CARLA PATRICIA FRADE NOGUEIRA LOPES
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo analisar o federalismo cooperativo adotado pela Constituição Federal de 1988 no que diz respeito ao regime de repartição de competências e responsabilidades entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sob a ótica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Com a análise de julgados classificados em áreas temáticas, notadamente fiscal (tributária), de saúde – com especial análise das decisões da corte quanto à pandemia pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) –, meio ambiente e ecologia, relações de consumo e, por fim, da questão migratória. Busca-se identificar, assim, qual o entendimento da corte acerca dos temas apreciados nessas áreas para, diante das características estabelecidas para a forma de Estado federativa de índole cooperativa, traçar um perfil de julgados da Corte constitucional, notadamente diante do papel outorgado pela Constituição para cada Ente federativo, as exigências de cooperação entre os Entes e outras demandas que envolvem conflito federativo.
PALAVRAS-CHAVE: Forma de Estado. Federalismo. Cooperativo. Jurisprudência. Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT: This end-of-course work aims to analyze the cooperative federalism adopted by the Federal Constitution of 1988 with regard to the division of powers and responsibilities system between the Union, States, Federal District and Counties, from the perspective of the Supreme Court jurisprudence. With the analysis of cases classified into thematic areas, notably fiscal (tax), health – with special analysis of court decisions regarding the pandemic by the new coronavirus (Sars-CoV-2) –, environment and ecology, consumer relations and, finally, the migration issue. The aim is to identify, therefore, what the court's understanding of the issues considered in these areas, in view of the characteristics established for the form of a cooperative federative State, to draw a profile of judgments of the Constitutional Court, notably in view of the role granted by the Constitution for each federative Entity, the requirements for cooperation between the Entities and other demands that involve federative conflict.
KEY WORDS: Form of State. Federalism. Cooperative. Jurisprudence. Supreme Court.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O FEDERALISMO COOPERATIVO FISCAL. 2.1. A QUESTÃO RELATIVA AO ICMS DEVIDO EM EXPORTAÇÕES. 2.2. ADO 25. .2.3. O ACORDO FEDERATIVO COOPERATIVO NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS FEDERATIVOS. 2.4. ITCD INTERNACIONAL E A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO CONGRESSUAL. 3. O FEDERALISMO COOPERATIVO SANITÁRIO. 3.1. A PROIBIÇÃO DO USO DO AMIANTO E O CURIOSO JULGAMENTO DA ADI 3937. 3.2. POSSÍVEIS EFEITOS ADVERSOS DE ANTENAS DE CELULAR - ADI 3110. 3.3. OUTRA EXCEÇÃO MAIS ANTIGA? A ADI 3035 E OS OGMS. 3.4. TENDÊNCIA CONSOLIDADA: PROIBIÇÃO DO TABACO. 3.5. FEDERALISMO E PANDEMIA - ADIS 6341 E 6343 MC-REF. 4. FEDERALISMO COOPERATIVO ECOLÓGICO. 4.1. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. 4.2. OLHAR SOBRE A LINHA INTERPRETATIVA DO SUPREMO. 4.3. USO DE ANIMAIS EM TESTES E EXPERIMENTOS NA INDÚSTRIA QUÍMICA. 5. FEDERALISMO COOPERATIVO EM CONSUMO. 5.1. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO FORNECIMENTO DE SERVIÇO DE TELEFONIA. 5.2. DEVER DE INFORMAÇÃO. 6. FEDERALISMO COOPERATIVO NA QUESTÃO MIGRATÓRIA. 6.1. RORAIMA E A CRISE MIGRATÓRIA VENEZUELANA - ACO 3121. 6.2. O ACRE E A CRISE MIGRATÓRIA HAITIANA - ACO 3113. 7. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
A organização política do Estado pode ser analisada sob três aspectos: forma de governo, sistema de governo e forma de Estado.
Especificamente no que diz respeito à organização pela “forma de Estado”, ela deve ser compreendida como a forma da distribuição do poder político dentro de um território, ocorrendo em diferentes graus de descentralização. A forma de Estado adotada no Brasil é, atualmente[1], a federativa, influenciada inegavelmente pelo modelo norte-americano.
Aliás, para Ingo Wolfgang Sarlet, a doutrina do federalismo é possivelmente o aporte mais significativo do constitucionalismo e do pensamento político norte-americano para o Estado moderno[2], pois foi onde surgiu[3], sendo difundida pelo globo.
Apesar da influência inegável, o fluxo de formação divergente dos casos norte-americano e brasileiro explica a franca diferença entre os modelos práticos resultantes da forma de Estado.
De acordo com Dirley da Cunha Junior:
A Federação brasileira foi inspirada no modelo norte-americano. Não obstante, a nossa Federação formou-se em sentido contrário àquela que serviu de paradigma. Certamente seja essa a razão de a Federação no Brasil ter sido, originalmente e por muito tempo, uma Federação sem equilíbrio, enfraquecida, com concentração de poder no ente central (a União), restando pouco, muito pouco, para os Estados-membros.[4]
De fato, o federalismo norte-americano originou-se de um movimento “de fora para dentro”, centrípeto ou por agregação, de acordo com as classificações doutrinárias mais comuns.[5] As colônias inglesas soberanas formadoras da Confederação abriram mão de pequena parcela de sua soberania para entregá-la ao ente central. Como essa distribuição foi mínima, os Estados-membros conservaram para si a maior parte das competências.[6]
No caso brasileiro, todavia, a situação se inverte, pois foi a União, Ente central, quem cedeu parcela pequena de suas competências aos Entes menores, denominados Estados-membros e Municípios, conservando para si a maior parte delas.
De acordo com José Afonso da Silva, a União constitui-se pela congregação das comunidades regionais que vêm a ser os Estados-membros, “então quando se fala em Federação se refere à união dos Estados. No caso brasileiro, seria a união dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Por isso se diz União Federal”[7].
Ao longo da nossa história constitucional, bastante rica por sinal, buscou-se um ponto de equilíbrio na federação, que culminou com a Constituição de 1988. Nela, foi adotado um modelo cooperativo, de modo que a Constituição prevê competências exclusivas/privativas e comuns/concorrentes, a depender de serem administrativas ou legislativas.
De olho no esquema organizativo de competências previsto na Constituição, deve ser levado em conta que o Estado federal, para ser considerado como tal, deve possibilitar, entre outros, que os Estados-membros se auto-organizem, podendo estabelecer Constituições próprias e legislações próprias, ínsitas às competências legislativas concorrentes.
Muito além da participação das vontades dos Estados na União, por meio do parlamento, os Estados também devem ter competência estabelecida para auto legislação, dentro da sua autonomia, podendo legislar sobre suas questões de interesse particular[8].
Conforme Paulo Gustavo Gonet Branco:
É característico do Estado federal que essa atribuição dos Estados-membros de legislar não se resuma a uma mera concessão da União, traduzindo, antes, um direito que a União não pode, a seu talante, subtrair das entidades federadas; deve corresponder a um direito previsto na Constituição Federal.[9]
É aqui que reside o problema maior do nosso modelo federativo. É ínsito ao regime de repartição de competências, especialmente as compartilhadas, o surgimento de conflitos, transformando um modelo que deveria ser “cooperativo” em verdadeira competição, especialmente quanto aos limites da autonomia das unidades federativas em sua capacidade de legislar.
Fernanda Dias Menezes de Almeida bem destaca essa questão:
O problema nuclear da repartição de competências na Federação reside na partilha da competência legislativa, pois é através dela que se expressa o poder político cerne da autonomia das unidades federativas. De fato, é na capacidade de estabelecer as leis que vão reger as suas próprias atividades, sem subordinação hierárquica e sem a intromissão das demais esferas de poder, que se traduz fundamentalmente a autonomia de cada uma dessas esferas. Autogovernar-se não significa outra coisa senão ditar-se as próprias regras. (...) Está aí bem nítida a ideia que se quer transmitir: só haverá autonomia onde houver a faculdade legislativa desvinculada da ingerência de outro ente autônomo. Assim, guarda a subordinação apenas ao poder soberano no caso o poder constituinte, manifestado através de sua obra, a Constituição -, cada centro de poder autônomo na Federação deverá necessariamente ser dotado da competência de criar o direito aplicável à respectiva órbita. E porque é a Constituição que faz a partilha, tem-se como consequência lógica que a invasão não importa por qual das entidades federadas do campo da competência legislativa de outra resultará sempre na inconstitucionalidade da lei editada pela autoridade incompetente. Isso tanto no caso de usurpação de competência legislativa privativa, como no caso de inobservância dos limites constitucionais postos à atuação de cada entidade no campo da competência legislativa concorrente.[10]
Muito em razão das raízes do nosso federalismo, caracterizado por uma concentração maior de poder na União, como visto linhas acima, é que tais conflitos acirram-se. Parece contraditório que o Estado busque descentralizar-se, dotando de autonomia os Entes federativos, ao mesmo tempo em que a Constituição Federal parece atribuir à União certo monopólio, munindo-a com a maior parte das competências constitucionais.
Diante dessas considerações, pretende-se analisar o comportamento da Corte Constitucional no tema do federalismo cooperativo em suas diferentes áreas, especialmente a fiscal, a sanitária, a ecológica, da proteção ao consumidor e na questão migratória, temas em que emergem conflitos entre os Entes-federativos, inevitavelmente postos à apreciação da Suprema Corte, seja no exercício do seu controle concentrado, seja no uso das suas atribuições constitucionais previstas no art. 102, inciso I, alínea “f” da CF/1988.
Nesse vértice, aproveitam-se as discussões recentes existentes a respeito do paradigma do orçamento e da concretização de direitos fundamentais, das discussões a respeito do papel dos entes federativos na condução da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), do tratamento dado ao meio ambiente e ao consumidor pelos diferentes entes federativos, bem como acerca da questão migratória envolvendo o Brasil e os povos de outras nações, como o Haiti e a Venezuela, temas que têm costumado suscitar a maior parte das divergências na Federação, dominando a pauta do Supremo Tribunal Federal quando analisa conflitos federativos.
O método de pesquisa adotado será o hipotético-dedutivo. Busca-se, por meio de análise de dados e referências científicas, determinar a adequação da resposta prevista para o problema abordado.
Quanto aos métodos de procedimento para realizar referida análise, está relacionado à pesquisa de cerca de trinta julgados do Supremo Tribunal Federal, proferidos predominantemente entre os anos de 2019 e 2021, e em sua grande maioria dentre ações diretas e ações cíveis originárias, dentro de cada um dos eixos de pesquisa em temas de federalismo cooperativo eleitos e divididos por capítulos.
Também se lançou mão da pesquisa bibliográfica em caráter complementar, com a qual se pretendeu, respectivamente, qualificar as variáveis envolvidas em cada um dos julgamentos e determinar aspectos técnico-jurídicos dos temas abordados.
2. O FEDERALISMO COOPERATIVO FISCAL
Uma das funções do Estado é certamente proporcionar o bem comum do seu povo. Segundo Dalmo de Abreu Dallari, Estado é “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”[11].
Diante dessa primeira constatação, independente de qual seja o modelo de gestão adotado pelo Governo, ou seja, ainda que não se trate de um modelo baseado no bem estar social (welfare state), o Estado sempre terá o dever de proporcionar prestação mínima de direitos positivos aos seus cidadãos. A concretização de direitos positivos decorre, no nosso caso atual, das orientações presentes na Constituição Federal de 1988, que assegura direitos sociais dos mais diversos ao longo do seu texto.
Ocorre que não se concretizam direitos, ou seja, não se permite a prestação de benefícios sem que existam recursos suficientes para a consecução desses objetivos. É por isso que o modelo de repartição constitucional de competências deve ser acompanhado de um modelo de repartição constitucional de receitas.
A descentralização administrativa própria do Estado federal e que distribui autonomia aos entes federados implica necessariamente na descentralização das responsabilidades sobre gastos públicos. Esses gastos devem ser acompanhados da respectiva fonte de custeio.
A importância em definir fontes de custeio é reconhecida pela doutrina. Segundo Gilmar Mendes:
A construção do Estado Democrático de Direito, anunciado pelo art. 1º, passa por custos e estratégias que vão além da declaração de direitos. Não há Estado Social sem que haja também Estado fiscal, são como duas faces da mesma moeda. Se todos os direitos fundamentais têm, em alguma medida, uma dimensão positiva, todos implicam custos. Conforme salientam Holmes e Sunstein, nenhum direito é apenas o direito de ser deixado só pelo poder público. Todos os direitos reivindicam uma postura positiva do governo. Logo, levar direitos a sério exige que seus custos também sejam levados a sério.[12]
O modelo aprovado pelo constituinte originário procurou responder a essa demanda ao estabelecer o desenho básico de repartição de receitas, que no caso da Constituição Federal de 1988 é baseado em um modelo de repartição de competências para instituição de tributos entre os Entes e participação de Entes nas receitas tributárias de uns e outros, inclusive com a formação de fundos.[13]
Tratando especificamente de impostos, espécie de tributo sem arrecadação vinculada destinado precipuamente a tributar a manifestação de riqueza, isto é, independentemente de qualquer atividade estatal específica, eles são por isso mesmo importante meio arrecadatório para obtenção de receitas para o Estado, já que não estão vinculadas a qualquer finalidade e servem para investimentos.
Embora não imune a críticas de toda ordem, a Constituição Federal estabeleceu a competência da União para instituir sete impostos, chamados impostos federais, reservando aos demais Entes a competência para instituir três impostos cada, reservando ainda à União uma competência residual e outra extraordinária.[14]
Em um primeiro momento pode ser identificada uma certa prevalência da União sobre os demais Entes federativos tendo em vista o número superior de impostos que ela pode instituir. Entretanto, o aspecto principal a ser observado é o da arrecadação.
2.1. A QUESTÃO RELATIVA AO ICMS DEVIDO EM EXPORTAÇÕES
Se aos Estados a CF/1988 reserva o maior número de competências, já que a eles competem organizar serviços públicos de saúde, educação e segurança pública, por exemplo, não seria inadequado reservar a este ente federativo a competência para instituir o imposto de maior arrecadação do país, o ICMS[15].
É importante mencionar, em realce, que apesar do arranjo constitucional favorável relativo aos impostos, atualmente as contribuições federais assumem importante papel sobrepujante na competência fiscal da União sobre os demais Entes. Trata-se de espécie de tributo cuja competência é essencialmente da União e que não têm repartição de receitas. Por isso concentram arrecadação tributária nas mãos da União.
Para situar o leitor: embora o arranjo previsto para a arrecadação tributária de impostos tivesse um interessante viés descentralizador de arrecadações, cresceu ao longo do tempo a importância das contribuições como meio de arrecadação da União, e exclusiva dela, o que por si só já gera desequilíbrio, agravando o conflito federativo existente.
Ocorre que o referido tributo (o ICMS), não obstante seja importantíssimo meio arrecadatório para os Estados, sofre a concessão de imunidade heterônoma. A própria Constituição Federal imuniza o ICMS nas exportações de mercadorias e serviços prestados a destinatários no exterior (art. 155, § 2º, inciso X, alínea “a” da CF/1988).
Ainda, houve um alargamento dessa desoneração pelo legislador infraconstitucional ao estabelecer no art. 3º, inciso II da Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir), hipótese de isenção heterônoma mais ampla que a imunidade. Daí entra em cena um dos aspectos do federalismo cooperativo a serem estudados, ligados à questão fiscal.
Importante explicitar, de início, que apesar do modelo constitucional de repartição de competências, já estipulando competências comuns e concorrentes como marcos do federalismo cooperativo, nada impede que a consecução do federalismo cooperativo ocorra no âmbito da legislação infraconstitucional.
Tal como ocorre em relação à Lei Complementar n. 140/2011, que por excelência visa estabelecer normas de convivência (e cooperação) entre os diferentes entes na sua atuação na área ambiental, como será visto oportunamente, a Lei Complementar n. 87/1996 também previu instrumentos destinados a evitar o enfraquecimento da atuação do Estado-membro.
Não é demais lembrar que a Constituição Federal reserva à lei complementar dispor sobre conflitos de competência em matéria tributária, de modo que a Lei Kandir é campo adequado para o tratamento do tema (art. 146, inciso I, da CF/1988).
Como vimos, a CF/1988 ocupou-se de prever imunidade para a operação de circulação de mercadorias e prestação de serviços destinados ao exterior, excluindo a incidência do ICMS. O objetivo é claramente desonerar as exportações, e com isso favorecer um saldo positivo para a balança comercial brasileira. Não se questiona o objetivo, que no final das contas é bom para todos na Federação.
Ocorre que Estados com perfil essencialmente exportador, como aqueles produtores de comodities, saem dessa situação nitidamente enfraquecidos. Se o ICMS é a fonte de arrecadação de receitas derivadas mais importante para os Estados, esses veem a imunidade/isenção como responsável pela perda de uma parcela importante da sua arrecadação, reduzindo consideravelmente sua receita.
É nesse contexto que foi previsto, seguindo os ditames do art. 91 da ADCT, mecanismo de “compensação” dessa perda tributária, com esteio provisório no art. 31 da Lei Complementar n. 87/1996.
Destacam-se ainda outros mecanismos de compensação, como o Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações (FEX), previsto inicialmente na MP n. 193/2004, posteriormente convertida na Lei n. 10.966/2004, pela qual foi prevista a distribuição de um montante de R$ 900.000.000,00 a serem partilhados a Estados, e estes aos Municípios na medida da participação na receita do tributo perdida, como forma de compensação pela perda da arrecadação resultante da não incidência.
Embora esse valor do FEX tenha crescido ao longo dos anos[16], no conjunto os instrumentos previstos foram compreendidos insuficientes pelos Estados. Dados da Secretaria de Fazenda do Mato Grosso, por exemplo, apontam que só aquele Estado deixa de arrecadar por ano cerca de R$ 6 bilhões apenas com a desoneração do ICMS das exportações.[17]
Complementa o professor Marco Aurélio Marrafon, em interessante artigo dedicado ao tema, o crescimento da demanda social em contramão ao arrocho fiscal proporcionado pela retirada de receitas oriundas de operações de ICMS em exportações:
Para piorar, se a política de desenvolvimento se deu em cima da redução da arrecadação estadual, as demandas sociais por políticas públicas de competência estadual mantiveram-se ou aumentaram, gerando quadro de arrocho fiscal que tem comprimido as possibilidades de investimento dos entes estaduais.[18]
Nesse contexto foi ajuizada a ação direta de inconstitucionalidade por omissão n. 25 (ADO 25), perante o Supremo Tribunal Federal.
O Governador do Estado do Pará ajuizou ação direta de inconstitucionalidade por omissão alegando omissão legislativa do Congresso Nacional na regulamentação do art. 91 do ADCT.
Embora a União viesse entregando receitas com base no art. 31 da Lei Kandir, inclusive através do FEX, os montantes transferidos pela União não estavam tendo direta correlação com a perda da arrecadação estadual, e na visão do legitimado estavam sendo fixados no plano da discricionariedade política do Governo Federal, e em valores compreendidos insuficientes.[19]
Ao analisar o mérito da questão o Relator, Ministro Gilmar Mendes, entendeu que a desoneração tributária ocorreu em prejuízo da competência tributária estadual. O fato de a isenção heterônoma não estar sendo devidamente compensada gerava evidente prejuízo de uma fonte de receitas públicas estaduais, isso em prejuízo a própria vontade do legislador constituinte reformador, que previu a norma do art. 91 do ADCT justamente antevendo essas dificuldades.
Foi nesse sentido que o Ministro Gilmar Mendes classificou a intenção do legislador como verdadeira expressão de um federalismo cooperativo na questão fiscal. Segundo ele, trata-se, pois, de um mecanismo válido de auxílio entre entes federativos, ajustado com esteio a, diante da necessidade da União de fomentar exportações, não prejudicar importante fonte de arrecadação dos Estados membros. Confira-se, verbis:
De um lado, há razões para crer que a desoneração veio a bem do desenvolvimento nacional e pôs em prática o princípio que coíbe a exportação de impostos. De outro, não tenho dúvidas em afirmar que a supressão de competência tributária pode afetar, em certa medida, a autonomia financeira dos entes subnacionais, notadamente aqueles em cujo território se desenvolve com mais ênfase a atividade de exportação de produtos primários e semielaborados. Por isso, o mecanismo de transferência de recursos, em tese, poderia representar um importante instrumento de federalismo cooperativo, de sorte a atenuar os impactos financeiros decorrentes da desoneração promovida pela EC 42/2003 nas contas estaduais. O fato é que a necessária lei complementar, prevista no caput do art. 91, nunca foi editada e, até hoje, segue sendo aplicada a regra – que deveria ser temporária – prevista no § 3º do art. 91. Ou seja, permanece “vigente o sistema de entrega de recursos previsto no art. 31 e Anexo da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, com a redação dada pela Lei Complementar nº 115, de 26 de dezembro de 2002”. Posta a questão nesses termos, penso que já está bem claro o contexto da alteração constitucional promovida pela EC 42/2003 e a finalidade da regra prevista no art. 91 do ADCT. Resta, então, definir, se considerado esse contexto, a falta da lei complementar prevista nessa norma configura omissão constitucional a ser tutelada pela via da ação direta.[20]
Ficou claro, ao longo dos debates, que os Estados que produzem bens primários e os exportam, apesar de produzirem riqueza, não possuem adequada remuneração tributária pelos bens produzidos, possibilitando reinvestimentos gerados pelo retorno da produção em arrecadação. Nas exatas palavras da Ministra Cármen Lúcia, tem-se a situação de um "estado rico que não tem riqueza"[21].
Analisando friamente, a situação é francamente prejudicial a Estados agroexportadores, como aqueles do centro-oeste e norte do país, casos do próprio Estado do Pará e de outros, como o Mato Grosso.
Ao cabo, o voto do relator, que prevaleceu após proveitoso debate acerca das dificuldades do sistema tributário nacional, bem como do tratamento da omissão legislativa do Congresso Nacional, tema que suscita sempre controvérsias diante do papel do Poder Judiciário, foi no sentido de julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e, por conseguinte, reconhecer a mora do Congresso Nacional quanto à edição da lei complementar prevista no art. 91 do ADCT, fixando o prazo de 12 (doze) meses para que fosse sanada a omissão, findos os quais caberia ao TCU, enquanto não sobrevier a referida lei complementar, a competência para definir anualmente o montante a ser transferido, na forma do art. 91 do ADCT.
Como se vê, é evidente que o Estado federal deve prever e zelar pela adequada distribuição de recursos, sob pena de gerar incompatibilidades que tolham a possibilidade de os Entes menores realizarem seus objetivos institucionais, destinados de forma precípua a garantir a prestação de serviços públicos, realizar investimentos necessários conforme suas necessidades, entre outros.
Como destacado ao longo dos debates, os Estados, apesar de gerarem riquezas que se convertiam em exportações, não tinham a oportunidade de aplicar o retorno financeiro com essas exportações (provindas essencialmente de impostos, da arrecadação resultante da sua produção) em melhorias para a população.
O STF, como Corte constitucional essencial ao Estado-federal, nada mais fez do que exercer o seu papel de zelar pela prática do federalismo de índole cooperativa ao identificar e sanear omissão da União em regulamentar matéria de interesse dos Estados, marcada pela mora legislativa que já durava longos anos, buscando criar meios para fazer cessar os prejuízos que vinham sendo causados aos cofres dos Estados ao longo dos anos.
2.3. O ACORDO FEDERATIVO COOPERATIVO NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS FEDERATIVOS
Ao largo das discussões envolvendo efetividade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, ficou assentado no julgamento concluído em 30/11/2016 a declaração de mora legislativa, por parte do Congresso Nacional, em editar a lei complementar a que se referia o art. 91 do ADCT. Ocorre que, no curso do prazo concedido, e posteriormente sujeito a prorrogações, as partes acabaram chegando a um acordo.
Em 20/05/2020, o Plenário do STF se reuniu, referendou as decisões monocráticas prorrogadoras do prazo concedido inicialmente pelo colegiado e homologou o acordo firmado entre a União e os Estados e Distrito Federal, com o seu encaminhamento ao Congresso Nacional para as providências cabíveis. Segundo o Min. Gilmar Mendes, nesta ADO foi inaugurado o chamado pensamento do possível no Federalismo cooperativo:
Conclamei que todos os entes federativos, na linha do pensamento do possível, dissipassem-se de suas certezas absolutas, interesses estratificados e compreendessem aquela oportunidade sob o olhar do federalismo cooperativo, no afã de diminuir as tensões/diferenças e aproximar as convergências, chegando a bom termo conciliatório. Pois bem. Chegou-se a consenso mínimo quanto a valores e forma de pagamento, assim como quitação de eventuais dívidas pretéritas e futuras, conforme minuta anexada aos autos.[22]
Considerando o objetivo conciliatório e cooperativo objetivado no nosso modelo de Estado federal, os atores do Estado reuniram-se e solucionaram um impasse que já durava mais de uma década.
Tal situação revela outra face do federalismo cooperativo, aquela que conclama os Entes da federação, diante de uma situação de dificuldade, justamente por envolver arrecadação e distribuição tributária em um momento de crise e de suscetíveis déficits em contas públicas, a buscarem solução que atenda aos interesses de todos, evitando a solução imposta pela Corte constitucional e privilegiando o ajuste de interesses.
2.4. ITCD INTERNACIONAL E A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO CONGRESSUAL
De acordo com a Constituição Federal, o imposto de transmissão causa mortis e doação (ITCD ou ITCMD), de quaisquer bens ou direitos, previsto no art. 155, inciso I da CF, terá sua competência regulada em lei complementar quando versar sobre doação e o doador tiver domicílio ou residência no exterior, ou quando, envolvendo herança, o de cujus tinha bens no exterior, lá era residente ou domiciliado, ou lá foi processado o seu inventário (art. 155, inciso III, alíneas "a" e "b" da CF).
Tal lei complementar, todavia, nunca foi editada pelo Congresso Nacional, e como consequência surgiram leis estaduais versando estipulando regras sobre o pagamento desse tributo. A justificativa é o conhecido nosso art. 24, §§ 1º a 4º, da CF/1988, que permite que, em caso de inexistência de lei federal, o exercício da competência legislativa plena por parte dos Estados, sujeita à suspensão da sua eficácia no caso de superveniência de lei federal.
Recentemente, todavia, o STF em análise da questão em sede de repercussão geral, não aceitou esse argumento, declarando inconstitucionais as leis de Estados-membros e do Distrito Federal que instituam a cobrança do imposto nessas hipóteses, ainda que com base na competência legislativa concorrente.[23]
Segundo o Pretório Excelso, o legislador constituinte exigiu a veiculação do tema em lei complementar nacional justamente em razão da controvérsia que pode se seguir ao fixar a competência para instituir o tributo nessas hipóteses, pelo que exigido um maior debate político na casa legislativa, com exigência de uma aprovação por maioria absoluta.
Em tema de legislação tributária, consoante repisado, a Constituição também exige lei complementar para dispor acerca de conflitos de competência (art. 146, inciso I da CF/1988).
Pelo que decidiu o STF, apesar do disposto no art. 24, § 3º da CF, que autoriza a legislação supletiva dos Estados, não se trata de situação em que é possível o exercício de “competência legislativa plena” por parte desses Entes.
Ao meu ver, está-se diante de clara inércia legislativa que, assim como ocorre em relação à situação analisada anteriormente do caso do ICMS, também causa prejuízo aos cofres dos Estados-membros, pelo fato de a União deixar de regular situação e, com isso, impedir a instituição de tributo de competência dos Estados para a situação.
Apesar de a participação do ITCD na fatia de receitas tributárias do Estado-membro e Distrito Federal não ser tão relevante como no caso do ICMS, não há dúvidas de que a situação é prejudicial aos Estados. Sublinhe-se que a arrecadação tributária a esse título vem crescendo nos últimos anos, aumentando sua importância para os Estados.[24]
Registro que, apesar de o art. 34, § 3º, do ADCT “autorizar” que União, Estados, Distrito Federal e Municípios editem as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto, o STF entendeu que tal disposição constitucional não autoriza a ação dos Estados em qualquer caso de inexistência da lei nacional, especialmente diante do contexto do caso, que envolve discussão de conflito de competência entre Estados-federados, tratando notadamente de conflito federativo.
É importante destacar, contudo, que a omissão do Congresso Nacional no caso perdura mais de trinta anos, sendo possível, e até provável, que o STF volte a apreciar a matéria em outro momento, inclusive através de ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Por ora, é certo que a decisão não considerou essa grave omissão e poderia ter dado outra interpretação à questão.
Kiyoshi Harada, por exemplo, defende a possibilidade de legislação suplementar dos Estados no caso. Destaca o autor que a omissão do legislador ordinário em editar a lei complementar nacional exigida pela Constituição não poderia inibir o exercício da competência tributária pelo Ente político agraciado com ela pela CF/1988, segundo o modelo de repartição constitucional de receitas, sendo possível se falar em exercício de competência legislativa plena na hipótese.[25]
De acordo com o autor, a situação se amolda muito ao exemplo do IPVA. Referido tributo foi previsto pela primeira vez apenas na Constituição de 1967 e por isso não é objeto do atual Código Tributário Nacional, editado um ano antes. Mesmo ausentes normas gerais editadas pela União, entende-se que os Estados podem exercer a competência legislativa plena, conforme estabelecido pelo art. 24, § 3º da CF/1988, bem como pelo art. 34, § 3º, do ADCT, situação considerada válida pelo Supremo.[26]
Diante do quadro conjuntural que se apresenta, defende o autor uma interpretação lógico-sistemática para “se harmonizar com a ordem jurídica global que elegeu o federalismo fiscal como um princípio protegido em nível da cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I da CF).”[27]
E não poderia ser diferente, já que o papel da Corte já vem se desenhando de outra forma na análise de questões versando sobre conflitos desse calibre, conforme observados nos outros julgados.
3. O FEDERALISMO COOPERATIVO SANITÁRIO
A saúde é direito social (art. 6º) e de responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (arts. 23, inciso II e 30, VII, ambos da CF/1988).
Igualmente, nos termos do artigo 24, inciso XII, da Carta Magna, o texto constitucional prevê competência legislativa concorrente entre União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde, permitido aos Municípios, ainda, suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, conforme o artigo 30, inciso II, da Lei Básica.
Anote-se, ainda, que deve ser levada em conta a descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde (art. 198 da Carta Política e art. 7º da Lei n. 8.080/1990, que trata do SUS), com a consequente descentralização da execução de serviços e distribuição dos encargos financeiros entre os entes federativos, inclusive no que diz respeito às atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, inciso I, da Lei do SUS).
Essa competência comum/concorrente tornou-se centro de uma polêmica entre os entes federativos, relativa à competência para tomar providências em relação às medidas de isolamento social e outras preventivas quanto a pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2).
Além dos embates públicos entre o Governo Federal e os Governos Estaduais acerca da adequação das medidas de isolamento, também houve embate entre prefeitos e governadores, com medidas contraditórias tomadas por alguns deles. Ou seja, enquanto um determinava a abertura do comércio, o outro determinava o seu fechamento. Tal situação foi observada em algumas cidades, principalmente capitais de Estados, cujas forças políticas eram antagônicas.
A situação de emergência em saúde pública gerada pela pandemia inegavelmente exige habilidade dos gestores públicos. Além de definir um timing correto para a adoção de medidas, é indispensável haver coordenação com os demais Entes-federativos, sob pena de ineficácia das medidas e avanço da doença.
Tensões desse calibre são inerentes ao Estado federal. Em razão de divergências ideológicas, ou simplesmente de convicção, não necessariamente orientadas pela lógica científica, os diferentes Entes da federação acabam tomando decisões não necessariamente coordenadas, fato que pode ter contribuído para a perda de muitas vidas no País, em razão do vírus que o assola.
Para além do conflito federativo relativo à pandemia, outras decisões do Supremo Tribunal Federal têm aplicado a lógica do federalismo cooperativo na proteção da saúde da população, conforme se verá na sequência.
3.1. A PROIBIÇÃO DO USO DO AMIANTO E O CURIOSO JULGAMENTO DA ADI 3937
O amianto, substância utilizada na indústria e muito conhecida pela sua utilização em telhados de fibrocimento que cobrem a maior parte das casas do país, é tratada pela medicina como substância de elevada probabilidade de prejuízo a saúde humana. De acordo com informações do Instituto Nacional do Câncer:
A exposição ao amianto está relacionada à ocorrência de diversas doenças. Ele é classificado como reconhecidamente cancerígeno para os seres humanos. Não foram identificados níveis seguros para a exposição às suas fibras. O intenso uso no Brasil exige que a recuperação do histórico de contato inclua todas as situações de trabalho, tanto as de contato direto com o minério em atividades industriais típicas - em geral com exposição de longa duração; indireto, através de serviços de apoio, manutenção, limpeza, - em geral de baixa duração, mas sujeitas a altas concentrações de poeira; e as exposições não ocupacionais, sejam elas indiretas ou ambientais.[28]
Não obstante, desde 1995 existia lei federal permitindo a extração, a industrialização, a utilização e a comercialização do asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco), conforme a Lei Federal n. 9.055/1995.
Sob o enfoque da competência constitucional, referida lei poderia ser considerada norma geral expedida pela União, já que relacionada à produção e consumo (art. 24, inciso V, CF/88). Tratava-se de exercício da União de sua competência concorrente, onde permitida a edição de normas gerais, permitido aos Estados e Distrito Federal competência meramente complementar.
Ocorre que, diante do avanço dos estudos clínicos relacionados ao uso do amianto e sua prejudicialidade para a saúde dos seres humanos, alguns Estados-membros, não obstante a regulamentação federal, passaram a proibir o uso do amianto em seus respectivos territórios. Foi assim nos Estados do Mato Grosso (Lei Estadual n. 9.583/2011), Pernambuco (Lei Estadual n. 12.589/2004) e São Paulo (Lei Estadual n. 12.684/2007).
Tais leis, em exame frio da matéria, contrariam lei federal da União, violando norma geral editada por este Ente acerca do tema. Estados-membros até poderiam estabelecer normas mais restritivas, ou impor novas condições relacionadas à produção, comercialização e utilização do amianto, desde que a par da legislação federal. Grosso modo, o Estado não poderia proibir a utilização da substância que foi permitida pela norma geral.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em exame da matéria em sede de ação direta de inconstitucionalidade, deu solução diferente e resolveu declarar a inconstitucionalidade da lei federal, em detrimento da legislação estadual, que prevaleceu.
Na ADI 3937 o julgamento assentou que a legislação federal passou por um processo de inconstitucionalização, de modo que, em razão de alteração no parâmetro fático subjacente à edição da norma jurídica, atualmente ela não mais se compatibiliza com a Constituição Federal de 1988.[29]
Destacou-se que na época da edição da lei federal haviam suspeitas de possíveis riscos, mas que poderiam ser mitigados com o uso controlado da substância. Atualmente, no entanto, existem estudos que recomendam o banimento completo do uso do amianto, ante o consenso da sua natureza cancerígena e da inviabilidade do uso seguro. Sob o aspecto econômico, também foi realçado que, se antes não havia material desenvolvido para substituir o uso do amianto, atualmente ele pode ser plenamente substituído.
Logo, diante da invalidade da norma geral federal, os Estados-membros passaram a ter competência legislativa plena sobre a matéria, nos termos do art. 24, § 3º, da CF/1988 e nesse ponto, a legislação estadual está em consonância com a proteção do meio ambiente (art. 24, inciso VI da CF/1988) e proteção e defesa da saúde (art. 24, XII da CF/1988), sendo portanto, válida, não havendo que se falar em inconstitucionalidade de qualquer ordem.
Apesar da decisão proferida no caso do amianto, o raciocínio do Supremo Tribunal Federal não foi o mesmo no caso envolvendo antenas de celular.
3.2. POSSÍVEIS EFEITOS ADVERSOS DE ANTENAS DE CELULAR - ADI 3110
Na ADI 3110, proposta pelo Procurador-Geral da República contra a Lei n. 10.995/2001, do Estado de São Paulo, o STF considerou inconstitucional a referida lei que, a pretexto de proteger a saúde da população, estabelecia limites de radiação para a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular, por invadir a competência da União de legislar sobre telecomunicações (art. 22, inciso IV da CF/1988).[30]
Apesar de versar sobre competência privativa da União nesse ponto, a Corte analisou o caso sob o prisma do federalismo cooperativo, já que a lei estadual também pode ser qualificada na competência concorrente, considerando que a União e os Estados detém competência dessa natureza para tratar da defesa da saúde da população (art. 24, inciso XII, da CF/88).
No seu voto, o relator Min. Edson Fachin rememorou que conflitos federativos de competência não se resolvem apenas pela prevalência de interesses, como aliás, havia assentado no julgamento que tratou da proibição do amianto, sendo indispensável a presunção a favor da competência dos entes menores da federação (presumption against preemption), de modo que somente quando a legislação federal claramente indicar, de forma adequada, necessária, e razoável, que os efeitos de sua aplicação excluem o poder de complementação que detém os entes menores, Estados-membros e Municípios (clear statement rule), seria possível afastar a presunção de que, no âmbito regional, determinado tema deve ser disciplinado pelo ente maior.[31]
Ocorre que no caso, segundo o Relator, a União já promulgou a Lei n. 9.472/1997, que, de forma nítida, atribui à ANATEL a definição de limites para a tolerância da radiação emitida por antenas transmissoras. Por sua vez, mesmo que após a edição da lei, a União também promulgou a Lei n. 11.934/2009, que estabelece limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, associados ao funcionamento de estações transmissoras de radiocomunicação, de terminais de usuário e de sistemas de energia elétrica nas faixas de frequências até 300 GHz, visando garantir a proteção da saúde e do meio ambiente, em limites recomendados pela OMS.
Assim, diante da legislação suficiente, ficou afastada a possibilidade legislativa do ente menor, de modo que foi declarada a inconstitucionalidade da referida lei estadual.
3.3. OUTRA EXCEÇÃO MAIS ANTIGA? A ADI 3035 E OS OGMS
Em julgamento mais antigo, datado de 2005, o STF considerou inconstitucional a Lei n. 14.162/2003, do Estado do Paraná, que proibiu o plantio e a comercialização de substâncias contendo organismos geneticamente modificados em seu território.[32]
É incerto o potencial de prejuízo a saúde que a ingestão de alimentos provenientes de organismos geneticamente modificados pode causar aos seres vivos.
O benefício do seu uso é, entretanto, inegável. Plantações que utilizam sementes geneticamente modificadas tem, além de um rendimento maior, mais resistência a pragas, o que possibilita a redução de uso de pesticidas e proporciona ganhos em larga escala, reduzindo por sua vez os custos de produção.
De toda forma, existe lei federal editada pela União (Lei n. 11.105/05 - Lei da Biossegurança) que permite atividades envolvendo tais organismos, desde que cumpridas determinadas regras de segurança. Em virtude disso, apesar do pretexto da aplicação do princípio da precaução, referida lei estadual foi declarada inconstitucional pelo Supremo.
De acordo com o Min. Gilmar Mendes, relator da ação, não seria admissível que o Estado, no uso de sua competência residual, afastasse permissão de lei federal. Destacou-se que a disciplina de comercialização de OGMs é assunto que transcende a esfera dos Estados, de modo que deve prevalecer a regulamentação federal.
3.4. TENDÊNCIA CONSOLIDADA: PROIBIÇÃO DO TABACO
Na ADI 4.306, também sob a relatoria do Min. Edson Fachin, o STF voltou a analisar a noção do federalismo cooperativo, sob o prisma do precedente do amianto.
Nesse precedente, em que o legitimado ativo solicitou a declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 5.517/2009, do Estado do Rio de Janeiro, que proibiu o consumo de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em ambientes coletivos, o STF voltou a decidir pela prevalência da legislação estadual, apesar de mais restritiva que a lei federal.
Enquanto a lei fluminense vedava o uso de produtos fumígenos em quaisquer ambientes coletivos, a Lei Federal n. 9.294/1996 vedava o seu uso apenas em ambientes fechados.
Neste caso, o STF decidiu priorizar a legislação estadual.[33] É preciso salientar que o tabagismo se caracteriza como a principal causa de morte evitável[34] e, portanto, indiscutível o mérito do exercício da competência do Ente federativo estadual de legislar no sentido de proteger a saúde de sua população.
O que se vê é que o Supremo Tribunal Federal vem privilegiando a atuação dos entes menores na adoção de medidas protetivas da saúde da população, no caso de assuntos em que a possibilidade de danos a saúde da população seja latente, mas fez prevalecer a legislação federal nos casos em que não enxergava evidente prejuízo, ou que a legislação estadual era demasiadamente protetiva, privilegiando, portanto, nesses casos, o tratamento mais uniforme proporcionado pela legislação federal.
Tal situação restou evidenciada nas ações diretas que trataram da atuação dos entes federativos na pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), a exemplo das ações diretas de inconstitucionalidade 6341 e 6343 e na arguição de descumprimento de preceito fundamental 672.
3.5. FEDERALISMO E PANDEMIA - ADIS 6341 E 6343 MC-REF
Em 15 de abril de 2020, os Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal reuniram-se para apreciar a medida cautelar concedida pelo Min. Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6341, que assentou a interpretação no âmbito da corte no sentido de ser concorrente a competência dos Entes federativos para adotar providências legislativas no sentido de proteção à saúde.
Na origem, a ação buscava impugnar a constitucionalidade da Medida Provisória n. 926/2020 que promoveu alterações na Lei n. 13.979/2020 (Lei da Pandemia), tanto sob o ângulo formal quanto sob o ângulo material, já que, na visão do legitimado, a norma conferia exclusividade à União para dispor sobre as ações de enfrentamento ao coronavírus ali dispostas, em detrimento dos demais entes federativos.
A interpretação que prevaleceu foi a de que a Lei n. 13.979/2020, e suas alterações, deveria ser lida no sentido de estabelecer determinações gerais, permitindo aos demais entes, seja na competência concorrente deferida aos Estados, seja na competência suplementar atribuída aos Municípios, estabelecer normas específicas diante de suas especificidades, sem prejuízo de a União exercer um papel de coordenação, de liderança, em relação as medidas a serem adotadas.[35]
Referida decisão, portanto, foi no sentido da jurisprudência que vem se consolidando no âmbito do Supremo Tribunal Federal, lhe tendo sido comentada, ou ao menos atribuída, a condição de marco na atribuição de maior importância ao papel de Estados e Municípios dentro do Estado federal brasileiro.
O alcance prático da decisão proferida na ADI 6341 pode ser observado em pelo menos dois casos apreciados pelo Supremo Tribunal Federal.
Na Reclamação n. 39.871, do Estado do Amazonas, proposta contra decisão judicial proferida pela Justiça Federal do Amazonas, a decisão reclamada declarou a inconstitucionalidade incidental do art. 3º, inciso VI da MP 926/2020 e reconheceu a validade do Decreto Estadual n. 42.087/2020, que proibiu o transporte fluvial de passeio no Estado do Amazonas, como medida de enfrentamento à pandemia.
O relator, embora tenha considerado o desacerto da decisão no que diz respeito à inconstitucionalidade incidental, já que a validade da legislação federal foi apreciada nas decisões proferidas na ADI 6.341-MC e ADI 6.343-MC, considerou, com base nesses mesmos parâmetros, a validade do referido decreto, dentro da competência concorrente atribuída aos Estados para promover as medidas de enfrentamento adequadas.[36]
Sob outro vértice, na Reclamação n. 40.342, proveniente do Estado do Paraná, questionou-se decisão judicial proferida na Justiça Estadual do Paraná que determinou o reestabelecimento de decretos restritivos anteriores, a despeito da reabertura do comércio promovida pelo Município de Londrina, sob o argumento de que caberia a União definir as atividades essenciais, faltando ao município competência para legislar sobre este assunto.
Na decisão proferida na reclamação, entretanto, em consonância com o decidido na ADI 6.341-MC, ressaltou-se a necessidade de preservação de competência entre os entes federados, de modo que, apesar dos equívocos no fundamento da decisão reclamada, não haveria incorreção latente de suas conclusões, ficando determinado à Corte Estadual reapreciar as decisões, observando os critérios previstos na ADI 6.341-MC.[37]
Já no referendo do plenário à medida cautelar concedida na ADI 6343, em 6/5/2020, foi apreciada a possibilidade de convivência entre diferentes esferas decisórias, preservado o âmbito respectivo de competências materiais, especialmente no que diz respeito à restrição de locomoção interestadual e intermunicipal.[38]
Como acentuado no voto do Min. Gilmar Mendes, citando exemplos do federalismo alemão, no combate a uma crise sanitária, as ações das autoridades federais, regionais e locais devem ser conduzidas levando em consideração a necessidade de coordenação e padronização das medidas de enfrentamento à pandemia. No tocante ao Brasil, as dimensões continentais do nosso país, e as consequentes desigualdades locais e regionais de caráter econômico, cultural e demográfico também exigem soluções ajustadas ao contexto respectivo.
Portanto, conforme anotado no voto do Ministro, o fortalecimento da ideia de federalismo cooperativo “gera muito mais efeitos positivos do que uma tentativa de concentração de competências e de sobreposição dos métodos que se consideram mais adequados e pertinentes ao combate de uma epidemia”.[39]
No caso, gera preocupação a falta de uma articulação mínima entre os Entes federativos, o que aguça as discussões. De toda forma, não se poderia permitir que eventual inação do governo federal impedisse que Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais ao combate à COVID-19.
Assim, restou assentado que não compete ao Poder Executivo federal afastar as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas sanitárias seguindo recomendações embasadas em estudos científicos e da OMS, e nesse vértice, compatíveis com as recomendações sanitárias mundiais e adotadas no direito comparado.
Essa diretriz jurisprudencial ficou muito bem expressada no julgamento da ADPF 672 MC-Ref./DF, proposta pelo Conselho Federal da OAB em face dos alegados atos omissivos e comissivos do Poder Executivo federal, praticados no contexto da crise de saúde pública decorrente da pandemia do COVID-19, onde restou mais uma vez reconhecida a competência de Estados e Municípios para, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, adotarem as medidas necessárias ao combate à pandemia, independentemente de superveniência de ato federal em sentido contrário, e sem prejuízo da competência geral da união para estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso isso se mostrasse necessário.[40]
O Poder Executivo federal, é inegável, exerce (ou deveria exercer) o papel de ente central no planejamento e coordenação das ações governamentais em prol da saúde pública, notadamente no contexto do combate à pandemia, mas nem por isso pode afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotem medidas sanitárias previstas na Lei n. 13.979/2020 no âmbito de seus respectivos territórios, como a imposição de distanciamento ou isolamento social, quarentena, suspensão de atividades, restrição de circulação, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes, e incentivados por organismos internacionais para a redução da disseminação do vírus.
4. FEDERALISMO COOPERATIVO ECOLÓGICO
Na esteira do sistema de federalismo cooperativo que tem deferido autonomia a Estados e Municípios para estabelecer políticas públicas, o Supremo Tribunal Federal tem dado tratamento substancialmente semelhante ao tema, embora existam casos especiais, quando a análise recai sobre a proteção do meio ambiente, o que se convém chamar, para fins didáticos, de federalismo cooperativo ecológico, expressão adotada por Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer[41].
Ecológico porque é a ecologia o ramo da biologia que se preocupa em estudar as relações entre seres vivos e entre estes e o ambiente em que vivem.[42] Não é demais lembrar que as preocupações do legislador com o meio ambiente estão centradas na sua proteção para as presentes e futuras gerações, e não para preservar por apenas preservar.
A Constituição Federal adota um paradigma antropocêntrico ao definir, no seu art. 225, que o meio ambiente equilibrado é direito de todos, por se tratar de condição essencial a sadia qualidade de vida da população. Está claro que a proteção do meio ambiente serve aos seres humanos, tanto da presente quanto das futuras gerações. O legislador constituinte originário já em 1988 tinha consciência da finitude dos recursos naturais e da importância das interações ecológicas para a sobrevivência dos seres humanos.
O que traz intensa controvérsia é a divisão de papeis dos Entes federativos acerca dessa matéria. Paulo Bessa destaca que um dos problemas jurídico-constitucionais mais complexos em matéria de proteção ambiental é justamente a repartição de competências entre os Entes da federação.[43]
De uma maneira geral, a Lei Básica, em seu art. 23, determina ser competência comum da União, Estados/Distrito Federal e Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI); preservar as florestas, a flora e a fauna (inciso VII); registrar, acompanhar e fiscalizar a concessão de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios (inciso XI).
Já no que diz respeito à competência concorrente, o art. 24 da CF/1988 dispõe que União, Estados e Distrito Federal tem competência para legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação, defesa do meio e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição (inciso VI); proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (inciso VII).
Ao largo da evidente confusão existente nessa distribuição de competências, não se pode ignorar que as suas consequências resultam em diferentes interpretações do papel de cada Ente da Federação no trato do condomínio legislativo, o que vem reclamando atuação do Supremo Tribunal Federal acerca das controvérsias, cabendo analisar qual vem sendo a linha decisória do Pretório Excelso nesses casos.
O tema de distribuição de competências em licenciamento e fiscalização ambiental teve, apesar de tardia, uma contribuição da promulgada Lei Complementar n. 140/2011, que nasceu com o objetivo de estabelecer a cooperação entre os Entes federativos em matéria ambiental.
Ela buscou, entre outras, estipular competências administrativas relacionadas ao licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades, distribuindo aos Entes uma “repartição” de competências para promoção, entre outros, do licenciamento ambiental.[44]
Muito se tem discutido, no âmbito do Supremo Tribunal, acerca de normas estaduais que definem modelos simplificados de licenciamento ambiental. Na ADI 5475, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, o Procurador-Geral da República questionou a constitucionalidade do art. 12, inciso IV e § 7º da Lei Complementar n. 5/1994, do Estado do Amapá, que estabeleceu regras para a concessão de licença ambiental, ao argumento de violação da competência da União e do disposto no art. 225, caput e § 1º, inciso IV da CF/1988, que exigem estudos prévios de impacto ambiental para instalação de atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental.[45]
Destacou o legitimado que houve violação da norma geral da União editada, na medida em que prevê a possibilidade de concessão de uma “licença ambiental única” que dispensa as licenças prévia, de instalação e de operação, quanto a empreendimento da área do agro.
De acordo com a Relatora, ao analisar o mérito da ação direta, a licença ambiental prevista nas normas nacionais desenha modelos que necessariamente devem ser seguidos pelos Estados. A Resolução CONAMA n. 237/1997, por exemplo, estipulou espécies de licença ambiental para cada fase do empreendimento (licenças prévia, de instalação e de operação). Assim, restaria viabilizado ao Poder Público, em cada fase do empreendimento, desde o planejamento até o funcionamento, no âmbito do seu poder de polícia, efetivamente fiscalizar a obediência de normas visando evitar efeitos danosos ao meio ambiente.
Na visão da Relatora, que prevaleceu no citado julgamento, portanto, a lei amapaense acabou subvertendo a lógica sistemática das normas gerais nacionais ao estabelecer uma licença única, em substituição às licenças por fases, para as atividades relacionadas ao agronegócio, o que em última análise enfraquece a atividade fiscalizatória do Estado. Segundo a ministra:
O licenciamento ambiental não é procedimento meramente burocrático do Poder Público, mas “um dos processos preventivos mais relevantes em tema de proteção ao meio ambiente” (ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 94), pelo qual a Administração Pública exerce o poder de polícia em matéria ambiental de forma preventiva. Não é lícito ao legislador estadual, nem, no caso, ao legislador amapaense, portanto, dissentir da sistemática definida em normas gerais pela União, instituindo licença ambiental única que, de forma inequívoca, tornará mais frágeis e ineficazes a fiscalização e o controle da Administração Pública sobre empreendimentos e atividades potencialmente danosos ao meio ambiente.[46]
Na ADI 6288, por sua vez, ajuizada por partido político em face de artigos da Resolução n. 02/2019, do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará – COEMA/CE, que é marco regulatório da licença ambiental naquele Estado, questionou-se, entre outros, que dispositivos da resolução teriam extrapolado a competência concorrente do Estado para legislar sobre meio ambiente, usurpando a competência da União para estabelecer as normas gerais sobre a matéria.
A Relatora, Min. Rosa Weber, considerou que no caso, não houve ofensa ao esquema Constitucional, na medida em que é possível a complementação da legislação federal, e a norma atacada apenas implantou novas formas de concessão do licenciamento, com a previsão de novos tipos de licença, estabelecidos tendo em consideração a características próprias de cada empreendimento ou atividade, não cogitando de desproteção ambiental. Curioso que a Resolução COEMA/CE n. 02/2019 também previu, no seu art. 4º, inciso VII, a possibilidade de licença ambiental única, para localização, implantação e operação de empreendimentos ou atividades de porte micro e pequeno, com potencial poluidor-degradador baixo e médio, não havendo, na análise do Supremo, problemas quanto a implantação desse tipo de licença.[47]
Assim, de acordo com a Relatora, “por não destoar do desenho cooperativo constitucionalmente estabelecido e não minorar a proteção ambiental, é ausente a configuração da inconstitucionalidade alegada”.[48] Por fim, foi reconhecida a procedência parcial da ação direta, apenas para reconhecer a inconstitucionalidade material do art. 8º da Resolução, por estabelecer indevida dispensa de licenciamento para algumas atividades, potencialmente poluidoras, contrariamente ao que dispõe a União.
Em outro caso, na ADI 4615, da Relatoria do Min. Barroso, o resultado do julgamento também considerou válido o estabelecimento de procedimento simplificado para atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, em consonância também com o que já dispunha a Resolução CONAMA n. 237/1997 (art. 12, § 1º), que permite o estabelecimento de procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente.[49]
4.2. OLHAR SOBRE A LINHA INTERPRETATIVA DO SUPREMO
Ao meu ver, o Supremo Tribunal Federal, em matéria ambiental, apesar da aparente incoerência, tem dado um tratamento bastante uniforme a esta matéria. O Pretório Excelso tem estabelecido a prevalência de normas mais restritivas, isto é, que estabeleçam maior (ou melhor) proteção ao meio ambiente, tendendo a declarar a validade das normas estaduais que não estabeleçam flexibilizações quanto ao licenciamento, se a atividade sobre a qual versam tiver reconhecido potencial para prejudicar a proteção ambiental.
Esse posicionamento não é livre de críticas, pois para alguns, apesar da perspectiva cooperativa que se espera no federalismo ecológico, têm-se favorecido o poder normativo da União, especialmente em matéria de licenças, impedindo que os Estados estabeleçam normas específicas que seriam necessárias para regular suas situações próprias.[50] Com razão, seria plenamente possível aos Estados tratar sobre as matérias que tratam, notadamente ligadas a regras de procedimento quanto a concessão de licença ambiental.
Paulo Bessa, por exemplo, entende que o STF tem dado à questão um tratamento bastante coerente, embora extremamente centralizador. Enxerga-se olhar de certa desconfiança quanto a capacidade dos Estados de legislarem de forma complementar.[51]
De certa forma, se observado o panorama legislativo do tema, é inegável a prevalência da legislação ambiental de âmbito federal, ainda que de caráter meramente regulamentador, que acaba sendo mais ampla e avança no campo de atuação dos Estados.
Inúmeros fatores explicam essa situação, desde a falta de uma normativa estadual completa acerca dos limites da competência constitucional de cada ente em matéria constitucional, até a falta de recursos direcionados ao tratamento do tema ambiental, situação que deixa os Estados em situação de desvantagem perante o Ente central da Federação.
Apesar da substância das críticas, consegue-se notar da análise dos julgados mais recentes do STF que o Pretório Excelso tem utilizado baliza interpretativa diversa, levando em consideração graus de proteção do meio ambiente.
Um exemplo é o curioso caso relacionado à impugnação por ação direta, de norma estadual que proibiu o uso do amianto no respectivo Estado. Esse julgado, já tratado no capítulo relacionado ao federalismo cooperativo sanitário, bem ilustra a perspectiva esperada em decisões do Supremo, já que mantida a legislação estadual “restritiva” em detrimento da lei federal.
Outro julgamento bem ilustra esse panorama.
4.3. USO DE ANIMAIS EM TESTES E EXPERIMENTOS NA INDÚSTRIA QUÍMICA
Em 15/4/2020, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional lei estadual (Lei Estadual n. 289/2015, do Estado do Amazonas) que proíba a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e seus componentes.[52]
O que chama a atenção nesse caso é que, conforme sustentado pelo legitimado, havia uma lei federal (Lei n. 11.794/2008) que permitia a realização de testes em animais, considerando-a uma norma geral na disciplina do tema.
O voto que prevaleceu, do Min. Alexandre de Moraes, considerou que a disciplina constitucional do meio ambiente determina a proteção da fauna e flora, vedada, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade (art. 225, § 1º, VII, da CF), julgando improcedente o pedido.
No particular, segundo o relator, embora a Lei n. 11.794/2008 tenha autorizado a utilização de animais em atividades de ensino e pesquisas científicas, desde que sejam observadas algumas condições relacionadas aos procedimentos adotados, que visavam a evitar e/ou atenuar o sofrimento dos animais, no âmbito do Estado do Amazonas, o fato de o tema ter sido abordado de uma maneira mais restrita, pois a lei estadual proíbe completamente a prática, inclusive estipulando sanção pecuniária e administrativa no caso de descumprimento, não implica em invalidade da lei, não invadindo competência da União:
Em matéria de proteção ambiental, especificamente, e aqui entra a defesa da fauna, a opção tomada pelo Constituinte foi a de partilhar competências materiais e legiferantes, como já assinalado acima, com a transcrição do art. 24, VI, da CF. Assim sendo, nada impõe a necessária prevalência da legislação editada pelo ente central, especialmente quando considerado que a norma estadual veicula disciplina ambiental mais protetiva, se comparado com a lei federal que tratou da mesma matéria.[53]
Optou-se, portanto, claramente pela legislação estadual, que, destacou o ministro, optou por seguir, na esteira de outras unidades da federação, “um movimento mundial no sentido de proibir experimentos e testes de cosméticos em animais, o que não torna censurável o exercício de sua competência concorrente para tratar do tema, visando à proteção da vida animal”[54].
5. FEDERALISMO COOPERATIVO EM CONSUMO
De saída, não se nega o caráter de direito fundamental outorgado ao direito do consumidor (art. 5º, inciso XXXII da CF/1988), que também é princípio da ordem econômica (art. 170, inciso V da CF/1988) e que o legislador constituinte originário inseriu no âmbito das competências concorrentes (art. 24, inciso V da CF/1988).
Diante disso, muito se discutiu nos últimos anos no Supremo Tribunal Federal acerca da competência para legislar sobre direito do consumidor por parte dos Estados, especialmente diante do condomínio legislativo, e da competência da União para tratar privativamente sobre matérias que, de modo transversal, também podem se inserir na competência comum.
A exemplo do que ficou constatado no plano de federalismo cooperativo ecológico, podemos enxergar certa prevalência por normas protetivas ao consumidor.
5.1. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO FORNECIMENTO DE SERVIÇO DE TELEFONIA
Na ADI 5724, a associação legitimada questionou a constitucionalidade de lei estadual que obrigava a empresa de telefonia celular a disponibilizar na internet extrato detalhado das chamadas telefônicas e serviços utilizados nos planos “pré-pagos”.
Aos olhos da Constituição, a União tem realmente competência privativa para legislar em matéria de telecomunicações (art. 22, inciso IV da CF/1988), sem embargo da competência exclusiva de explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações (art. 21, inciso XI da CF/1988).
Ocorre que, na visão da maioria do Plenário da corte, tal situação se enquadraria melhor na competência do Estado para, de forma concorrente, legislar sobre direito do consumidor (art. 24, inciso V, da CF). Essa visão leva em conta que, no caso, a legislação estadual não trata especificamente da prestação de serviços de telecomunicação, ou seja, do núcleo das atividades das concessionárias, mas apenas visa obrigar o fornecedor do serviço a um dever de informação que visa proteger o consumidor contra cobranças indevidas, em consonância com a proteção do direito do consumidor, direito fundamental insculpido no art. 5º, inciso XXXII e art. 170, inciso V, da CF.[55]
A orientação da Corte, como se pode ver nesse primeiro momento, assenta-se em privilegiar, na competência legislativa concorrente, a autonomia local e o respeito das diversidades.
Isso porque o equilíbrio federativo exige que as análises do Supremo Tribunal Federal procurem não tolher a competência dos Entes federativos menores, privilegiando um equilíbrio federativo na esteira do esquema de distribuição de competências previsto na CF/1988.
Com essa mesma visão, outros julgados recentes do STF primaram pela constitucionalidade da lei estadual em detrimento da suposta competência privativa da União para legislar sobre o tema.
Na ADI 5572 o STF nesse mesmo sentido considerou constitucional uma lei estadual que obrigava as prestadoras do serviço de internet móvel e de banda larga a apresentar, na fatura mensal, gráficos informando a velocidade diária média de envio e de recebimento de dados entregues no mês, não implicando ofensa à legislação federal, ainda que consideradas as Leis n. 4.117/1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações) e n. 9.472/1997 (Lei das Telecomunicações), mas sim de norma de competência concorrente entre União e Estados-membros.[56]
Na ADI 5.745, também foi julgada constitucional lei estadual que obrigava as empresas prestadoras de serviço a, previamente, informarem, aos consumidores, dados dos funcionários que executariam os serviços demandados em suas residências ou sedes.[57]
Na ADI 4.908, o Tribunal também entendeu pela constitucionalidade de norma estadual que previa hipótese de cancelamento de multa contratual de fidelidade de usuário de serviços de telefonia fixa e celular.[58]
Em julgado mais recente, de fevereiro de 2021, decidiu o Supremo, na ADI 5962, que normas estaduais que disponham sobre obrigações destinadas às empresas de telecomunicações, relativamente à oferta de produtos e serviços, incluem-se na competência concorrente dos estados para legislarem sobre direitos do consumidor (art. 24, inciso V da CF). Portanto, foi declarada constitucional lei estadual que obrigou as empresas de telefonia a instituírem cadastro especial de assinantes que manifestassem oposição ao recebimento, via telefone, de ofertas de comercialização de produtos ou serviços.[59]
Transcrevo, por relevante, trecho do voto do Relator, Min. Marco Aurélio:
O texto constitucional não revela impedimento à edição de legislação estadual que, sem versar especificamente referidos serviços, acabe produzindo impacto nas operações das empresas prestadoras, desde que preservado o núcleo da regulação, a ser exercida pelo ente central da Federação. Indaga-se: o legislador local, ao instituir obrigação de criação e manutenção de “cadastro especial de usuários que se oponham ao recebimento de ofertas de comercialização de produtos e serviços” – artigo 1º, § 1º –, fixando prazo para o implemento – artigo 3º – e multa por descumprimento – artigo 4º –, e ao vedar a realização de “cobranças e vendas de produtos via telefone, fora do horário comercial, nos dias de semana, feriados e finais de semana” – artigo 1º-A –, interveio no núcleo de atuação das empresas voltadas à prestação de serviços de telecomunicações, usurpando competência privativa da União? A resposta é negativa. A elaboração do ato normativo não criou obrigação nem direito relacionados à execução contratual da concessão de serviços de telecomunicações. Antes, buscou ampliar mecanismo de tutela da dignidade dos usuários – “destinatários finais”, na dicção do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor.[60]
Esse mesmo entendimento já tinha sido exposto em julgado anterior, de 2019, no qual o STF entendeu que, ausente a instituição de obrigações relacionadas à execução contratual da concessão de serviço de telecomunicações, é constitucional norma estadual a vedar a realização de cobranças e vendas de produtos via telefone, fora do horário comercial, nos dias de semana, feriados e fins de semana, ante a competência concorrente dos Estados para legislar sobre proteção aos consumidores.[61]
É preciso salientar que, apesar de a jurisprudência parecer coerente e orientada ao respeito à legislação estadual que estabeleça normas protetivas aos direitos dos consumidores, o Supremo Tribunal Federal nem sempre entendeu dessa maneira.
Na ADI 3959, por exemplo, julgada em abril de 2016, o Supremo Tribunal Federal considerou que a Lei n. 12.239/2006, do Estado de São Paulo, que em síntese obrigava as companhias operadoras de telefonia fixa e móvel a constituírem cadastro especial de assinantes do serviço interessados no sistema de venda por meio de telemarketing, foi declarada inconstitucional, em razão de ferir a competência da União Federal de legislar privativamente sobre o serviço de telecomunicações.[62]
Assim, houve uma evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de modo que atualmente o STF tende a priorizar a legislação estadual mais protetiva aos consumidores, em matéria de fornecimento de serviço de telecomunicações.
Alguns outros julgados do Supremo Tribunal Federal, versando sobre a rotulagem de produtos também espelham a jurisprudência prevalecente do Supremo Tribunal Federal a respeito da preponderância do interesse do consumidor, no âmbito da competência concorrente.
No caso da ADI 5166, o STF julgou constitucional norma estadual que dispunha sobre regras para a exposição de produtos orgânicos em estabelecimentos comerciais, não entendendo o Pretório Excelso haver qualquer invasão da competência federal.[63]
Nas palavras do Min. Gilmar Mendes:
Não raras vezes surgem dúvidas sobre os limites da competência legislativa dos entes federados, tendo em vista os critérios utilizados pelo próprio constituinte na sua definição e a aparente vinculação de uma determinada matéria a mais de um tipo de competência. Ao constatar-se aparente incidência de determinado assunto em mais de um tipo de competência, deve-se realizar interpretação que leve em consideração duas premissas: a intensidade da relação da situação fática normatizada com a estrutura básica descrita no tipo da competência em análise e, além disso, o fim primário a que se destina a norma, que possui direta relação com o princípio da predominância de interesses. (DEGENHART, Christoph. Staatsrecht, I, Heidelberg, 22ª edição, 2006, p. 56-60) No presente caso, alega-se que a disposição dos produtos em um supermercado para venda ao consumidor é ato de comércio e, portanto, objeto do direito comercial. Constato, no entanto, que a norma impugnada se dirige à proteção do consumidor, para garantir ao cidadão o devido acesso à informação a respeito dos produtos orgânicos disponíveis nos estabelecimentos comerciais. O ato normativo em questão assegura ao consumidor o direito de obter facilmente informação a respeito do tipo de produto cuja exposição se pretende privilegiar. Conforme justificativa que acompanhou o projeto de lei, pretendeu o legislador facilitar para o consumidor a localização dos produtos orgânicos e estimular seu consumo.[64]
Assim, por se tratar de lei que dispõe sobre a proteção do consumidor, e por guardar pertinência com a Lei Federal n. 10.831/2003, que estabelece normas para a comercialização de produtos orgânicos no mercado interno, referida lei não merecia a pecha de inconstitucional.[65]
No mesmo sentido, o STF também considerou constitucional lei estadual que dispôs sobre a obrigatoriedade de rotulagem em produtos de gêneros alimentícios que contenham transgênicos.[66]
6. FEDERALISMO COOPERATIVO NA QUESTÃO MIGRATÓRIA
O Brasil é conhecido internacionalmente como um país acolhedor. Com a situação crítica do Haiti, e mais recentemente, da Venezuela, o país experimentou um fluxo migratório intenso desses países, a desafiar os Entes federativos a lidar com os reflexos sociais e econômicos advindos da situação.
Especificamente nesses dois casos, nasceram conflitos federativos que foram postos a apreciação do Supremo Tribunal Federal através de ações cíveis originárias, nos termos do art. 102, inciso I, alínea “f” da CF/1988.
6.1. RORAIMA E A CRISE MIGRATÓRIA VENEZUELANA - ACO 3121
Com o agravamento da crise social e econômica na Venezuela, em especial a partir da instabilidade política vivida desde 2013, o Brasil experimentou um crescimento vertiginoso da imigração de Venezuelanos para o território nacional. Sem emprego e diante da inflação descontrolada, aquele País experimenta situação de fome e miséria, de modo que muitas famílias decidiram migrar para países vizinhos em busca de novas oportunidades.
Um dos principais destinos escolhidos pelos venezuelanos foi o Brasil. Segundo dados apresentados pela Unicef, entre 2015 e maio de 2019 o Brasil registrou mais de 178 mil solicitações de refúgio e de residência temporária de nacionais Venezuelanos no Brasil.[67]
A proximidade com o território da Venezuela tem concentrado em Roraima a maior parte dos imigrantes, o que inegavelmente gerou pressão sobre os serviços públicos de saúde e assistência social presentes no Estado.
Nesse contexto, o Estado de Roraima ajuizou ação cível originária (ACO 3121), visando, em síntese: (a) obrigar a União a promover medidas administrativas nas áreas de controle policial, saúde e vigilância sanitária na região da fronteira entre o Brasil e a Venezuela; (b) a imediata transferência de recursos adicionais da União para suprir custos que vem suportando com a prestação de serviços públicos aos imigrantes oriundos da Venezuela estabelecidos em território roraimense; e (c) compelir a União a fechar temporariamente a fronteira entre Brasil e Venezuela ou limitar o ingresso de imigrantes.
Dentre outros, o Governo do Estado de Roraima sustentou que a população de imigrantes em Boa Vista já superava 10% da população do Estado, gerando aumento da criminalidade e sobrecarga nos serviços públicos de saúde e educação, obrigando, entre outros, o Governo local a instalar abrigos, arcar com despesas adicionais com matrícula de alunos imigrantes na rede pública de ensino do Estado e custear atendimentos na rede estadual de saúde para imigrantes.
Ao longo do processo, as partes chegaram a um acordo parcial em que estipularam, entre outros, a continuidade, pela União, da redistribuição dos imigrantes para outros Estados e do suporte que vinha sendo oferecido nas áreas de assistência social, permanecendo a lide em relação ao repasse de recursos solicitado pelo Estado de Roraima.
No voto da Relatora, Min. Rosa Weber, prevaleceu o entendimento de que a União também deveria ser responsabilizada pelas despesas adicionais do Estado-federado decorrentes da massiva imigração.
Embora tenha se sustentado, ao longo do processo, que inexiste direito à indenização ou ao ressarcimento a Estado-membro em decorrência das políticas públicas e serviços públicos voltados a imigrantes e refugiados, pois decorrentes da competência administrativa do Estado, adotou-se no julgamento o ponto de vista do federalismo cooperativo diante dessa situação conjuntural.
Em parêntesis, é preciso rememorar que a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, por princípios como a prevalência dos direitos humanos, defesa da paz e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, incisos II, VI e IX da CF/1988).
De outra via, a recente Lei da Migração (Lei n. 13.445/2017), estipulou que a política migratória brasileira é orientada também pela diretriz da acolhida humanitária (art. 3º, inciso VI).
Neste vértice, não se poderia, realmente, fechar as fronteiras como pleiteado na ação originária, no entanto, diante da situação extraordinária, seria o caso de acolher o pedido relacionado a transferência de recursos.
Como ficou comprovado nos autos do processo em questão, o Estado de Roraima, como não poderia deixar de ser, suportou despesas relacionadas ao reflexo da questão migratória. Estimado que a população de migrantes da cidade de Boa Vista superou os 10% da população da cidade, ínsita a realização de despesas que incluiriam a acomodação e prestação de serviços públicos mínimos aos migrantes, em sua grande maioria de refugiados.
Por outro lado, dentro de uma visão de cooperação que deve existir entre os Entes federativos, especialmente diante de situações excepcionais como a que se apresentou em Roraima, não seria razoável que a União permitisse o ingresso de imigrantes em território brasileiro, com base em princípios inscritos na Carta Magna e legislação infraconstitucional correlata, e portanto de interesse nacional, e não arcasse com as despesas decorrentes, ressarcindo os entes federados prejudicados em razão da sua localização na fronteira.
Importante frisar que o gasto extraordinário não poderia ser imputado a qualquer postura do Governo do Estado. Como salientou a Ministra Rosa Weber em seu voto, a abertura da fronteira, pelo Estado brasileiro, para recepcionar refugiados venezuelanos é decorrência do cumprimento de obrigações internacionais, somados à sistemática interna que propõe ao Brasil o caráter de Estado acolhedor.[68]
Diante desse quadro, é preciso ressaltar que a competência para cuidar da saúde e assistência pública e combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos é comum entre os Entes federativos (art. 23, II, X da CF). Inegável, portanto, que a União deve ser conjuntamente responsabilizada sob o prisma do federalismo cooperativo, já que a competência comum implica em responsabilidade também comum dos Entes federativos.
Segundo a Ministra Rosa Weber, nas matérias de que trata o art. 23 da CF a cooperação é obrigatória e, assim sendo, a União não poderia eximir-se de arcar com os custos decorrentes de uma atividade que é a ela comum. Desse modo, a meu ver, acertada a decisão do supremo que, no mérito, determinou a repartição desses custos.
A ação, no ponto, foi então julgada parcialmente procedente para determinar à União a transferência de recursos adicionais ao Estado de Roraima em quantia correspondente à metade dos gastos cujo ressarcimento é vindicado pelo autor, conforme se apurar em liquidação.[69]
6.2. O ACRE E A CRISE MIGRATÓRIA HAITIANA - ACO 3113
As raízes do movimento migratório haitiano são bastante antigas. O país esteve assolado por conflitos políticos no último século, e envolto em questões complexas, viveu ditaduras e influências externas nos grupos de poder. Nesse contexto, o país existe mergulhado em uma crise social profunda e duradoura.
O trágico terremoto no Haiti em 2010 apenas agravou uma situação já existente, deixando cerca de 300 mil mortos e afetando negativamente a vida de mais de 1,5 milhão de pessoas.[70] O endurecimento da crise motivou a criação de uma rota de imigração com destino ao Brasil, apesar da distância.
Com a rota de entrada estabelecida via Bolívia, o Estado do Acre experimentou efeitos da migração semelhantes aos que aconteceram com Roraima em relação à Venezuela, estabelecendo-se como “porta de entrada” para os imigrantes ao Estado brasileiro, embora em um ritmo um pouco mais lento.[71]
Assim, no mesmo sentido, o Estado do Acre ajuizou, em desfavor da União, ação cível originária visando o ressarcimento de despesas com a prestação de assistência a imigrantes, em sua maioria haitianos, que teriam gerado dispêndio extra, para o Estado, de cerca de R$ 27.500.000,00, dos quais R$ 12.500.000,00, em valores aproximados, não teriam sido ressarcidos.
De acordo com o autor da ação, o fluxo migratório, notadamente sobre pequenos municípios fronteiriços, resultou em gastos extras por parte do Estado, destinados ao atendimento dos imigrantes nas áreas de saúde, educação e assistência social.
Também analisada sob o prisma do federalismo cooperativo, essa ação teve um desfecho diverso da anterior, contudo, levando em conta suas especificidades. Apesar do voto do Relator, Min. Marco Aurélio, julgando procedente o pedido, prevaleceu o voto vista do Min. Alexandre de Moraes, abrindo divergência.[72]
Segundo o relator, não seria exclusivo da União o dever de custear as despesas com imigrantes que entram no país, sendo suficiente a ajuda financeira, técnica e de pessoal já prestada ao Estado do Acre, inclusive com o repasse de recursos federais. Logo, estariam cumpridos os deveres constitucionais e internacionais da União. O voto do Min. Edson Fachin, acompanhando a divergência, realçou que grande parte dos haitianos que ingressaram pelo Acre lá não permaneceram.
Portanto, diante das especificidades desse caso, o Supremo Tribunal Federal entendeu por maioria que a União não falhou no seu dever de cooperação, de modo que os argumentos levantados pelo Estado-membro não prevaleceram.
É importante frisar que, nesse caso, o Supremo Tribunal Federal, em sua maioria, ciente das ações tomadas pela União Federal, entendeu que seriam suficientes. A meu ver, também pesou o fato de o Estado do Acre não ter conseguido demonstrar, na ação, a absorção, sem auxílio da União, da maior parte das demandas repassadas pela migração.
Diante dessa aclarada quadra, embora o julgamento improcedente da ACO 3113, entendo que o Supremo Tribunal Federal consolidou, com esses dois casos julgados no ano passado, uma linha jurisprudencial no sentido de tratar as questões migratórias, especialmente por gerarem pressão sobre direitos sociais, sob o prisma do federalismo cooperativo, obrigando que a União absorva parte das obrigações decorrentes, especialmente pelo fato de que a concretização dos direitos sociais se inserem no âmbito da competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
É de se considerar que o Estado, não estando preparado para absorver essas demandas, especialmente no caso de Roraima, que tem orçamento reduzido se comparado com outros Estados da Federação, deve receber auxílio do Ente central.
O Supremo Tribunal Federal, na condição de guardião da Constituição e como corte constitucional essencial ao federalismo, ao tratar das questões federativas sob o ângulo da Constituição, especialmente em ações diretas e ações cíveis originárias, zela, em síntese, pelos direitos e garantias fundamentais e pela preservação do esquema organizativo constitucional de competências.
Diante dessa quadra, no julgamento do RE 194.704, o STF fixou que a diretriz a ser observada em casos de conflitos de competência é que, nos casos em que a competência legislativa recaia sobre assunto que remeta a mais de uma norma, o intérprete deve acolher a interpretação que não tolha a competência que detêm os entes menores para dispor sobre determinada matéria, o que se chama de presumption against preemption.[73]
Esse norte interpretativo vem sendo observado em outros julgamentos, inclusive na ADI 3110, analisada no capítulo relativo ao federalismo cooperativo sanitário.
No caso, entendeu-se que a competência municipal para tratar de assuntos de interesse local deveria ser preservada, da mesma forma que os Estados/DF e União deteriam a competência sobre os temas de seu interesse, “locais” no âmbito de sua competência.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal também assentou que – e isso ficou expresso na ementa daquele julgado – o federalismo é um instrumento de descentralização política que visa realizar direitos fundamentais. Daí se infere que o objetivo dos Entes da federação é claramente o de promover o bem comum do seu povo, em consonância com o conceito tradicional de Estado estabelecido por Dalmo de Abreu Dallari e tratado no princípio do capítulo inicial. A descentralização traz o governo para mais próximo da população, visando que seus interesses sejam satisfeitos.
Logo, a regra e que os entes menores detém, para os assuntos de interesse comum e concorrente, autonomia plena para exercer nos seus respectivos âmbitos de atuação, mediante exercício da competência normativa.
No entanto, se a lei do ente maior prever o clear statement rule, ou seja, excluir o poder de complementação que detém os entes menores, desde que de forma adequada, esse poder dos Entes menores acaba tolhido.
Tal lógica, mutatis mutandis, tem se revelado presente na jurisprudência do Pretório Excelso.
É possível verificar, do padrão de julgados mais recente relacionada ao tratamento de conflitos de competência constitucional federativa que o Supremo Tribunal Federal dá prevalência a concretização de direitos fundamentais e de normas que lhe deem garantias.
Até mesmo em se tratando de tributos, a lógica está presente. Como visto, a repartição fiscal é inerente à repartição de competências, já que não é possível a prestação de direitos positivos – status positivo – sem que o Estado tenha condições de custeá-los.
Direitos sociais como saúde, educação, segurança pública e transportes demandam investimentos por parte do poder público, que se estendem da instalação à operação. O financiamento dessas atividades ocorre geralmente através de receitas públicas derivadas, as que o Estado obtém por meio do seu poder de império, provenientes da arrecadação tributária, que se subsume na principal fonte de receitas do Estado.
Logo, a garantia de arrecadação tributária inexoravelmente resulta na maior disponibilidade orçamentária ao Estado. Apesar de não haver garantias de que isso se converta em melhorias à população, a arrecadação é condição sine qua non para a prestação de qualidade dos direitos fundamentais, especialmente os positivos.
Em última análise, portanto, a maior arrecadação tributária deve se converter em benefícios ao bem estar da população, daí que a necessidade de se assegurar a competência tributária denota no bem estar da população, fim do Estado.
No caso analisado relativo à isenção heterônoma de ICMS e da falta de compensação financeira, o pensamento da corte convergiu com o ideal de permitir que a arrecadação não fosse prejudicada.
Naquele caso, relembra-se, também restou evidente outra faceta antes pouco vista do federalismo cooperativo, de busca para a solução consensual de controvérsias, como ocorreu no acordo firmado após o julgamento da ADO 25.
O destaque realizado, adiante, ao caso das legislações estaduais consideradas invalidadas quando disciplinavam o chamado ITCD internacional é ponto fora da curva nesse trilho, e pode receber solução diferente em caso de uma ADO, por exemplo, caso seja observada a mesma linha de pensamento do julgado alhures.
Dentro desse mesmo espectro, no que diz respeito à atuação do Estado na área da saúde, o STF atuou no sentido de dar prevalência à norma que garantisse melhor proteção, fosse ela estadual ou federal.
Chamou atenção o caso da proibição do amianto por legislação estadual, considerada válida em razão da proteção à saúde, não obstante existisse legislação federal permissiva, assim como ocorreu em relação às leis que tratavam da proibição de uso de cigarros em locais públicos.
Por outro lado, no caso das antenas de celular, bem como nas decisões envolvendo OGMs, a lei federal, sendo considerada suficiente, foi indicada válida pela Suprema Corte, privilegiando a regulamentação federal mais uniforme em detrimento de uma não nítida proteção melhor à saúde da população. Aspectos econômicos, no caso dos OGMs, também foram observados para sacramentar a prevalência da norma federal.
Nos casos relativos à pandemia, por sua vez, tem prevalecido a máxima de que os Entes devem atuar de forma coordenada, não havendo impedimento para a ação de Estados e Municípios sempre que a União não cumprir o seu papel com medidas sanitárias eficazes – mais uma vez busca-se privilegiar a ação do Ente federativo que melhor se amolde ao fim colimado, que é o de proteger a saúde da população.
A mesma lógica também é observada quando o assunto é a legislação relativa ao meio ambiente.
Considerando que o meio ambiente equilibrado também se converte em um direito fundamental, competindo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput da CF), é do interesse de todos assegurar que o exercício da competência privilegie a preservação do meio ambiente, sempre em observância a princípios constitucionais ambientais, especialmente em temas como licenciamento ambiental e controle de poluição.
Logo, o STF, no caso relativo à possibilidade de uso de animais para testes, considerou válida a lei estadual restritiva perante a lei federal permissiva. Ademais, ao tratar do tema do licenciamento, considerou possível a previsão de licenciamento ambiental simplificado pela legislação estadual quando a situação concreta trate de atividade evidentemente sem potencial de causar poluição, embora tenham se destacado críticas a esses julgamentos. De uma maneira geral, portanto, assegura-se a legislação que melhor observe os princípios da precaução e prevenção e o vetor da proteção ambiental.
No que diz respeito à regulação infraconstitucional das relações de consumo, dá-se prevalência clara aquelas normas que privilegiam a proteção ao consumidor, nos termos do art. 5º, inciso XXXII e 170, inciso V da CF/1988, sempre que houver possível colisão com assuntos cuja competência seja privativa da União (e.g.: direito civil) e desde que razoáveis do ponto de vista econômico, restando claro que, se a legislação federal estabeleceu uma proteção considerada suficiente, não cabem aos Estados estabelecerem restrições de maior envergadura.
Adiante, no que tange às questões migratórias, ficou claro que, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, deve haver um compartilhamento de custos decorrentes de compromissos constitucionais assumidos pela República Federativa do Brasil quanto a acolhida de imigrantes, não se mostrando consentâneo com o federalismo cooperativo que o Ente federativo menor arque com a totalidade dos custos econômicos provindos de uma decisão política que é nacional, tomada com base nos princípios das relações internacionais da República Federativa do Brasil (art. 4º da CF/1988).
A lição retirada da análise dos julgados, portanto, circunscreve o pensamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal acerca dos temas analisados.
O federalismo cooperativo exige atuação positiva dos Estados que, se regular, não merece tolhimento pelo fato do exercício da competência pela União. A Constituição Federal estabelece um incentivo ao legislador estadual para, dentro das questões de condomínio legislativo, exerça a competência que lhe foi outorgada de forma concorrente com a União, atuando onde seja necessário atuar.
A competência não retrata mera faculdade, mas de um poder-dever dos Estados. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal em certa oportunidade, não cabe ao legislador estadual, nessas matérias, simplesmente fazer remissão à aplicação da legislação federal correlata.[74]
Ao longo do trabalho foi percebido que uma característica ínsita à forma de Estado federativa é a capacidade de autolegislação. O ato de renúncia dessa competência acaba desnaturando o esquema organizativo federativo, o que não deve ser tolerado, devendo os Estados-membros (e os Municípios), conservarem e exercerem a sua capacidade de legislação para seus interesses particulares.
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[1] O marco histórico do surgimento do federalismo no Brasil é o Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889, resultante da “revolução republicana”, marco histórico que rompeu com a forma de governo monarquista, e forma de Estado unitária, e deu início ao período da chamada “República Velha”. O art. 1º do mencionado Decreto estipulou que: “fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da Nação brasileira - a República Federativa”. Com a confirmação advinda com a Constituição de 1891, as antigas províncias do Império, que por sua vez sucederam as capitanias hereditárias do Brasil Colônia, seriam “reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil” (art. 2º do Decreto n. 1/1889).
[2] SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, n.p. (versão em e-book).
[3] Nesse sentido: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, n.p. (versão em e-book).
[4] CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 813/814.
[5] Nesse sentido: FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9ª ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 873.
[6] Com a proclamação da independência das treze colônias inglesas na América do Norte, no ano de 1776, surgiram novos Estados, com características plenas de soberania e independência em relação ao seu colonizador comum. Inicialmente, os Estados estabeleceram um pacto de direito internacional com o objetivo de assegurar colaboração contra a ameaça de retomada pelos ingleses. Em razão do vasto território, também era necessário formar um modelo eficiente de governabilidade, que assegurasse os ideais republicanos que prevaleceram com a declaração de independência. Nesse pacto, cada componente da chamada “confederação” retinha a sua soberania. Daí a previsão no pacto confederativo do direito do aderente de, a qualquer tempo, denunciar o tratado, exercendo seu direito de retirada. Essa permissão do direito de secessão, contudo, tornou demasiadamente fragilizada a união entre os Estados, ante a constante ameaça de separação, seguida das dificuldades de obtenção de recursos financeiros e humanos para as atividades comuns, falta de cumprimento de decisões do congresso. O entendimento de que o modelo não se mostraria eficiente para atender as necessidades nascidas com a independência resultou na proposta de aperfeiçoamento da fórmula federativa, discutida e aprovada na Convenção da Filadélfia (1787), que estabeleceu em seu preâmbulo, claramente, o objetivo de aperfeiçoar o modelo de federação proposto: “nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formarmos uma União mais perfeita...”. Com a nova convenção, os Estados soberanos até então confederados abriram mão de sua soberania, e em consequência do direito de secessão, conservando tão somente sua autonomia, passando ao Ente central poderes para tratar da União, formando os “Estados Unidos da América”.
[7] SILVA, José Afonso Da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 39ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 496.
[8] TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 63.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, n.p. (versão em e-book).
[10] ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes. Competências na Constituição de 1988. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 97.
[11] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, n.p. (versão em e-book).
[12] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, n.p. (versão em e-book).
[13] Nesse ponto, convém destacar que a Constituição Federal prevê participação de Estados e Municípios em impostos estaduais, como o IOF (art. 153, § 5º, CF/1988), o IR (art. 157, I, e 158, I da CF/1988), os Impostos Residuais (art. 157, II, CF/1988), o ITR (arts. 153, § 4º e 158, II, CF/1988) o IPI (art. 159, II, CF/1988), além da CIDE combustíveis (art. 159, III, CF/1988) e também a participação de Municípios em impostos estaduais, caso do IPVA (art. 158, III, CF/1988) e do ICMS (art. 158, IV, CF/1988). Também são previstos fundos de participação (art. 159, I, CF/1988).
[14] Essas competências estão detalhadas entre os arts. 153 e 156 da CF/1988.
[15] ROCHA, André Ítalo. ICMS é tributo que mais contribui para cofres públicos. Exame. Salvador, 8/7/2016. Disponível em: <https://exame.com/economia/icms-e-tributo-que-mais-contribui-para-cofres-publicos/>. Acesso em 22 jun. 2021, as 16h08min.
[16] Segundo dados do Tesouro Nacional, o valor total, que era de 900 milhões de reais em 2004 chegou a 1,950 bilhão de reais em 2016 (MP 749/2016). In: BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Relatório “O que você precisa saber sobre transferências constitucionais e legais. Auxílio Financeiro para Fomento das Exportações – FEX. Novembro/2018. Disponível em: <https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:6375>. Acesso em 14/5/2021, as 6h57min.
[17] MATO GROSSO. Secretaria de Fazenda do Estado do Mato Grosso. Secretário defende compensação integral da Lei Kandir. Disponível em: <http://www.controladoria.mt.gov.br/web/sefaz/-/7791349-secretario-defende-compensacao-integral-da-lei-kandir>. Acesso em 14/5/2021, as 7h03min.
[18] MARRAFON, Marco Aurélio. Federalismo cooperativo exige reciprocidade entre entes federativos. In: Consultor Jurídico, 9 de jul. de 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jul-09/constituicao-poder-federalismo-cooperativo-exige-reciprocidade-entre-entes-federativos#author>. Acesso em 14/5/2021, as 15h51min.
[19] Fernando Facury Scaff, em artigo publicado na Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico, bem ilustra essa colocação “A Lei Kandir atendia às reivindicações do setor produtivo exportador, pois acabava com a incidência tributária sobre as exportações, objeto de normas criadas pelos Secretários de Fazenda no âmbito do CONFAZ, e permitia que os créditos de ICMS decorrentes desta operação exportadora fossem mantidos. (...) Inicialmente tais créditos se constituíram em uma espécie de ‘seguro garantia’ ou ‘seguro receita’, considerado o período que se inicia na data de publicação da Lei Complementar nº 87, setembro de 1996, até 2002, no qual constava que a União entregaria aos Estados e seus Municípios, consoante critérios estabelecidos no referido Anexo, parcela correspondente à arrecadação efetivamente realizada no período entre julho de 1995 e junho de 1996, inclusive. (...) Diz-se ser uma espécie de ‘seguro garantia’ porque os cálculos realizados tinham por pertinência a correlação entre o que os Estados deixariam de receber de ICMS em decorrência da exportação de produtos semielaborados, pertinentes ao período acima mencionado, bem como os créditos de ICMS que seriam reconhecidos aos exportadores. Logo, havia correlação entre o que os Estados ‘deixavam de arrecadar’ e o que a União se comprometia a lhes transferir. (...) Posteriormente esta sistemática de cálculo foi alterada. Passou de ‘seguro garantia’ para uma espécie de ‘livre negociação política’. Isto ocorreu através da Lei Complementar nº 115, de 26 de dezembro de 2002, e permanece até os dias atuais. Passou a ser transferido não mais um valor apurado de conformidade com as perdas nas exportações, mas um valor aleatório estabelecido pelo jogo de forças político, consignado como crédito orçamentário. Deixou de existir a correlação entre o que havia sido desonerado das exportações e compensado aos exportadores através do reconhecimento de créditos " SCAFF, Fernando Facury. A desoneração das exportações e o fundo da Lei Kandir: análise com foco no setor mineral. Revista Fórum de Direito Financeiro e Econômico – RFDFE, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 3956, mar./ago. 2012).
[20] Trecho do voto do Min. Gilmar Mendes, Relator da ADO 25. STF. Pleno. ADO 25. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 30/11/2016, p. 18/08/2017.
[21] Consta da minuta do voto no acórdão e notas taquigráficas do julgamento proferido: STF. Pleno. ADO 25. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 30/11/2016, p. 18/08/2017.
[22] STF. Pleno. ADO 25 QO, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 20/5/2020, p. 12/11/2020.
[23] STF. Pleno. RE 851.108/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 27/2/2021, p. 20/4/2021.
[24] PACHECO, Cristiano Scarpelli Aguiar. A arrecadação do imposto sobre heranças e doações no Brasil: uma análise da evolução e dos principais aspectos a influenciar seu desempenho de 2002 a 2017. 2019. 205 f. Dissertação (Programa de Mestrado em Administração Pública) - Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte. Disponível em: <http://tede.fjp.mg.gov.br/handle/tede/432>. Acesso em 4/6/2021, as 17h15min.
[25] HARADA, Kiyoshi. ITCMD e a ausência de lei complementar. Migalhas, 2 mar. 2021. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/340967/itcmd-e-a-ausencia-de-lei-complementar>. Acesso em 4/6/2021, às 17h17min.
[26] STF. Pleno. RE 1.016.605, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. para o Acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. 16/09/2020, p. 16/12/2020.
[27] HARADA, Kiyoshi. ITCMD e a ausência de lei complementar. Migalhas, 2 mar. 2021. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/340967/itcmd-e-a-ausencia-de-lei-complementar>. Acesso em 4/6/2021, às 17h17min.
[28] BRASIL. Instituto Nacional do Câncer. Amianto. Pub. 21 mai. 2021. Disponível em: <https://www.inca.gov.br/exposicao-no-trabalho-e-no-ambiente/amianto> Acesso em 22 jun. 2021, às 16h17min.
[29] STF. Pleno. ADI 3937. Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o Acórdão Min. Dias Toffoli, j. 24/8/2017, p. 1/2/2019.
[30] STF. Pleno. ADI 3110. Rel. Min. Edson Fachin, j. 4/5/2020, p. 10/6/2020.
[31] STF. Pleno. ADI 3110. Rel. Min. Edson Fachin, j. 4/5/2020, p. 10/6/2020.
[32] STF. Pleno. ADI 3035. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 6/4/2005, p. 14/10/2005.
[33] STF. Pleno. ADI 4306. Rel. Min. Edson Fachin, j. 20/12/2019, p. 19/2/2020.
[34] BRASIL. Departamento de Comunicação Institucional da Unifesp. Principal causa de mortes evitáveis no mundo. Disponível em: <https://www.unifesp.br/reitoria/dci/publicacoes/entreteses/item/2199-principal-causa-de-mortes-evitaveis-no-mundo>. Acesso em 4/6/2021, as 17h54min.
[35] STF. Pleno. ADI 6341 MC-Ref., Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o Acórdão Min. Edson Fachin, j. 15/4/2020, p. 13/11/2020.
[36] STF. MC na Rcl. 39.871, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 6/4/2020, p. 14/4/2020.
[37] STF. MC na Rcl. 40.342, Rel. Min. Edson Fachin, j. 1º/5/2020, p. 6/5/2020.
[38] STF. Pleno. ADI 6343 MC-Ref. Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o Acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. 6/5/2020, p. 17/11/2020.
[39] STF. Pleno. ADI 6343 MC-Ref. Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o Acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. 6/5/2020, p. 17/11/2020.
[40] STF. Pleno. ADPF 672 MC-Ref. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 13/10/2020, p. 29/10/2020.
[41] SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 165.
[42] ECOLOGIA. In: MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Ed. Melhoramentos, 2021. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/ecologia> Acesso em 22 jun. 2021, as 16h21min.
[43] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 21ª Ed. São Paulo: Atlas, 2020, n.p. (versão em e-book).
[44] Vide arts. 7º, XIV, 8º, XV e 9º, XIV, todos da Lei Complementar n. 140/2011, que estabelecem, respectivamente, a repartição de competências entre União, Estados/Distrito Federal e Municípios para promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos.
[45] STF. Pleno. ADI 5475. Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 20/4/2020, p. 3/6/2020.
[46] STF. Pleno. ADI 5475. Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 20/4/2020, p. 3/6/2020.
[47] STF. Pleno. ADI 6288. Rel. Min. Rosa Weber, j. 23/11/2020, p. 3/12/2020.
[48] STF. Pleno. ADI 6288. Rel. Min. Rosa Weber, j. 23/11/2020, p. 3/12/2020.
[49] STF. Pleno. ADI 4615. Rel. Min. Roberto Barroso, j. 20/9/2019, p. 28/10/2019.
[50] Cite-se, por exemplo, este artigo do professor Marcus Lima: LIMA. Marcus. Supremo recria o federalismo cooperativo e amplia insegurança jurídica no direito ambiental. Direito Ambiental.com, 4 dez. 2020. Disponível em <https://direitoambiental.com/supremo-recria-o-federalismo-cooperativo-e-amplia-inseguranca-juridica-no-direito-ambiental/>. Acesso em 5 jun. 2021, as 17h49min.
[51] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 21ª Ed. São Paulo: Atlas, 2020, n.p. (versão em e-book).
[52] STF. Pleno. ADI 5996. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 15/4/2020, p. 30/4/2020.
[53] STF. Pleno. ADI 5996. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 15/4/2020, p. 30/4/2020.
[54] STF. Pleno. ADI 5996. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 15/4/2020, p. 30/4/2020.
[55] STF. Pleno. ADI 5724. Rel. Min. Roberto Barroso, Red. para o Ac. Min. Alexandre de Moraes, j. 30/11/2020, p. 29/3/2021.
[56] STF. Pleno. ADI 5572. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 23/08/2019.
[57] STF. Pleno. ADI 5745. Rel. Min. Alexandre de Moraes, Red. para o Ac. Min. Edson Fachin, j. 7/2/2019, p. 16/9/2019.
[58] STF. Pleno. ADI 4908. Rel. Min. Rosa Weber, j. 11/4/2019, p. 6/5/2019.
[59] STF. Pleno. ADI 5962. Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25/2/2021, p. 21/5/2021.
[60] STF. Pleno. ADI 5962. Rel. Min. Marco Aurélio, j. 25/2/2021, p. 21/5/2021.
[61] STF. Pleno. ADI 6087. Rel. Min. Marco Aurélio, j. 21/8/2019, p. 23.9/2019.
[62] STF. Pleno. ADI 3959. Rel. Min. Roberto Barroso, j. 20/4/2016, p. 11/5/2016.
[63] STF. Pleno. ADI 5166. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 3/11/2020, p. 20/11/2020.
[64] STF. Pleno. ADI 5166. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 3/11/2020, p. 20/11/2020.
[65] STF. Pleno. ADI 5166. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 3/11/2020, p. 20/11/2020.
[66] STF. Pleno. ADI 4619. Rel. Min. Rosa Weber, j. 9/10/2020, p. 11/1/2021.
[67] BRANDÃO, Inaê. Crise migratória venezuelana no Brasil. O trabalho do UNICEF para garantir os direitos das crianças venezuelanas migrantes. Unicef. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/crise-migratoria-venezuelana-no-brasil>. Acesso em 5/6/2021, às 18h41min.
[68] STF. Pleno. ACO 3121. Rel. Min. Rosa Weber, j. 13/10/2020, p. 27/10/2020.
[69] STF. Pleno. ACO 3121. Rel. Min. Rosa Weber, j. 13/10/2020, p. 27/10/2020.
[70] CHARLES, Jacqueline. Dez anos após ser devastado por terremoto, Haiti ainda vive em cenário desolador. National Geographic Brasil. Porto Príncipe, 15/1/2020. Disponível em: <https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2020/01/dez-anos-apos-ser-devastado-por-terremoto-haiti-ainda-vive-em-cenario-desolador>
[71] Segundo estudos baseados em postos de controles de fronteiras, realizados entre 2010 e 2015, o Estado do Acre respondeu no período por 88% dos haitianos e haitianas que ingressaram no Estado brasileiro. (BAENINGER, Rosana; PERES, Roberta. Migração de Crise: a migração haitiana para o Brasil. Revista Brasileira De Estudos De População (2017). Disponível em: <https://doi.org/10.20947/S0102-3098a0017>, Acesso em 29/5/2021, as 23h36min.
[72] STF. Pleno. ACO 3113. Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o Ac. Min. Alexandre de Moraes, j. 13/10/2020, p. 16/12/2020.
[73] STF. Pleno. RE 194.704, Rel. Min. Carlos Velloso, Red. para o Ac. min. Edson Fachin, j. 29/6/2017, p. 17/11/2017.
[74] Vide julgamento proferido na ADI 2303: “Daí se extrai a inconstitucionalidade do ato, cujos contornos direcionam ao esvaziamento do que preconiza a Lei Maior no tocante às competências material e legislativa: atua o ente cujo interesse acerca do tema surja predominante. Ora, se a Assembleia Constituinte estabeleceu haver interesse dos Estados no tocante à saúde, produção e consumo, proteção e responsabilidade por danos ao meio ambiente – artigo 24, incisos VI, VIII e XII, da Carta Federal –, descabe ao ente federado recusar-se ao implemento das providências pertinentes pelos meios próprios. A dimensão do descompasso da lei impugnada é maior quando se considera o federalismo cooperativo. A lógica mostra-se intransponível e direciona ao estabelecimento de normas gerais pela União e à atuação dos Estados no atendimento a peculiaridades regionais. A sistemática adotada pelo Estado do Rio Grande do Sul afasta essas diretrizes e remete à observância automática da “legislação federal específica”, revogando os dispositivos locais, os diplomas estaduais vigentes. O Estado recusa-se a cumprir o dever constitucional de providenciar a implementação, harmoniosa e atenta aos interesses regionais, de valores consagrados na Lei Fundamental. Subverte-se, consequentemente, até mesmo a elaboração de políticas públicas específicas à realidade local. A ressaltar essa óptica, a própria temática versada nesta ação direta evidencia a indispensabilidade de tratamento particularizado, tendo em vista a diversidade biológica verificada no País.” STF. Pleno. ADI 2303. Rel. Min. Marco Aurélio, j. 5/9/2018, p. 11/11/2020.
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UDF (2014). Possui especialização em Direito Público pela Escola da Magistratura do Distrito Federal (2021) e em Direito Notarial e Registral pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (2021). Exerceu o cargo público de Técnico Judiciário no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (2016 a 2021). Atualmente é Analista Judiciário - Área Judiciária - no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Geovanny Matsumoto de Almeida. O federalismo cooperativo na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2022, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58057/o-federalismo-cooperativo-na-jurisprudncia-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 25 nov 2024.
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