DESCULPAS
Antecipadamente apresentamos nossas desculpas àqueles que nos honraram com a leitura do artigo EXTRADIÇÃO – LEI 6.815/80 (A quem compete conceder a extradição?), pelo fato de, neste também simplório trabalho - que esperamos contar com a mesma honraria –, sermos, forçosamente, repetitivos com relação a assuntos e textos legais abordados naquele artigo. Dissemos forçosamente não só porque entendemos que o assunto doravante abordado é de extrema seriedade – assim não só visto por aqueles que não se preocupam com a paz social, o que só impera numa sociedade observadora das normas de conduta estabelecidas para nesse estado conviver -, carecendo, pois, da ênfase que lhe emprestamos, mas também porque, certamente, contamos com a, da mesma forma honrosa, atenção de leitores que não tiveram acesso ao quanto anteriormente explanamos a respeito do tema e, sobretudo, para que nossas observações, se errôneas, sejam havidas como frutos de nossos parcos conhecimentos para dar interpretações de acordo com a vontade do legislador brasileiro, e de forma alguma venham a ser consideradas levianas.
Queremos novamente registrar que nada de pessoal temos contra o senhor Cesare Battisti – e não poderíamos ter, pois sequer o conhecemos. A referência que fazemos ao seu processo extradicional é um recurso de que nos valemos com fim meramente didático. Portanto, o entendimento que, modestamente, aqui externaremos se aplica a todo e qualquer processo do gênero. Outrossim, mais uma vez, ressaltamos que somos apartidários e estamos sem praticar o exercício do voto desde 2002; nem para síndico do prédio em que residimos votamos.
Por fim, desculpamo-nos por sermos incapazes de evitar entrarmos na seara política, o que para muitos, certamente, será considerado uma impropriedade neste tipo de exposição.
O PRIMEIRO IMBRÓGLIO EM QUE SE ENVOLVEU O STF
Em nosso trabalho Extradição – Lei nº 6.815/80 (A quem compete conceder a extradição?) demonstramos, ou pelo menos tentamos demonstrar, o imbróglio em que se envolveu o nosso Supremo Tribunal Federal quando foi a si submetida a apreciação do pleito extradicional do senhor Cesare Battisti - cidadão de nacionalidade italiana, foragido da justiça de seu país, que, por encomenda, a não ser que as evidências sejam traidoras, aqui se encontra de há muito homiziado (quando livre acobertado por autoridades; e depois de preso não lhe faltaram a solidariedade e os afagos dessas mesmas pessoas). Esse cidadão foi reclamado pela Itália, pela via de processo extradicional, fundado em tratado de extradição que o Brasil mantém com aquela nação e que vigora desde o dia 1º de agosto de 1993.
Diante de pressões de setores que não têm compromisso com o ordenamento jurídico nacional, o STF se mostrou tíbio, vacilante, desconhecedor de prerrogativas intransferíveis que lhe são asseguradas por nossa Carta Magna. Imiscui-se numa delongada e injustificável discussão a respeito de uma situação que, tivesse ele assumido a postura e a dignidade que se esperava de nossa Corte Suprema - órgão máximo de um dos poderes-pilares de nossa República -, agindo com a independência que lhe assegura o art. 2º da Constituição Federal, não teria acontecido. Nesse mesmo passo alertamos que a extradição, principalmente a previamente entabulada, é instituto delicadíssimo, muito principalmente porque o quanto decidido a seu respeito, certamente, influirá no prestígio de nossa Nação perante a comunidade global. Poderá se constituir tanto como título que ratifique sua honradez, como também que a desacredite perante as demais nações. Deixamos claro também que a tibieza do STF poderia encaminhá-lo a uma enrascada, a um desgaste de sua imagem junto à comunidade jurídica internacional. Não deu outra. Senão vejamos.
O ACÓRDÃO
Após as vexatórias procrastinações no processamento da vindicação feita pela Itália, a começar pelas maquinações perpetradas pelo ex-ministro da Justiça do Brasil, senhor Tarso Genro, e a terminar pelas não só injustificáveis, mas, acima de tudo, inconcebíveis vacilações do Supremo Tribunal Federal para se reconhecer competente para processar e julgar o feito, mesmo tendo diante de si cristalinas disposições legais de fácil interpretação por qualquer do povo, desde que relativamente alfabetizado, e isso porque a legislação extradicional tem como principais destinatários os não nacionais, pelo que o legislador se empenhou ao máximo para escrevê-la de maneira simples e clara, proporcionando-lhes mais fácil assimilação - e dizendo isto estamos deixando claro que, abordando mais uma vez o tema, não queremos nos fazer “sui generis” doutrinador - foi, finalmente, publicado o ansiosamente esperado acórdão decisório no processado, cuja ementa nº 08 foi lavrada nos seguintes termos:
“EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado proclamado à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do extraditando e de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro votos vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, DEVE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando” (grifos nossos).
Mais um vexame!
Estaríamos faltando com a verdade se disséssemos que não tínhamos a esperança de que pelo menos “um”, “unzinho”, ministro do STF tomasse conhecimento do quanto foi por nós abordado no artigo em que anteriormente nos ocupamos. E por isso, confessamos, esperávamos uma decisão afastada do quanto consubstanciado na ementa nº 08. Mas não nos causou surpresa. À época não descartamos a possibilidade de o STF decidir de acordo com a conveniência de muitos interessados na permanência do extraditando no Brasil. Tanto é verdade que no artigo retro mencionado chegamos a conjeturar: “Não conseguimos tirar de nossa mente a imagem de nove (9) juízes-ministros do STF (a composição plena no julgamento – dois (2) não participaram), trajando suas vistosas togas pretas, ajoelhados e curvados diante do Presidente da República e, a nove (9) mãos, entregando-lhe o acórdão e dizendo-lhe: ‘Senhor Presidente, nós concluímos que a súplica da Itália está revestida das formalidades legais, que seu pleito tem procedência e, assim, decidimos pela concessão da extradição. Mas, como o Senhor é o “Todo Poderoso”, a decisão de entregar o paciente-reclamado à Itália fica ao bel-prazer de Vossa Excelência”.
Se a decisão não foi conforme esperávamos, também, felizmente, não chegou a ser humilhante como por nós imaginada.
Publicado o acórdão, incontinenti, a nossa mídia propalou aos quatro ventos: “SFT publica acórdão de extradição de Battisti e libera decisão de Lula”; “STF autoriza extradição de Cesare Battisti, mas decisão final está nas mãos de Lula”; “Supremo decide dar palavra final à Lula e causa polêmica”; ... A extradição do senhor Cesare Battisti dependerá única e exclusivamente da vontade do Presidente Lula. Foi essa a errônea interpretação que a imprensa nacional deu ao quanto consubstanciado na Ementa nº 08 e que foi irresponsavelmente repassada para a sociedade brasileira. E não se ouviu uma voz sequer do STF contrariando esse errôneo entendimento, pelo que “gregos e troianos”, leigos e alguns operadores do Direito têm-na como expressão da vontade do órgão que a prolatou.
- UMA DECISÃO NEM TANTO AO GOSTO DO PRESIDENTE
No trabalho anterior alertamos: “Temos certeza absoluta de que desse imbróglio todo em que se envolveu o STF o que mais ansiosamente o Presidente Lula espera é o acórdão concedendo a extradição, mas com expressa menção de que a entrega do paciente ficará a seu exclusivo critério. É tudo o que ele quer. É a segurança de que precisa para denegar a extradição requerida pela Itália. Recebendo o acórdão nos termos em que espera – que o traduzirá como uma expressa autorização para extraditar ou não -, “em cima da perna”, proferirá despacho denegatório da extradição requerida e determinará o incontinenti livramento do paciente”.
Denota-se da ementa que a decisão não saiu ao gosto do freguês. E ele percebeu que não; é suficientemente inteligente para tanto. Mas, se aproveitando da irresponsabilidade de nossa mídia, fingiu não entender, ou melhor, entendeu conforme sua conveniência.
- UMA DECISÃO TIMIDAMENTE COVARDE
Conclui o decreto do STF: “... deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando”.
Estamos a dizer que a decisão do STF é timidamente covarde porque assim se revela: espelha um conselho, uma sugestão, uma recomendação que não lho foi solicitada e tampouco está autorizado a tanto. A um Presidente da República não se admite desconhecer a lei e muito menos os mandamentos constitucionais. Por que não covarde? Covarde seria a decisão se o STF, abdicando de sua prerrogativa, pura, simples, explicita e humilhantemente declarasse que extraditar ou não o senhor Cesare Battisti compete ao Presidente da República. Terminantemente, não é uma decisão imperativa, corajosa, como deveria ser e para o que o STF está credenciado a proferir pela Constituição Federal e pela lei ordinária pertinente; uma decisão pura, simples e explicitamente declaratória da legalidade do pedido, reconhecedora de sua procedência e determinadora da extradição requerida.
- OU UMA DECISÃO ARDILOSA?
Se não se admite a decisão como timidamente covarde, resta tão-só a alternativa de considerá-la ardilosa, mas que, antecipamo-nos, recusamos nisso acreditar, em face do extremado “temor reverencial” que o Supremo Tribunal Federal demonstra ter em relação ao Presidente da República - e não é privilégio seu exclusivo, seguem-no as demais instituições, o que - parodiando o próprio Presidente Lula - “jamais se viu na história deste País” – e, especialmente, pelo fato de, se assim, ardilosa, se apresentasse, revelar uma extremada covardia para com o mais Alto Mandatário da nação brasileira. Mas não tiramos a razão de quem assim a concebe, pois seu conteúdo dá margem a essa conjectura. Senão reparem. Não vamos partir de pressupostos! Asseveramos com segurança que a mais Alta Corte de Justiça do Brasil é sobejamente conhecedora do ordenamento jurídico nacional – e seria inadmissível concebê-la como Alta Corte se o conhecimento jurídico de seus pares não fosse diferenciado dos demais concidadãos – é a presunção da grande maioria dos jurisdicionados brasileiros. As disposições constitucionais e a lei específica regedora do instituto da extradição são, pois, de inteiro domínio das invejáveis mentes dos juízes-ministros do Supremo Tribunal Federal. E é baseado nisso que facultado a muitos está o entendimento de que, decidindo o Supremo Tribunal Federal da forma como decidiu, levando a imprensa a dar uma interpretação completamente afastada do quanto consubstanciado no julgado – não se sabe se propositalmente, se por ignorância ou se motivada pela imprópria locução recomendatória empregada pelo STF (“... deve o Presidente ...”) – pretendeu induzir o Presidente da República a erro, o que se concretizaria decidindo pela negação ao pleito da Itália. Isso seria uma flagrante desobediência a uma ordem judicial e sujeitaria o Presidente a responder por crime de responsabilidade, propiciando, assim, a abertura processo de “impeachment” contra o mesmo, o que poderia levá-lo à perda do mandato e à inelegibilidade.
- SUBMISSÃO ABSOLUTA OU DISCRICIONARIEDADE?
Deferida a extradição, os ilustrados juízes-ministros do Supremo Tribunal Federal resolveram discutir a execução do julgado. Repetimos, diante da clareza dos dispositivos constitucionais e da legislação ordinária pertinentes, injustificadamente e, pois, uma providência desnecessária e inconcebível. E a decisão a que se chegou - se é que se pode dizer que o que se concluiu é uma decisão - foi a seguinte:
“Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente” (grifos nossos).
Enfatizamos mais uma vez: o tema ora em tela é por nós encarado com extrema seriedade. Diante da decisão supra transcrita – não reconhecimento da submissão absoluta do Presidente ao acórdão e não reconhecimento do poder discricionário do Presidente da República - não encontramos expressão outra que melhor possa caracterizá-la – e que certamente por muitos será considerada chula, indigna de fazer parte de um trabalho que se pretende jurídico: “um balaio de gatos”.
Submissão do Presidente República ao acórdão
No Direito brasileiro o Presidente da República é figura praticamente estranha ao processo extradicional. Já no nosso trabalho Extradição – Lei nº 6.815/80 alertávamos: “Da análise do quanto contido no art. 86 da Lei nº 6.815/80, a outra conclusão não se pode chegar senão a de que o honroso papel que desempenha o Governo num processo de extradição é o de “porta voz” do povo brasileiro, o que não se faz necessariamente com a intervenção direta do seu Chefe Maior”. Por determinação da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, o Governo brasileiro se faz representar nesses processos pelo Ministério das Relações Exteriores. Reza o art. 80 desse diploma: “A extradição será requerida por via diplomática ou, na falta de agente diplomático do Estado que a requerer, diretamente de Governo a Governo, ...” (grifos nossos). O legislador caracterizou o processo extradicional como eminentemente judicial. O Governo funciona como um auxiliar, um elo de ligação - o que não revela subjugação alguma; não como “fiel da balança”. A intromissão do Governo no processo extradicional foi levada pelo legislador ao texto do Estatuto do Estrangeiro por coerência; para que o texto ficasse em consonância com mandamento da Constituição Federal (art. 84: “Compete ao Presidente da República: ...; inciso VII - “manter relações com Estados estrangeiros...;”.
A Lei nº 6.815/80 reservou ao Governo alguns procedimentos de natureza meramente administrativa, como não poderiam deixar de ser, e que nem a leigos deixam margem para assim não serem considerados. São procedimentos referentes ao recebimento do pedido de extradição (art. 80); à prisão administrativa do extraditando (art. 81); ao encaminhamento da solicitação da extradição ao STF (art. 84 ); à regularização do processo (art. 85, §§ 2º e 3º); à comunicação da decisão sobre o requerimento - deferimento ou indeferimento (art. 86); à verificação da conveniência ou não da entrega imediata do extraditando, em face do seu estado de saúde (art. 89, parágrafo único) ou no caso de ele estar sendo processado ou condenado por cometimento de contravenção (art. 90); e, por fim, os referentes à efetivação da entrega do paciente (art. 91).
Não se sabe de onde o STF tirou a infeliz idéia de que no julgamento do pedido de extradição do senhor Cesare Battisti necessário se fazia discutir e decidir sobre a submissão do Presidente da República ao acórdão por si prolatado no processo de extradição desse senhor, que pelo visto é havido como figura diferenciada dos demais mortais – não se tem notícia de que outro pedido de extradição tenha deixado o STF de “togas tão justas” como as que, sem razão alguma, travestiram-se alguns de seus Ministros nesse julgamento. Tratou o STF o processo extradicional do senhor Cesare Battisti como se tivesse sido submetida à sua apreciação uma demanda de “natureza contenciosa”, havendo como partes litigantes a República Italiana e a República Federativa do Brasil. O que se esperava do STF era a decisão sobre a procedência ou improcedência do pedido da Itália – é a incumbência que a Constituição Federal (art. 102) e a Lei nº 6.815/80 (art. 83) lhe conferem.
Discutir e decidir se o Presidente da República devia ou não obediência ao acórdão proferido no processo não foi tanto. O pior estava por vir. E veio! E veio de forma inimaginável. O Supremo Tribunal Federal da República Federativa do Brasil, contrariando não só a máxima de que “decisão judicial não se discute se cumpre”, e, sobretudo, afrontando disposição constitucional que declara expressamente que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...” (art. 5º, “caput”), não reconheceu a submissão do Presidente da República ao comando contido no acórdão prolatado no processo de extradição do senhor Cesare Battisti. Mantida essa covarde tomada de posição do STF – que só pode ser havida como uma ilegal e conveniente excepcionalidade -, não vemos por que não se providenciar a revogação do inciso I, letra g, do art. 102 da Constituição Federal e também do art. 83 da Lei nº 6.815/80. Por que submeter à apreciação do STF uma solicitação de extradição se sua decisão é de nenhum valor?
Discricionariedade do Presidente da República
Manifestamos aqui, também, nosso modesto entendimento quanto a essa absurda proposição do STF que, felizmente, foi descartada no julgado. Não há que se falar em poder discricionário do Presidente da República em matéria de extradição no Direito brasileiro. Enfatizamos: em nenhuma situação! Pelo contrário; encontra-se na legislação pertinente trancamento a propósitos discricionários. São justamente os impedientes. Não há como coexistir impedientes de extradição (art. 77) com poder discricionário; são incompatíveis. Só assim não entende quem não quer: os convenientes. Com facilidade se demonstra a incompatibilidade. Suponhamos que o senhor Cesare Battisti não tivesse cometido crimes comuns e sim crimes políticos, assim reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, decorrendo disso o reconhecimento da ilegalidade e, consequentemente, da improcedência do pleito da Itália. Se o Presidente, contrariando o entendimento do STF e usando desse inventado poder discricionário, concedesse a extradição do senhor Cesare Battisti o que achariam seus aficionados de sua decisão? Não temos a menor dúvida de que aqueles que, hoje, entendem que extraditar ou não compete ao Presidente - descartados os que cegamente o concebem como “semideus” - não teriam o mesmo entendimento. Sem pestanejar, exigiriam a observância do nosso ordenamento jurídico: invocariam o art. 102, letra g, da Constituição Federal e arts. 77, § 2º, e 83 da Lei nº 6.815/80 para que ele se reconhecesse incompetente para decidir sobre extradição e, sobretudo, os arts. 5º, inciso LII, da C.F. e 77, inciso VII, da Lei nº 6.815/80, para que o mesmo também se considerasse impedido de extraditar estrangeiro por cometimento de crime político ou de opinião. Rechaçada, pois, seria a decisão do Presidente - temos plena certeza. A situação ora conjeturada torna de mais fácil compreensão as nefastas implicações decorrentes da intromissão do Presidente num processo extradicional sobrepujando-se a uma decisão do STF. Ver-se-ia que tal postura não é para ser suportada num país que “constitui-se em Estado Democrático de Direito” (art. 1º da CF). A insegurança jurídica é incompatível com o estado democrático de direito, como também é a instabilidade institucional motivada pelo desrespeito aos princípios constitucionais da independência e harmonia dos poderes (art. 2º da C.F.). Tal expediente é próprio de regimes autoritários.
Nem contra, nem a favor; muito pelo contrário
Os ilustrados juízes-ministros do Supremo sacrificaram seus privilegiados neurônios na busca de uma solução para o dilema que eles próprios criaram, qual seja: o Presidente está obrigado a extraditar o senhor Cesare Battisti conforme deferido pelo STF ou, muito embora tenha o STF decidido pela extradição, ele não está obrigado a dar cumprimento ao deferimento - ele pode extraditar ou não, decidirá como bem lhe aprouver?
E “magistralmente”, decidiram: “Não reconhecimento”, o que vale dizer: o STF não reconhece a absoluta submissão do Presidente da República ao quanto por ele decido, mas também não reconhece que o Presidente tenha poder discricionário, ou seja, que a extradição fique ao seu bel-prazer. Esse “Não reconhecimento” equivale a dizer: “Não somos contra nem a favor, muito pelo contrário”. Em resumo, discutiu-se, discutiu-se, e nada se decidiu a respeito do dilema que o próprio STF criou. E da “indecisão” resultou a não menos “magistral” e inútil conclusão:
“Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente”.
Meu Deus! A celebração do tratado extradicional entre Brasil e Itália não teve outro escopo senão o de os celebrantes obrigarem-se reciprocamente ao cumprimento do quanto nele entabulado. Está no papel; o Estado brasileiro e o Estado italiano sabem que se impuseram uma obrigação que, preenchidos os requisitos estabelecidos no tratado, não pode ser negada, sob pena de desgaste da honradez de um perante o outro e, também, perante a comunidade internacional, especialmente quando, hoje, se vive num mundo globalizado. O art. 1º do Decreto Presidencial nº 863, de 9 de julho de 1993, diz o seguinte: “O Tratado de Extradição, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, em 17 de outubro de 1989, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém” (grifos nossos). No Artigo I do Tratado de Extradição Brasil-Itália está estabelecido: “Cada uma das Partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da Parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal” (grifos nossos). Em artigo anterior (Extradição – Lei nº 6.815/80) dissemos: “... o Governo deve cumprir uma obrigação (no caso de decisão concessória) a si imposta por ele próprio, decorrente de mandamento estabelecido em Tratado ou Acordo-Lei ao qual, em nome do povo brasileiro, se vinculou e que, também em nome desse mesmo povo e, sobretudo, em respeito à sua honra, deve cumpri-la”.
Desnecessário, inócuo, o alerta do STF, como não poderia deixar de ser, pois fruto (podre) de uma injustificada apreciação.
Com sua, hoje, peculiar soberba, quando indagado pela mídia sobre o quanto decidido pelo STF, do indestrutível pedestal em que se imagina estar, o Presidente da República respondeu: "Eu só me pronunciarei sobre o caso quando os autos do processo estiverem no meu gabinete, com o parecer da Advocacia-Geral da União, que é quem vai me orientar; “o órgão tem o tempo que for necessário para dar um parecer adequado” (grifos nossos). Repararam? “Eu”. É ele quem se pronunciará; não é o Governo brasileiro. Será um pronunciamento pessoal, de sua inteira conveniência; não levará em conta os interesses da Nação. A arrogância é deveras demasiada. Não se encontra na regulação da extradição nem mesmo menção ao Presidente da República. Em alguns passos “próprios” a legislação fala em Governo ou órgãos do Governo (Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Justiça).
UMA NOVA SUPREMA INSTÂNCIA
Até então, enquanto vige a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, tem-se o Supremo Tribunal Federal como a mais Alta Corte de Justiça da nação brasileira, a quem compete, precipuamente, a guarda da Constituição (art. 102). Mas a malfadada decisão proferida no processo extradicional do senhor Cesare Battisti, consubstanciada na Ementa nº 08, que ensejou interpretação errônea não só da mídia, mas também, por incrível que possa parecer, de muitos, e até conceituadíssimos, operadores do Direito - alguns dos quais não devotam simpatia ao extraditando e, pois, insuspeitos de parcialidade - poderá criar uma nova instância, “extrajudicial”, com poderes superiores e, pois, suficientes para invalidar decisão do STF, aqui só vista no Brasil Império, na vigência da Constituição de 1824, época em que, em face do regime, não era de se admirar que a vontade do Imperador prevalecesse sobre tudo. Hoje, mundo afora, isso não se observa nem mesmo nos países em que é adotado o regime monárquico. Denota-se, é claro, em regimes ditatoriais e em algumas repúblicas islâmicas, nas quais, “constitucionalmente”, os poderes dos ayatolás estão acima das demais instituições.
Faz-se hipócrita quem diz não ver, hoje, no nosso Presidente a marca da soberba, da arrogância, da prepotência, que por sinal, deixa transparecer, o compraz. Não estamos sendo levianos. Voltamos a transcrever suas declarações após a publicação do acórdão: "Eu só me pronunciarei sobre o caso quando os autos do processo estiverem no meu gabinete, com o parecer da Advocacia-Geral da União, que é quem vai me orientar” (grifos nossos).
Posiciona-se, pois, o Presidente da República, com o aval do Supremo Tribunal Federal, já que esclarecimento algum deu quanto ao conteúdo do julgado, como o Supremo Julgador do Estado brasileiro e órgão a quem cabe, inclusive, decidir em última instância causas “jurídicas” delicadas quando a instituição constitucionalmente credenciada para tanto se acovarda diante dessas situações. E não se diga que é por ignorância; que entende caber a ele tal prerrogativa por não estar devidamente familiarizado com as letras, muito principalmente com as letras jurídicas. É por soberba mesmo. Não concebemos que o povo brasileiro esteja a “bem remunerar” uma Advocacia-Geral da União incompetente ao ponto de não dar uma correta interpretação do instituto da extradição à luz de uma legislação tão clara. E é por isso que não cremos que seus membros já não tenham tentado dissuadi-lo da tirana idéia de ignorar a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Mas bem feito! Atrás dissemos: ‘... a decisão do STF é timidamente covarde porque assim se revela: espelha um conselho, uma sugestão, uma recomendação - que não lho foi solicitada e tampouco está autorizado a tanto’. Não, o Presidente não se mostrou mal-agradecido. Arrogantemente e simplesmente, recusou uma recomendação que não foi por si solicitada e que foi fornecida por quem não lhe inspira confiança. Ele tem consigo que o Tesouro Nacional remunera órgão de sua inteira confiança a quem, quando bem lhe convier, poderá solicitar confiáveis recomendações.
A nebulosa decisão do Supremo Tribunal Federal foi suficiente para levar o Presidente da República a se convencer e a se consagrar “o líder supremo”, sem limites, da nação brasileira: o “ayatoLula”, entidade suprema, detentora de poderes que, estão também acima das prerrogativas constitucionalmente asseguradas às instituições da República Federativa do Brasil – frisamos, inclusive as do Poder Judiciário na sua mais alta expressão, o Supremo Tribunal Federal. Esse seu convencimento de poder é tanto que ele se acha no direito de agredir a outrora havida como a mais sagrada das instituições - a família, o que fez por diversas vezes ao invadir os lares brasileiros com palavrões em transmissões radiofônicas e televisivas de suas entrevistas e comícios. Perguntamos: como repreender um filho ou neto nosso que, em plena ceia do Natal solte um daqueles palavrões usados pelo Presidente Lula? Repreendido, dirá: ‘Aaah, meu pai, ou meu vô, o Lula que é o Presidente da República xinga, por que eu não posso? Ah, meu pai, ou meu vô, deixa disso, tá liberado’.
COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF
O art. 102 da Constituição Federal preceitua: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originalmente: ...; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ...” (grifos nossos). Isto já preceituava o art. 114, inciso I, letra g, da C.F. de 1967, em cuja vigência foi promulgado o Estatuto do Estrangeiro.
Por gentileza, perdoem-nos por, a seguir, pormenorizar passos que para muitos serão considerados desnecessários, e que, certamente, motivará sermos havidos como chatos e repetitivos. Mas, diante da recalcitrância de alguns, desrespeito de outros e da seriedade com que tratamos o tema, os qualificativos serão para nós de somenos importância.
- O JULGAMENTO
“Julgar”, juridicamente falando, segundo o “Velho Aurélio”, significa “decidir como juiz ou árbitro”; “dar sentença”, “sentenciar” ...
O Supremo Tribunal Federal está autorizado pela nossa Carta Magna a “julgar”, como órgão judicante que é, e “único” (competência original), a extradição solicitada por Estado Estrangeiro (art. 102). Por força dessa determinação o art. 83 da Lei nº 6.815/80 preceitua: “Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, ...”. O art. 77, § 2º, desse mesmo diploma, ao se referir aos impedientes da extradição, já prenuncia isso ao estabelecer que “Caberá, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, a apreciação do caráter da infração” (grifo nosso).
Submetida, pois, à apreciação do Supremo Tribunal Federal um pedido de extradição é-lhe imposto, observados os requisitos legais, o julgamento da pretensão, o que importará em reconhecer a procedência ou improcedência do pleito.
- A CONCESSÃO DA EXTRADIÇÃO
“Conceder”, também segundo o retro citado “pai dos burros”, significa, “deferir”, “atender”, “concordar”, “anuir” ...
Também no nosso artigo Extradição – Lei nº 6.815/80 enfatizamos: “Do quanto preceituado no art. 86, retro transcrito, depreende-se facilmente que o Supremo Tribunal Federal não pode, e não deve, ser havido como órgão consultivo do Governo e tampouco sua decisão ser interpretada como autorização para que ele, Governo, conceda ou não a extradição. O Supremo Tribunal Federal é a instituição concedente da extradição. Ele e somente ele pode concedê-la ou negá-la. Sua decisão é, sim, autorizadora, como assim a quis o legislador, mas a autorização nela contida é para que o Governo entregue o paciente reclamado ou negue sua entrega com a certeza de que, em qualquer caso, assim o faz, resguardando a honradez e os interesses da Nação brasileira, respaldado em conclusão de sua mais Alta Corte de Justiça”. Eis o teor do art. 86 da Lei nº 6.815/80: “Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional” (grifos nossos). Que fato é esse a ser comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à missão diplomática do Estado requerente e de onde o mesmo provém? Ora, o Estado requerente faz uma solicitação ao Brasil e o que sua missão diplomática espera é uma resposta à extradição requerida; e essa resposta só pode se traduzir no deferimento ou indeferimento do pleito. E a concessão ou não da extradição só pode provir do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe julgar e, por fim, decidir sobre a extradição solicitada. Não há nem como se conjeturar que a decisão provenha do Presidente da República, que, como antes dito, é figura estranha ao processo extradicional. Outrossim, não há como se conceber que a comunicação do fato parta do Presidente da República para o Ministério das Relações Exteriores.
Conforme reconhecido – procedente ou improcedente - será o pedido deferido ou indeferido, será a extradição requerida concedida ou não pelo Supremo Tribunal Federal.
Não se pode chegar a outra conclusão senão a de que ao Supremo Tribunal Federal compete conceder, deferir, a extradição. Já no art. 81 da Lei 6.815/80 isso está bastante claro: “O Ministério das Relações Exteriores remeterá o pedido ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando colocando-o à disposição do Supremo Tribunal Federal”. A expressão “colocando-o à disposição” é reveladora disso. Preso, desde então, a sorte do extraditando subordinar-se-á ao comando do STF, que é expresso no acórdão proferido no respectivo processo. E o legislador não descuidou de assegurar o cumprimento do comando sentencial proferido pela Suprema Corte. Assim é que no parágrafo único desse mesmo dispositivo impõe: “A prisão perdurará até o julgamento final do Supremo Tribunal Federal, não sendo admitidas a liberdade vigiada, a prisão domiciliar, nem a prisão albergue” (grifos nossos). Ficará o extraditando preso, cercado de todas as cautelas para evitar sua fuga, no aguardo da decisão do STF sobre sua extradição ou não para a nação requerente. Não há como se entender de outra forma.
E não só na Constituição (art. 102) e nos dispositivos regedores da extradição da Lei 6.815/80 percebemos que a competência é exclusivamente do Supremo Tribunal Federal. Ao regular a expulsão essa mesma lei estabelece no art. 60: “Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação” (grifos nossos). Pois é, quando o legislador entendeu que a saída forçosa de um estrangeiro do nosso território se desse por força de ato exclusivo e discricionário do Presidente da República – sem precedê-lo ato de qualquer outro órgão, assim o fez; e o fez “explicitamente E mais, no seu parágrafo único proclama o mesmo art. 60: “A medida expulsória ou sua revogação far-se-á por decreto”. Outro não pode ser esse decreto senão um decreto administrativo, um decreto presidencial. Podemos ser considerados maçantes, mas tentando esclarecer ainda mais dizemos que o art. 102 da C.F. preceitua: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, ... : I – processar e julgar, originalmente: ...; g) a extradição solicitada por Estado Estrangeiro; ...”; e que o art. 83 da Lei nº 6.815/80 impõe: “Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão” (grifos nossos). A extradição é, pois, concedida “por decisão” do Supremo Tribunal Federal; decisão que se consubstancia numa sentença, num acórdão, num decreto, mas “um decreto judicial”.
- IMUTABILIDADE DA DECISÃO DO STF
É do seguinte teor o complemento do art. 83 da Lei nº 6.815/80: “... não cabendo recurso da decisão” (grifos nossos).
Consignamos também no trabalho Extradição – Lei nº 6.815/80: “À exigência de composição plenária do Supremo o legislador fez corresponder uma confiança plena no quanto por ele decidido. A certeza de juridicidade de sua decisão é tanta que não se admite reforma do entendimento consubstanciado no veredicto (“..., não cabendo recurso da decisão”), ou seja, faz-se coisa julgada (imutável) desde que prolatada, decorrendo dessa circunstância a necessidade de sua imediata efetivação. E isso não por força da decisão concessória ou denegatória do pedido, que não deve trazer no seu contexto comando nesse sentido. Poderia deixar transparecer imposição de obrigação ao Executivo pelo Judiciário, quando, nesse momento, o Governo deve cumprir uma obrigação (no caso de decisão concessória) a si imposta por ele próprio, decorrente de mandamento estabelecido em Tratado ou Acordo-Lei ao qual, em nome do povo brasileiro, se vinculou e que, também em nome desse mesmo povo e, sobretudo, em respeito à sua honra, deve cumpri-la”.
O legislador credenciou os operadores do Direito, presumivelmente, mais abalizados da Nação, e reunidos em sua plenitude, para apreciar um pedido de extradição. Relegou órgãos que, também supostamente, estão muito mais municiados de conhecimentos jurídicos do que a Advocacia-Geral da União (Juízos Singulares, Turmas e Plenos de Tribunais Regionais, Turmas e Pleno do STJ e até Turmas do STF). E a decisão desse diferenciado colegiado é irrecorrível, imutável, pelo que só se pode admitir que o comportamento do Presidente, se não insano, é prepotente e desafiador da instituição Supremo Tribunal Federal.
Despótico, pois, revelou-se o Presidente da República ao dizer:"Eu só me pronunciarei sobre o caso quando os autos do processo estiverem no meu gabinete, com o parecer da Advocacia-Geral da União, que é quem vai me orientar”. Declaração acintosa, desrespeitosa. Uma subestimação pública a um dos pilares da República Federativa do Brasil – o Poder Judiciário, na sua mais alta expressão - o Supremo Tribunal Federal. Sua arrogância o motiva a fazer da Constituição Federal letra morta, elevando a Advocacia-Geral da União à posição de instância superior e competente para revisar extrajudicialmente decisão do STF irrecorrível judicialmente. Declaração própria de um ditador, de um tirânico.
COMUNICAÇÃO DA DECISÃO
A indiferença com que o Presidente da República trata a decisão do STF - concessória da extradição do senhor Cesare Battisti - é acintosa, depreciadora, subestimativa, humilhante; reconhece-a, enfim, como uma recomendação não solicitada e desprezível. Acha-se no direito de decidir da forma que bem lhe aprouver: “... com o parecer da Advocacia-Geral da União, que é quem vai me orientar”. Esse auto-convencimento – o STF não lhe reconheceu poder discricionário na matéria – o levou a outro não menos provocante, qual seja, a faculdade de decidir quando bem lhe convier: “... ; o órgão tem o tempo que for necessário para dar um parecer adequado”.
Não é demais repetir o teor do art. 86 da Lei nº 6.815/80 - Estatuto do Estrangeiro: “Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente, que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional” (grifos nossos).
A imediata desoneração do Estado brasileiro – livrando-se da mantença do preso sob sua custódia às expensas do Tesouro Nacional -, no caso de deferimento da extradição, é o que revela ter pretendido o legislador no artigo ora em apreço. Diante disso, desnecessário seria estabelecer prazo para o Governo responder a uma vindicação extraditória, pois o que se espera de um Governo operoso e zeloso pelo erário é que não cause prejuízos ao Estado brasileiro. Se visando desonerar o cofre público, estabeleceu-se um prazo relativamente exíguo para a retirada do paciente reclamado, implícito está que a comunicação do deferimento do pedido deve ocorrer com a maior brevidade possível. A demora na comunicação, inevitavelmente, implicará em onerar o Estado brasileiro; quanto mais breve essa mais rápida operar-se-á a retirada. A lei não estabelece prazo peremptório – e assim não faz pelo motivo retro mencionado -, mas nada impede que num acordo ou tratado as partes celebrantes o estabeleçam. E esse resguardo do erário – para ambas as partes – foi observado no Tratado de Extradição Brasil-Itália. Estabelece o seu artigo XIV: Decisão e Entrega - 1. “A parte requerida informará sem demora à parte requerente sua decisão quanto ao pedido de extradição. A recusa, mesmo parcial, deverá ser motivada” (grifo nosso). “Sem demora” significa imediatamente, incontinenti. Não é crível que a Advocacia-Geral da União não tenha alertado o Presidente Lula para do conteúdo do artigo XIV do tratado, pois isso equivaleria a um atestado de incompetência, já que a atividade principal da instituição é justamente prestar consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo. E isso seria uma falta gravíssima, que “poderia” levar o Presidente a responder por crime de responsabilidade e se submeter a um processo de “impeachment”, o que “poderia” acarretar-lhe a perda do mandato e se tornar inelegível por bom tempo. Mas, diante da arrogância do Presidente Lula, pela falta de respeito que ele tem demonstrado para com nossas instituições durante os seus mandatos, com veemência, descartamos qualquer possibilidade de falha da Advocacia-Geral da União. Trata-se mesmo de insubordinação, de menosprezo à instituição Supremo Tribunal Federal; de convencimento de que ele não é só “o cara”, é um “semideus”, é o “ayatoLula”. O Governo não tem que decidir nada sobre extradição, e muito menos a Advocacia-Geral da União de opinar sobre o quanto decidido pelo STF em processo extradicional. Ao Governo o que cabe (no caso Cesare Battisti cabia) é comunicar de imediato a decisão do Supremo à nação requerente.
ENTREGA DO PACIENTE RECLAMADO
Como antes dito, decidido o processo extradicional, deve o Governo envidar todos os esforços para tornar efetiva a decisão proferida pelo STF - seja concessória ou denegatória do pleito. Se concessória, entregando de imediato o paciente-reclamado, não só esperando igual presteza em eventual pedido que vier a fazer ao requerente, mas também desonerando o Estado brasileiro dos gastos com a manutenção do extraditando que está sob sua custódia. Se denegatória reclama urgência a desoneração do Estado e, sobretudo - em respeito ao princípio da prevalência dos direitos humanos, consagrado no art. 4º, inciso II, da Constituição Federal -, a necessidade de se obstar a constrição judicial (prisão) que está a sofrer o paciente, o que só se verifica ser injusta após a instrução do feito, pelo que deve ter incontinenti seu curso interrompido e o paciente de imediato posto em liberdade.
Essas preocupações também foram acatadas no instrumento de cooperação jurídica celebrado entre Brasil e Itália. Explicita, também, o seu art. XIV: 2. “Se a extradição for concedida, a parte requerida informará à parte requerente, especificando o lugar da entrega e a data a partir da qual esta poderá ter lugar, dando também informações precisas sobre as limitações da liberdade pessoal que a pessoa reclamada tiver sofrido em decorrência da extradição”.
- Prazo para a entrega e retirada do extraditando
O legislador, por zelo ao erário e na presunção de que à nação requerente urge a imediata liberação, entendeu ser razoável o prazo máximo e peremptório de sessenta (60) dias para que se efetive a retirada do paciente-reclamado do território nacional. Portanto, deu liberdade ao negociador da extradição para dentro desse limite estabelecer o prazo para a entrega do extraditando. O art. 86, parte final, da Lei nº 6.815/80 está assim redigido: “... que, no prazo de sessenta dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional”
No pacto extradicional Brasil-Itália convencionou-se que o prazo para a entrega da pessoa reclamada é de vinte (20) dias, prorrogável por mais vinte (20). Conta-se esse prazo a partir da data constante da comunicação, a partir da qual a requerida põe o extraditando à disposição da requerente. Ficou constando no parágrafo 3 do art. XIV do Tratado que “O prazo para a entrega será de 20 dias a partir da data mencionada no parágrafo anterior. Mediante solicitação fundamentada da parte requerente, poderá ser prorrogado por mais 20 dias”.
Em verdade não se trata de prazo para entrega do extraditando, mas, sim, de prazo para a retirada do mesmo. O atraso na entrega do paciente-reclamado, acompanhado de um simples pedido de desculpas, será bem tolerado pela requerente, não há como ser diferente. Mas a perda do prazo para a retirada do extraditando pode ser de conseqüências nefastas para a requerente. É o que se depreende do quanto estabelecido no parágrafo 4 do retro citado artigo: “A decisão de concessão da extradição perderá a eficácia se, no prazo determinado, a parte requerente não preceder à retirada do extraditando. Neste caso, este será posto em liberdade, e a parte requerida poderá recusar-se a extraditá-lo pelo mesmo motivo”.
Mas há casos em que é permitido o sobrestamento da entrega do extraditando e até mesmo a recusa da entrega.
- Sobrestamento da entrega
Deferida a extradição, pelo Supremo Tribunal Federal, a entrega só poderá ser sobrestada quando o paciente-reclamado aqui estiver sendo processado, ou tiver sido condenado por crime punível com pena privativa da liberdade. Nesses casos a entrega só se efetivará depois de concluído o processo ou cumprida a pena. Ressalve-se, entretanto, que mesmo em casos que tais, reclamando o interesse nacional, a extradição poderá ser executada. Reza o art. 89 da Lei nº 6.815/80: “Quando o extraditando estiver sendo processado, ou tiver sido condenado, no Brasil, por crime punível com pena privativa de liberdade, a extradição será executada somente depois da conclusão do processo ou do cumprimento da pena, ressalvado, entretanto, o disposto no artigo 67”. Estabelece o art. 67: “Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha ocorrido condenação”.
Também em respeito ao princípio da prevalência dos direitos humanos, a Lei nº 6.815/80 contempla mais um caso de sobrestamento da entrega do extraditando. Preceitua o parágrafo único do seu art. 89: “A entrega do extraditando ficará igualmente adiada se a efetivação da medida puser em risco a sua vida por causa de enfermidade grave comprovada por laudo médico oficial”.
O Tratado Brasil-Itália não foi omisso quanto aos casos em que se pode operar o sobrestamento da entrega do extraditando. Estão eles contemplados nos três parágrafos do seu artigo XV.
- Não entrega
Como visto ao longo deste trabalho, a extradição regulada no Direito brasileiro é formal por excelência. A legislação brasileira condiciona a execução da extradição – a entrega do extraditando -, concedida pelo Supremo Tribunal Federal, à observância das exigências contidas no art. 91 da Lei nº 6.815/80:
“Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso:
I - de não ser o extraditando preso nem processado por fatos anteriores ao pedido;
II - de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;
III - de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação;
IV - de não ser o extraditando entregue, sem consentimento do Brasil, a outro Estado que o reclame; e,
V - de não considerar qualquer motivo político, para agravar a pena”.
Vedado, pois, é ao Estado brasileiro celebrar convenção, tratado ou acordo extradicional sem que estabeleça as condições exigidas pelo dispositivo retro transcrito para a entrega do extraditando. Portanto, no Tratado Brasil-Itália não poderia ser diferente. Ficou a Itália ciente de que a entrega de qualquer paciente por si solicitado ao Brasil, por via de processo extradicional, só seria feita mediante a assunção formal de atendimento às condições estabelecidas em nossa pertinente legislação; e vice-versa. No tratado Brasil-Itália as condições para a entrega do paciente reclamado podem ser extraídas do quanto contido entre seus artigos III e IX, que atendem plenamente ao quanto exigido pelo art. 91 do Estatuto do Estrangeiro pátrio. Não assumindo a nação requerente da extradição o compromisso de atender às exigências elencadas nesses dispositivos, o que se concretizará com a não subscrição de termo circunstanciado, estará o Governo requerido autorizado a não entregar o paciente-reclamado.
A Constituição da República Federativa do Brasil, no seu art. 84, diz: “Compete privativamente ao Presidente da República: ...; VIII – celebrar tratados, acordos e atos internacionais, sujeitos a referendo do congresso nacional” (grifos nossos);
A legislação brasileira dispensou à extradição os cuidados indispensáveis à delicadeza e seriedade do instituto. A Constituição Federal outorga poderes, privativos, ao Presidente da República para celebrar tratados, acordos e atos internacionais. Mas condiciona a validade desses instrumentos ao referendo do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). É com esse referendo que eles – tratados, acordos e atos - adquirem força de lei e passam a vigorar como se emanados do povo brasileiro. São leis no sentido próprio da palavra..
ESTRITO CUMPRIMENTO DA LEI
Reza o art. 5º, “caput”, da Constituição da República Federativa do Brasil: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...”. E o inciso II desse mesmo artigo estabelece: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Do quanto disposto nos dispositivos retro transcritos, facilmente, depreende-se que, à vista da lei brasileira, não há que se cogitar de distinção de qualquer natureza entre brasileiros e que, também sem distinção de qualquer natureza, todos estão obrigados à observância da legislação brasileira. Portanto, neste Brasil, que torcemos para que seja visto como sério – e não como não sério, como já foi reconhecido até por outras nações, o cumprimento da lei é impositivo, não cabendo a quem quer que seja privilégio para inobservar os comandos contidos no seu ordenamento jurídico. Seja Presidente da República, seja magistrado, seja parlamentar, seja negro, seja branco, seja pobre, seja rico, seja religioso, seja ateu, seja civil, seja militar, seja culto ou inculto, seja o que for, a todos é imposto o estrito cumprimento da lei. E com muito mais razão do que os demais cidadãos brasileiros está o Presidente da República na obrigação de observar o ordenamento jurídico nacional. “Até então” vigora o art. 78 da Constituição da República Federativa do Brasil com a seguinte redação: “O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”. Sendo o Tratado de Extradição celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana uma lei, promulgada pelo Decreto-Presidencial nº 863, de 09 de julho de 1993, deve(ria) o Excelentíssimo “semi-deus” Presidente da República, Luís Inácio “Lula” da Silva, cumpri-lo, de conformidade com que estabelece o art. 1º desse diploma legal: “O Tratado de Extradição, firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, em 17 de outubro de 1989 apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém” (grifos nossos).
A VERDADEIRA EXPRESSÃO DO ACÓRDÃO
(ERROS E ACERTOS)
“EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado proclamado à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do extraditando e de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro votos vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, DEVE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, QUANTO Á ENTREGA do extraditando” (grifos nossos).
Como dissemos no início deste trabalho, a mídia nacional deu à ementa nº 08 do acórdão prolatado no processo extradicional do senhor Cesare Battisti a interpretação que bem entendeu. E a entendeu de forma completamente equivocada, e assim a divulgou para conhecimento da nação brasileira. Silente o Supremo Tribunal Federal, a sociedade brasileira a absorveu com expressão da verdade e da vontade do Máximo Colegiado Jurisdicional do Brasil. De forma simples mostraremos que o que entendeu a imprensa nacional não foi a vontade do STF expressada na ementa nº 08. Vamos, passo a passo, à análise da ementa, mostrando os equívocos e acertos que, modestamente, entendemos ter cometido o STF no julgamento do processo.
- Extradição. Passiva. Executória. DEFERIMENTO DO PEDIDO.
Presentes os pressupostos de admissibilidade – a legislação brasileira agasalha o instituto da extradição e o Brasil mantém Tratado Extradicional com a Itália - foi a extradição conhecida e, por fim, verificada a legalidade e procedência, foi a solicitação provida – ACERTOU o STF.
- Execução. ENTREGA DO EXTRADITANDO AO ESTADO REQUERENTE.
Julgada procedente a vindicação feita pela Itália, restava tão-só determinar a entrega do paciente-reclamado à nação requerente; e assim o fez o STF – ACERTOU.
- Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. NÃO RECONHECIMENTO, OBRIGAÇÃO APENAS DE AGIR NOS TERMOS DO TRATADO CELEBRADO COM O ESTADO REQUERENTE.
O Direito brasileiro agasalha a extradição como um processo eminentemente judicial. E nesse processo o Presidente da República é figura estranha. Só funcionam no procedimento: o extraditando, assistido por curador ou advogado, limitando-se sua defesa às alegações de não ser o preso a pessoa reclamada, defeito de forma dos documentos apresentados pela requerente ou ilegalidade da extradição (art. 85, “caput” e § 1º, da Lei 6.815/80); o Ministério Público Federal, como fiscal da lei e na pessoa do Procurador Geral da República, observando a regularidade da instrução do processo (art. Art. 85, § 2º, idem); a requerente, também assistida por causídico; e, decidindo sobre a legalidade e procedência do pedido, o Supremo Tribunal Federal. Mais uma vez salientamos: no procedimento extradicional o Governo, por seus agentes, pratica atos que terminam por se caracterizarem como auxiliares do Supremo Tribunal Federal, que é a quem compete processar e julgar o feito.
A não submissão absoluta ao acórdão e a discricionariedade do Presidente da República não deveriam ter sido apreciadas. Pedidos ineptos, pois sem fundamentação, já que a defesa do extraditando deve se limitar às três alegações retro mencionadas, mereciam nada mais do que um solene não conhecimento. Mas já que deles tomou conhecimento, deveria o STF indeferi-los, mas reconhecendo a submissão do Presidente ao acórdão, pois a ele não é dado se reconhecer diferente dos demais brasileiros, como também reconhecendo a si, STF, a qualidade de instância original, única, para processar e julgar a extradição, não só do senhor Cesare Battisti como de qualquer outro estrangeiro - ERROU, pois, e por duas vezes, o STF.
CONCLUSÃO DO ACÓRDÃO
- ”Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto á entrega do extraditando”, concluiu o STF. Vamos por parte.
PRIMEIRA
“... deve o Presidente da República ...”.
A lei em momento algum fala em Presidente da República; e tampouco o Tratado Brasil-Itália. Repete-se:”A extradição será requerida por via diplomática ...”; “Concedida a extradição, será o fato comunicado através do Ministério das Relações Exteriores à Missão Diplomática do Estado requerente ...” (arts. 80 e 86, respectivamente, da Lei nº 6.815/80). O Tratado no seu art. X, § 1º, estabelece: “Para os fins do presente tratado, as comunicações serão efetuadas entre o Ministério da Justiça da República Federativa do Brasil e o Ministério de Grazia e Giustizia da República Italiana, ou por via diplomática”. Vê-se, assim, que o STF ao endereçar a decisão ao Presidente da República ERROU; e foi um erro que, embora relevável, pois os titulares dos ministérios exercem funções delegadas, e quem pode o mais pode o menos, ratificou o temor reverencial que tem o STF antes revelado no não reconhecimento da submissão do Presidente ao acórdão por si prolatado.
SEGUNDA
“... observar os termos do tratado celebrado com o Estado requerente, QUANTO Á ENTREGA DO EXTRADITANDO” (grifos nossos).
A emenda saiu melhor do que o soneto. Após os retro citados desacertos o STF foi feliz na conclusão. Só muita má vontade para não extrair da conclusão da ementa nº 08 que o Supremo Tribunal Federal concedeu, determinou, a extradição e fez a recomendação para que o Governo brasileiro observasse os termos do Tratado celebrado com a Itália no que concerne À ENTREGA do extraditando – o que não era necessário, pois é de se presumir que o Executivo seja conhecedor de suas responsabilidades nas relações internacionais, no particular a extradição, para o que é credenciado pela Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal nada mais fez do que alertá-lo para que, antes de entregar o paciente-reclamado, submetesse à aquiescência da Itália o termo de compromisso de que fala o art. 91 da Lei nº 6.815/80, ficando subentendido que em caso de recusa na aceitação do compromisso está o Governo brasileiro autorizado - pela legislação pátria e pelo Tratado Brasil-Itália - a não entregar o paciente-reclamado. ACERTOU o STF ao determinar a observância dos termos do tratado celebrado “quanto à entrega do extraditando”, Foi a conclusão do acórdão a salvação da lavoura. A ela é de que se deve obediência, é o comando sentencial.
Errou sobremaneira o STF ao não rechaçar, incontinenti, a errônea interpretação que deu a mídia nacional ao julgado. Isso evitaria constrangimentos que ainda estão por vir.
O SEGUNDO EMBRÓGLIO EM QUE SE ENVOLVEU O STF
Pelo quanto aqui expusemos, acreditamos que não resta a mínima dúvida de que o Supremo Tribunal Federal, alicerçado em dispositivo constitucional e em Tratado-Lei celebrado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, decidiu de forma indubitavelmente acertada pela extradição do senhor Cesare Battisti.
Essa decisão foi publicada em 16 de abril de 2010. Em data de 03 de maio o Supremo enviou ofícios aos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores comunicando oficialmente a decisão da Corte no processo de extradição tombado sob o nº 1085, que tem como requerente a República Italiana e como paciente-reclamado o senhor Cesare Battisti. Dessa comunicação denota-se que o STF corrigiu o equívoco em que incorreu ao se referir no acórdão ao Presidente da República. Na realidade queria mesmo ali consignar Governo Brasileiro. Mas, como é público e notório, o Presidente da República avocou para si a responsabilidade que a princípio seria do Ministro das Relações Exteriores (art. 86 da Lei nº 6.815/80 e art. X, § 1º, do Tratado Brasil-Itália) ou do Ministro da Justiça (art. X, § 1º do Tratado Brasil-Itália), fato pelo qual não se pode tecer censura já que seus titulares exercem funções delegadas pelo Presidente. Estamos em dezembro de 2010 e até o então o Presidente não deu cumprimento à decisão extraditória - ou melhor, sequer deu conhecimento à nação requerente da decisão do Supremo Tribunal Federal -, o que, à falta de fatos autorizadores do sobrestamento da entrega, se caracteriza como crime de responsabilidade, segundo o preceituado no art. 85 da Constituição Federal, que está assim redigido: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: ...; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais”.
Sabe-se, cabe a qualquer do povo representar por crime de responsabilidade contra qualquer autoridade constituída que o cometa. Mas, “permissa venia”, entendemos que, diante das responsabilidades atribuídas ao STF, como guardador da Constituição (art. 102, “caput”, da C.F.), como instância única para processar e julgar extradição (art. 102, inciso I, letra g, idem) e também pelas atribuições a si conferidas pelos arts. 77, § 2º, e 83 da Lei nº
6.815/80, precipuamente, lhe cabe representar por crime de responsabilidade contra o Presidente da República pelo descumprimento de suas decisões em processos extradicionais. Acreditamos que não existe nada que machuque mais o orgulho de um magistrado do que ver uma sentença por si prolatada como “uma coisa” desprezível, de nenhuma valia. E é assim que o Presidente da República está tratando o acórdão proferido no processo de extradição do senhor Cesare Battisti. Perguntamos: de que valeram as horas de discussões acaloradas entre os pares do STF e que chegaram a propiciar clima de animosidade entre eles? Foram em vão os gastos de tempo, de dinheiro com energia elétrica, material de expediente, horas extras de funcionários na tramitação desse processo, com cobertura radiofônica e televisa, inclusive? Sinceramente, não acreditamos que algum ministro-juiz do STF tenha coragem de admitir que aquilo tudo não passou de um espetáculo teatral custeado com dinheiro público e que não causa nenhum constrangimento ver o que lhes consumiu tantas horas de labor jogado na cesta do lixo do gabinete do Presidente da República, em troca de um desvalido parecer da Advocacia-Geral da União.
É aí que aparece um dos mais sérios constrangimentos pelos quais passará o STF em decorrência de sua tibieza. Como representar contra o Presidente da República por crime de responsabilidade, por descumprimento de decisão judicial consubstanciada em acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, se ele próprio, STF, nesse mesmo acórdão, contrariando o quanto disposto no art. 5º, “caput”, da Constituição Federal, reconheceu expressamente ser Presidente da República pessoa diferente dos demais brasileiros e o desobrigou a dar cumprimento ao comando sentencial?
Não podemos deixar de aqui registrar que estranhamos que o Ministério Público Federal, através de seu Procurador-Geral, como fiscal da lei que é, e o ilustre patrono da República Italiana, não tenham tomado a iniciativa de representar contra o Presidente da República ou contra o Ministro das Relações Exteriores ou contra o Ministro da Justiça ou contra ambos. A verdade é que até então ninguém saiu em defesa da ordem legal subvertida nesse particular processo.
INSUBORDINAÇÃO E COVARDIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Dissemos linhas atrás que o acórdão foi publicado no dia 16 de abril do corrente ano; que quando tomou conhecimento dessa publicação o Presidente da República, em flagrante desrespeito aos titulares das Pastas aos quais a Lei nº 6.815/80 e o Tratado Brasil-Itália declinaram competência para intermediar processo extradicional que envolvam as duas nações, avocou, publicamente, para si esse encargo; que no dia 03 do mês seguinte foram cientificados os Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores; e, que até hoje o extraditando permanece em solo brasileiro à custa do cofre público, “brasileiro”, sem qualquer justificativa plausível (casos de sobrestamento da entrega). A mantença do senhor Cesare Battisti até então no Brasil, apesar de o STF ter determinado sua extradição, não se deve tão-só ao fato de o Presidente da República se achar acima de tudo e de todos. Não! Terminantemente, não se trata tão somente de insubordinação. Seu silêncio é desleal, covarde. Poderia muito bem dar cumprimento à determinação do STF sem qualquer constrangimento, pois assim agindo não estaria fazendo nada mais do que cumprir a lei. Mas isso desagradaria à “banda podre” do seu partido, que comunga com os métodos que o senhor Cesare Battisti empregou na Itália para fazer valer suas convicções políticas. Como também poderia, contrariando a lei, negar a entrega do extraditando. Mas isso poria em risco sua absurda pretensão de ser Secretário-Geral da ONU. Esperto, sairá de bem com todos, deixando a responsabilidade da entrega ou não para a presidenta eleita – que se sabe também é simpatizante do extraditando, pelo que já se presume o desfecho dos imbróglios causados pela tibieza do STF.
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM RISCO
(“Tá tudo dominado”)
Diz o artigo 1º da Constituição Federal que o Brasil constitui-se em “Estado Democrático de Direito”. Mas essa constituição, de algum tempo para cá, estamos vendo desmoronar. O sustentáculo desse Estado Democrático de Direito é o poder Judiciário. O regime democrático adotado pelo Brasil pode até comportar um poder Executivo corrupto e um Legislativo igualmente corrupto e subserviente, desde que tenha um Poder Judiciário autônomo, independente, para, assumindo suas prerrogativas, obstar ou, no mínimo, minorar as conseqüências das maquinações perpetradas pelos outros dois poderes. Só um poder Judiciário independente (art. 2º da C.F.) pode ser o guardião da Constituição (art. 102, “caput”, da C.F.) e, portanto, fazer valer o que nela está estabelecido, mantendo a ordem jurídica da nação e, assim, assegurando a convivência dos brasileiros em pleno “Estado Democrático de Direito”. Não se concebe também um pleno “Estado Democrático de Direito” no Brasil sem que exista uma imprensa livre de censuras (art. 220 da C.F.). São, pois, instituições basilares para que se conviva em pleno “Estado Democrático de Direito”. Um poder Judiciário realmente independente, com seus juízes julgando conforme seu livre convencimento, e dessa forma não descumprindo o juramento que fizeram quando ingressaram na magistratura. E uma imprensa destemida para denunciar à opinião pública as malfeitorias, dando, assim, respaldo popular às decisões judiciais, quando for solicitada a prestação jurisdicional pelos órgãos judicantes. Algemadas essas instituições, cria-se um clima de baderna, o que servirá de argumento suficientemente convincente para a instalação de um regime autoritário. É notório, o Brasil caminha, ou melhor, é carregado a passos largos para isso.
Desde o início do Governo Lula nossas instituições vêm sendo depreciadas, desgastadas, humilhadas. O poder Legislativo foi tão avacalhado pelo Executivo que deu margem até ao Hugo Chávez, presidente da Venezuela e ídolo do Presidente Lula, também “tirar sua lasquinha”. Cansados, os parlamentares, das humilhações e dando demonstração de que não tinham e não têm compromissos com ideologia alguma, que preocupados estão com interesses particulares e não com os anseios do povo, se renderam – com raríssimas exceções - aos caprichos dos detentores do poder. Adotaram a velha máxima de que “se não pode com o inimigo alie-se a ele”. Esqueceram suas siglas, estatutos e programas de governo e passaram a ler a cartilha petista; contentaram-se com a pecha de “base aliada” (na verdade “base usada”) e passaram a “fazer parte” do Governo. O Congresso Nacional, hoje, é em um terreiro – fétido - onde o canto do galo dos detentores do poder prevalece em qualquer circunstância.
O Supremo Tribunal Federal demonstra, mais do que nunca, ser um tribunal político. Quando não decide de pronto posterga decisões para atender à conveniência do Executivo. Formou-se um verdadeiro conluio (Executivo, Legislativo e Judiciário) para vilipendiar nosso ordenamento jurídico, sob olhares de instituições que deveriam sair em sua defesa. É de se estranhar que instituições como o Ministério Público Federal – esse principalmente -, a quem a Constituição Federal atribuiu a nobre função de defender a ordem jurídica da Nação brasileira, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação dos Magistrados Brasileiros adotarem comportamento omissivo diante das várias ofensas que vem sofrendo nosso ordenamento jurídico. Outra razão não vemos para isso senão a expectativa que têm seus membros de um dia virem a ocupar um assento num dos tribunais superiores. Não há como deixar de se reconhecer que as instituições de quem se poderia esperar a defesa do nosso ordenamento jurídico estão “dominadas”.
CONCLUSÃO
A feitura deste modesto trabalho teve como objetivo principal demonstrar que o Presidente da República, como qualquer outro do povo brasileiro, deve obediência a comando sentencial proferido pelo Supremo Tribunal Federal, o que esperamos ter logrado êxito. Mas não pretendemos ver reconhecido mérito algum, pois sinceramente, pelo quanto é cristalina a legislação extradicional brasileira, não o reconhecemos.
O processamento da extradição do senhor Cesare Battisti está marcado por fatos que nos levaram a temer pela quebra do ”Estado Democrático de Direito” em que convivemos, pela fragilidade que demonstrou o STF perante o Executivo. Demos algumas alfinetadas no Supremo Tribunal Federal - que dentre os pilares da República é o de maior importância, acreditamos que não só para nós, mas para todos, já que é o guardião da nossa Carta Legal Maior –, mas não com o intuito de depreciá-lo, e sim com o escopo de despertá-lo do estado de letargia em que se encontra; tentando fazê-lo ciente de que, nesse estado permanecendo, chegando ao ponto de abdicar das prerrogativas que o legislador constitucional lhe outorgou, estará prestando um desserviço à nação brasileira; pondo em risco não só a convivência em “Estado Democrático de Direito” que o legislador constitucional também outorgou ao povo brasileiro, mas, sobretudo, o exercício da livre atividade jurisdicional. Temos plena certeza de que o jurisdicionado brasileiro não se dará por satisfeito ao ver seus direitos e interesses julgados por juízes e tribunais parciais. E muito mais certeza temos de que nossos juízes e tribunais não querem ser vistos como fantoches, encenando julgamentos como fazem os juízes e tribunais de nações “comandas” por tirânicos, a exemplo de Cuba e Venezuela.
Por fim, dizemos que temos certeza que essa preocupação com a integridade moral do Poder Judiciário brasileiro não é só nossa. A ilustrada juíza-Ministra do Egrégio Superior de Justiça, Eliana Calmon - bahiana retada, primeira “juíza de carreira” a chegar a um Tribunal Superior, recém empossada corregedora do Conselho Nacional de Justiça -, em entrevista à Revista “Veja” - edição 2184 – ano 43 – nº 39, de 29 de setembro de 2010, demonstra sua preocupação com essa situação. Pedimos permissão para aqui reproduzir alguns trechos dessa entrevista.
Veja – ”Por que nos últimos anos pipocaram tantas denúncias de corrupção no Judiciário?”
A Ministra Eliana – “Durante anos, ninguém tomou conta dos juízes, pouco se fiscalizou. A corrupção começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os corretos, ficam onde estão”.
Veja – “A senhora quer dizer que a ascensão funcional na magistratura depende dessa troca de favores?
A Ministra Eliana – “O ideal seria que as promoções acontecessem por mérito. Hoje é a política que define o preenchimento de vagas nos tribunais superiores, por exemplo. Os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problemas com ninguém porque sabe que num embate ele levará a pior. Esse chegará ao topo do Judiciário”.
Veja – Esse problema atinge também os tribunais superiores, onde as nomeação são feitas pelo presidente da República?
A Ministra Eliana – “Estamos falando de outra questão muito séria. É como o braço político se infiltra no Poder Judiciário. Recentemente, para atender a um pedido político, o STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal”.
Veja – “A tese que a senhora critica foi usada pelo ministro Cesar Asfor Rocha para trancar a Operação Castelo de Areia, que investigou pagamentos da empreiteira Camargo Corrêa a vários políticos.
Ministra Eliana – “É uma tese equivocada, que serve muito bem a interesses políticos. O STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser considerada pelo tribunal. De fato, uma simples carta apócrifa não deve ser considerada. Mas, se a Polícia Federal recebe a denúncia, investiga e vê que é verdadeira, e a investigação chega ao tribunal com todas as provas, você vai desconsiderar? Não tem. A denúncia anônima só vale quando o denunciado é um traficante? Há uma mistura e uma intimidade indecente com o poder”.
Veja – Existe essa relação de subserviência da Justiça ao mundo da política?
Ministra Eliana – “Para ascender na carreira, o juiz precisa dos políticos. Nos tribunais superiores, o critério é única e exclusivamente político.
Veja – Como corregedora, o que a senhora pretende fazer?
Ministra Eliana – “Nós, magistrados, temos tendência a ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o juiz se ache um super-homem decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda, botão, cinturão, fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta virada. Não pode. Essas togas, essas vetes talares, essa prática de entrar em fila indiana, tudo isso faz com que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos ter cuidado para ter práticas de humildade dentro do Judiciário. É preciso acabar com essa doença que é a “juizite”.
O corajoso depoimento da Ministra Eliana Calmon revela não só sua idoneidade moral, sua autoridade intelectual e sua irreverência. Ele desnuda para muitos, em especial para aqueles que não operam o Direito, o Poder Judiciário do Brasil. Faz ver, principalmente, que nossas instâncias superiores não se compõem, como imaginam muitos, da elite da cultura jurídica nacional; que muitos juízes dessas instâncias são verdadeiros serviçais de políticos; que suas decisões nem sempre se revestem de legalidade e, prepotentemente – ao arrepio da lei –, por interesses escusos, são impostas goela abaixo dos jurisdicionados brasileiros – e até de estrangeiros, como está acontecendo no caso Cesare Battisti. Suas, da juíza-Ministra, declarações são, sobretudo, esclarecedoras e encorajadoras. Lembra aos jurisdicionados brasileiros que os juízes, sejam de que instâncias forem, são de carne e osso; são “gente como a gente”; são iguais a todos nós, sem exceções, perante a lei, como assim os declara o art. 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...”. E mais, faz-nos entender que, queiram ou não, são nossos servidores – não serviçais, como têm sido para a classe política -, e com mais razões aqueles que compõem as Cortes Superiores, já que nelas se encontram por força, indireta, da vontade do povo, pois indicados pela Presidência da República, com a aprovação do Senado Federal, instituições cujos membros ocupam as funções que ocupam por sufrágio popular – “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1º, parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil). Devem-nos, pois, satisfações quanto a suas atuações nas funções para as quais foram por nós, povo, credenciados. Autorizados, assim, estamos a cobrar-lhes esclarecimentos sobre suas decisões.
Satisfeitos, sim, ficaremos se “estas mal traçadas linhas” se prestarem como sinal de alerta - principalmente aos operadores do Direito, em todos as suas vertentes - para o risco que corre o Brasil de ver nele instalada uma REPÚBLICA FUNDAMENTALISTA PETISTA.
Ubiratan Pires Ramos
OAB7.023-BA.
Advogado/Auditor Fiscal do Trabalho, aposentado. Bel. em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAMOS, Ubiratan Pires. Extradição - Decisão imperativa. Submissão absoluta do Presidente da República Federativa do Brasil ao acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2010, 12:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/22809/extradicao-decisao-imperativa-submissao-absoluta-do-presidente-da-republica-federativa-do-brasil-ao-acordao-prolatado-pelo-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 30 nov 2024.
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