RESUMO: O presente trabalho tem como fito principal tratar do controle de constitucionalidade das leis, tema esse de extrema e fundamental importância entre os operadores do direito. Busca-se, de forma simples, expor o conceito, a idéia e as noções gerais sobre o assunto ora tratado, tanto para aqueles que começam a longa caminhada no universo do direito quanto para aqueles que atuam de longa data na área.
Palavras-chave: Supremacia da Constituição. Constitucionalidade. Inconstitucionalidade. Formas de Inconstitucionalidade. Sistemas de Controle. Tipos de Controle. Critérios de Controle. ADIn. ADECON. ADPF.
1. INTRODUÇÃO
Primeiramente, antes de tecer qualquer consideração em relação à discussão do tema levado a efeito, importante se faz refletir sobre a seguinte indagação: porque existe o chamado “Controle de Constitucionalidade”? A resposta para essa pergunta pode ter como ponto de partida a idéia de que ele existe como forma de manter a supremacia do Texto Constitucional, pois não se admite a possibilidade de norma infraconstitucional em contrariedade ou, ainda, que esta diga menos do que o estabelecido naquela.
Fato é que, o controle de constitucionalidade existe tão-somente nas constituições rígidas ou semi-rígidas.[1] Logo, exclusivamente nelas, a Lei Fundamental é superior em relação às demais, e, justamente por essa razão, não se admite que as outras normas entrem em conflito com essa. Porém, caso isso ocorra serão tidas como inconstitucionais e, por conseqüência, erradicadas do ordenamento jurídico. De todo o exposto decorre o princípio da Supremacia da Constituição, na qual confere a Lei Maior superioridade em relação às demais normas. Por isso que é dela que irradiam as demais normas do Direito Infraconstitucional (normas federais, estaduais e municipais).
No mais, não se aceita a idéia de descumprimento do Texto Constitucional, tanto por parte dos particulares, quanto por parte dos agentes das três esferas de Poderes. A Constituição é tida como parâmetro para que assim possa se realizar a análise da constitucionalidade das leis e dos atos normativos.
2. O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS E DOS ATOS NORMATIVOS E BREVE NOÇÕES SOBRE INCONSTITUCIONALIDADE
Inicialmente, há de se observar que quando um órgão estatal elabora um ato normativo infraconstitucional, presume-se que ele tenha atentado para as normas pré-estabelecidas na Constituição. Tanto é assim, que a idéia de presunção parte do raciocínio de que a constitucionalidade de determinado ato deve o acompanhar desde o seu nascedouro. Note-se que o termo utilizado foi “presunção”, o que nos leva a idéia de presunção relativa, juris tantum, pois uma decisão judicial pode reconhecer sua inconstitucionalidade, desfazendo assim, seu ato.
Para melhor elucidação do princípio em estudo, necessário se faz observar:
Tal princípio é necessário para a manutenção da ordem jurídica, pois seria um verdadeiro caos social se os indivíduos pudessem deixar de cumprir as leis toda vez que, em sua opinião, elas estivessem em conflito com as normas constitucionais. (FERRARI, 2004, apud FACHIN, 2008)
Por todo o exposto, podemos concluir que o ato normativo deixará de ter aplicabilidade, tão somente no momento em que for declarada sua inconstitucionalidade.
Cabe-nos, doravante, analisar a questão proposta por outro prisma, qual seja a inconstitucionalidade. Como se observa do próprio termo, podemos partir da premissa de que inconstitucional é tudo aquilo que não é constitucional, ou seja, trata-se de incompatibilidade entre um ato normativo proveniente do poder político e a Constituição. Consiste na desconformidade entre uma norma infraconstitucional e a Constituição.
Nesse diapasão, indispensável se faz trazer o ensinamento do grandioso Fachin (2008, p. 144), segundo qual: “Sempre que a norma localizada no ápice da pirâmide for contrariada por norma inferior, estar-se-á diante de uma inconstitucionalidade”.
Por fim, necessário se faz atentar para o fato de que não há que se falar em inconstitucionalidade, quando duas normas constitucionais, por conseguinte pertencentes ao mesmo plano normativo, forem incompatíveis entre si. Portanto, impraticável que se declare a inconstitucionalidade quando uma norma constitucional contrariar outra de mesmo status, por exemplo.
3. FORMAS DE INCONSTITUCIONALIDADE
No tocante a inconstitucionalidade, vimos no tópico anterior a não admissibilidade de norma infraconstitucional em desacordo com a Lei Maior. O fundamento encontra-se justamente na incompatibilidade entre o ato normativo inferior e o Texto Constitucional, pautado em regras e princípios. Todavia, não se faz necessário tão somente a conformidade com os ditames constitucionais, devendo ser considerado inconstitucional também aquilo que a doutrina chama de “omissão da aplicação de normas constitucionais”, toda vez que a Constituição assim determinar.
Com base nisso é que a Constituição de 1988 perfilha duas formas de inconstitucionalidade, quais sejam: inconstitucionalidade por ação e inconstitucionalidade por omissão. Passamos agora a analisar as características e particularidades de cada uma.
A chamada inconstitucionalidade por ação, como o próprio nome sugere, vincula-se a idéia de um comportamento positivo por parte do Poder Público que diverge dos princípios constitucionalmente consagrados.
Nesse sentido, anote-se:
O fundamento dessa inconstitucionalidade está no fato de que do princípio da supremacia da constituição resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores. (SILVA, 2008, p. 47) (grifo nosso)
Dentro dessa linha de raciocínio, vale lembrar que essa forma de inconstitucionalidade divide-se ainda em: a) formal e b) material. No que diz respeito à primeira, pode-se dizer que a inconstitucionalidade estará presente quando editada por autoridades incompetentes ou, ainda, quando desrespeitado todo o processo para as formações das leis pré-fixado na Constituição. Perceba-se que a violação pode atacar tanto o lado procedimental quanto o lado do subjetivismo. Aqui, nada poderá ser aproveitado da lei, ela estará viciada por completo. Por esse motivo, trata-se, segundo a melhor doutrina, de inconstitucionalidade total.
Já a segunda hipótese, a material, se vislumbra quando a lei, embora criada por autoridade competente e conforme o procedimento estabelecido, apresenta dispositivos que confrontam a Constituição. O princípio pré-estabelecido na Constituição é contrariado pela lei, ou seja, veicula-se nela algo que não é permitido. Nessa hipótese, a lei permanecerá em vigor, sendo declarada inconstitucional tão-somente a parte que apresenta a mácula, o vício. Diferentemente da situação tratada acima, temos aqui chamada inconstitucionalidade parcial.
Distinto se faz o raciocínio que ocorre na inconstitucionalidade por omissão, segundo qual o vício advém da omissão do órgão estatal, no non facere quod debet facere[2], na inércia. Ocorre que há um descumprimento da obrigação constitucional de legislar por parte do Poder Público. Quando o órgão se abstiver de fazer aquilo que estava obrigado pela Constituição, falar-se-á em inconstitucionalidade total. Diferente a situação em que o agente do estado cumpre apenas parte do dever que lhe é imposto, nesse caso, ter-se-á inconstitucionalidade parcial.
Existem na Constituição Federal normas constitucionais que dependem de providências administrativas ulteriores para que possam gerar, na prática, tudo aquilo que a norma prevê. E é justamente quando isso não acontecer que haverá o requisito autorizador para a propositura da ação de inconstitucionalidade por omissão. Para melhor compreensão do tema, podemos citar o §3º, do art. 8 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Trata-se de caso de pura omissão do legislador.
Ademais, embora nem todos os constitucionalistas tratem em suas respectivas obras, há de se observar a existência de outras formas de inconstitucionalidade. Existe a chamada inconstitucionalidade originária que nada mais é do que aquela que ocorre no nascedouro do fato. Ele é inconstitucional ao nascer. É a situação em que existe o antagonismo entre a norma prevista na Constituição vigente e o ato normativo exercitado.
Num outro plano, podemos detectar (pelo menos na teoria) a chamada inconstitucionalidade superveniente. Hipótese esta que não encontra comum acordo entre os doutrinadores. Isso porque para alguns não se trata de inconstitucionalidade da norma, mas sim de caso de revogação do direito pré-existente em face da norma constitucional superveniente, posterior. A nova norma traz consigo a contrariedade em relação ao previsto no direito anterior.
Para melhor elucidação da questão, vejamos o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, constante na obra de Carvalho (2004, p. 244):
Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal: “O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A constituição sobrevinda não torna inconstitucional leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A Lei maior valeria menos que a ordinária”. (ADIn 521, Rel. Min. Paulo Brossard) (grifo nosso)
Com efeito, para esses autores a solução do problema deve se mostrar no âmbito do direito intertemporal, sustentando que não deve, sequer, ser reconhecida a ADIn (ação direta de inconstitucionalidade).
Merecedoras de destaque, ainda, a chamada inconstitucionalidade antecedente (imediata) e inconstitucionalidade conseqüente (derivada). A primeira é simples. Consiste na inconstitucionalidade que atinge diretamente a norma inconstitucional. Segundo Silva Neto (2009, p. 181), inexiste a figura de qualquer outro veículo normativo como intermediador. E é exatamente nesse ponto que difere a inconstitucionalidade derivada. Pois, como o próprio nome sugere, ela se manifesta através da inconstitucionalidade de outra norma. Há um elo direto e expresso entre elas. Para melhor compreensão do tema, podemos utilizar o exemplo das normas constitucionais que dependem de lei complementar para que possam, assim, gerar o exercício do direito ínsito em seu corpo (trata-se de norma com eficácia relativa complementável ou dependente de complementação legislativa, segundo classificação da professora Maria Helena Diniz).[3] Não há margem de dúvida quanto à relação de dependência entre a norma complementar e a norma que necessita da complementação. Assim sendo, se porventura a norma complementada for declarada inconstitucional, a norma que a regulamentou (complementou), por conseqüência, também será tida como tal. Trata-se de um efeito reflexo dessa forma de inconstitucionalidade.
4. SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Dando continuidade à idéia proposta no início do presente trabalho, a da supremacia constitucional frente às inconstitucionalidades, vislumbramos, segundo a teoria do Direito Constitucional, técnicas especiais para a realização do controle de constitucionalidade. Em razão disso, são propostos 3 sistemas de controle de constitucionalidade, quais sejam: a) político, b) jurisdicional e, c) misto.
O controle político, originário dos países da Europa, é exercido atualmente na França. Recebe tal denominação justamente pelo fato de outorgar a constatação da inconstitucionalidade aos Órgãos Políticos. A verificação da constitucionalidade fica vinculada, exclusivamente, a eles. Não existe a possibilidade do Poder Judiciário realizar o controle. O Órgão Político é totalmente desvinculado do Poder Judiciário.
O controle jurisdicional, por sua vez, surge nos Estados Unidos, em meados de 1803, com base na decisão do famoso caso Marbury X Madison, presidido pelo Juiz Marshall. Denomina-se também de Judicial Review e é forma pelo qual o controle é efetivado e reservado a estrutura do Poder Judiciário.[4]
Por fim, o controle misto, que é adotado pela grande maioria dos países como, por exemplo, o Brasil. Como o próprio nome sugere, ele traça um meio termo entre o controle político e o controle jurisdicional, pois adota ao mesmo tempo tanto um quanto o outro.
Nesse sentido, Silva (2008, p. 49) leciona:
O controle misto realiza-se quando a constituição submete certas categorias de leis ao controle político e outras ao controle jurisdicional, como ocorre na Suíça, onde as leis federais ficam sob controle político da Assembléia Nacional, e as leis locais sob o controle jurisdicional. (grifo nosso)
5. TIPOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Diz respeito ao momento em que o controle da constitucionalidade é exercitado, ou seja, se o controle será exercido antes do projeto virar lei, evitando, portanto, a inserção de normas que padecem de vício no ordenamento jurídico, ou então sobre a lei já incorporada no ordenamento. Sobre essa linha de raciocínio é que a doutrina constitucional denomina, respectivamente: controle preventivo e controle repressivo.
O controle preventivo (também denominado a priori, anterior), é realizado sobre o projeto de lei, ou seja, durante o processo de formação do ato normativo. É feito antes de sua conclusão, e, por conseqüência, visa impedir que ele adentre o ordenamento jurídico justamente para não afrontar a Constituição. Exatamente por essa razão que se fala em prevenção. Logicamente, portanto, inadmissível será a hipótese de controle preventivo que tenha como objeto lei concluída. Pode ele ser realizado pelo Legislativo, pelo Executivo e pelo Judiciário.
Já no controle repressivo (denominado também de a posteriori, posterior) ocorre o inverso, pois ele é feito sobre a lei, deste modo, após a conclusão do ato normativo. Ele objetiva expurgar do ordenamento lei que esteja afrontando o Texto Constitucional, por conter um vício. É realizado, em regra, pelo Poder Judiciário, mas para que isso ocorra, ele deve ser provocado. O termo utilizado “em regra” deve-se ao fato de que o controle repressivo pode, eventualmente, ser realizado pelo Poder Legislativo e Pelo Executivo.
6. CRITÉRIOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Podemos analisar os sistemas constitucionais sobre dois prismas. O primeiro seria através de um critério denominado subjetivo ou orgânico, enquanto que o segundo seria denominado de formal. Nesse diapasão, podemos dividir, ainda, o critério subjetivo em: a) sistema difuso e b) sistema concentrado. Já o critério formal, dividir-se-á em: a) sistema pela via incidental e b) sistema pela via principal. Com base nisso, passamos agora a estudar cada instituto.
Historicamente falando, o sistema difuso, surge em meados de 1803, nos Estados Unidos, quando a então Suprema Corte norte-americana julga o famoso caso Marbury versus Madison, tendo como presidente o Juiz John Marshall, Chief Justice.
Pode ser denominado também de controle concreto, incidental ou indireto. Ele pode ser feito por meio de exceção (defesa) ou por meio de ação. Esta última realizada através das ações constitucionais: habeas corpus e mandado de segurança. Quem possui legitimidade para realizá-lo são os tribunais (qualquer tribunal) e os juízes, podendo ser efetivado em qualquer processo. Característica marcante desse instituto, como o próprio nome sugere, deve-se ao fato de ele se apresentar sobre um caso concreto, com o escopo de declarar a inconstitucionalidade de forma incidental (incidenter tantum), de modo a tornar prejudicial o exame do mérito. Por conta disso, é que se vislumbra a necessidade de um processo judicial, na qual a declaração da inconstitucionalidade de determinada lei (lato sensu) não seja o objeto principal da ação.
No entendimento da doutrina o pedido principal não é a declaração de inconstitucionalidade, pois este seria apenas a causa de pedir processual. Por fim, sendo declarada a inconstitucionalidade, e, por conseguinte, afastada a aplicação da norma maculada, o pronunciamento jurisdicional gera efeito inter partes, ou seja, vale somente em relação às partes litigantes daquela relação jurídica processual. Vale dizer que, a lei declarada inconstitucional (frise-se, para as partes) continua valendo em relação a terceiros. Com efeito, como objetivo é proteger o interesse particular, se fala em controle subjetivo.
Passamos a estudar agora o sistema concentrado. É designado também de controle abstrato, ou por via de exceção. Diferentemente do que ocorre no difuso, o modelo concentrado tem como principal fundamento eliminar do ordenamento jurídico lei tida inconstitucional. Aqui não há que se falar em indivíduos sendo deduzidos dos efeitos de uma lei contaminada. O órgão legítimo, no caso do Brasil, para realizar essa forma de controle é tão-somente o STF (Supremo Tribunal Federal). Não se leva em conta o caso concreto, ou seja, o conflito entre Fulano e Beltrano, mas sim a inconstitucionalidade da lei (lato sensu). Os efeitos gerados pela inconstitucionalidade são erga omnes, para todos. Significa dizer que a decisão da Alta Corte tem efeito para todos. Por ser a proteção da Carta Magna o objetivo principal, se fala em controle objetivo.
Feita a distinção entre os sistemas, oportuno trazer a lição do ilustre doutrinador Mauro Cappelleti:
No sistema difuso, “o poder de controle pertence a todos os órgãos judiciários de um dado ordenamento jurídico, que o exercitam incidentalmente, na ocasião da decisão das causas de sua competência”, mas, no sistema concentrado, “o poder de controle se concentra, ao contrário, em um único órgão judiciário”. (CAPPELLETTI, 1999, apud FACHIN, 2008)
Adequado se faz o momento para que possamos analisar o critério formal (sistema por via incidental e sistema por via principal). O primeiro sistema se verifica no controle difuso, o que explica o nome controle incidental, acima tratado. Denominá-lo como tal, significa dizer que o controle de constitucionalidade que surge é por acaso, por incidente. Surge através de uma relação jurídica processual nas quais os litigantes buscam uma solução para a lide existente entre eles.
Já o segundo sistema, ao revés do anterior, se consubstancia em um fundamento totalmente antagônico, pois o que se pretende é saber se a lei, em sentido abstrato, apresenta vício (formal ou material), ou seja, se é ou não inconstitucional. Discute-se tão somente a inconstitucionalidade ou não do ato normativo, da lei.
7. MEDIDAS PROCESSUAIS DE FISCALIZAÇÃO DIRETA DA CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL
Doravante, trataremos especificamente das chamadas ações constitucionais, que nada mais são do que instrumentos processuais que permitem a realização do controle pela via direta. Trata-se de controle realizado unicamente perante a Alta Corte. Segundo Paulo e Alexandrino (2008, p. 67) classificam-se em: a) Ação de Inconstitucionalidade genérica, b) Ação de Inconstitucionalidade por omissão, c) Ação de Inconstitucionalidade Interventiva, d) Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON) e, e) Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
7.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica
Dentre todas as ações tratadas no tópico anterior, essa se destaca por ser a mais conhecida e mais utilizada. É ação pela qual, tem-se como intento primordial nulificar lei ou ato normativo federal ou estadual colidente com a Carta Magna. Nela está estampado o fundamento constitucional para que o Órgão de Cúpula do Poder Judiciário possa julgar a ADI (e também a ADECON).[5]
Dispõe o artigo 102, I, in verbis:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.
Conforme o exposto na alínea é possível vislumbrar o amparo constitucional concedido à Corte Suprema.
Embasado nesse dispositivo constitucional, surge um aspecto de grande divergência na doutrina. Diz respeito ao objeto da ADIn. É certo que o Texto Constitucional não faz menção a ação direta de inconstitucionalidade relativa à lei ou ato normativo municipal. Justamente nesse ponto concentra-se a discussão. O entendimento predominante faz prevalecer a tese do “silêncio eloqüente”. Seus seguidores alegam que o Texto Constitucional, foi expresso e certo ao fixar lei ou ato normativo federal ou estadual. Afirmam que a Constituição poderia perfeitamente ter trazido a hipótese que compreendesse as leis editadas pelo município. E, justamente por não fazer, asseguram que a vontade do legislador foi retirar a competência do Supremo em tal situação, configurando-se, assim, o “silêncio eloqüente”.
Atente-se para o entendimento corroborado no Supremo:
(...) o nosso sistema de controle de constitucionalidade não admite o controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal; nem mesmo perante o Supremo Tribunal Federal quem tem, como competência precípua, a sua guarda, art. 102. O único controle de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal que se admite é o controle-difuso, exercido “incidenter tantum”, por todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso concreto. (...) (STF, Reclamação nº 337, RDA 199/201). (SILVA NETO, 2009, p. 193) (grifo nosso)
Com efeito, concomitantemente a essa idéia de não competência do Supremo diante as leis municipais, existe o disposto no §2º, do artigo 125 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observado os princípios estabelecidos nesta Constituição:
(...)
§2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
Nesse raciocínio, podemos concluir que somente o Tribunal local é que terá competência para julgar ADIn de leis editadas pelo município. Não pode existir o confronto entre lei municipal versus Constituição Federal, mas tão-somente de lei municipal versus Constituição Estadual.
Outrossim, a doutrina elenca uma série de situações que não admitem ser passíveis de objeto de ADIn. Segundo Silva Neto (2009, p. 194-196) são elas: ato normativo privado, convenção coletiva, súmula, súmula vinculante, normas revogadas e decreto regulamentar (excepcionalidade quanto ao decreto autônomo, pois segundo o Supremo haveria possibilidade de declaração de inconstitucionalidade).
Ora, uma vez tratados os casos de inadmissibilidade de controle pelo STF, coerente advertir os casos constantes na doutrina acerca da possibilidade de impugnação por parte da ADI genérica. Consistem, segundo Clève (2000) apud Fachin (2008), nos seguintes atos: emenda constitucional, emenda de revisão constitucional, lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medida provisória, decreto legislativo, resolução e regimento dos tribunais.
Também na Constituição, encontramos o dispositivo legal que elenca quais são as pessoas legitimadas para propor a ação.
Subsume o artigo 103:
Art. 103. Podem propor ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade:
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Importante consideração cabe quanto à pessoa do Presidente da República. Pois, é perfeitamente possível que, embora ele tenha sancionado a lei “Z”, por exemplo, é de todo aceitável a possibilidade de que ele, futuramente, possa impetrar ação direta de inconstitucionalidade contra essa mesma lei. A Constituição lhe confere essa possibilidade.
Outro aspecto relevante é no tocante ao Procurador-Geral da República (inciso VI). O Texto Constitucional de 1934 concedia competência restrita ao Procurador-Geral da República para propor tal demanda. Falava-se em guardião exclusivo da Constituição Federal. Tal entendimento prevaleceu, ainda, nas Constituições de 1967/69. Somente então com o advento da Constituição de 1988 é que se ampliou o rol de legitimados. Por esse motivo se diz que ela democratizou o acesso ao instituto jurídico.
Com base nesse novo rol, a doutrina cria a distinção entre competência especial (legitimidade especial) e competência universal (legitimidade universal). Os legitimados especiais são: a Mesa da Assembléia Legislativa ou Câmara Legislativa do Distrito Federal (inciso IV), o Governador de Estado ou do Distrito Federal (inciso V) e, a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (inciso IX). Denominam-se como tal, pois além da competência para impetrar a ADI, existe também uma condição de pressuposto para a demanda, ou seja, somente poderão propor a ação se demonstrado a pertinência temática. Em outras palavras, vale dizer que elas deverão ter interesse direto na lei que é alvo de impugnação. Portanto, concomitante a legitimidade especial, exige-se também a demonstração do interesse na matéria tratada na ação, que nada mais é do que a pertinência temática, e, após essa constatação é que esses agentes estarão aptos para a propositura a ação direta.
Nesse sentido:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONFEDERAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO BRASIL (CSPB) – AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA “AD CAUSAM” POR FALTA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA – INSUFICIÊNCIA, PARA TAL EFEITO, DA MERA EXISTÊNCIA DE INTERESSE DE CARÁTER ECONÔMICO – FINANCEIRO – HIPÓTESES DE INCOGNOSCIBILIDADE – AÇÃO NÃO CONHECIDA. – O requisito da pertinência temática – que se traduz na relação de congruência que necessariamente deve existir entre os objetivos estatutários ou as finalidades institucionais da entidade autora e o conteúdo material da norma questionada em sede de controle abstrato – foi erigido à condição de pressuposto qualificador da própria legitimidade ativa “ad causam” para efeito de instauração do processo objetivo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. MED. CAUT. EM ADI Nº 1.157-DF RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO. (AGRA, 2007, p. 548-549) (grifo nosso)
Por exclusão dos incisos supracitados, chega-se a legitimidade universal. São tratados assim em virtude da capacidade para propor a ação independentemente do seu vínculo com a matéria. Não se observa a necessidade de pertinência temática, sendo possível, portanto, propor a ação direta de inconstitucionalidade sobre qualquer tema que tenham interesse.
No mais, imperioso se faz observar as características dessa ação. Esse tipo de controle é apresentado como abstrato, concentrado, e direto. Direto, pois nenhuma outra instância, que não a judiciária, poderá apreciar a questão. Estamos diante de competência originária e exclusiva da Corte. É ela ainda responsável por apreciar pedido de medida liminar através dessa ação.[6] Concentrado, por ser apenas o STF capaz de julgar as ações diretas de controle de constitucionalidade.[7] Por fim, abstrato, uma vez que sua realização não depende de um litígio concreto.
Acerca das características do instituto, preconizam bem, e, de forma inteligível, Araújo; Nunes Júnior (2005) apud Fachin (2008):
O processo da ação direta genérica de inconstitucionalidade apresenta as seguintes peculiaridades: não há lide; os legitimados não têm poder de disposição; não se admite desistência; não cabe ação rescisória; o Supremo Tribunal Federal não pode ampliar o objeto da ação, inobstante pode decidir com fundamento diverso daquele apresentado; não cabe intervenção de terceiro, embora o relator do processo possa admitir a manifestação do “amigo da corte” (amicus curiae), que consiste em órgãos ou entidades os quais interferem no processo, para debater sobre o tema da ação.
Pertinente a questão quanto ao prazo prescricional. Segundo Agra (2007, p. 549), em se tratando de ações que tendem proteger a Supremacia da Constituição, não há que se falar em prazo prescricional.
Temos ainda que, quando da declaração de inconstitucionalidade, os efeitos ali gerados serão: a) erga omnes e b) vinculante. “Erga omnes”, pois terá eficácia contra todos e; vinculante por vincular a Administração Pública (no âmbito federal – estadual – municipal) e os órgãos do Poder Judiciário.
Para que uma norma tenha, de fato, declarada sua inconstitucionalidade, indispensável se faz a efetivação da chamada cláusula de reserva de plenário. Encontra previsão constitucional, e está prevista no artigo 97 da CF, in verbis:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. (grifo nosso)
Exposto isto, podemos concluir que para a declaração de inconstitucionalidade de uma norma exige-se um quórum, que deve ser de maioria absoluta.[8] Para tanto, é necessário que pelo menos seis, dos onze, ministros (maioria absoluta) votem a favor da inconstitucionalidade. Isso nos casos de órgãos colegiados. Pois, o voto do juiz singular (nos juízes monocráticos) tem o condão de declarar, igualmente, a inconstitucionalidade.
Via de regra, a extensão dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade é ex tunc. Assim, declarada inconstitucional a norma, os efeitos retroagirão à data de sua entrada em vigor, por reconhecer que a norma não tem validade jurídica. Todavia, existe a situação aludida no artigo 27 da Lei nº 9.868/99.[9] Diz ela que em duas situações o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, poderá, por razões de (1) segurança jurídica e (2) excepcional interesse social, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Entretanto, necessário trazer ao estudo o papel da Advocacia-Geral da União.[10] Ocorre que ela é encarregada de proteger os interesses do Governo Federal quando a constitucionalidade de uma norma se opor aos interesses da União. Surge para ela a discricionariedade de defender a lei atacada, podendo omitir-se em atuar. Existe um prazo de quinze dias para que o Advogado-Geral da União defenda a norma, buscando, assim, demonstrar sua constitucionalidade.
7.2 Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
A ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADInPO) é instituto recente no constitucionalismo brasileiro. Foi inspirada no artigo 283 da Constituição de Portugal, e, encontra-se indigitada no §2º do artigo 103 da Constituição Federal.
Dispõe o artigo:
Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:
(...)
§2º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente, para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.
Os legitimados para a propositura de tal demanda são aqueles mesmos que podem propor a ADIn genérica. O rol é, portanto, aquele do artigo 103 da Constituição Federal. Ao revés do que ocorre no modelo tratado no item anterior, na qual o escopo da ação é expulsar a norma do ordenamento jurídico, pois não se restabeleceria a integridade do ordenamento jurídico, aqui se procura regulamentar determinada situação jurídica, para que se possa, assim, ver efetivado os direitos pré-estabelecidos na Constituição Federal. Tal efetivação pode ser aplicada inclusive às normas que não tratam de direitos fundamentais.
Ocorre que a Constituição demanda uma conduta positiva, que encontra respaldo na inércia, na atitude negativa do legislador ou do órgão administrativo responsável por tornar efetivo aquele preceito não auto-aplicável da Constituição. É exatamente nisso que consiste o objeto da ADInPO, ou seja, procura-se dar eficácia, principalmente, às denominadas normas de eficácia limitada. Consiste em atribuir concretude às normas que dependam de complementação.
A clássica doutrina constitucionalista costuma dividir a omissão em: a) total e b) parcial.
Acerca dessa divisão, imprescindível se faz anotar o entendimento do atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Ferreira Mendes:
A omissão é total quando há ausência de normas, e parcial na hipótese de cumprimento imperfeito ou insatisfatório da obrigação constitucional de cumprir um comando normativo. (MENDES, 1996, p. 289). (grifo nosso)
Outrossim, também se faz de grande estima a lição de Agra (2007, p. 553):
A ausência de regulamentação que pode ensejar a ação de inconstitucionalidade por omissão não se resume à ausência da produção legislativa necessária. Também pode ser motivo para sua impetração a regulamentação de dispositivo constitucional de forma imperfeita, não atendendo às condições estabelecidas para garantir eficácia normativa ao dispositivo. (grifo nosso)
Ante o exposto, o §2º do artigo 103 da Constituição Federal, aponta o caminho de como se deve proceder frente às omissões. Abrem-se duas alternativas frente o julgamento procedente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, quais sejam: a) estipula o texto constitucional que em se tratando de competência do órgão administrativo, este deve ser comunicado no prazo de 30 dias para que a omissão seja suprida, sob pena de responsabilidade por descumprimento de ordem judicial [11]; e b) no caso do Poder Legislativo, este deve ser cientificado para tomar as providências imprescindíveis. Segundo Agra (2007, p. 553), a legitimidade do Poder Legislativo para a propositura da ação pode ser excepcionada pelo Poder Executivo, quando este deixar de regulamentar aqueles comandos normativos que complementam a Lei Maior por meio de decreto.
Questão tormentosa aufere-se a eficácia da decisão judicial que envolve o Poder Legislativo. Nessa situação poder-se-ia indagar: como constranger o legislador a legislar? A resposta a essa questão é, por ora, um tanto quanto complexa, haja vista que no sistema constitucional contemporâneo, não existem meios adequados para tanto.
É de se destacar, ainda, certas peculiaridades do sistema. Na primeira delas o Supremo Tribunal Federal (ADIn 23-2-SP, Questão de Ordem, Rel. Min. Sydney Sanches) decidiu ser, no entanto, desnecessária a audiência do Advogado-Geral da União, porque inexiste norma legal ou ato normativo a defender. Decidiu, ainda, essa mesma Corte (ADIn 361, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 5.10.1990, DJU 26.10.1990) ser incabível o pedido de liminar, porquanto se nem mesmo o provimento judicial último pode implicar o afastamento da omissão, quanto mais o exame preliminar. E, no mais (ADIn 1.836-SP, Rel. Min. Moreira Alves), decidiu também que a ação de inconstitucionalidade por omissão fica prejudicada, por perda de objeto, quando revogada a norma que necessitava de regulamentação para se tornar efetiva.
A título de conclusão, interessante prenotarmos que a ADInPO é forma de controle concentrado, tendo, portanto, efeitos ex tunc, que retroagirão até o nascedouro da inconstitucionalidade, e erga omnes, gerando eficácia para todos os cidadãos. Não há que se cogitar a hipótese de cabimento dessa ação em sede de controle difuso (aplicação diante um fato concreto). Nesse caso, o instrumento adequado seria o mandado de injunção. O individuo que tivesse seu direito lesado ou ameaçado poderia se valer dele. Teria, portanto, efeito ex tunc e inter partes.
7.3 Ação Direta de Inconstitucionalidade interventiva
Trata-se da primeira forma de controle direto de constitucionalidade surgida no Brasil. Foi introduzida em nosso ordenamento pela Constituição de 1934 (artigo 12, §2°).
O artigo 18 da Constituição Federal trata da Organização Político-Administrativa, vejamos:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. (grifo nosso)
O artigo é claro ao estabelecer, como regra, a autonomia entre os entes federativos. São autônomos, como regra, embora existam situações em que a Constituição permite intervenção nos entes. São as hipóteses previstas no artigo 34 da Carta Magna. Dispõe o artigo 34, in verbis:
Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
I – manter a integridade nacional;
II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;
V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo por motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (grifo nosso)
Vislumbra-se que o artigo trás de forma clara o princípio da não intervenção, elencando, ainda, através de um rol taxativo, as hipóteses em que se admite a mitigação ao princípio.
As alíneas contidas no inciso VII merecem atenção especial, haja vista que tratam dos chamados princípios sensíveis constitucionais. São assim denominados, pois quando “tocados” reagem imediatamente. Conforme Moraes (2007, p. 738) a inobservância a esses princípios tem por conseqüência a intervenção na autonomia política, que é considerada a mais grave das sanções politicamente existentes em um Estado Federal.
A doutrina constitucionalista elenca como sendo duas as finalidades desta ação, quais sejam: a) jurídica e b) política. A primeira delas busca expurgar do ordenamento as normas declaradas inconstitucionais, assegurando assim a Supremacia Constitucional; enquanto que a segunda consiste na intervenção do ente federativo que infringir os princípios sensíveis.
O Procurador-Geral da República é quem detém legitimidade exclusiva para a propositura da ação interventiva.[12] Todavia, ele atua acobertado pela discricionariedade, ou seja, ele não pode ser obrigado a ajuizar a ação, sendo, ainda, perfeitamente possível que ele determine também o arquivamento da representação que lhe tenha sido dirigida quando for o caso.
Ademais, a ação direta de inconstitucionalidade interventiva dependerá também de provimento do Supremo Tribunal Federal, órgão para qual a representação é endereçada.
Com efeito, a decretação da intervenção federal será sempre realizada pelo Presidente da República.[13] Este, ao expedir o decreto determinará a intervenção federal, tendo como conseqüência o rompimento da autonomia do Estado-Membro. Entretanto, tomará tal atitude como “ultima ratio” somente se não for suficiente a ordem do decreto que suspende a execução do ato impugnado, pois se presume que esta seja suficiente para o restabelecimento da normalidade.
O decreto presidencial que decretar a intervenção será igualmente responsável por estabelecer o prazo de duração da medida, bem como a amplitude e as condições de execução.
Por fim, é pacífico o entendimento de não cabimento da participação Advogado-Geral da União bem como a impossibilidade de concessão de medidas cautelares.
7.4 Ação Declaratória de Constitucionalidade
Foi com a Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, que a ação de declaratória de constitucionalidade passou a fazer parte do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro.
Trata-se de ação muito semelhante à ADIn, não fosse um aspecto fundamental que as diferenciasse, qual seja: o fato de que na ação direta de inconstitucionalidade o fito primordial consubstancia-se em declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, enquanto que na ação declaratória de constitucionalidade, como o próprio nome sugere, busca-se a declaração da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. Justamente por essa razão, é que a doutrina a considera como uma “ADIn de sinal trocado”.
Com o pretexto de solucionar o dissenso nos juízos inferiores, o indivíduo pode se valer dessa ação, para que o Supremo Tribunal Federal (órgão com competência exclusiva e originária) declare a constitucionalidade, quando for o caso, de certo ato normativo ou lei (leia-se, federal), pondo fim, assim, a discussão sobre sua legitimidade.
Encontra-se disciplinada, no Texto Constitucional, no §2º do artigo 102.
Subsume o artigo:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
§2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (grifo nosso)
A redação dada a esse parágrafo deve-se a Emenda Constitucional n° 45, de 8 de dezembro de 2004, denominada reforma do Judiciário. Antes dessa mudança esta ação poderia ser proposta tão somente pelas seguintes pessoas: a) Presidente da República, b) Procurador-Geral da República e c) pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Com o advento da emenda, o rol dos legitimados foi ampliado, passando a conferir legitimidade para todos aquelas pessoas, entes e órgãos elencados no artigo 103 da Constituição Federal. Portanto, percebe-se uma clara democratização entre os legitimados para a propositura da ADECON e da ADIn, que agora são os mesmos, afinal não existia sequer argumento plausível que sustentasse a diminuição dos legitimados.
No mais, importante atentarmos para a seguinte característica:
É a única norma que possui força vinculante por expressa disposição da Lei Maior devendo todos os órgãos judiciais e administrativos se adequar às suas proposições. (BASTOS, 1997, apud AGRA, 2007). (grifo nosso)
E, ainda, o ensinamento do ilustre Agra (2007, p. 557):
Da mesma forma, tendo sido a ação declaratória deferida, decidindo pela constitucionalidade da norma, fica impedida a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, e as ações que estejam tramitando no controle difuso com esse objeto devem ser extintas.
Fato é que o Supremo, tanto na ADIn quanto na ADECON, não pode apreciar a validade de outros dispositivos constitucionais que não vinculados ao pedido do autor. Restringe-se, portanto, ao pedido deste, sendo que poderá o STF, ainda, proclamar a constitucionalidade da lei ou ato normativo, frise-se, por fundamentos distintos daqueles apontados pelo autor. Tanto uma quanto a outra, por não se sujeitarem a prescrição ou a decadência, podem ser propostas a qualquer tempo. Não se admite a desistência. Assim como na ação direta, a ação declaratória possui efeito erga omnes (contra todos), ex tunc (retroativos) e força vinculante. Por fim, ambas não podem ser objetos de ação rescisória, conferindo, ainda, as suas decisões de mérito o caráter da irrecorribilidade.
Diante o exposto, não resta dúvida quanto a grande similaridade entre as duas ações.
Segundo Paulo e Alexandrino (2008, p. 126) a ADIn e a ADECON são ações denominadas dúplices ou ambivalentes, pois as decisões nelas proferidas geram eficácia jurídica. A razão de se atribuir a ADECON a denominação de “ADIn de sinal trocado” lhe confere uma característica na qual a eficácia de sua decisão seja inversa, ou seja, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente a ação declaratória, e, proclamada a constitucionalidade julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente a ação declaratória.
Como já exposto, é cediço que ela busca manter a harmonia do sistema constitucional. Por essa razão, apresenta um requisito essencial e indispensável para o cabimento da demanda. Trata-se da existência de relevante controvérsia judicial que possa acarretar a instabilidade do sistema[14]. Frise-se que o termo ora utilizado foi o “judicial”, pois já é pacífico o entendimento no STF quanto à impossibilidade de propositura da ação declaratória com base em mera polêmica doutrinária, ou seja, deve existir invariavelmente a controvérsia judicial, não sendo aceitável a comprovação de desavença doutrinária.
Diferentemente da ação direta, que permite a propositura perante normas federais e estaduais, a ação declaratória pode ser ajuizada tão somente frente às leis ou atos normativos federais. Apesar dessa mitigação frente à ADIn, a ação declaratória possui um efeito reflexo muito interessante, haja vista que no momento em que é declarada a constitucionalidade de determinada lei federal, por conseqüência, as leis estaduais paralelas, ou seja, aquelas com o mesmo conteúdo, serão igualmente tidas como constitucionais.
Não paira dúvida, desde que presentes os requisitos necessários para seu cabimento, quanto à possibilidade de concessão de liminar. É pacífico o entendimento no Supremo.
O artigo 21 da Lei nº 9.868/99 versa sobre a medida cautelar em sede de ação declaratória de constitucionalidade, é o que se expõe:
Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo. (grifo nosso)
Da leitura do supra-exposto, pode-se notar que a eficácia da cautelar não conduz a suspensão da norma objeto da ação. Possui, ainda, efeito contra todos (erga omnes) e efeito vinculante.
Por fim, indispensável analisarmos a questão da constitucionalidade ou não dessa ação.
Abordando o tema, registre-se:
Muitas celeumas têm sido suscitadas acerca da constitucionalidade ou não da ação declaratória de constitucionalidade. Afirmam que ela quebra o contraditório e a ampla defesa porque não há parte para se contrapor ao pedido; que veda o acesso ao Judiciário porque a decisão tem efeito vinculante; acusam-na de esfacelar a autonomia dos juízes e gerar uma hierarquia entre os escalões judiciários, obrigando as instâncias inferiores a respeitar as superiores; arrefece o controle de constitucionalidade via difusa, dando primazia ao controle concentrado; dentre outras teratologias.[15] (AGRA, 2007, p. 558-559).
E, ainda, anote-se a posição do nobre Brito (1996) apud Agra (2007):
Edvaldo Brito entende que ela não deve nem mesmo ser enquadrada como uma ação. Esclarece o professor baiano seu pensamento: “Diante do exposto, a chamada ação declaratória de constitucionalidade não participa da natureza jurídica de ação, porque a formulação da legitimidade ad causam, no §4° que foi introduzido na Constituição ao seu art. 103, não enseja qual é a parte contraria. Logo, não podendo haver ação sem partes, a inovação não pode prevalecer, sob pena de infirmar toda a pragmática da comunicação normativa processual”.
Frente a essas divergências, o Supremo Tribunal Federal já pacificou a questão, colocando fim a discussão, e, afirmando a sua constitucionalidade.
Outrossim, não vinga a necessidade da atuação do Advogado-Geral da União. Sua presença é indispensável na ação direta, tendo em vista que nela se faz necessário a defesa da lei ou ato normativo atacado, e, como aqui o objetivo pretendido não é atacar a inconstitucionalidade, mas sim o efeito contrário, ou seja, declarar sua constitucionalidade, não há motivo que o Advogado-Geral da União atue como defensor.
7.5 Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental
A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental está insculpida no artigo 102, §1º da Constituição Federal.
Dispõe o artigo:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
§1º. A Argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal.
Moraes (s/d) apud Carvalho (2004) leciona de forma esplêndida ao afirmar que a argüição é a única modalidade, dentre aquelas em que o Supremo tem competência exclusiva e originária, que é preceituada em norma constitucional de eficácia limitada.
Denomina-se de eficácia limitada, pois foi necessário lei posterior que a regulamentasse. E foi a Lei nº. 9.882, de 03 de dezembro de 1999, que se encarregou de regulamentá-la.
Assim como na ADIn e na ADECON, os legitimados para a propositura da argüição de preceito fundamental são aquelas pessoas, órgãos e entidades arroladas no art. 103, I ao IX da Constituição Federal. Aplicam-se, ainda, na ADPF as observações já feitas anteriormente acerca da pertinência temática.
Tem por objetivo evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público.[16] Entretanto, é requisito essencial para a propositura da ação que a lesão seja concretizável, ou seja, que se verifique a existência de elementos capazes de configurar a sua efetiva realização.
Com base no Texto Constitucional, podemos extrair características de fundamental importância acerca do instituto. Primeiramente necessário se faz tecer certa consideração acerca da expressão “preceito fundamental”. Até hoje não é pacífica a doutrina no que tange esse aspecto. Muitas são as propostas dos constitucionalistas numa tentativa de buscar a melhor definição da expressão. No entanto, não se chega a um consenso.
Nessa linha de raciocínio, importante anotar o entendimento de alguns dos grandes estudiosos do constitucionalismo brasileiro:
Pensamos que a utilização da palavra “preceito” em vez de “princípio” teve como objetivo evitar que o conceito a ser declinado pela doutrina e pela jurisprudência acabasse restrito aos princípios fundamentais arrolados no Título I da Constituição Federal. Além disso, a utilização de uma expressão mais genérica, “preceito”, permite que sejam abrangidos pelo conceito não só os princípios, mas também as regras, em suma, qualquer norma, desde que possa ser qualificada como fundamental. (PAULO e ALEXANDRINO, 2008, p. 139) (grifo nosso)
Registre-se, ainda, o entendimento do nobre Daniel Sarmento (1999) apud Silva Neto (2009) que examina de forma brilhante a questão:
(...) parece-nos que o legislador agiu bem ao não arrolar taxativamente quais, dentre os dispositivos constitucionais, devem ser considerados como preceitos fundamentais. Ao valer-se de um conceito jurídico indeterminado, a lei conferiu uma maleabilidade maior à jurisprudência, que poderá acomodar com mais facilidade mudanças no mundo dos fatos, bem como a interpretação evolutiva da Constituição. Caberá, sobretudo ao Supremo Tribunal Federal, definir tal conceito, sempre baseando-se na consideração do dado axiológico subjacente ao ordenamento constitucional. (grifo nosso)
Por fim, destaque-se também o entendimento da jurisprudência: “Compete ao Supremo Tribunal Federal o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preceito fundamental”.[17]
Feita tais considerações, devemos atentar, ainda, para outro ponto de grande importância fixada no Texto Constitucional, qual seja: “preceito fundamental, decorrente desta Constituição.” Ora, diante isso, cristalino está que as normas implícitas fundamentais, e não somente aquelas expressas na Constituição, estão resguardadas pelo manto da ADPF.
Silva Neto (2009, p. 205) estabelece dois critérios que podem ser propostos com o fim de classificar a ADPF, quais sejam: o momento e o fim da argüição.
Com base nessa classificação e com amparo na Lei nº. 9.882/99 passemos a estudar a classificação supra. O artigo 1º, “caput” estabelece duas espécies de argüição ao dizer que a “argüição tem por objetivo evitar ou reparar a lesão a preceito fundamental, resultante de ato do poder público”. “Evitar lesão” poder-se-ia enquadrar como espécie de argüição preventiva, enquanto que a expressão “reparar lesão” cuidaria da argüição repressiva. Preventiva relaciona-se a idéia de evitar um dano (no caso a lesão) ainda não existente, porém que se encontra na iminência de ocorrer. Já a repressiva cuida da hipótese em que o dano já ocorreu efetivamente. Tais considerações dizem respeito ao momento da argüição de preceito fundamental.
Quanto ao fim da ADPF, podemos nos valer da idéia contida no artigo 1º da mesma Lei em estudo. Leciona o artigo que a argüição “será proposta perante o Supremo Tribunal Federal”, ou seja, é o simbólico caso que ocorre nas ações diretas, ou seja, consiste num típico controle concentrado-principal.
Outrossim, o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.882/99 traz grandes e importantes inovações acerca do instituto.
Dispõe o artigo:
Art. 1. A argüição prevista no § 1.º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I – quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. (grifo nosso)
Pois bem.
Percebe-se a grande diferença da ADPF em relação à ADIn e a ADECON. Consubstancia-se no fato de que pode ser objeto de argüição leis e atos normativos municipais, inclusive os pré-constitucionais. Nos outros dois citados institutos isso não é possível. A não possibilidade de controle das leis ou ato normativos municipais deve-se ao fato de se procurar evitar uma grande demanda ao Supremo, caso contrário transformaria a Alta Corte em um verdadeiro caos. Todavia, a urgência do objeto protegido na ADPF, ou seja, o preceito fundamental, quebrou com a regra de impossibilidade de controle das inconstitucionalidades municipais, haja vista que o objetivo disso consistiu em impedir a grande divergência que os Tribunais de Justiça poderiam adotar a respeito de uma mesma matéria. Outra inovação foi a possibilidade controle da constitucionalidade de normas anteriores à Constituição.[18]
Conforme já estudado anteriormente, sabemos que o controle concentrado de constitucionalidade não exige um caso concreto, sendo utilizado tão somente diante da lei (lato sensu). É justamente com a ADPF que surge a quebra dessa regra. Com o seu surgimento no direito brasileiro, passa a existir a possibilidade de se realizar controle concentrado diante casos concretos. Com isso a extensão dos seus efeitos será erga omnes. Agra (2007, p. 571) denomina essa hipótese de controle incidental de constitucionalidade como “argüição por equiparação”.
No tocante a possibilidade de concessão de liminar, devemos estudar o artigo 5º da Lei n. 9.882/99.
Dispõe o artigo, in verbis:
Art. 5. O Supremo Tribunal Federal, por decisão de maioria absoluta de seus membros, poderá deferir o pedido de medida liminar na argüição de preceito fundamental.
§1. Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.
§2. O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de 5 (cinco) dias.
§3. A medida liminar poderá consistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüição de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.
Diante o exposto não resta dúvida quanto à possibilidade de concessão de liminar, desde que a decisão se de por maioria absoluta dos membros do STF. Pode ser concedida no caso de extrema urgência ou perigo de grave lesão e, até mesmo, no período de recesso. Possui eficácia geral e pode ter, ainda, efeito vinculante caso o Supremo assim determine.
Cabe, ainda, em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental, analisar o princípio da subsidiariedade. A sua fundamentação encontra previsão no artigo 4, §1º da Lei nº 9.882/99.[19] Ora, quando for possível a impetração de outra medida judicial, ou até mesmo admitida outra ação direta para a realização do controle de constitucionalidade para sanar a lesão ou ameaça resultante de ato do poder público, não há que se falar em ADPF.
Vimos que é cabível a ação de inconstitucionalidade por omissão quando o Poder Legislativo se omitir na regulamentação de determinada matéria. Por essa razão, não se admite a ADPF no caso de omissão, a não ser que os remédios jurídicos adequados já tenham sido utilizados e não tenham, mesmo assim, conseguido atingir o efeito esperado.
Por fim, reza o §3º do artigo 10 da Lei em estudo que a “decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público”.
Não se admitirá a possibilidade de ação rescisória à decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em ADPF. Será ela irrecorrível. [20]
8. CONCLUSÃO
1) Como já analisado e discutido no início do presente trabalho, vimos que o sistema jurídico brasileiro encontra-se edificado sobre a idéia da rigidez e da supremacia da Constituição Federal. Isso se deve ao dificultoso processo de alteração que o Texto Constitucional demanda em relação às demais normas do ordenamento. O nosso sistema jurídico não é conivente com a idéia de descumprimento daquilo que se encontra estabelecido na Carta Magna. Não é admitida sua violação por quem quer que seja, independentemente de se tratar de particular ou agente do Poder Público.
2) Como discorrido no estudo, vimos que vigora em nosso ordenamento o princípio da “presunção da constitucionalidade”, ou seja, toda norma presumir-se-á constitucional até que se declare o contrário, portanto, sua inconstitucionalidade.
3) Dentre os sistemas de constitucionalidade das leis existentes (político, jurisdicional e misto), concluímos que o Brasil se identifica com o controle misto, pois trata de um meio termo entre os outros dois. O controle das leis e dos atos ora é realizado por Órgãos Políticos ora realizado pelo Poder Judiciário.
4) No tocante a inconstitucionalidade, concluímos que ela pode figurar tanto no plano da omissão quanto no plano da ação. Configurada estará a primeira hipótese quando notarmos a inércia, o “non facere” do órgão estatal. Já a omissão no plano da ação consiste justamente no inverso, ou seja, o Poder Público está agindo, mas concomitante a isso está violando os princípios e regras pré-estabelecidos na Carta.
5) Quanto ao momento em que o controle é realizado, analisamos dois aspectos. O primeiro seria o controle realizado durante o processo de formação do ato normativo, ou seja, quando estivermos diante o nascedouro da norma falar-se-á em controle preventivo. O objetivo consiste justamente em impedir a inserção de lei no ordenamento jurídico brasileiro para que ela não possa, em um momento ulterior, afrontar a Constituição. O inverso ocorre no controle repressivo, haja vista que é feito após a conclusão do ato normativo, procurando assim retirar a norma que padece de vício do ordenamento, visando assim restabelecer a segurança jurídica.
6) Quanto aos critérios que o ordenamento dispõe para realizar o controle de constitucionalidade, concluímos que ele pode ser denominado de subjetivo, desdobrando-se ainda em difuso e concentrado; ou formal. O sistema difuso (sistema por via incidental, classificação conforme o critério formal) apresenta-se diante um caso concreto, na qual o escopo maior não reside em declarar a inconstitucionalidade da lei “Z”, mas sim declará-la de forma incidental, ou seja, procura-se resolver o obstáculo que prejudica o exame do mérito. Pode ser realizado por todos os Órgãos do Poder Judiciário. Já no controle concentrado (sistema por via principal, classificação conforme o critério formal) ocorre totalmente o inverso, pois ele atua de forma a declarar a inconstitucionalidade da lei em si, desconsiderando, portanto o conflito existente entre as partes na relação jurídica processual. É realizado pelo Supremo Tribunal Federal, órgão que possui competência exclusiva. Existe, ainda, um rol estabelecido na Constituição que elenca quais as pessoas, órgãos e entidade capazes de provocar a Alta Corte.
7) Analisamos também, uma por uma, as chamadas ações constitucionais que permitem a realização do controle de constitucionalidade pela via direta, e vimos que são as seguintes: ação direta de inconstitucionalidade genérica, ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ação direta de inconstitucionalidade interventiva, ação declaratória de constitucionalidade e, por fim, argüição de descumprimento de preceito fundamental.
8) A ADIn genérica é a mais comum e a mais utilizada. Opera frente lei ou ato normativo federal ou estadual. Dentre os legitimados para sua propositura, podemos encontrar os legitimados universais e os especiais. Os especiais são aqueles que precisam demonstrar a chamada pertinência temática. Os universais ficam definidos por exclusão. Os efeitos da decisão são “erga omnes” e vinculantes. Para a declaração da constitucionalidade, deve-se observar, ainda, a cláusula de reserva de plenário, consagrada no art. 97 da CF.
9) A ação direta de inconstitucionalidade por omissão fora inspirada no artigo 283 da Constituição de Portugal. Conforme estudado, o objetivo aqui não consiste em retirar a norma do ordenamento jurídico, pois tal atitude não seria suficiente para restabelecer a integridade do ordenamento. Procura-se regulamentar determinada situação jurídica, para que os indivíduos possam, assim, ser alcançados pelos direitos estabelecidos na Constituição. Importante lembrar que em sede de controle difuso, o instrumento adequado seria o mandado de injunção. A omissão por parte do Poder Público pode ser total ou parcial. Os efeitos são ex tunc e erga omnes.
10) Concluímos, também, que no nosso sistema vigora o princípio da não intervenção. Entretanto, em determinadas hipóteses vislumbramos certa mitigação a esse princípio. Uma delas seria no caso de violação dos princípios constitucionais sensíveis. Nessa hipótese estaria autorizada a ação direta de inconstitucionalidade interventiva. O Presidente da República determinará a intervenção federal, quando a ordem que suspende a execução do ato impugnado não for suficiente para restabelecer normalidade no ordenamento.
11) Por sua vez, a ação declaratória de constitucionalidade apresenta-se como "ADIn de sinal trocado" devido a grande semelhança que possui com a ADIn. Recebe tal denominação, pois o objeto da ação aqui é a declaração da constitucionalidade, enquanto que na ADIn se objetiva o inverso, ou seja, a declaração da inconstitucionalidade. Procura-se acabar com o dissenso nos tribunais inferiores. Pode ser objeto de ADECON lei ou ato normativo federal apenas. Possui efeito vinculante, “erga omnes” e “ex tunc”. Para o cabimento da deve-se configurar a relevante controvérsia judicial, não sendo suficiente a mera divergência doutrinária. Existia, ainda, até pouco tempo certa dúvida por parte dos doutrinadores quanto sua constitucionalidade. Contudo, vimos que o entendimento do Supremo já é pacífico e afirma sua constitucionalidade.
12) A argüição de descumprimento de preceito fundamental trata da única modalidade de ação, dentre as estudadas, que é preceituada em norma constitucional de eficácia limitada. Possui os mesmos legitimados da ADIn e da ADECON. Trouxe, ainda, grandes inovações para o ordenamento, pois podem ser objeto de ADPF lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive normas anteriores à Constituição. Existe a chamada “argüição por equiparão”, responsável por quebrar com aquela regra de não-realização do controle concentrado frente a casos concretos. Pode ser preventiva (quando procura evitar o dano) ou repressiva (quando busca reparar a lesão causada por ato proveniente do Poder Púbico). Vigora o princípio da subsidiariedade, na qual veda a possibilidade de impetração da ADPF quando ainda subsistirem outros meios e remédios jurídicos para sanar a inconstitucionalidade.
13) Por todo o exposto no trabalho, concluímos que a segurança do ordenamento jurídico brasileiro estará em xeque toda vez que subsistir qualquer ato ou ofensa que afronte o sistema basilar do Estado pré-estabelecido na Constituição da República Federativa do Brasil.
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MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da; SANTOS, William Douglas Resinente dos. Controle de constitucionalidade: uma abordagem teórica e jurisprudencial. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2002.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Controle da constitucionalidade. 7. ed., rev. e atual. Niterói, RJ: Impetus, 2008.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de direito constitucional: atualizado até a EC nº 56, de 20 de dezembro de 2007, e súmula vinculante nº 12, de 14 de agosto de 2008 (com comentários às leis nºs 11.417/06 - súmula vinculante e 11.418/06 - repercussão geral de questões constitucionais). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
VADE Mecum Compacto. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, 1488 p.
[1] Segundo José Afonso da Silva (2008, p. 45) a rigidez constitucional emana da grande dificuldade para alteração do Texto Constitucional em relação às demais normas do ordenamento.
[2] Para o português: “Não fazer o que deve fazer”.
[3] Sobre o tema: LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 142.
[4] A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 92, estabelece quais são os órgãos que compõem o Poder Judiciário.
[5] A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON) será tratada em momento oportuno.
[6] Artigo 102, inciso I, alíneas “a” e “q” da Constituição Federal.
[7] O controle é feito apenas pelo Supremo Tribunal Federal, em regra, pois como tratamos acima no texto (Art. 125, §2 da CF), existem casos em que os Tribunais de Justiça ficam responsáveis por realizar o controle.
[8] Vale lembrar que a Cláusula de Reserva de Plenário não se confunde com Quórum de Instalação de sessão. De acordo com o art. 22 da Lei nº 9.868/99, é necessário que exista pelo menos oito, dos onze, ministros para que a sessão de julgamento da ADIn no Supremo se realize.
[9] Lei que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
[10] O art. 131 da Constituição Federal disciplina a instituição.
[11] O STF foi influenciado pelo Tribunal Constitucional português que igualmente concede os mesmos efeitos para a inconstitucionalidade por omissão em Portugal. Eis as palavras de Canotilho e Vital Moreira: ”Todavia, o mecanismo constitucional de controle da inconstitucionalidade por omissão (art. 283) está longe de ser eficaz, por limitações constitucionais e por outras decorrentes da própria natureza peculiar da inconstitucionalidade por omissão. O TC só pode ser chamado a verificar a omissão de medidas legislativas e não de outras, e não pode fazer mais do que verificar e declarar que a omissão existe, não podendo nem pronunciar-se sobre o modo de suprir a deficiência nem muito menos substituir-se aos órgãos legislativos componentes”. CANOTILHO, José Joaquim e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 263.
[12] No âmbito federal, quem detém a legitimidade para a propositura da ação direta interventiva é o Procurador-Geral da República (exclusivamente ele). Entretanto, no âmbito estadual, a legitimidade para a propositura da ação competirá ao Procurador-Geral de Justiça. Com base nisso, podemos concluir que nessa ação há uma sensível redução das pessoas legitimadas no artigo 103, da Constituição Federal (rol das pessoas legitimadas para a propositura da ADIn e da ADECON). Conclui-se que tão somente o chefe do Ministério Público é que poderá demandá-la.
[13] Conforme disposto no artigo 84, inciso X da Constituição Federal.
[14] Vale Lembrar que para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade não é exigida a comprovação da existência de relevante controvérsia judicial sobre a lei impugnada. Em ação direta, a lei ou ato normativo poderá ser impugnado a partir da data de sua publicação, mesmo que não tenha sofrido nenhuma impugnação ou não tenha produzido nenhum de seus efeitos essências (a lei ou ato normativo poderá estar, até, no período de vacância – vacatio legis). PAULO, Vicente e ALEXANDRINO, Marcelo. Controle de Constitucionalidade. Niterói, Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2008, p. 129.
[15] Foi no julgamento da ADC 01-1-DF, que teve como relator o Min. Moreira Alves, que ficou livre a ação declaratória de constitucionalidade da imputação de inconstitucionalidade. Ficaram afastadas as alegações de quebra da separação dos poderes, do acesso ao Judiciário, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
[16] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: teoria do Estado e da constituição; direito constitucional positivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 296.
[17] Trecho extraído da ementa da ADPF 1/RJ, rel. Min. Néri da Silveira, 03.02.2000.
[18] As normas do ordenamento anterior que se chocaram com o novo Texto Magno foram imediatamente, sem necessidade de pronunciamento judicial, retiradas do ordenamento jurídico, não recepcionadas. AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 564.
[19] “Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”.
[20] Art. 12 da Lei nº 9.882/99.
Discente do 9° termo "C" do Curso de Direito das Faculdades Integradas "Antonio Eufrásio de Toledo" de Presidente Prudente/SP. Atualmente, estagiário concursado do Ministério Público Federal, Procuradoria da República de Presidente Prudente/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DURAN, Renato Baptista Toledo. O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 fev 2010, 08:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/19222/o-sistema-de-controle-de-constitucionalidade-brasileiro. Acesso em: 29 nov 2024.
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