RICARDO ALEXANDRE RODRIGUES GARCIA[1]
(orientador)
RESUMO: O sistema carcerário é objeto de intensos debates em nossa sociedade, embora possua um sólido respaldo legal, na prática, enfrenta sérios problemas. A superlotação, inquestionavelmente, é o principal desafio, porém é importante considerar outros fatores que contribuíram para essa situação. Os detentos em instituições penitenciárias permanecem em celas insalubres, desprovidas de condições higiênicas e carentes de atividades voltadas à ressocialização, resultando em ociosidade. Cabe ao Estado o dever e o direito de punir, assumindo a responsabilidade pelo preso que cumpre a pena imposta. O objetivo central da pena é a reabilitação do indivíduo, visando à sua reintegração à comunidade após o cumprimento da sentença. No entanto, diante do elevado índice de reincidência, torna-se evidente que o sistema prisional não está alcançando seus objetivos. O presente estudo tem como propósito analisar o sistema carcerário, um tema justificado por sua relevância e pelo impacto que gera na sociedade.Para a elaboração deste estudo, utilizou-se a metodologia dedutiva, por meio de pesquisas bibliográficas realizadas em livros e utilizando ferramentas disponíveis na internet. Buscou-se fornecer informações que possam contribuir para esclarecer o assunto em questão, levando em consideração sua dinamicidade e a importância de compreender os diversos aspectos envolvidos.
Palavras-chave: Sistema Carcerário. Perfil da População Carcerária. Privatização.
ABSTRACT: The prison system is the subject of intense debate in our society, although it has solid legal support, in practice, it faces serious problems. Overcrowding is unquestionably the main challenge, but it is important to consider other factors that have contributed to this situation. Detainees in penitentiary institutions remain in unhealthy cells, devoid of hygienic conditions and lacking in activities aimed at resocialization, resulting in idleness. The State has the duty and the right to punish, assuming responsibility for the prisoner who is serving the imposed sentence. The main objective of the sentence is the rehabilitation of the individual, aiming at his/her reintegration into the community after serving the sentence. However, given the high rate of recidivism, it becomes evident that the prison system is not achieving its goals. This study aims to analyze the prison system, a theme justified by its relevance and the impact it generates on society. on the Internet. We sought to provide information that could contribute to clarifying the subject in question, taking into account its dynamism and the importance of understanding the various aspects involved.
Keywords: Prison System. Profile of the Prison Population. Privatization.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda a situação dos presídios em relação à legislação que os regula, com o objetivo de analisar a grave crise enfrentada pelo sistema penitenciário no Brasil. Essa questão causa grande preocupação na sociedade, uma vez que, apesar da superlotação das prisões, a taxa de criminalidade está aumentando de forma assustadora, o que justifica a necessidade de discutir o assunto.
A legislação vigente do país estabelece o direito do Estado de punir, mas também determina que é responsabilidade do estado proteger e cuidar dos presos sob sua custódia. Na pena de privação de liberdade, o único direito retirado do indivíduo condenado é o direito de livre circulação. Os deveres do Estado estão presentes em diversos dispositivos, como a Constituição Federal de 1988, o Código Penal e a Lei de Execução Penal (LEP).
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, garante aos presos o respeito à integridade física e moral, por meio de um ambiente propício ao desenvolvimento social e à ressocialização. O mesmo é previsto pelo Código Penal, que estabelece a preservação de todos os direitos não tutelados pela perda da liberdade, sob a hipótese de que todas as autoridades respeitem a integridade física e moral dos presos.
No entanto, contrariamente ao que a lei estabelece, os presídios são ambientes degradantes e desumanos para os detentos, devido à superlotação, à falta de assistência médica, às condições precárias de alimentação e à falta de higiene, que resultam em várias doenças. O tema deste artigo é a análise da situação do sistema prisional brasileiro em relação à preservação da pessoa humana, bem como sua realidade e o que leva à reincidência dos presos.
A Lei de Execução Penal (LEP), também conhecida como Lei 7.210/84, regula todo o processo de execução penal e corrobora com os dispositivos mencionados acima ao estabelecer no seu artigo 3º que o condenado e o internado têm garantidos todos os direitos não elegíveis pela sentença ou pela lei.
No que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, destaca-se que todos devem ser tratados de maneira igual e digna, conforme estabelecido por lei.
Como mencionado, a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional abrangem de forma consistente os direitos da pessoa que cumprem a pena em instituições do Estado. Com base nessa informação e para o desenvolvimento deste artigo, será apresentado um breve relato sobre a origem das penas, uma análise do perfil da população carcerária, uma análise da aplicação do dispositivo constitucional e dos dispositivos legais, bem como uma reflexão sobre sua eficiência, os principais problemas e possíveis soluções, incluindo a privatização da administração dos presídios e projetos de ressocialização.
2 ORIGEM DAS PENAS
Desde os primórdios, as interações sociais entre os indivíduos têm sido reguladas por normas que possibilitam a coexistência em comunidade. O descumprimento dessas normas requer uma sanção proporcional, estabelecida dentro do mesmo sistema legal.
Segundo Maggiore (2017), a pena como resposta ao dano causado pelo delito é uma concepção contemporânea, intimamente relacionada a uma exigência ética inquestionável. Essa concepção de crime e punição é inerente à natureza humana, que é dotada de consciência moral.
Ao longo da evolução da sociedade, houve mudanças no comportamento e nas relações entre as pessoas, resultando em alterações nas práticas punitivas. Historiadores dividem essa evolução em quatro fases: vingança privada, vingança divina, vingança pública e período humanitário.
Na fase da vingança privada, a "justiça" era exercida pela própria vítima ou por seus familiares de forma pessoal, sem qualquer limite, controle ou interferência de autoridade estatal. A gravidade do delito não era o fator determinante para a medida da punição. No entanto, para garantir a preservação da sociedade e sua existência, tornou-se necessário limitar os excessos dessa prática, resultando no surgimento de um poder central responsável por aplicar punições quando uma regra era violada (Jolo, 2013).
Posteriormente, surge o princípio do talião, representando um avanço significativo no campo penal da época. Esse princípio visava equilibrar a sanção imposta ao indivíduo com o delito cometido, evitando excessos na imposição do castigo e buscando estabelecer um senso de "justiça" (Marinho, 2009).
Na fase da vingança divina, já existia um poder social que disciplinava as relações na sociedade, e as penas não possuíam mais um caráter de vingança pessoal. Quando um crime era cometido contra um indivíduo, era considerado, acima de tudo, uma ofensa aos deuses, e o direito penal religioso, administrado pelos sacerdotes, que se acreditava terem conexão com os deuses, era aplicado. Essa fase era marcada por um contexto místico, baseado em crenças, e testemunhou muitas atrocidades cometidas em nome desses deuses (Jolo, 2013).
De acordo com Marinho (2009, p.67), a vingança divina estabelecia uma relação de obrigação entre o indivíduo e seu deus, em que "a pena seria um castigo imposto pelos deuses, e tudo o que ocorria na sociedade era em nome de Deus".
A vingança pública marca um marco importante no direito penal, pois foi nesse período que surgiram as penas privativas de liberdade no sistema jurídico. As penas eram divididas e aplicadas de acordo com a natureza do crime: indivíduos que violassem as leis da Igreja eram recolhidos para cumprir suas penas religiosas, enquanto a prisão do Estado era utilizada para deter os inimigos do soberano, aguardando seu julgamento final.
Apesar de representar um avanço, nessa fase ainda eram aplicadas penas cruéis, nas quais o indivíduo condenado perdia sua humanidade e dignidade, sendo humilhado publicamente. Após aguardar julgamento nas prisões, se condenado, o castigo aplicado poderia ser físico e prolongar o sofrimento do condenado por dias, até a morte. Tamanha crueldade gerou debates liderados pelos estudiosos da época, culminando no surgimento de uma nova fase.
No período humanitário, as penas começaram a ser humanizadas, os abusos passaram a ser combatidos e a prisão passou a representar o próprio direito de punir, afastando-se do conceito de que as prisões eram apenas instituições para a aplicação de penas diversas. Esse período também introduziu outras finalidades para a privação da liberdade, como a retribuição, a prevenção e a ressocialização (Marinho, 2009).
O ordenamento jurídico brasileiro reflete toda a evolução na perspectiva internacional, trazendo modificações nas normas internas relacionadas ao cumprimento de medidas punitivas. Internamente, em conformidade com a Constituição, as normas internacionais e a Lei de Execução Penal (LEP), a pena possui três objetivos específicos: retribuir o mal causado pelo infrator à sociedade, prevenir novas práticas ilícitas e buscar a ressocialização do infrator, por meio da manutenção de suas condições pessoais, mentais e morais, contribuindo para sua reintegração na sociedade.
2.1 Regimes Prisionais
Na sentença condenatória, quando é determinada uma pena privativa de liberdade (detenção ou reclusão), é necessário observar o artigo 59 do Código Penal. Esse artigo estabelece que o juiz, levando em consideração a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima, deverá estabelecer as seguintes questões para reprovação e prevenção do crime:
I - As penas aplicáveis dentre as previstas em lei;
II - A quantidade de pena aplicável dentro dos limites legais;
III - O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - A substituição da pena privativa de liberdade por outra espécie de pena. se for cabível (BRASIL, 1940).
A pena privativa de liberdade consiste na restrição do direito de ir e vir do indivíduo condenado. A legislação brasileira estabelece três tipos de penas privativas de liberdade: reclusão para crimes graves, detenção para crimes de menor gravidade e prisão simples para contravenções penais. Além disso, são previstos três regimes de cumprimento dessas penas: fechado, semiaberto e aberto.
O regime fechado é aplicado quando a pena imposta é superior a 8 anos. Se a pena for superior a 4 anos, mas não exceder 8 anos, inicia-se no regime semiaberto. Se a pena for igual ou inferior a 4 anos, o início do cumprimento é em regime aberto. No caso de condenados reincidentes, o regime inicial será fechado, independentemente do valor da pena (NUCCI, 2019).
A Lei de Execução Penal (LEP) estabelece a necessidade de estabelecimentos adequados para o cumprimento dos diferentes regimes penitenciários. No regime fechado, a pena deve ser cumprida em estabelecimento prisional de segurança máxima ou média. No regime semiaberto, o apenado é encaminhado para a colônia penal agrícola, industrial ou similar. Já no regime aberto, algumas regras devem ser cumpridas pelo apenado, que fica em liberdade, mas deve frequentar cursos e buscar emprego, recolhendo-se em Casa do Albergado ou local similar durante a noite e feriados (CAPEZ, 2019).
Guilherme Nucci (2019) destaca algumas diferenças entre as penas. Na reclusão, o regime inicial é o fechado, a condenação incapacita o exercício do poder familiar (curatela ou tutela) quando o crime é cometido contra filho, curatelado ou tutelado, ocasionando a internação resultante de medida de segurança, e é cumprida prioritariamente. Já a detenção, em princípio, inicia-se no regime semiaberto, possui apenas dois regimes (semiaberto e aberto) e permite a aplicação de regime de tratamento ambulatorial.
É importante observar que a gravidade do delito por si só não é suficiente para determinar a imposição do regime inicial fechado. É necessário analisar o conjunto das circunstâncias objetivas e subjetivas previstas no art. 59 do Código Penal, como grau de culpabilidade, personalidade, conduta social, antecedentes, entre outros, a menos que, devido à quantidade da pena, aquele regime seja obrigatório.
As súmulas nº 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal (STF) reforçam que a opinião do julgador sobre a gravidade abstrata do crime não é uma justificativa adequada para impor um regime mais severo do que o permitido pela pena aplicada. A imposição de um regime mais rigoroso do que o permitido exige uma motivação adequada (BRASIL, 2003).
Portanto, fica evidente que a intenção do legislador ao estabelecer os regimes diferenciados para o cumprimento da pena é considerar os fatos objetivos e subjetivos ocorridos no crime, garantindo que o condenado possa progressivamente alcançar a liberdade de acordo com o tempo de cumprimento da pena e seu mérito durante a execução (JOLO, 2013).
3 O CÁRCERE NO BRASIL
O Sistema Carcerário Brasileiro, um ambiente onde o indivíduo condenado cumpre a sanção estabelecida por lei e imposta pelo Juiz de Direito, é amplamente conhecido por suas divergências, problemas e críticas. Questões como superlotação, falta de higiene e saúde, rebeliões e desrespeito ao princípio da dignidade humana são frequentemente apontadas, o que impede a criação de condições adequadas para a reabilitação social, dadas as condições presentes no sistema prisional (BITENCOURT, 2012).
De acordo com relatórios recentes, o sistema carcerário brasileiro abriga atualmente aproximadamente 448.969 indivíduos condenados, o que excede em cerca de 146.547 a capacidade suportada pelo sistema. A superlotação combinada com as condições precárias não apenas prejudica a integridade humana, mas também transforma o sistema prisional em uma verdadeira "escola" para o aperfeiçoamento do crime. Isso é evidenciado pelo alto índice de reincidência criminal no Brasil, que chega a aproximadamente 70% (SILVA, 2021).
Inicialmente, a prisão do condenado tinha múltiplos objetivos: punição, ressocialização e preparação para o retorno à vida em sociedade após o cumprimento da pena estabelecida pelo Estado. Podemos afirmar que o caráter punitivo possui uma dupla finalidade, pois, por um lado, pune o indivíduo por violar a lei e, por outro lado, proporciona satisfação à vítima e à sociedade.
A sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado durante a execução de uma sentença, consiste na restrição ou privação de um bem jurídico, com o propósito de aplicar uma retribuição punitiva ao delinquente, promover sua reintegração social e prevenir novas transgressões por meio de intimidação direcionada à coletividade (CAPEZ, 2007, p.538).
Nesse sentido, o poder público, por meio do sistema carcerário, tem o direito de punir todos aqueles que cometem ilícitos. No entanto, o sistema prisional não obtém o sucesso necessário na implementação de suas ações, devido à falta de uma estrutura adequada para os condenados, que, em muitos casos, são amontoados em celas com capacidade insuficiente para acomodá-los.
Considerando a lentidão e a desorganização do sistema penitenciário nacional, que possibilita que muitos detentos permaneçam presos por um período maior do que suas respectivas condenações, devido à vulnerabilidade da segurança pública em relação aos condenados, há casos em que a justiça nem sequer sabe onde eles foram detidos (BENEVIDES, 2012).
A legislação referente à execução penal é bastante abrangente, porém, ao editar as normas, o legislador não considerou sua efetiva aplicabilidade.
A Lei de Execução Penal (LEP) prevê um cenário ideal, onde os condenados são classificados de acordo com requisitos relacionados à personalidade e aos antecedentes, proporcionando uma individualização eficiente das penas, com assistência material, de saúde, jurídica, educacional, social, religiosa e inclusive assistência ao egresso.
O artigo 41 da legislação mencionada estabelece uma série de direitos para o indivíduo encarcerado, enquanto o artigo 88 define as condições de alojamento. O artigo 88 diz o seguinte:
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que contenha dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. Os requisitos básicos para a unidade de cela são:
a) ambiente salubre por meio da ventilação, iluminação e controle térmico adequados à existência humana;
b) área mínima de 6,00m² (seis metros quadrados) (BRASIL,1984, s.p.).
Apesar de toda essa legislação, a realidade no sistema carcerário não está de acordo com as normas estabelecidas. O legislador criou as normas, mas o Estado não consegue aplicá-las.
A realidade das prisões não atende aos regulamentos, como mencionado anteriormente. Pesquisas mostram a superlotação e uma alta taxa de reincidência, enquanto, por outro lado, a criminalidade continua aumentando.
Temos uma legislação pródiga no papel, mas quando confrontada com a realidade prisional, demonstra ser totalmente ineficiente em sua principal finalidade, que é reeducar e ressocializar o indivíduo durante o cumprimento da sentença, para que, ao término, ele possa ser reintegrado à sua comunidade (BENEVIDES, 2012).
3.1 Perfil da População Carcerária
O perfil da população carcerária consiste principalmente de indivíduos jovens, pardos ou negros. Uma análise rápida da composição da população brasileira permite compreender a trajetória até os dias atuais. Após a abolição da escravidão, não foram implementadas políticas públicas que atendessem a esses novos cidadãos. Uma grande população de negros, agora livres, passou a viver à margem da sociedade, abandonados à própria sorte, sem acesso à educação, saúde e segurança, agravando os problemas sociais. Esse fato histórico não implica que apenas indivíduos com esse perfil cometam crimes, mas demonstra uma relação direta com os problemas sociais e a falta de perspectivas de uma vida melhor (GERBER, 2020).
Em 2014, foi realizada uma pesquisa para traçar o perfil do preso, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) conduziu o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN). A pesquisa fornece informações estatísticas relevantes: 61,6% dos presos são negros e 75% possuem apenas ensino fundamental (OLIVEIRA, 2021).
A população carcerária aumentou significativamente, mesmo em relação ao número de habitantes. O Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial em volume de população carcerária, com mais de 600.000 presos, e enfrenta um déficit de 250.000 vagas, o que reflete a superlotação nos presídios brasileiros (GERBER, 2020).
É importante destacar que, embora a criminalidade seja combatida, conforme indicam os dados da pesquisa, o número de crimes continua aumentando, o que nos leva a questionar se o encarceramento é um instrumento eficaz no combate à criminalidade. Apesar do aumento do número de prisões, a população em geral ainda se sente insegura. Isso nos leva a acreditar que a prisão por si só não é um instrumento de política pública suficiente para combater a criminalidade.
De acordo com o diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Renato De Vitto, é necessário investir em outras soluções penais, como programas de trabalho e educação, que proporcionem uma verdadeira reintegração dessas pessoas à sociedade, uma vez que os prejuízos causados pela prisão não afetam apenas os indivíduos presos, mas também seus círculos familiares (OLIVEIRA, 2021, s.p.).
Diante desse cenário, em 2017, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) firmou um compromisso com os presidentes dos tribunais para agilizar os processos, uma vez que, segundo dados do INFOPEN, 40% dos presos estão aguardando julgamento.
A Lei 12.403/11 trouxe inovações para o Processo Penal brasileiro. Por meio dessa lei, foram implementadas uma variedade de medidas cautelares diversas da prisão, cabendo ao magistrado analisar sua legalidade, conveniência e adequação. Dessa forma, a prisão provisória passou a ser uma medida residual.
4 A PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
A atual realidade dos presídios brasileiros é marcada pela superlotação, alto índice de reincidência, presença de drogas, ocorrência de rebeliões, deficiência na assistência jurídica, falta de atendimento médico, casos de maus-tratos, corrupção, entre outros problemas. Essa realidade está distante do ideal concebido para as unidades prisionais mencionadas anteriormente.
Uma hipótese de solução para esse problema é a privatização dos presídios, porém não há um consenso sobre esse tema, com posicionamentos favoráveis e contrários.
Os defensores da privatização acreditam que ela traria inúmeras vantagens ao Estado. Embora ainda haja gastos, estes seriam reduzidos devido à diminuição da folha de pagamento do funcionalismo público, uma vez que a administração dos presídios seria realizada por entidades privadas. Outro argumento favorável é que a privatização garantiria a efetivação dos direitos dos detentos previstos na Lei de Execução Penal (LEP). Argumenta-se que, embora o Estado seja ineficiente na aplicação desses direitos, seria eficiente na fiscalização quando eles fossem delegados a terceiros. Quanto à constitucionalidade, essa corrente defende que apenas a instrumentalização seria terceirizada na privatização, ou seja, os aspectos práticos, sem usurpar a prerrogativa exclusiva do Estado de punir, não havendo, portanto, inconstitucionalidade.
Um autor que analisou o sistema prisional posicionou-se da seguinte forma:
O Estado não tem recursos para gerir e construir presídios, sendo assim, a privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra, tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável, ou 'privatizamos' os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo a essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a 'privatização' não é questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível é um fato (YAKIANO, 2018, s.p. apud CAPEZ, 2019, p.376).
Em contrapartida, surge a corrente contrária à privatização, alegando que tal medida seria inconstitucional, pois atribui exclusivamente ao Estado o direito/dever de punir. Essa corrente encontra respaldo legal na LEP, que afirma: "São indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia" (BRASIL, 1984, s.p.).
Outra preocupação é a assistência jurídica garantida ao apenado. No sistema público, essa assistência é prestada pela Defensoria Pública, quando não há possibilidade de contratar um advogado particular. No sistema privatizado, na ausência de um advogado contratado, a assistência jurídica seria fornecida pela empresa administradora. Questiona-se se haveria interesse por parte do profissional contratado pela empresa em atuar contra seu empregador, e se casos de omissões, torturas e maus-tratos permaneceriam sem denúncias e impunes (DAMASCENO, 2007).
No Brasil, os debates sobre a privatização do sistema carcerário foram inspirados no modelo americano, porém esse modelo não tem como diretriz a ressocialização.
Um autor que se opõe a essa perspectiva afirma:
Dessa forma, a manutenção do preso em estado deplorável de saúde estaria fazendo com que a pena não só perdesse o seu caráter ressocializador, mas também estaria sendo descumprido um princípio geral do Direito, consagrado no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, também aplicável subsidiariamente na esfera criminal, e, por consequência, na execução penal, que em seu texto dispõe: na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (SILVA, 2021, s.p.).
É importante destacar que no Brasil já existem algumas unidades prisionais funcionando sob a forma de privatização. Essas unidades adotam o modelo de terceirização, no qual apenas as atividades de administração interna, como cozinha, limpeza e agentes penitenciários, são delegadas. Essas unidades operam por meio de contratos com terceiros, celebrados durante a vigência da Lei 8.666/93, conhecida como Lei das Licitações (OLIVEIRA, 2021).
5 A RESSOCIALIZAÇÃO
A principal finalidade da sanção penal é a reeducação do indivíduo, visando reduzir o índice de reincidência e promover mudanças comportamentais que o levem a adotar um convívio social livre de práticas delitivas, restabelecendo sua integridade conforme os padrões legais.
O processo de ressocialização tem como objetivo restituir a dignidade, recuperar a autoestima e a confiança própria dos detentos, além de reduzir e implementar meios que favoreçam o desenvolvimento profissional, entre outras formas de incentivo. Nessa linha de raciocínio, os direitos fundamentais dos presos são gradualmente restabelecidos.
É importante ressaltar que as prisões brasileiras não proporcionam nenhum efeito significativo relacionado à ressocialização. Dessa forma, a falta de proteção ao detento ou ao interno favorece a prática de novos crimes, levando a reincidências e encarceramentos recorrentes, sem gerar resultados positivos.
Um autor observa que, a partir da análise exposta, conclui-se que o sistema carcerário brasileiro, em vez de cumprir suas duas principais funções - punição e recuperação - desempenha apenas uma: isolar e excluir o indivíduo da sociedade. Ao submeter os indivíduos a condições degradantes, a ressocialização jamais poderá ser alcançada (SILVA, 2021, p.1).
Uma parcela significativa da sociedade acredita que a ressocialização é impossível e distante da realidade prática. No entanto, isso pode ser solucionado com o apoio do poder público e a melhoria estrutural dos presídios, permitindo que os detentos possam trabalhar e tenham acesso a assistência médica adequada, ambientes limpos e organizados, alimentação adequada, vestuário e meios para suprir suas necessidades básicas. Isso garantiria o cumprimento da pena de forma respeitosa, sem violar o princípio da dignidade da pessoa humana, que é fundamental no sistema jurídico.
Atualmente, existem várias organizações sociais, grupos e instituições que defendem e acreditam que os infratores têm plena capacidade de aprender a conviver na sociedade sem reincidir. Através da arte, cultura e trabalho, buscam promover a transformação social, despertando o que há de bom nas pessoas, fomentando a ressocialização e a reintegração dos ex-presidiários na comunidade, contribuindo para a redução da violência e da reincidência (INFORPEN, 2014, p.37).
Outra solução viável é a implementação do trabalho nos presídios. O trabalho evita a ociosidade, reduz pensamentos prejudiciais e oferece oportunidades para que o reeducando realize tarefas, criando expectativas de ressocialização e a perspectiva de levar uma vida normal, trabalhando e sustentando seus familiares. A Classificação Criminal deve funcionar para determinar a capacidade de trabalho e habilidades do detento, visando seu melhor aproveitamento, inclusive em benefício da sociedade. Com isso, acredita-se que dois grandes benefícios surgiriam: primeiro, o preso aproveitaria seu período de encarceramento trabalhando e, muitas vezes, aprendendo uma profissão, inclusive reduzindo sua pena (por meio da remição); segundo, estaria ajudando a família, que frequentemente não possui condições dignas de sobrevivência (MARCON, 2008, p.20).
Por fim, é necessário observar que o sistema penal brasileiro está longe de cumprir sua função e fazer com que as penas deixem de contribuir para o desenvolvimento e aprimoramento da criminalidade nos presídios. A questão da privatização pode ser uma solução viável para esse problema.
6 CONCLUSÃO
Conclui-se, a partir de todas as exposições, que o Sistema Carcerário Brasileiro enfrenta sérios problemas em relação à sua estrutura e administração. É de extrema importância a realização de estudos para compreender o conjunto de fatores que levaram a esse resultado, visando encontrar soluções eficazes.
É inegável que uma das causas desses problemas são as deficiências sociais enfrentadas pelo país desde o surgimento da nossa sociedade. No entanto, é necessário um debate sincero, livre de demagogias ou utopias, a fim de viabilizar a solução do problema.
Devido à complexidade e urgência de encontrar uma solução, o Estado enfrenta o desafio de promover ações em diversas áreas, como educação, segurança, economia e projetos sociais, visando à recuperação de comunidades marginalizadas, além de resolver o problema da superlotação e precariedade das unidades prisionais.
No que diz respeito ao investimento na estrutura do sistema carcerário, a solução mais viável seria a privatização, aliviando o ônus do Estado, que poderia investir constantemente em outras áreas deficitárias. Dessa forma, o problema seria solucionado a curto prazo e projetaria uma solução a médio e longo prazo.
Para que isso ocorra, é necessário romper com amarras ideológicas, permitindo que o legislativo atue com agilidade para realizar as alterações necessárias que viabilizem a privatização do sistema prisional. No entanto, essa reforma legislativa deve garantir mecanismos que assegurem todos os direitos inerentes à qualidade humana, que não devem ser afetados pela pena, além de promover uma fiscalização rigorosa em sua implementação.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasilia, DF, 7 de dezembro de 1969. Disponível em: < http://www.planaLto .gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm > Acesso em: 18 maio 2022.
BRASIL. Constituição de 05 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasilia, DF, 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.g ov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 15 maio 2022
BITENCOURT, Cezar Roberto. Penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
BRASIL. Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984. Lei de execução Penal. Brasília, DF, 11 jun de 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm . Acesso em: 30 maio de 2022.
BENEVIDES, Paulo Ricardo. Super lotação x penas alternativas. Revista visão jurídica, São Paulo, v. 8, n. 32, ago. 2012. Disponível em: HTTP://revistavisaojuridica.uol.com.br/advogados-leis-jurisprudencia/59/superlotaçao -x-penas-alternativas-213023-1.asp. acesso em: 28 de Jun. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 718. Súmulas. Brasilia: Associação dos Advogados do Brasil, 2003.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n° 719. Súmulas. Brasilia: Associação dos Advogados do Brasil, 2003.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal parte geral. 23 edição. São Paulo: Saraiva jus, 2019.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Levantamento dos presos provisórios do
país e plano de ação do tribunal, Brasília, p. 3, 23 de fev. 2017. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/2017/02/b5718a7e7d6f2edee274f93861747304.pd. Acesso em: 30 de maio de 2022.
DAMASCENO, Rafael. A realidade atual do sistema penitenciário brasileiro. Revista
CEJ, Brasília, n. 39, out./dez., 2007.
GERBER. K. A constitucionalidade da 'privatização' dos presídios brasileiros. Conjur, 11 de Nov. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-nov-11/gerber-constitucionalidade-privatizacaopresidios. Acesso em: 30 de maio 2022.
INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. 2014. Disponível em:
https://dados.mj.gov.br/dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias.
Acesso: 30 maio de 2022.
JOLO, Ana Flavia. Evolução histórica do Direito Penal. 2013. 17 f. (Graduação em Direito) – Toledo, Presidente Prudente, SP, 2013. Disponível em: http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/viewFile/3298/3049. Acesso em: 24 fev. 2022.
MARINHO, Alexandre Araripe. Manual de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: lúmen juris, 2009.
MARCON, Daniele C. Segregação, Sistema Carcerário e Democracia Argumenta. Revista do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica, da FUNDINOPI / Centro de Pesquisa e Pós-Graduação - CPEPG, Conselho de Pesquisa e Pós-Graduação - CONPESQ, Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro. n. 9; julho-dezembro – Jacarezinho, 2008.
MARINGONE, G. O. destino dos negros após a Abolição. IPEA, São Paulo, 29 sete. 2011 Disponível em: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=2 673%3Acatid%3D28. Acesso em:30 de maio de 2022.
NUCCI, Guilherme Souza. Curso de Direito Penal parte geral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
OLIVEIRA, José Carlos. ONU vê tortura em Presídios como “Problema Estrutural do Brasil. Câmara, 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/809067-onu-ve-tortura-em-presidios-como-problema-estrutural-do-brasil/. Acesso em: 29 out.2022.
SILVA, Thalyta Évelen Araújo da. A Crise Do Sistema Carcerário E Os Desafios Da Ressocialização De Ex-Presidiários No Brasil. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 06, Ed. 03, Vol. 05, pp. 121-142. Março de 2021. ISSN: 2448-0959. disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/lei/sistema-carcerario. Acesso: 30 de maio de 2022.
Discente do Curso de Direito, 8° semestre, Centro Universitário de Santa Fé do Sul/SP – UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Bianca Cardoso. O sistema carcerário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jul 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62033/o-sistema-carcerrio-brasileiro. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.