FERNANDO PALMA PIMENTA FURLAN
(orientador)[1]
RESUMO: O uso da inteligência artificial é uma realidade cada vez mais presente no meio social atual. Adentra em todas as áreas de trabalho e mercado, incluindo o cenário jurídico. Nesse sentido, o mercado exige que haja profissionais habilitados com as novas ferramentas tecnológicas a fim de agilizar processos e demais atividades jurídicas. Frente a esse cenário, este estudo teve a finalidade de discorrer sobre o impacto da inteligência artificial no Direito Brasileiro. Os materiais utilizados na sua elaboração foram unicamente bibliográficos e teóricos retirados de livros, periódicos e decisões jurisprudenciais dos tribunais brasileiros. Nos resultados, ficou claro que várias ferramentas tecnológicas vêm trazendo diferentes impactos na realidade jurídica atual. A título de exemplo, um software jurídico, tem tornado o trabalho dos advogados muito mais simples, rápido, eficiente e organizado. A inteligência artificial no Direito também deve impactar o serviço dos órgãos do Poder Judiciário, uma vez que traz mais celeridade nos processos e ajude a mitigar falhas. Para a população em geral, o benefício é a expectativa de ter uma Justiça mais eficiente, ágil e com maior grau de acerto.
Palavras-chave: Inteligência Artificial. Advocacia. Indústria 4.0.
THE USE OF ARTIFICIAL INTELLIGENCE IN BRAZILIAN LAW
ABSTRACT: The use of artificial intelligence is an increasingly present reality in the current social environment. Enter in all areas of work and market, including the legal scenario. In this sense, the market requires that there are professionals qualified with the new technological tools in order to streamline processes and other legal activities. Faced with this scenario, this study had the purpose of discussing the impact of artificial intelligence on Brazilian law. The materials used in their elaboration were only bibliographic and theoretical taken from books, periodicals and jurisprudential decisions of the Brazilian courts. In the results, it was clear that several technological tools have been bringing different impacts on the current legal reality. For example, legal software has made lawyers' work much simpler, faster, efficient and organized. Artificial intelligence in law should also impact the service of the organs of the judiciary, as it brings more speed in the processes and helps mitigate failures. For the general population, the benefit is the expectation of having a more efficient, agile and higher degree of right justice.
Keywords: Artificial intelligence. Advocacy. Industry 4.0.
Sumário: 1. Introdução. 2. Inteligência artificial: síntese geral. 3. A inteligência artificial no Direito brasileiro. 4. Discussão temática em contexto. 5. Considerações Finais. 6. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Digital tem sido uma das áreas mais discutidas e analisadas nas últimas décadas. Isso se refere ao fato de que as tecnologias tem adentrado não apenas na sociedade, mas também nas profissões, que no presente caso, é no âmbito jurídico. As ferramentas tecnológicas vêm buscando cada vez mais se adaptar ao cenário jurídico, fazendo com que o profissional da área tenha que buscar se adaptar e se adequar (DONEDA et al., 2018).
Devido ao fato de o Direito Digital já ser uma realidade presente nos dias atuais, os operadores do Direito vêm discutindo o seu impacto. Nesse sentido, cabe citar, por exemplo, a Indústria 4.0 que é o resultado de constantes pesquisas e inovações que caracterizam a 4ª revolução industrial, marcada pelo avanço dos sistemas e processos produtivos.
A indústria 4.0 vai além da mera digitalização, implicando numa forma bem mais complexa de inovação tecnológica a partir da combinação de tecnologias múltiplas, que obrigam as empresas a repensarem o modo como gerenciam seus processos e negócios (COELHO, 2016).
Com a expansão dessa tecnologia, ao qual é encontrada em todos os setores de trabalho e mercado, ela vem se adentrando no contexto jurídico. Desta feita, o que se verifica atualmente é a tecnologia a favor do Direito, seja pelo desenvolvimento de ferramentas de ponta que podem ser empregadas na prática profissional dos juristas ou novas situações e problemas jurídicos que emergem da entrada de novas tecnologias na sociedade (PORCELLI, 2022).
De todo modo, a inteligência artificial (IA) é uma realidade fática e irreversível, e é preciso que os operadores do direito tenham o conhecimento teórico e prático necessário para aplicar as novas ferramentas tecnológicas no seu exercício profissional. Para isso, é necessário que haja um incentivo na aplicação de ensino às novas tecnologias a esses profissionais.
Com esse cenário, esta pesquisa teve como problemática a seguinte questão: quais os impactos que a inteligência artificial traz para o Direito Brasileiro? Assim, esse estudo se objetivou em analisar os efeitos que a inteligência artificial possui no Direito brasileiro.
No que tange a metodologia utilizada, esse trabalho é uma revisão de literatura, cujo dados foram coletados em base de dados tais como Google Acadêmico e Scielo. Nos critérios de inclusão, buscou-se estudos científicos, monografias, legislação brasileira e jurisprudência. Os critérios de exclusão foram os trabalhos que fugiam do tema proposto. A coleta dos dados se deu nos meses de fevereiro e março de 2023, contendo os seguintes descritores: Inteligência Artificial. Aplicabilidade. Direito. Brasil.
2. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: SÍNTESE GERAL
Para se falar sobre a Inteligência Artificial (IA) é preciso antes, discorrer sobre um movimento que impulsionou o seu surgimento: o denominado Quarta Revolução Industrial. De acordo com Schwab (2019) as transformações sociais promovidas pela tecnologia como profundas, disruptivas e capazes de promover mudança de paradigma do modo de viver do homem, essa revolução é denominada pelo autor de “Quarta Revolução Industrial”, marcada pela fusão dessas tecnologias e a interação entre os domínios físicos, digitais e biológicos.
Os impactos da quarta revolução industrial são narrados por Schwab (2019) como sendo da mais variada ordem, na economia, nos negócios, nos governos, países, regiões, cidades, na sociedade como todo e no indivíduo, ponto de inflexão da pesquisa. Especialmente nos negócios a denominada indústria 4.0 insere-se nos processos de transformação da quarta revolução industrial e alinha-se a esse contexto, dado os avanços nos métodos de industrialização.
É na quarta revolução industrial, que é amplamente tecnológica e digital, que está inserido a Inteligência Artificial. Segundo Kaufman (2018, p. 19), a inteligência artificial “propicia a simbiose entre o humano e a máquina ao acoplar sistemas inteligentes artificiais ao corpo humano, como próteses no cérebro, membros biônicos, dentre outros”.
Historicamente, o termo inteligência artificial foi apresentado e conceituado pela primeira vez em 1955, pelo pesquisador John McCarthy, como “a ciência e a engenharia de fazer máquinas inteligentes, especialmente programas de computador inteligentes” (apud KAUFMAN, 2018, p. 10).
No entendimento de Peixoto (2020, p. 22) a Inteligência Artificial é a “ciência e a engenharia de criar máquinas que tenham funções exercidas pelo cérebro dos animais”. Fato é que o incremento das pesquisas científicas e os avanços industriais na área da tecnologia tem expandido o uso da inteligência artificial que já se incorporou ao cotidiano das sociedades.
O desenvolvimento e a implementação de tecnologias de inteligência artificial (IA) proporcionou efeitos que, muitas vezes, não podem mais ser compreendidos em termos meramente quantitativos, e que implicam uma mudança na subjetividade das relações entre as pessoas e a tecnologia. Essas novas tecnologias possibilitam a automatização da tomada de decisão em diversas situações complexas, executando tarefas que estávamos habituados a considerar como prerrogativas humanas, derivadas da inteligência - a ponto de que diversas manifestações dessas tecnologias foram denominadas como realizações de uma “inteligência artificial” (ANTUNES, 2020).
Assim, os computadores passaram a não ser vistos somente como dispositivos destinados a fazer cálculos, sistematizações ou classificações, porém a deter, em algum grau, algo passível de ser comparado às ações humanas autônomas (DONEDA et al., 2018).
Nos dizeres de Frazão e Mulholland (2019), o estudo da inteligência artificial deve superar preconcepções irreais de que determinado programa de computador será suficientemente potente para replicar a cognição humana. Nesse sentido, é importante que o conceito de inteligência artificial seja construído de maneira a refletir os níveis de autonomia que se imprime a certo sistema computacional.
No estudo de Carvalho (2019), tem-se a distinção entre a inteligência artificial fraca (weak AI) da inteligência artificial forte (strong AI). Enquanto a primeira diz respeito a programas de computador que constituem ferramentas poderosas, permitindo, por exemplo, a checagem precisa e rigorosa de hipóteses científicas; a segunda consiste não propriamente em ferramenta ou instrumento, mas em um sistema capaz de compreender e de emular estados cognitivos humanos, de maneira a abstrair informações recebidas e de tomar decisões de forma intencional.
Quando se trata de inteligência artificial, é necessário brevemente mencionar o que são algoritmos. Segundo Abraham e Catarino (2019) algoritmos, em termos populares, nada mais são do que sequências de passos para realizar uma tarefa específica (por exemplo, uma receita de tarte é um algoritmo; uma coreografia é um algoritmo).
Kaufman (2018) nos explica que na computação, podem ser entendidos como séries de comandos que indicam a um computador algo a ser realizado, seguindo-se os comandos indicados. No modelo computacional tradicional, existem os chamados algoritmos programados, que trabalham na sistemática de inputs-outputs.
Contudo, ao se falar de algoritmos inteligentes, refere-se a outra realidade: aos sistemas que são capazes de simular o raciocínio humano, o aprendizado e a tomada de decisões. Esses algoritmos “não programados” criam novos algoritmos a partir do algoritmo raiz, sem a necessidade da intervenção humana. Antes, os computadores compilavam e processavam; hoje eles treinam e aprendem com a própria experiência (NUNES; MARQUES, 2018).
A partir dos dados colhidos, a ferramenta de inteligência artificial é capaz de analisar e compreender o significado do objeto da tarefa a ser realizada pelo indivíduo. É uma realidade que está cada vez mais abrangente na sociedade, podendo ser percebida em várias situações, incluindo no cenário jurídico, que será analisado no tópico a seguir.
3. A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO DIREITO BRASILEIRO
De acordo com Fonseca (2019) o impacto da tecnologia no Direito pode ser dividido em duas grandes vertentes transformacionais: a primeira, pelo surgimento de tecnologias aplicáveis especialmente à atuação profissional de juristas; a segunda, pelas transformações sociais que ocorrem diante do desenvolvimento tecnológico que afeta a forma como o ser humano se relaciona entre si e com “entidades” muitas vezes não personificadas, como, por exemplo, robôs, algoritmos, códigos e redes sociais.
O fato é que a tecnologia tange o Direito de uma maneira muito mais profunda do que simplesmente reorganizando a sociedade. Os efeitos da inovação são sentidos por juristas seja pela necessidade crescente do conhecimento e domínio de ferramentas tecnológicas desenvolvidas especificamente para a profissão jurídica, ou até mesmo pela demanda de uma capacidade de resolução de questões envolvendo sistemas que criam e/ou alteram situações cotidianas e sociais (FONSECA, 2019).
Para Carvalho (2019) os sistemas dotados de inteligência artificial podem comportar-se de forma muito mais eficiente do que agentes jurídicos tradicionais, uma vez que sua racionalidade não encontra os limites que o Direito comportamental atribuiu ao raciocínio jurídico e, ainda, em razão do fato de que tais sistemas contam com grandes quantidades de informações.
Para o supracitado autor, daí também a importância do acesso a grandes bancos de dados pelos algoritmos instrumentalizados pelos agentes jurídicos, capazes de acessar quantidades infindáveis de informações a respeito não somente dos processos legais, mas da área jurídica como um todo, assim conseguindo tomar decisões baseadas em refinada e extremamente veloz análise estatística (CARVALHO, 2019).
Para entender melhor entender sobre o impacto da inteligência artificial no Direito é preciso compreender os programas já utilizados no Brasil. A título de exemplo, encontra-se primeiramente a Corte constitucional brasileira, o Supremo Tribunal Federal (STF). A presente corte, encontra-se o robô de inteligência artificial que se chama VICTOR, em homenagem ao Ministro do STF Victor Nunes Leal, responsável no passado pela sistematização das Súmulas do STF, as quais, historicamente, criaram uma maior facilidade de aplicação das teses fixadas por aquela Corte (VALENTINI, 2017).
Este robô analisa as petições de recursos extraordinários que chegam ao STF com o objetivo de identificar se tratam de temas que já foram decididos pela Corte no âmbito da repercussão geral, para fins de aplicação da solução ao caso concreto, com a devolução do processo ao Tribunal de origem ou a rejeição do recurso extraordinário. A ideia é que, nos próximos anos, o sistema VICTOR seja implantado nos Tribunais locais, de modo a evitar que recursos subam ao STF desnecessariamente, sendo aplicada localmente a decisão dada em repercussão geral (VALENTINI, 2017).
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), mais alta Corte brasileira para interpretação do direito federal infraconstitucional, está sendo desenvolvido um sistema de inteligência artificial chamado de SÓCRATES, com o objetivo de produzir um exame automatizado do recurso e do acórdão recorrido, apresentando a legislação aplicável, uma lista de casos similares já julgados pelo tribunal e uma sugestão de decisão. O intuito é facilitar a tomada de decisão pelo relator do processo, com a expectativa de que tal sistema traga um incremento de 10% nos processos julgados em relação ao volume protocolizado em cada período (NOHARA; COLOMBO, 2019).
A propósito, é importante noticiar que, por meio da Portaria nº 25, de 19/02/2019, o Conselho Nacional de Justiça decidiu criar um laboratório de inovações tecnológicas e um centro de inteligência artificial para o processo judicial eletrônico, com o objetivo de pesquisar, produzir e atuar na incorporação de inovações tecnológicas e produção de modelos de inteligência artificial (BRASIL, 2019).
Outra iniciativa no Poder Judiciário vem do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ-MG), com o seu robô chamado Radar, ferramenta que tem a capacidade de identificar recursos com idênticos pedidos no âmbito do TJ-MG, e que já foram objeto de decisões com eficácia vinculante por tribunais superiores, ou mesmo já pacificadas no âmbito do TJ-MG. A partir da identificação, é elaborada pelo próprio sistema uma minuta de voto padrão para aquele tema, aplicando a jurisprudência adequada em todos os recursos identificados em um julgamento conjunto (DE STEFANO, 2018).
A advocacia brasileira também já pode contar com alguns sistemas de inteligência artificial, tal tais como:
a) o Looplex, para gestão de processos de contencioso de massa em escritórios e automação de documentos jurídicos como petições e contratos;
b) o Justto, para a solução amigável de litígios, realizando arbitragem e negociação;
c) a Dra. Luiza, sistema de inteligência artificial desenvolvido para utilização por órgãos da advocacia pública que necessitam gerenciar processos jurídicos de massa. Este sistema já está sendo utilizado pela Procuradoria Geral do Distrito Federal. Relata-se que a robô-procuradora é capaz de entender os processos, o seu andamento e quais suas possíveis soluções, podendo também ser usada para cruzar dados e encontrar endereços ou bens dos envolvidos nos processos. (DE STEFANO, 2018, p. 05).
De acordo com Michelle DeStefano (2018, p. 46), a tecnologia se torna cada vez mais ponto de “atenção dos profissionais por se tratar de uma das crescentes demandas de clientes de advogados por uma resolução de problemas jurídicos e não-jurídicos que normalmente envolvem ineficiências e burocracias”.
Diante desses exemplos, foi possível ilustrar a preponderância que a inteligência artificial vem assumindo na prática jurídica ao redor do mundo. Entende-se que essas ferramentas e seu impacto na área são uma realidade fática, o que se torna assim, fundamental compreendê-las.
4. DISCUSSÃO TEMÁTICA EM CONTEXTO
Um dos grandes embates encontrados quando se discute sobre a Inteligência Artificial no meio jurídico é a respeito do seu conhecimento técnico e de implantação. Como bem explica Alencar (2022) todo movimento de expansão da inteligência artificial requer a sistematização de “novos arcabouços legais e regulatórios”, para tanto, dois desafios precisam ser suplantados no âmbito dos regramentos de proteção da privacidade do indivíduo e do uso sustentável da inteligência artificial, são eles, o conhecimento limitado do tema pelos legisladores e a velocidade das transformações em curso.
Na seara da proteção do indivíduo, por exemplo, o usuário das tecnologias envolvendo em especial a inteligência artificial, pode-se destacar a proteção geral já prevista no ordenamento jurídico nacional acerca da privacidade, em especial, o art. 5°, X da Constituição Federal (PEIXOTO, 2020).
No contexto da quarta revolução industrial novos problemas sociais oriundos do uso da inteligência artificial (IA) ou mau uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs), acarretam a necessidade de reinterpretar a proteção dos direitos fundamentais a luz das novas demandas.
No Brasil, especificamente sobre a inteligência artificial tramitam no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 5051, de 2019, que “estabelece os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil” (BRASIL, 2019a) e visa estabelecer a regulamentação da IA no território nacional e o Projeto de Lei n° 5691, de 2019, que propõe instituir uma Política Nacional de Inteligência Artificial, “com o objetivo de estimular a formação de um ambiente favorável ao desenvolvimento de tecnologias em Inteligência Artificial” (BRASIL, 2019b).
Por ora, os projetos em apreço estão em fase de discussão e as possíveis ameaças de lesão a bens juridicamente tutelados relativas à ausência de controle da inteligência artificial seja na violação dos direitos de privacidade, seja nas decisões automáticas discriminatórias ou sem motivação e explicação, por exemplo, deverão ser resguardadas pelo arcabouço legislativo vigente (SIQUEIRA; LARA, 2020).
No entanto, é preciso avançar no caminho para desenvolvimento de uma “legislação que proteja a sociedade sem impedir a inovação; proibições genéricas baseadas em medos abstratos só aumentarão a burocracia e reduzirão a produtividade. Uma boa legislação deve incentivar o progresso e evitar as ameaças” (COZMAN, 2018, p. 39).
No campo prático, alguns Estados da Federação já vêm enfatizando a importância da Inteligência Artificial no trabalho desenvolvido pelos servidores da área jurídica. A Resolução CNJ nº 349, de 23/10/2020, veio determinar a criação de Centros de Inteligência locais pelos Tribunais de Justiça (art. 4º, caput), com objetivo de adoção, pelo Poder Judiciário, de metodologias de gestão de acervos processuais, permitindo enfoque preventivo com identificação de origem dos conflitos a serem submetidos à Justiça Estadual e o estabelecimento de rotinas para fortalecimento do sistema de precedentes instituído pelo Código de Processo Civil, notadamente considerando a necessidade de que haja o sistema de monitoramento das demandas desde sua origem nos juízos de primeiro grau, em prol da efetividade da resolução consensual dos conflitos e do sistema de precedentes judiciais.
Na busca para cumprir com a presente Resolução, no Estado do Tocantins, buscou-se alterar a nomenclatura, para facilitar o trabalho nessa área. A respeito disso, tem-se a seguinte jurisprudência:
1. PROCESSO ADMINISTRATIVO. MINUTA. RESOLUÇÃO. INSTITUIÇÃO DO CENTRO DE INTELIGÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO CNJ 349/2020. NECESSIDADE. APROVAÇÃO COM ALTERAÇÕES. 1.1. Revela-se salutar a aprovação, com alterações apontadas, da minuta de resolução que dispõe sobre a instituição do Centro de Inteligência do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (CINUGEP) no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Tocantins, [...]. 1.2. Existe a necessidade de mudança da nomenclatura - de Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Tocantins (CIJETO) para Centro de Inteligência do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (CINUGEP) - em função da existência de diversos núcleos/centros de inteligência e de inteligência artificial em vigência no âmbito da Justiça Estadual, a exemplo do LIIARES, NUMOPED, NIS; sobretudo por ser pertinente a criação de um único centro de inteligência da justiça estadual que compreenda todos os demais núcleos/centros já criados e as respectivas ações de inteligência nas áreas específicas de atuação judicial ou institucional de cada um deles; e há a necessidade de, na composição do Centro de Inteligência, se inserir um juiz representante dos juizados especiais e o vice-presidente do Tribunal de Justiça e presidente do Conselho Institucional e Acadêmico da Escola Superior da Magistratura Tocantinense (ESMAT), haja vista que os juizados são fonte permanente de ações repetitivas, o que recomenda melhor gestão, tanto dos processos quanto das suas próprias decisões, e porque existe um grupo de estudos sobre a referida matéria, vinculado ao Laboratório Interdisciplinar de Inteligência Artificial da Esmat (LIIARES), sob coordenação do presidente do Conselho Institucional e Acadêmico da Escola Superior da Magistratura Tocantinense. (TJTO, Processo Administrativo, 0000631-33.2021.8.27.2700, Rel. MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS, COMISSÃO DE REGIMENTO E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA., julgado em 01/03/2021, DJe 05/03/2021). (grifo meu)
No caso acima apresentado, primeiramente solicitou-se informações sobre a criação do Centro de Inteligência no âmbito do Tribunal de Justiça, bem como as Informações prestadas pela Presidência da referida Corte, acerca do cumprimento da Resolução CNJ n. 349/2020.
Conforme encontrado no texto do processo, o requerente aduz que a referida resolução decorre da necessidade de que haja um sistema de monitoramento das demandas desde sua origem nos juízos de primeiro grau, em prol da efetividade da resolução consensual dos conflitos e do sistema de precedentes judiciais.
Assim, sugeriu-se a mudança da nomenclatura – de Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Tocantins (CIJETO) para Centro de Inteligência do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (CINUGEP). Isso se fundamenta em razão da existência de diversos núcleos (ou centros) de inteligência e de inteligência artificial em vigência no âmbito da Justiça Estadual. Com isso, entende-se pertinente a futura criação de um único Centro de Inteligência da Justiça Estadual do Tocantins que abarque todos os núcleos/centros já criados e as respectivas ações de inteligência nas áreas específicas de atuação judicial ou institucional de cada um deles.
Ao fim, a Egrégia Comissão de Regimento e Organização Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins decidiu, por unanimidade, aprovar a minuta, a fim de instituição do Centro de Inteligência do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (CINUGEP) no âmbito do Poder Judiciário do Estado do Tocantins, em cumprimento da Resolução CNJ nº 349/2020, porém, com as alterações apontadas.
Com o exemplo acima citado, verifica-se que os órgãos jurídicos vêm buscando se adequar aos avanços trazidos pela Inteligência Artificial. O sistema jurídico, que deve caminhar junto com o desenvolvimento tecnológico, não pode ser ausente nesse processo, pois corre o risco de não efetivar as muitas demandas solicitadas pela sociedade (BOSTROM, 2018).
Como bem apontam Soares et al. (2020) a criação de centros de inteligência artificial nos Estados, como no caso do Tocantins, se torna fundamental, na medida em que esses locais vão facilitar o trabalho desenvolvido pelos servidores jurídicos.
No entanto, é preciso também que a utilização de IA no meio jurídico seja pautado na eficiência. Um exemplo é a exigência de que as decisões judiciais sejam fundamentadas na análise das questões de fato e de direito presentes no processo. Diante desse requisito, um sistema inteligente que se proponha a automatizar uma decisão judicial – ou, de forma mais realista para a tecnologia atual, a fornecer aportes para um juiz humano – deve ser capaz de fornecer a fundamentação exigida por lei. Porém, a capacidade envolvida no uso e construção dos sistemas inteligentes pode dificultar, ou mesmo tornar inviável, a produção desse tipo de fundamentação (COZMAN, 2018).
Um ponto a ser mencionado diz respeito a importância que o conhecimento prévio dos operadores do Direito necessita ter para trabalhar com ferramentas de IA. Maranhão, Florêncio e Almada (2021) ao discorrer sobre essa questão, afirmam que não só a construção dos sistemas IA exige o emprego de muito conhecimento específico sobre o tema, como também há a necessidade de se extrair manualmente a informação que os algoritmos usarão, o que exige, na prática, um trabalho substancial de pré-processamento para a construção e uso desses sistemas.
Oliveira (2017) entende que os operadores do Direito necessitam antes de utilizar de ferramentas tecnológicas, realizar estudos prévios sobre o uso correto. Por esse motivo, se faz necessário enfatizar a importância que os agentes jurídicos tem de se manterem atualizados.
É de enorme importância que os profissionais da área acompanhem os avanços tecnológicos, uma vez que essa é a realidade da sociedade moderna. Com os programas existentes para a otimização do trabalho nos Tribunais, por exemplo, os seus servidores precisam estar capacitados para realizar as atividades. O conhecimento educacional nesse ponto, não é apenas importante, mas necessário (MARANHÃO; FLORÊNCIO; ALMADA, 2021).
Diante do exposto, esse estudo caminha para o entendimento de que a popularização da inteligência artificial exigirá profissionais capazes de lidar com as transformações tecnológicas e de operar em equipes interdisciplinares, que aproveitem as competências de juristas, cientistas da computação e outros profissionais para a construção de sistemas inteligentes que tenham efeitos positivos e protejam os direitos e interesses juridicamente tutelados em jogo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inteligência artificial (IA) é uma tecnologia que permite a sistemas e máquinas simularem o pensamento humano, indo além da reprodução repetitiva de tarefas. Essa temática tem sido atualmente bastante discutida, uma vez que está ligado aos avanços tecnológicos em todas as áreas, o que representa mudanças e readaptações de todos.
A escolha desse tema, então se deu, por buscar entender quais os efeitos que esse novo modelo de tecnologia traz não apenas no contexto de trabalho e no aparato de peças e produtos, mas também nas relações humanas.
A inteligência Artificial no Direito corresponde ao uso de tecnologias de IA no cenário jurídico. Em outras palavras, quando uma máquina, programa, sistema ou aplicativo simula um raciocínio de um advogado ou outro operador do Direito. In casu, os algoritmos são criados para tomar decisões, substituindo a mãe de obra humana em algumas atividades.
Fato é que a nova realidade trazida pela IA no ramo do Direito não pode ser vista como algo particular ou distante. Ao contrário, nos escritórios de advocacia ou nos tribunais judiciais, a inteligência artificial já se encontra presente.
No decorrer deste estudo ficou claro constatar que várias ferramentas tecnológicas vêm trazendo diferentes impactos na realidade jurídica atual. A título de exemplo, tem-se o software jurídico. Programas desse tipo se difundiram muito em escritórios de advocacia há bastante tempo, e tornam o trabalho dos advogados muito mais simples, rápido, eficiente e organizado.
No caso dos advogados, a IA os ajuda a otimizar boa parte de seu trabalho, fazendo com que sobre mais tempo para atividades estratégicas e para um atendimento mais próximo ao cliente. A inteligência artificial no Direito também deve impactar o serviço dos órgãos do Poder Judiciário.
A esperança é que a tecnologia traga mais celeridade nos processos, ajude a mitigar falhas e a construir uma sociedade mais justa. Para a população em geral, o benefício é a expectativa de ter uma Justiça mais eficiente, ágil e com maior grau de acerto. Mas também se espera que fique muito mais simples obter o serviço de representação jurídica.
Ao fim, entende-se que a difusão do uso de sistemas inteligentes tem o potencial de transformar a prática do Direito, não só por trazer novas questões a serem consideradas pelas profissões jurídicas, mas também pela automação de atividades jurídicas, começando por aquelas que envolvem trabalho repetitivo e posteriormente se sofisticando. Essas mudanças exigirão uma transformação no perfil do profissional jurídico, que precisará estar apto a lidar com o novo cenário social e com as novas tecnologias.
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[1] Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: furlanadvocacia@hotmail.com.
Bacharelando em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANTAS, Bruno Cavalcante. O uso da inteligência artificial no direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 abr 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61355/o-uso-da-inteligncia-artificial-no-direito-brasileiro. Acesso em: 24 nov 2024.
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