FRANCINE A. RODANTE FERRARI NABHAN[1]
(orientadora)
RESUMO: O artigo em apreço versa sobre a responsabilidade do Estado na proteção do preso em casos de homicídio durante a execução da pena. Assim, passa-se a analisar o seguinte problema: Em casos de falecimento do preso em um estabelecimento prisional, qual a responsabilidade do Estado face a sua tutela? Para responder referido questionamento, definiu-se como objetivo geral: Analisar a responsabilidade do Estado quanto aos presos sob sua tutela em casos de homicídios no interior de estabelecimentos prisionais. Em decorrência disso, fixa-se como objetivos específicos: Apresentar a tipificação do crime de homicídio para a compreensão do entendimento jurídico acerca do ato ilícito, conceituar Responsabilidade Civil do Estado com o intuito de compreender os casos de possível aplicabilidade; e, analisar a aplicabilidade da Responsabilidade Civil do Estado em casos de homicídios em estabelecimentos prisionais para compreender se o Estado pode ou não ser responsabilizado. Para uma melhor análise do tema desenvolvido, será apreciada decisões judiciais recentes. Para o desenvolvimento da pesquisa em questão utilizou-se a pesquisa qualitativa, exploratória, bibliográfica e com análise documental, pois nos ocupamos de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Por fim constata-se que o objetivo do presente trabalho foi atingido ao verificar-se fortes violações aos direitos dos detentos dentro dos estabelecimentos prisionais, pois verifica-se e constata-se a responsabilidade civil do Estado em proteger a vida daqueles que estão sob sua guarda no sistema prisional brasileiro.
PALAVRAS CHAVE: Responsabilidade Civil do Estado; Estabelecimento prisional; Homicídio; detento.
ABSTRACT: The article in question deals with the responsibility of the State in protecting the prisoner in cases of murder during the execution of the sentence. Thus, the following problem is analyzed: In cases of death of the prisoner in a prison, what is the responsibility of the State in the face of its guardianship? In order to answer this question, the general objective was defined: To analyze the responsibility of the State regarding the prisoners under its guardianship in cases of homicides inside prison establishments. As a result, the following specific objectives are set: To present the definition of the crime of homicide for the understanding of the legal understanding of the illicit act, to conceptualize the Civil Liability of the State in order to understand the cases of possible applicability; and, analyze the applicability of State Civil Liability in cases of homicides in prisons to understand whether or not the State can be held responsible. For a better analysis of the developed theme, recent court decisions will be appreciated. For the development of the research in question, qualitative, exploratory, bibliographic research and document analysis were used, as we deal with material already prepared, consisting mainly of books and scientific articles. Finally, it appears that the objective of the present work was achieved when there were strong violations of the rights of detainees within the prison establishments, since the civil responsibility of the State to protect the lives of those under its control is verified. guard in the Brazilian prison system.
KEYWORDS: Civil Liability of the State; Prison establishment; Murder; inmate.
INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre a responsabilidade do Estado na tutela do preso em casos de homicídio durante a execução da pena, pois é de suma importância compreender tal processo a luz do ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto a pesquisa possui como justificativa o fato de que os atos estatais, executados por meio dos agentes públicos, em alguns casos podem afetar de forma negativa a vida do cidadão, causando algum dano que seja pertinente a reparação, em especial nos estabelecimentos prisionais.
De acordo com Friede (2022, p. 4), “Os atrasos no sistema judiciário contribuem para a superlotação, pois cerca de 200.000 detentos estão em prisão preventiva e as instituições prisionais submetem essa população à recorrente degradação da dignidade humana”, como podemos notar os presos em função de um sistema precário estão em condições de vulnerabilidade, o que pode ocasionar violação de direitos.
Assim, no interior dos estabelecimentos prisionais, se constata que:
Hoje, de fato, temos vergonha de nossas prisões, pois mais uma vez, no Mutirão do Conselho Nacional de Justiça, constatou-se que as chocantes e medievais instituições prisionais brasileiras permitem a absoluta e recorrente degradação da dignidade humana: presos algemados por até 30 dias em corredores, sem banho ou visitas, com fezes que escorrem pelo corpo, estão entre as situações encontradas pelos mutirões deste ano. (FRIEDE, 2022, P. 6).
Depreende-se pela citação que de fato é preciso investigar e divulgar os sérios problemas diagnosticados nas celas das prisões pelo país, pois apesar de estar cumprindo uma execução não significa que o indivíduo renunciou os demais direitos assegurados na constituição.
Assim, o problema que norteou o desenvolvimento da pesquisa tem a seguinte indagação: Em casos do falecimento de um preso em um estabelecimento prisional, qual a responsabilidade do Estado em face a sua tutela? Na busca da solução para esse questionamento foi construído as hipóteses: O Estado possui o dever de fornecer proteção ao preso recolhido em estabelecimento prisional, sendo possível a aplicação da responsabilidade objetiva em casos de homicídios de presos por atuação estatal negligente.
Dessa forma, o trabalho teve como objetivo geral: Analisar a responsabilidade do Estado quanto aos presos em sua tutela em casos de homicídios no interior de estabelecimentos prisionais e a devida ocorrência da devida compensação pela ação omissiva, e específicos: Apresentar a tipificação do crime de homicídio para a compreensão do entendimento jurídico acerca do ato ilícito
Como também apresentar a tipificação do crime de homicídio para a compreensão do entendimento jurídico acerca do ato ilícito, conceituar Responsabilidade Civil do Estado com o intuito de compreender os casos de possível aplicabilidade; e, analisar a aplicabilidade da Responsabilidade Civil do Estado em casos de homicídios em estabelecimentos prisionais para compreender se o Estado pode ou não ser responsabilizado.
Sendo assim, para o desenvolvimento da pesquisa em questão utilizou-se a seguinte metodologia: No que tange ao procedimento técnico adotamos a pesquisa qualitativa, exploratória, bibliográfica e com análise documental, pois nos ocupamos de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos retirados da internet em sites especializados como SCIELO, GOOGLE ACADÊMICO, etc.
Por fim, para alcançar um melhor resultado a pesquisa foi dividida em tópicos e subtópicos de modo que favoreceu de fato o objetivo proposto, os quais podemos apontar: breve considerações sobre o sistema penitenciário brasileiro, direitos que devem ser assegurados ao preso, dever de proteção do estado quanto aos presos, tipificação do homicídio no ordenamento jurídico, responsabilidade do estado em caso de homicídio durante a execução da pena.
1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
O estabelecimento instituído para o apenado cumprir a pena deve, obviamente, ser um ambiente seguro capaz de oferecer minimamente condições dignas, mas, o que se observa na verdade, é uma configuração precária dos estabelecimentos penitenciários brasileiros.
Nessa perspectiva, Nascimento de Arruda:
A desestruturação do sistema prisional traz à baila o descrédito da prevenção e da reabilitação do condenado. Nesse sentido, a sociedade brasileira encontra-se em momento de extrema perplexidade em face do paradoxo que é o atual sistema carcerário brasileiro, de um lado o acentuado avanço da violência, o clamor pelo recrudescimento de pena e, do outro lado, a superpopulação prisional e as nefastas mazelas carcerárias (ARRUDA, 2011).
Como podemos notar o sistema carcerário brasileiro passa por grandes críticas, pois em virtude das ausências de políticas públicas da administração na busca de melhorias nos estabelecimentos prisionais a violência e outras atrocidades vem sendo acentuado.
É importante frisar que as dificuldades do atual sistema carcerário podem acarretar problemas para o Estado, pois uma vez preso o cidadão fica sob a tutela do Estado e os danos suportados devem ser reparado.
Mendonça (2019, p. 10), aponta que:
Compreender os entraves do sistema carcerário brasileiro é mister para compreender a responsabilidade estatal junto aos seus jurisdicionados apenados, já que estes indivíduos, quando presos, estão sob a tutela indiscutível do Estado brasileiro, cabendo a ele resguardar a integridade física e psíquicas destes. Em outras palavras, apenas com a exata noção de como está o sistema penitenciário brasileiro será possível denotar as possibilidades de uma indenização por parte do Estado.
O Estado não pode apenas confinar um individuo ao cárcere, pois é fundamental ofertar condições para que o apenado possa sobreviver dignamente. Dessa forma, ocorrendo ofensa ou violação de direitos cabe indenização como forma de repara os danos sofridos.
2. DIREITOS QUE DEVEM SER ASSEGURADOS AO PRESO
O direito penal limita um dos direitos mais importantes do cidadão, a saber: o direito de locomoção, onde todos os indivíduos podem transitar livremente no território nacional (CF, art.5, inciso XI).
Importa dizer que esse direito não é absoluto, pois na medida que o individuo pratica conduta tipificada como crime positivado nos diplomas legais nasce para o Estado o direito de aplicar as penas privativas, mas todos os outros direitos devem ser assegurados.
De acordo com o site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (2019, p. 1), o preso à luz da constituição possui os seguintes direitos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...)
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; (...)
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (...)
L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; (...)
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; (...)
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;
Como podemos observar a limitação do direito de ir e vir não anula os demais contemplados pela Magna Carta, mesmo no cárcere a constituição assegura a tutela da integridade física, além da reparação por eventuais danos morais. Dessa maneira, o Estado deve promover melhores condições para que a execução da pena seja realizada com dignidade.
Sabe-se que o sistema judiciário brasileiro falha nos processos, e isso enseja uma grande quantidade de processos, o inciso LXXV do artigo acima citado, preceitua a possibilidade de indenização por erro judiciário. Essa garantia é de suma relevância para o estado democrático de direito, pois de fato a vitima do erro deve ser indenizada.
A lei de execução penal n.7.210, estabelece que:
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional - social;
VI - Religiosa (BRASIL, 1984).
Um dos objetivos da prisão é a ressocialização do preso, mas para que isso seja possível é necessário políticas voltadas para a assistência do apenado. Nesse sentido, não basta condicionar o réu ao cárcere o Estado precisa garantir acesso a saúde, a educação dentre outros direitos positivados na LEP e em outras leis esparsas.
O TJDFT (2019, p.2), ainda destaca os seguintes direito: “Pedido de dano moral por presidiário – alegação de superlotação carcerária e de descumprimento de garantias legais e constitucionais – não ofensa a dignidade humana”, como se observa é possível que o representante do preso ingresse com ação por dano moral em situação de superlotação no presídio.
Barbosa (2019), destaca alguns direitos do preso contemplados na parte geral do código penal lei n.2848/40, a saber:
a) o direito à individualização da pena, através do exame de classificação para cumprimento da pena privativa da liberdade, no regime fechado (art. 33, c/c o art. 34); b) o direito ao regime semi-aberto, se a pena de prisão é superior a quatro anos e não excede a oito anos (art. 33, §2º, letra b);
c) o direito ao regime aberto, se a pena de prisão for “igual ou inferior a quatro anos” (art. 33, §2º, letra c); d) no art. 37, a previsão de que “as mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio”; e) no art. 38, a previsão de que “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade”;
f) no art. 39, a previsão de que “o trabalho do preso será sempre remunerado, com direito à Previdência Social”; g) no art. 41, a certeza de que o doente mental “deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico”;
h) no art. 42, a previsão da detração penal; i) no art. 43, parágrafo único, a substitutibilidade da pena de prisão por penas restritivas de direitos; j) no art. 60, §2º, a substitutividade da pena de prisão por multa; m) no art. 83, o direito ao livramento condicional; n) no art. 98, a previsão de que o relativamente imputável pode ter a pena de prisão que lhe foi imposta pelo órgão da jurisdição substituída pela internação ou pelo tratamento ambulatorial; o) e no art. 99, a previsão de que “o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”.
Assim, podemos observar que o preso possui inúmeros direitos no ordenamento jurídico brasileiro, como o direito ao instituto da detração, do livramento condicional e outros de fundamental importância, o que precisa ser feito pela administração pública é promover mecanismos que favoreça a garantia desses direitos de modo que chegue até os presidiários. Para este trabalho é de essencial importância compreendermos também, que entre os principais direitos do preso está o direito a vida e a proteção a dignidade da pessoa humana, direitos constitucionais assegurados a todos os cidadãos brasileiros.
3. DEVER DE PROTEÇÃO DO ESTADO QUANTO AOS PRESOS
O Estado ao restringir o direito de locomoção do cidadão deve garantir por meio das políticas criminais e dos seus agentes, segurança aos presos, pois ao restringirem sua liberdade cabe ao Estado resguardar e proteger a integridade física do encarcerado.
Alves (2020, p.2), expõe que:
Juridicamente, o Estado tem responsabilidade pela vida e integridade corporal dos indivíduos que se encontram sob sua custódia. Essa responsabilidade não pode ser acionada somente após a ocorrência do pior. Nas circunstâncias ocasionadas pela pandemia, não apenas as condições adequadas de saúde não conseguem ser asseguradas pelo sistema carcerário brasileiro, como são particularmente dificultadas quaisquer medidas de controle e resguardo através do aprisionamento
Como aponta o autor em comento na medida que o individuo fica sob custódia, o Estado deve se responsabilizar pela saúde mental e física dos seus jurisdicionados, isso significa que qualquer dano suportado pelo preso durante a execução da pena deve ser ressarcido.
3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil se traduz como um importante instituto jurídico, pois obriga o infrator a indenizar a vítima pelos danos causados, com relação a essa temática, Mendonça (2019, p. 10), discorre que:
Há alguns institutos no ordenamento brasileiro que são importantes para a manutenção da ordem jurídica e colaboram para uma sociedade mais harmônica. Assim, o instituto da responsabilidade civil contribui para que as eventuais reparações causadas por um agente à uma vítima, por meio de um nexo de causalidade, seja ressarcida economicamente, perseguindo o status quo ante ao evento danoso. Nesta toada, é importante debruçar-se sobre seu estudo, de modo a desvendar suas especificidades e importância.
Um dos institutos de grande relevo para a promoção e harmonia da ordem social é o da responsabilidade civil, pois o cidadão precisa ficar atento para respeitar o seu limite e o espaço do outro. Assim, caso ocorra violação de direitos cabe ação de indenizatória com o fim de repara os danos suportados pela vítima.
Podemos falar em responsabilidade civil na medida que nasce para alguém a obrigação de indenizar por ter caudado dano ou prejuízo a outrem em virtude de ação ou omissão contraria a ordem jurídica (CARRÁ, 2010).
De acordo com a jurisprudência:
considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. (RE 580.225/ MS)
O Supremo tribunal federal já possui entendimento consolidado de que cabe ao Estado indenizar os presos por irregularidades que violem direitos fundamentais como danos morais dentro dos estabelecimentos prisionais.
Dessa forma, os agentes que trabalham nos presídios devem velar pela saúde e bem estar dos detentos, pois são seres humanos. Se esses funcionários que, obviamente, representam o Estado causar dano de qualquer natureza aos presos nasce o direito de ser ressarcido financeiramente pelo Estado (CF, ART. 5°, §6º).
3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA E SUA RELAÇAO COM O ESTADO
A responsabilidade civil está tipificada no ordenamento jurídico brasileiro, e a doutrina de acordo com o blog IDP (2022), classifica da seguinte forma: “Em síntese, a responsabilidade civil é classificada pela doutrina tanto em função da culpa (responsabilidade objetiva e subjetiva), como também em função da natureza (responsabilidade contratual e extracontratual)”, então o que se pode ponderar é a classificação está relacionada ao elemento culpa e a natureza.
De acordo com o blog IDP (2022), a diferença reside no fato de que na responsabilidade subjetiva a vítima precisa provar a culpa do agente, e na objetiva não ocorre necessidade de comprovação de culpa.
No que diz respeito a responsabilidade do Estado, a doutrina aponta que:
Nesta toada de entendimento a esta pesquisa, um aspecto relevante chama a atenção em relação à responsabilidade objetiva, trata-se da dispensa da comprovação de culpa. Neste sentido, em regra, o Estado responde objetivamente por danos causados a terceiros, o que quer dizer que os lesionados não estão obrigados a demonstrar a culpa do Estado, mas tão somente a conduta, dano e nexo causal. Portanto, há uma diferenciação significativa na teoria da responsabilidade civil objetiva e subjetiva que concernem à responsabilização do Estado junto a seus jurisdicionados. (MENDONÇA, 2019, P.7)
De acordo com o autor em análise o Estado responde objetivamente, ou seja, o sujeito prejudicado não precisa provar a culpa, basta que demostre a conduta, dano e nexo causal.
Dessa forma, o código civil de 2002 no seu artigo 43 preconiza que: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo” (BRASIL, 2002).
Entende-se do dispositivo que o Estado na condição de pessoa jurídica de direito público responde pelos atos que seus agentes praticar quanto causar lesão ou dano a terceiros de forma objetiva, mas cabe ao Estado o direito de regresso após análise subjetiva da ação, ou seja, se o agente no exercício de sua função agiu com dolo ou culpa.
3.3 DA RESPONSABILIDADE POR OMISSÃO
O Estado tem o dever de zelar pela integridade física e mental do preso sob sua tutela o que pode acarretar em indenização por danos suportados pelo apenado.
Sobre essa ótica a jurisprudência tem entendido que:
A 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o Estado a indenizar os pais de um preso esquizofrênico que cometeu suicídio dentro da cela da enfermaria de uma penitenciária. O Poder Público recorreu ao TJ alegando não haver prova de sua omissão, além de ser impossível prever a ocorrência de um suicídio. Os argumentos foram afastados pelo relator, desembargador Marcelo Semer. "A alegada ausência de culpa, entretanto, não procede, seja porque era dever do Estado zelar pela sua incolumidade física; seja porque era dever do Estado custodiá-lo em instituição adequada; seja porque era dever do Estado prestar o atendimento de saúde necessário, diante da moléstia apresentada", disse. (VIAPIANA, 2021, p.1)
O tribunal de justiça do Estado de São Paulo foi condenado a indenizar os pais de um detento que cometeu suicídio na execução da pena, podemos observar a grande omissão do Estado em tomar as devidas providencias para impedir o suicídio do preso uma vez que era do conhecimento de todos que ele era esquizofrênico.
Para Aragão (2020, p.26), tanto o fato de agir como o de não agir pode ocasionar danos ao particular. Portanto, em um contexto de danos por omissão o Estado deve responder, pois foi sua negligencia que criou o ambiente decisivo para o resultado do evento danoso.
Assim, o Estado sendo mais forte nessa relação nasce para ele o dever legal de indenizar os danos ocorridos por ações omissivas.
4. TIPIFICAÇÃO DO HOMICÍDIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO
O crime de homicídio está tipificado no artigo 121 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 nos seguintes termos:
Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado§ 2° Se o homicídio é cometido - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;II - por motivo futil;III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos (BRASIL, 1940).
Nota-se pelo dispositivo em análise que o ato de matar alguém é uma conduta típica com pena de reclusão de 6 a 20 anos na modalidade simples, essa pena ainda pode ser majorada se o homicídio for qualificado.
5. RESPOSABILIDADE DO ESTADO EM CASO DE HOMICÍDIO DURANTE A EXECUÇAO DA PENA
Muito se discute acerca da responsabilidade do Estado dentro dos estabelecimentos prisionais, pois após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória nasce para o Estado o direito de punir, mas é preciso que a execução seja cumprida com condições dignas do ser humano.
Nesse ponto, Mendonça (2019, p. 12), destaca:
Dessarte, o estudo realiza algumas reflexões e inferências sobre a responsabilidade que o Estado brasileiro tem sobre seus jurisdicionados que estão sob a sua tutela dentro dos estabelecimentos prisionais. É preciso pesquisar sobre as formas com as quais o Estado se relaciona com estes indivíduos encarcerados e verificar até onde vai a sua responsabilidade em indenizar eventual agressão física, psíquica ou moral por parte dos próprios agentes estatais e, também, de outros detentos. Assim, aprecia-se a responsabilidade civil objetiva estatal para perquirir eventual indenização para estes detentos sob sua tutela.
No cumprimento da sentença o preso fica sobe a tutela do Estado isso significa dizer que eventuais danos suportados como: agressão física, psíquica ou moral é passível de indenização pelo Estado.
Para Ortega (2018), no caso de morte de detento a responsabilidade do Estado é objetiva em função do seu dever de proteção previsto no art. 5°, inciso XLIX da CF/88. Dessa forma, ocorrendo óbito nos estabelecimentos prisionais não será preciso provar culpa do Estado o que facilita a indenização da família.
Ainda segundo o mesmo autor: “Exceção: o Estado poderá ser dispensado de indenizar se ele conseguir provar que a morte do detento não podia ser evitada. Neste caso, rompe-se o nexo de causalidade entre o resultado morte e a omissão estatal” (Ortega, 2018). Podemos depreender que o Estado pode se eximir da responsabilidade se provar que a morte do preso seria inevitável.
A jurisprudência vem se consolidando respeito dos danos suportados por detentos nos estabelecimentos prisionais, de acordo com o site do Tribunal de Justiça do Paraná o Estado foi condenado a pagar danos morais por morte de preso:
O Estado do Paraná foi condenado a pagar R$ 60.000,00 reais, por dano moral, à companheira e à filha de um presidiário (S.A.S.), assassinado por outros presos, a golpes de marreta e pá, na Penitenciária Estadual de Piraquara, durante uma rebelião. O valor da indenização será dividido entre as autoras da ação.
A decisão também determinou que o Estado pague uma pensão mensal à filha da vítima, no valor correspondente a dois terços do salário-mínimo, até a data em que esta completar 25 anos, contrair núpcias ou estabelecer união estável ou vier a falecer. (TJPR, 2015)
A decisão do TJ do Estado do Paraná se coaduna com a ordem jurídica vigente, pois no acordão consta que o Estado foi condenou ao pagamento de danos morais devido o óbito de um detento, essas decisões só ratifica a responsabilidade do Estado diante de tais circunstancias. Essa postura dos tribunais abri precedentes para as demais decisões que possam surgir a partir de contexto.
De acordo com relatório publicado pelo CNJ em 2017:
A superlotação dos estabelecimentos penais brasileiros é um exemplo claro de desvio de execução, vez que impõe à pessoa presa o sacrifício de direitos não abarcados nos limites da sentença, de forma ilegal, inconstitucional e humanamente intolerável. Em outras palavras, a superlotação resulta em um estado permanente de ilegalidade. O contingente carcerário que o Brasil apresenta é absolutamente incompatível com as estruturas de seus estabelecimentos penais ou as finalidades preconizadas pela Lei de Execução Penal. O princípio do numerus clausus, nesse sentido, atuaria como medida de contenção da superlotação e, consequentemente, de reparação do desvio de execução. (CNJ, 2017, P. 38).
Depreende-se do fragmento que as péssimas condições dos presos podem proporcionar problemas de saúde e até mesmo ocasionar a mortes dos detentos. A superlotação nos presídios precisa ser resolvida, pois como destaca o relatório trata-se de uma ilegalidade.
5.1 TEORIA DO RISCO ADMINSTRATIVO
Para compreender melhor a responsabilidade do Estado frente ao evento morte nos presídios é fundamental conhecer essa teoria, pois é ela que rege a responsabilidade civil do Estado.
Nessa perspectiva Ortega (2018, p.4), ao discorrer da teoria do risco administrativo define que:
A responsabilidade do Estado é objetiva (a vítima lesada não precisa provar culpa). O Estado poderá eximir-se do dever de indenizar caso prove alguma causa excludente de responsabilidade: a) caso fortuito ou força maior) culpa exclusiva da vítima) culpa exclusiva de terceiro. É adotada como regra no Direito brasileiro.
Para a autora em analise a teoria do risco administrativo preceitua que a responsabilidade do Estado é objetiva, ou seja, ocorrendo o evento morte por ação ou omissão a família deve ser indenizada. Assim, o Estado assume o risco de um preso vir a óbito ao confina-lo no cárcere.
Para Silva (2017, p. 5), a responsabilidade civil do Estado tem sua origem quando a conduta dos seus agentes produz algum dano a outrem que neste caso deverá ser considerado a modalidade do risco administrativo. Pela inferência que podemos fazer ocorrendo dano ao preso aplica-se a teoria do risco administrativo.
5.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Nossos tribunais, seguindo os posicionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF), tem adotado a teoria do risco administrativo consolidando o entendimento que há responsabilidade objetiva do Estado diante da morte de detentos dentro do sistema prisional brasileiro.
Essa teoria dispõe que deve existir o fato, o dano e o nexo causal, elementos indispensáveis para a caracterização da teoria do risco administrativo e que devem ser analisados nos casos concretos. O fato, é que estando presentes referidos elementos a responsabilidade civil objetiva do Estado estará caracterizada.
Diante dessa perspectiva, passa-se a apresentar algumas jurisprudências que demonstram a aplicabilidade de referida teoria:
"(...) 2. A execução de sanção penal desempenha, entre outras, uma função repreensora, uma função psicológica e uma função social. Às autoridades incumbe zelar pela estrita observância desses três núcleos finalísticos. Entre os inúmeros encargos deles derivados, destaca-se o múnus inarredável do Estado de zelar pela vida e integridade física e mental daqueles sob sua custódia. Quem recebe poder de prender também recebe dever de impecavelmente cuidar e defender. Fratura desse feixe de mandamentos dispara, entre outras medidas, a responsabilidade civil objetiva por danos materiais e morais, sejam eles causados por ação ou por omissão dos agentes públicos. 3. Converter a prisão em antessala de túmulo não só transgrede direitos fundamentais celebrados em convenções e constituições, como também corrompe atributos elementares da concepção de humanidade. Quanto à possibilidade de punição, importa alertar que ao Estado se atribui o poder de condenar apenas e tão somente com penalidades previstas em lei - e nos termos exatos de formalidades, condicionamentos e salvaguardas estatuídos na lei -, nunca com castigo, morte ou lesão corporal extralegais e extrajudiciais. 4. Embora tenham sua liberdade refreada, os confinados de toda ordem mantêm a inteireza dos outros direitos ínsitos à dignidade humana. Em verdade, exatamente porque submetidos a providências coativas formuladas e implementadas pelo Estado em nome da sociedade, os detidos hão de receber proteção especial da Administração e do Judiciário. (...)" AgInt no REsp 1891253/CE
Repercussão Geral Tema 592/STF – Tese firmada:
"Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento." RE 12446763AgR/S
Como se observa o Estado tem a obrigação de zelar pela integridade física do apenado, além de cuidar também da saúde mental. Assim, não basta limitar o direito de ir e vir do preso para cumprir com a função repreensora, é preciso garantir condições mínimas para o cumprimento da execução.
O supremo tribunal federal tem adotado a teoria do risco administrativo, consolidando assim o entendimento da responsabilidade objetiva por morte de detentos:
Trecho da ementa
"(...) 1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 841.526/RS (Tema 592), adotou a teoria do risco administrativo, assentando haver responsabilidade objetiva do Estado pela morte do detento nas hipóteses de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, XLIX, da CF, seja ele vinculado a condutas comissivas ou omissivas (art. 37, § 6º, da CF) 2. É incontroverso nos autos que o Detento, genitor das Autoras, morreu nas dependências Penitenciaria do Distrito Federal I, São Sebastião, Brasília DF, quando se encontrava sob custodia do Estado, não se tratando de mera omissão estatal, mas de descumprimento dos deveres objetivos de guarda e proteção que lhe são impostos. 3. O fato de o Preso ter falecido em decorrência de choque elétrico dentro da cela, devido a ligação clandestina realizada por ele não pode ser considerado acontecimento inevitável ou imprevisível, decorrente da culpa exclusiva da vítima, para romper o nexo causal e excluir a responsabilidade objetiva do Estado, exatamente pelos deveres objetivos de guarda e de proteção que lhe são impostos, ínsitos a própria atuação da Administração dentro de um presidio. 4. A omissão no dever de vigilância e fiscalização mostrou-se determinante para a ocorrência do dano e a existência do nexo causal e o mau funcionamento do serviço que ensejam obrigação estatal de indenizar as Autoras pela morte de seu Pai. 5. Não devem prosperar as alegações expostas nas razões do recurso no sentido de eximir o Distrito Federal da responsabilidade pela morte do Detento sob sua custodia atribuindo-a à conduta exclusiva a este, mormente quando a situação descrita nos autos exigia um dever especifico de proteção. 6. No tocante ao dano moral, a morte de um ente querido, por si só, desencadeia naturalmente uma sensação dolorosa de fácil e objetiva percepção e dispensa a demonstração, notadamente em razão da imprevisibilidade do evento, especialmente, no caso em apreço, a morte do Pai. A dor é presumida, tratando-se de dano moral in re ipsa, prescindível de qualquer prova a respeito.(...) (grifamos)"
Acordão 1340903, 07041011820208070018, Relator Des.: ROBERTO FREITAS, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 12/5/2021, publicado no PJe: 27/5/2021.
O Estado tem o dever de assegurar aos presos o respeito à integridade física e moral, sob pena de responsabilização civil pelos danos morais causados em razão da violação dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana.
CONCLUSÃO
Pelo levantamento da literatura podemos observar a precária situação em que se encontra os estabelecimentos penitenciários no nosso país, isso deve ser um foco de atenção porque possui reflexo direto nos direitos dos detentos dentro do sistema prisional brasileiro. Essa instabilidade precisa ser palco de discussão, pois os indivíduos encarcerados sofrem com a falta de segurança de referido sistema.
Assim, o que deve ser pontuado nos meios de comunicação, nos debates acadêmicos e nas conferencias é o fato de que o preso possui o direito de locomoção e de liberdade limitados por incidir em conduta típica penal, mas, todos os demais direitos consagrados pela constituição e legislação esparsa devem ser garantidos. O que se observa é que com a limitação do direito de ir e vir, vários outros direitos são negados ao detento, o que acaba por configurar uma afronta ao Estado de direito.
Um outro ponto que deve ser debatido é sem duvida o dever de proteção do Estado com relação ao preso, na medida que o individuo é colocado no cárcere fica sob a tutela do Estado. Isso denota que qualquer lesão ou ameaça a violação de direitos suportados pelo detento é passível de reparação, essa possibilidade de ser ressarcido é logica se analisarmos pelo ponto de vista da relação homem e Estado.
Dessa forma, quando quem deveria proteger falha na sua missão que no caso é o Estado nasce a chamada responsabilidade civil, instituto de grande relevo porque o sujeito passivo passa a ter uma compensação dos prejuízos suportados durante o cumprimento da pena imposta pelo Juiz. Sabe-se que nosso ordenamento adotou a responsabilidade objetiva do Estado, isso significa dizer que a vítima não precisa provar o elemento culpa, mas somente a conduta, o dano e o nexo causal.
Dentre as atrocidades encontradas nos estabelecimentos penitenciários podemos apontar o homicídio, conduta tipificada no ordenamento e a depender do contexto fático pode ser classificado como hediondo. Esse tipo penal foi criado para proteger nosso maior bem jurídico que é a vida, ora quanto vale uma vida? Com o fim desta existência todos os sonhos são encerrados, além dos prejuízos psicológicos da família, sem mencionar os filhos que irão crescer sem a presença da figura paterna.
Assim, a responsabilidade do Estado no caso de homicídio durante a execução da pena é objetiva, como já mencionado e explicado no presente trabalho, e a família deve ingressar com ação indenizatória por danos morais, além da possibilidade de pensão aos menores.
Por fim, a teoria do risco administrativo é o fundamento da responsabilidade civil do Estado, pois ela afirma que aos lesionados não é preciso prova a culpa do Estado sendo preciso somente a comprovação dos danos, do nexo e da conduta, pois seria difícil para a vítima conseguir elementos comprobatórios para instruir a peça acusatória.
REFERÊNCIAS
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[1]Orientadora, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional (UNITAU), Especialista em Direito Civil (UNISUL), Especialista em Direito e Processo do Trabalho (UNITEC), Especialista em Direito Tributário (IBMEC/Damásio). Professora do Curso de Graduação em Direito da UNISULMA-IESMA. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas Jurídicas de Imperatriz (NUPEJI).
Acadêmico do 9° período de Direito da UNISULMA/IESMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Fernando da silva. Responsabilidade civil do estado na tutela do preso em casos de homicídio durante a execução da pena Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59538/responsabilidade-civil-do-estado-na-tutela-do-preso-em-casos-de-homicdio-durante-a-execuo-da-pena. Acesso em: 04 dez 2024.
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