídica) pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro (Jacarezinho-PR), instituição onde também atua como Professor Voluntário, participando da orientação e co-orientação de monografias produzidas pelos alunos da Graduação (Trabalhos de Conclusão de Curso). Promotor de Justiça no Estado de São Paulo desde 2000, sendo títular do cargo da Promotoria de Maracaí (entrância inicial) desde 2003. Tem experiência acadêmica e profissional na área da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, com ênfase nos direitos fundamentais sociais e no controle jurisdicional das políticas públicas. Dedica-se à pesquisa na linha da Função Política do Direito, abrangendo temas relacionados ao Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Financeiro e Sociologia do Direito. Autor de artigos apresentados em Congressos de âmbito nacional, com publicações nos respectivos anais, bem como de artigos publicados em revistas e periódicos. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEONARDO AUGUSTO GONçALVES, . O Ministério Público e a busca pela inclusão social: atuação no âmbito das políticas públicas - The public prosecution service and the search for the social inclusion: performance in the scope of the public policies Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2009, 06:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/18928/o-ministerio-publico-e-a-busca-pela-inclusao-social-atuacao-no-ambito-das-politicas-publicas-the-public-prosecution-service-and-the-search-for-the-social-inclusion-performance-in-the-scope-of-the-public-policies. Acesso em: 29 nov 2024.
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