GUSTAVO ANTONIO NELSON BALDAN
(orientador)
RESUMO: Este trabalho acadêmico, tem como intuito estudar o princípio da insignificância, ou da bagatela, pois se trata de uma teoria do Direito Penal Brasileiro que determina que as condutas consideradas insignificantes ou de pequena relevância social não devem ser consideradas criminosas e, portanto, não devem ser objeto de processo penal. Esse princípio é aplicado em várias situações, como no caso de crimes tributários de pequeno valor ou de infrações de trânsito com baixo risco de dano. Em geral, sua aplicação depende da análise do caso concreto, considerando a natureza da conduta, o seu impacto social e a eventual lesão decorrente dela. Em análise de situação, no entanto, é importante ressaltar que a aplicação do pricípio da insignificância deve ser cuidadosa, já que nem sempre uma conduta aparentemente insignificante pode ser considerada assim em todos os seus aspectos. Por isso, cabe aos juristas e operadores do Direito avaliar cada caso de forma individualizada para decidir se o princípio é aplicável ou não. A metodologia utilizada para realização deste trabalho foi a bibliográfica e web gráfica, com o objetivo de analisar as aplicações do principio da insignificancia em cada caso.
Palavras-chave: Princípio da Insignificância; Bagatela; Relevância Social.
ABSTRACT: This academic work aims to study the principle of insignificance, or trifle, as it is a theory of Brazilian Criminal Law that determines that conduct considered insignificant or of little social relevance should not be considered criminal and, therefore, should not be subject to criminal proceedings. This principle is applied in several situations, such as in the case of small tax crimes or traffic violations with a low risk of harm. In general, its application depends on the analysis of the specific case, considering the nature of the conduct, its sociais impact and the possible injury resulting from it. In analyzing the situation, however, it is important to emphasize that the application of the principle of insignificance must be careful, since apparently insignificant conduct cannot always be considered as such in all its aspects. Therefore, it is up to jurists and operators of law to assess each case individually to decide whether the principle is applicable or not. The methodology used to carry out this work was bibliographic and web graphics, with the objective of analyzing the applications of the principle of insignificance in each case.
Palavras-chaves: Principle of Insignificance; Trifle; Social Relevance.
1 INTRODUÇÃO
O princípio da insignificância ou bagatela, surgiu de doutrinadores com o objetivo de circunscrever a utilização da lei penal em determinadas situações, no qual o delito cometido não causou efetivamente um dano significativo à sociedade. A idealização superior, é de que o Direito Penal, deva ser poupado para infrações de grave ameaça, sendo uma forma de evitar maiores criminalizações de delitos com importância ínfima social.
São objetivos do trabalho demonstrar situações em que haja a aplicação, sendo necessário uma maior observância para aplicar na prática o princípio da insignificância na conduta do agente.
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica a respeito do tema e trazer estatísticas sobre a abrangência do assunto estudado.
2.O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA
2.1 Origem do princípio da insignificância
Para um melhor entendimento acerca deste princípio, é necessário compreender sua origem. Posto isso, a doutrina é bastante abstrata sobre a origem do princípio da insignificância. Decerto, diversos doutrinadores afirmam que o princípio supracitado, surgiu a partir do direito romano, sendo remido pelo ordenamento jurídico alemão em 1964 por Claus Roxin.
De acordo com o doutrinador Diomar Ackel Filho (1988), o princípio da insignificância surgiu do Direito Romano, “onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo minimis non curat pretor”.
Evidencia-se que o brocardo “de minimis non curat praetor”, é sua síntese, afinal o direito penal não deve se preocupar com condutas que não causem maiores danos, sendo condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o bem jurídico.
Ademais, vejamos como leciona o doutrinador Fernando Capez (2011, p. 46), acerca do assunto:
O Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido.
De acordo com o doutrinador citado, não possui cabimento ao Direito Penal Brasileiro incomodar-se com condutas insignificantes ou bagatelas, devendo descriminalizar condutas inofensivas ou até mesmo incapazes de lesar o bem jurídico.
2.2 Requisitos para a aplicação do princípio
Por se tratar de uma causa supralegal, ou seja, não prevista em lei, o princípio da insignificância tem como objetivo afastar a Tipicidade Penal, não considerando determinados atos como um crime. Deste modo, sua aplicação requer alguns requisitos para ocorrer a absolvição do réu.
De acordo com entendimento superior do Supremo Tribunal Federal, são quatros dos requisitos para aplicação do princípio da insignificância, sendo eles:
Estabelecidos os requisitos necessários, foi abordado a análise de cada um deles.
A “mínima ofensividade da conduta”, se refere à potencialidade lesiva da ação praticada, ou seja, quando o delito cometido não ofende moral ou fisicamente a vitima ou a sociedade, se tornando uma conduta inofensiva.
Ademais, é necessário que haja a “ausência de periculosidade social da ação”, que consiste de que a ação praticada não tenha nenhum risco à sociedade, isto é, o delito cometido não colocou em perigo ou provocou algum perigo acerca da ação para a pessoa, patrimônio e a sociedade. Dessa forma, não deve existir nenhum perigo na ação cometida.
É exigência que o “reduzido grau de reprovabilidade do comportamento” seja presente, afinal este requisito se trata da culpabilidade do ato. Assim dizendo, o ato praticado não seja reprovado pela sociedade. Como por exemplo, o furto de uma cesta básica por uma pessoa com necessidades, é considerado furto, porém não é reprovado pela sociedade, uma vez que não causou dano e foi realizado com a necessidade de alimentar sua família. Assim sendo, é exigência de que o crime não seja reprovado socialmente.
Já a “inexpressividade da lesão jurídica” se trata de que o dano não deve causar dano expressivo à integridade física, moral e psicológica das pessoas, à vida, aos objetos, ao patrimônio e a própria proteção jurídica que se dá a esses institutos, é o mínimo grau de lesividade da conduta, a lesão causada deve ser inexpressiva para não causar prejuízo a sociedade ou a vítima.
Por fim, todos esses requisitos são verificados cumulativamente e a ausência de algum deles impede a aplicação do princípio da insignificância.
Tais critérios supracitados são objetivos e estão presentes na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que diz:
Para a incidência do princípio da insignificância, deve ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como, a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica.
Os fatores para aplicação do princípio da insignificância se extraem de diversas decisões majoritárias, vejamos:
“PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, "CAPUT") DE CINCO BARRAS DE CHOCOLATE - "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 4,3% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO PARA ABSOLVER O PACIENTE. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. - O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada está na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Precedentes. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O FATO INSIGNIFICANTE, PORQUE DESTITUÍDO DE TIPICIDADE PENAL, IMPORTA EM ABSOLVIÇÃO CRIMINAL DO RÉU. - A aplicação do princípio da insignificância, por excluir a própria tipicidade material da conduta atribuída ao agente, importa, necessariamente, na absolvição penal do réu (CPP, art. 386, III), eis que o fato insignificante, por ser atípico, não se reveste de relevo jurídico-penal. Precedentes” (HC 98.152 -MG, 2.ª T., rel. Celso de Mello, 19.05.2009, v.u.). (grifei)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. CRITÉRIOS DE ORDEM OBJETIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412/SP). 2. No presente caso, considero que tais vetores se fazem simultaneamente presentes. Consoante o critério da tipicidade material (e não apenas formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos como de bagatela, nos quais têm perfeita aplicação o princípio da insignificância. O critério da tipicidade material deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto. Assim, somente é possível cogitar de tipicidade penal quando forem reunidas a tipicidade formal (a adequação perfeita da conduta do agente com a descrição na norma penal), a tipicidade material (a presença de um critério material de seleção do bem a ser protegido) e a antinormatividade (a noção de contrariedade da conduta à norma penal, e não estimulada por ela). 3. A lesão se revelou tão insignificante que sequer houve instauração de algum procedimento fiscal. Realmente, foi mínima a ofensividade da conduta do agente, não houve periculosidade social da ação do paciente, além de ser reduzido o grau de reprovabilidade de seu comportamento e inexpressiva a lesão jurídica provocada. Trata-se de conduta atípica e, como tal, irrelevante na seara penal, razão pela qual a hipótese comporta a concessão, de ofício, da ordem para o fim de restabelecer a decisão que rejeitou a denúncia. 4. A configuração da conduta como insignificante não abarca considerações de ordem subjetiva, não podendo ser considerados aspectos subjetivos relacionados, pois, à pessoa do recorrente. 5. Recurso extraordinário improvido. Ordem de habeas corpus, de ofício, concedida. (STF RE 536486, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 26/08/2008, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-05 PP-01083 RMDPPP v. 5, n. 26, 2008, p. 100-105).
Além dos requisitos estipulados, se faz imprescindível abarcar sobre as condições subjetivas do agente, como as condições da vítima, habitualidade na prática de crimes e a reincidência.
No caso do elemento subjetivo da reincidência, historicamente o agente reincidente tinha seu benefício ao princípio da insignificância vedado, afinal não havia interesse da sociedade em absolver o réu que já praticou outros delitos penais anteriormente. Como já havia sido abordado pelo Supremo Tribunal Federal:
No HC 123.108/MG, o paciente fora condenado à pena de um ano de reclusão e dez dias-multa pelo crime de furto simples de chinelo avaliado em R$ 16,00. Embora o bem tenha sido restituído à vítima, o tribunal local não substituirá a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da reincidência. Nesse caso, o Colegiado, por decisão majoritária, denegou a ordem.
Entretanto, o ato de não aplicar o princípio da insignificância a agentes com reincidência tem sido mudado atualmente na jurisprudência, não afastando obrigatoriamente o princípio ao réu reincidente.
Em decisão do ministro do STF Gilmar Mendes, em abril de 2020, sobre o Habeas Corpus nº 18.138-9. O ministro afirmou que “é equivocado afastar sua incidência [do princípio da insignificância] apenas pelo fato de o recorrente possuir antecedentes criminais”.
Posto isso, a jurisprudência mais atual vem aprovando o pedido da aplicação do princípio da insignificância, independente da reincidência do autor, se observados os requisitos exigidos para a aplicação do princípio, a reincidência não afasta mais a aplicação deste princípio.
Ainda, há de se observar a condição da vítima, se o bem material violado tem algum valor sentimental, sua condição financeira, além de analisar as circunstancias e o resultado do crime, todas as circunstâncias necessárias para verificar se houve alguma relevante lesão. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, afirma:
Já no ângulo da vítima, o exame da relevância ou irrelevância penal deve atentar para o seu peculiarmente reduzido sentimento de perda por efeitos da conduta do agente, a ponto de não experimentar revoltante sensação de impunidade ante a não incidência da norma penal que, a princípio, lhe favorecia. (Supremo Tribunal Federal 2ª T. – HC110.953/RS j.13.04.2012 – public.16.04.2012 Cadastro IBCCRIM 2784)
Ademais, a habitualidade delitiva criminosa se configura quando o agente faz do crime sua subsistência, praticando a atividade frequentemente, como por exemplo o ladrão. Se torna uma reiteração criminosa, que se trata da pratica de realizar crimes como um costume. Porém, não confunda a habitualidade delitiva com o crime habitual, pois o crime habitual depende de uma reiteração criminosa para que haja a consumação, é uma pratica reiterada de determinada conduta. Com isso, a habitualidade delitiva é a reiteração criminosa e, o crime habitual depende da reiteração criminosa para se consumar.
Por fim, o elemento subjetivo da habitualidade é quando vários delitos são cometidos em uma pequena proporção que ao final daria um crime. Como por exemplo, um agente que furta de uma caixa registradora todo dia o valor de R$ 30,00 reais, totalizando ao final do mês um valor de R$ 900,00 reais, se todo dia o princípio da insignificância fosse aplicado para descriminalizar a conduta do furto de R$ 30,00 reais, ao final nunca se configuraria o crime.
Portanto, o princípio da insignificância necessita de requisitos, tanto como os objetivos, como os subjetivos para sua aplicação na pratica, dependendo muito do caso analisado e do perfil do agente.
3.PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E TIPICIDADE MATERIAL
Dentro do Direito Penal Brasileiro, existem teorias, dentre elas existe a teoria do delito, que caracteriza os critérios para identificar se uma ação é um delito criminoso ou não.
Ao se configurar um delito, é necessário que haja três substratos distintos: a tipicidade, antijuridicidade e a imputabilidade. Desse modo, a conduta só pode ser punida como crime se existirem os elementos do crime.
O princípio da insignificância atinge a tipicidade, que se divide em duas partes, na formal e no material. Dentro da tipicidade formal, se encontra os crimes previsto em lei, ou seja, a conduta do agente atinge diretamente a descrição abstrata prevista no ordenamento penal.
Já a tipicidade material, trata-se do impacto da ação para a coisa, o afetado, o direito e a sociedade. É dentro da tipicidade material que se observa a lesão do bem jurídico tutelado, como por exemplo, o furto de uma caneta, não há tipicidade do fato, ou seja, uma conduta irrelevante, se tratando da conduta do agente e o resultado do crime. Sendo assim, o furto que foi praticado se torna materialmente atípico.
O princípio da insignificância é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material. Deste modo, ao excluir a tipicidade material, afasta o fato típico, consequentemente o próprio crime.
Como é o disposto na jurisprudência:
(...) Ainda que formalmente a conduta executada pelo sujeito ativo preencha os elementos compositivos da norma incriminadora, mas não de forma substancial, é de se absolver o agente por atipicidade do comportamento realizado, porque o Direito Penal, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária, só deve intervir, para impor uma sanção, quando a conduta praticada por outrem ofenda ao bem jurídico considerado essencial à vida em comum ou à personalidade do homem de forma intensa e relevante que resulte uma danosidade que lesione ou o coloque em perigo concreto” (TACrim. Apel. 998.073/2, Rel. Márcio Bártoli, 03.01.1996).
Ademais, o princípio da insignificância não é excludente da culpabilidade, trata-se da excludente de tipicidade, que resulta na inexistência de crime. Portanto, para a aplicação do princípio é necessário que se encaixe nos requisitos exigidos para a aplicação do princípio da insignificância, como já foi supracitado.
3.1 Princípio da intervenção mínima
O princípio da intervenção mínima, também conhecido como última ratio do Direito Penal, tem como fundamento de que o Estado somente deve intervir quando for verdadeiramente necessário, ou seja, quando todos os outros ramos do Direito não forem suficientes para a resolução do caso, quando os meios administrativos ou civis falharem.
O doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 13), assevera sobre o assunto:
O princípio da intervenção mínima, também conhecida como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sansão ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficiente medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a última ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade.
Outrossim, o doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 73), dispõe que este princípio deva possuir um caráter subsidiário referente aos outros ramos do ordenamento jurídico, como por exemplo a aplicação de uma multa através do Direito Administrativo, ou ao Direito Civil, impondo a reparação de danos:
Atualmente, somente para exemplificar, determinadas infrações de trânsito possuem punições mais temidas pelos motoristas, diante das elevadas multas e ganho de pontos no prontuário, que podem levar à perda da carteira de habilitação – tudo isso, sem o devido processo legal – do que a aplicação de uma multa penal, sensivelmente menor.
Por fim, o Direito Penal deve ser aplicado em última circunstância, sendo ultima ratio, devendo recair sobre os bens jurídicos mais preciosos da sociedade, como a vida, patrimônio, liberdade de ir e vir e entre outros.
3.2 Princípio da fragmentariedade e subsidiariedade
O Direito Penal não protege todos os bens jurídicos existentes no ordenamento, tutelando somente os bens mais relevantes para a sociedade, sendo um caráter fragmentário, afinal nem todas as ações deverão ser punidas pelo Direito Penal, somente as mais graves.
Dessa forma, o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2008, p. 45) dispõe:
(...)o caráter fragmentário do direito penal, apresenta-se sob três aspectos: em primeiro lugar, defendendo o bem jurídico somente contra ataques de especial gravidade, exigindo determinadas intenções e tendências, excluindo a punibilidade da prática impudente de alguns casos; em segundo lugar, tipificando somente parte das condutas que outros ramos do Direito considerem antijurídicas e, finalmente, deixando, em princípio, sem punir ações meramente imorais, como a homossexualidade ou a mentira.
Com base nas informações expostas, o Direito Penal deverá tutelar somente as condutas lesivas mais graves, não abrangendo os casos com mínima relevância, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, pois ocupa somente uma parte dos bens tutelados.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça aborda sobre o tema:
"que este [a fragmentariedade] não deve ser invocado quando os conflitos sociais puderem ser resolvidos pelos outros ramos do Direito. Como corolário, o princípio da fragmentariedade elucida que não são todos os bens que têm a proteção desse ramo do direito, mas apenas alguns, que são os de maior importância para a vida em sociedade, ou seja, pelo menos em tese, são os mais importantes e necessários ao convívio social" (REsp 1.252.635-SP).
Enquanto, o princípio da subsidiariedade se manifesta no plano concreto, quando nenhum outro Direito conseguir tutelar os bens jurídicos. Portanto, este princípio decorre da intervenção mínima, onde o Direito Penal deve ser usado como ultimo recurso, atuando somente quando os outros ramos não forem suficientes.
O Superior Tribunal de Justiça aborda acerca da temática:
"que para configuração do delito de desobediência de ordem judicial é indispensável que inexista sanção de natureza civil, processual civil ou administrativa, salvo quando a norma admitir expressamente a referida cumulação" (HC 92.655).
Por fim, o Direito Penal deve ser subsidiário e fragmentário, não devendo permanecer em um assunto já excessivamente discutido.
4.CRIMES ONDE SÃO INAPLICÁVEIS O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça tem negado aplicações do princípio da insignificância em casos onde envolva crimes de falsificação, violência ou grave ameaça à pessoa e tráfico de drogas. A aplicação do princípio, deve analisar os quatros requisitos citados anteriormente, bem como os elementos subjetivos do caso.
4.1 Aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais
Em relação aos crimes ambientais, a doutrina e a jurisprudência se controvertem quanto a aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais. De acordo com o artigo 225, § 3º, da Constituição Federal:
As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Alguns doutrinadores afirmam que as características da lesão a bens difusos, seriam suficientes para demonstrar a gravidade da conduta. Isto posto, afastaria a aplicação do princípio da insignificância em relação aos delitos ambientais, pois a proteção ao ambiente se impõe para futuras gerações e ao poder público. Assim:
“Trata-se de área de preservação permanente e, tendo o recorrido dela se utilizado com infringência das normas de proteção ambiental, não há falar-se em irrelevância penal da conduta incriminada, considerando que a indisponibilidade do interesse tutelado não admite transigir com sua ofensa”. (RCCR 2002.34.00.006996-3/DF, Rel. Des. Federal Hilton Queiroz, Quarta Turma, DJ de 02/05/2005, p.43).
Por outro lado, a jurisprudência admite a aplicação da insignificância quando o bem jurídico não tiver uma extensão lesiva, in verbis:
“APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA A FAUNA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - POSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE LESÃO AO SISTEMA ECOLÓGICO. Aplica-se o princípio da insignificância, mesmo em crimes ambientais, se a conduta do agente não causa qualquer lesão ao bem jurídico tutelado, ou seja, ao meio ambiente, pois o acusado apenas foi flagrado com as redes de pescar, sem ter havido a pesca efetiva de algum peixe”. (TJMG, Apelação Criminal 1.0701.12.019735-8/001, Relator(a): Des.(a) Denise Pinho da Costa Val, 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 03/09/2013, publicação da súmula em 11/09/2013).
“HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE DANO AMBIENTAL PASSÍVEL DE ENQUADRAMENTO LEGAL. ACEITAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL. ART. 89 DA LEI N.º 9.099/95. RENÚNCIA AO INTERESSE DE AGIR QUE NÃO FOI RECONHECIDA PELO STF, QUE DEFERIU ORDEM PARA DETERMINAR O EXAME DO MÉRITO PELO STJ. 1. O bem jurídico protegido pela lei ambiental diz respeito a áreas cujas dimensões e tipo de vegetação efetivamente integrem um ecossistema. A lei de regência não pode ser aplicada para punir insignificantes ações, sem potencial lesivo à área de proteção ambiental, mormente quando o agente se comporta com claro intuito de proteger sua propriedade, no caso, com simples levante de cerca, em perímetro diminuto, vindo com isso, inclusive, a resguardar a própria floresta nativa. 2. Ordem concedida para trancar a ação penal em tela”. (STJ, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 12/06/2006, QUINTA TURMA).
Dessa forma, se verifica que a jurisprudência acerca dos crimes ambientais não é pacífica, pois o meio ambiente é bem jurídico a ser tutelado. Enquanto, uma posição jurisprudencial admite que o dano gerado não atinge potencial de lesão ao meio ambiente.
Inobstante da divergência doutrinaria, a jurisprudência é consolidada acerca da aplicabilidade do princípio da insignificância aos requisitos necessários, como mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica, como foi analisado anteriormente.
Presente os requisitos necessários, o Superior Tribunal de Justiça, tem admitido a aplicação do princípio da insignificância quando for demonstrado que foi ínfima a lesividade ao bem ambiental tutelado.
Portanto, é entendimento que o Direito Penal deva intervir somente quando a conduta ocasionar lesão jurídica de gravidade, sendo atípico o caso quando for perturbação jurídica leve.
4.2 Dos crimes de violência doméstica e familiar
Os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, pode ser de forma psicológica, física, patrimonial, sexual ou através de algum outro meio que cause risco a vida da mulher.
Ademais, atualmente a súmula 589-STJ, dispõe que:
É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.
Portanto, crimes praticados contra a mulher no âmbito das relações domesticadas, têm vedado a aplicação do princípio da insignificância, não sendo possível se beneficiar do princípio.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu que não se aplica o princípio da insignificância nos crimes de violência doméstica praticados contra a mulher. Vejamos:
"[...] VIAS DE FATO. PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. INAPLICABILIDADE. [...] 1. A jurisprudência desta Corte Superior não admite a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela imprópria no que se refere aos crimes ou às contravenções penais praticados contra mulher no âmbito das relações domésticas, haja vista o bem jurídico tutelado. [...]" (AgRg no AREsp 535917 MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/06/2016, DJe 23/06/2016)
"[...] LESÕES CORPORAIS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA. [...] 1. A jurisprudência do STJ orienta que o princípio da insignificância não se aplica a delitos praticados em ambiente doméstico devido ao relevante desvalor da conduta, mesmo diante da preservação ou do restabelecimento da relação familiar e de o agressor ser dotado de condições pessoais favoráveis. [...]" (AgRg no AREsp 845105 SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 29/04/2016)
A conduta não pode se beneficiar do princípio da insignificância, tendo em vista, que está relacionado com o grau de reprovabilidade da conduta. Sendo um requisito necessário para a aplicação do princípio, o qual não é cumprido quando se trata de violência doméstica e familiar contra a mulher.
4.3 Dos crimes praticados contra a Administração Pública
Havendo todo o conceito acerca do princípio da insignificância, bem como os requisitos necessários para a sua aplicação, veremos agora como funciona a aplicação do princípio no âmbito da Administração Pública.
Segundo o doutrinador Greco (2013, p. 389), os crimes praticados contra a Administração Pública são os mais lesivos, pois são cometidos contra a população no todo, visto que, quando a Administração Pública é afetada, indiretamente a população também sofre com isso. Portanto, são crimes que afetam acertadamente o interesse público no modo geral, sendo o serviço público a sociedade.
Esclarece a súmula 599 do Superior Tribunal de Justiça, que:
O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. (Súmula 599, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017).
Portanto, de acordo com o STJ, o princípio é vedado aos crimes praticados contra a administração pública, entretanto, o Supremo Tribunal Federal é contrário ao posicionamento, considerando a atipicidade no HC107370, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 26/04/2011:
Subtração de objetos da Administração Pública, avaliados no montante de R$ 130,00 (cento e trinta reais). 3. Aplicação do princípio da insignificância, considerados crime contra o patrimônio público. Possibilidade.
Neste caso em análise, o crime cometido não fora suficiente para lesionar a Administração Pública, sendo aplicável o princípio da insignificância.
Ainda, Capez (2018), esclarece que:
Não existe razão para negar incidência nas hipóteses em que a lesão ao erário for de ínfima monta. É o caso do funcionário público que leva para casa algumas folhas, um punhado de clips ou uma borracha, apropriando-se de tais bens.
Dessa forma, elucida que o Direito Penal tutela os bens jurídicos de uma forma objetiva, não o moral.
Por fim, pelo exposto existe controvérsias na doutrina e na jurisprudência acerca da aplicação do princípio da insignificância nos crimes cometidos contra a Administração Pública, que enquanto não decidir com uma regra geral, será necessário a avaliação de todo o caso concreto, sendo indispensável a ponderação de valores em cada situação. Em todo o modo, se o caso analisado gerar lesão a Administração Pública, não será aplicado o princípio da insignificância ou bagatela.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como abordado no presente artigo, verificamos que o princípio da insignificância é um assunto abrangente, onde doutrinadores divergem de alguns pontos e concordam pacificamente em outros. Entretanto, o tema é claro em dizer que esse princípio se aplica em casos em que é ínfima a importância social do crime cometido.
Cada caso ao ter seu pedido de insignificância solicitado, necessita de uma análise avaliadora sobre a concordância ou não deste princípio, afinal, por um lado ao ter seu pedido deferido evita superlotações em presídios, que por se tratar de um caso de ínfima relevância social, não tem lesões, afastando assim a Tipicidade Penal. Contudo, existe divergências entre doutrinadores e desembargadores acerca de casos específicos na sociedade.
O objetivo foi apresentar os requisitos para sua aplicação, a divergência entre casos, como os crimes cometidos contra a Administração Pública e os casos em que já são pacificados os entendimentos em que é vedado o uso do princípio da insignificância.
Vale destacar, que ainda não há uma regra geral que define o uso do princípio da insignificância, sendo algo supralegal, que necessita de doutrinadores e jurisprudências acerca do assunto comentado neste artigo.
Concluísse, portanto, que o princípio da insignificância necessita de uma maior pacificação acerca do tema, pois atualmente cada caso é necessário uma avaliação, sendo que existem divergências relativamente a cada crime ou infração cometida. Assim sendo, o assunto deve ser pacificado e incluído no ordenamento jurídico brasileiro de uma forma mais objetiva, afinal em alguns casos o princípio é deferido e outros casos não, gerando controvérsias no ordenamento jurídico.
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Graduando em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, EDY WILSON DO PRADO. Aplicações do princípio da insignificância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2023, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62219/aplicaes-do-princpio-da-insignificncia. Acesso em: 21 nov 2024.
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