Resumo: As abordagens às vítimas de crimes sexuais são extremamente complexas, tendo em conta a natureza do crime em si, a dinâmica do impacto deste tipo de vitimização e a natureza do processo de investigação judicial. A falta de provas físicas e o sigilo que caracteriza a maioria dos casos de agressão sexual significam que o relato da vítima é muitas vezes a única prova. Considerando que a importância da informação fornecida pelas vítimas nas investigações criminais é relevante implementar estratégias para otimizar a recolha de informação a fim de preservar as provas, por um lado, e prevenir danos secundários, por outro. Neste trabalho a autora examina brevemente a importância das informações fornecidas pelas vítimas como prova forense e em seguida apresentam diretrizes metodológicas para a coleta de informações que devem ocorrer neste tipo de abordagem, utilizando-se de metodologia quantitativa descritiva documental.
Abstract: Approaches to victims of sexual crimes are extremely complex, taking into account the nature of the crime itself, the dynamics of the impacto f this type of victimization and the nature of the judicial investigation process. The lack of physical evidence and the secrecy that chracterizes most sexual assault cases mean that the victims account is often the Only evidence. Considering the impotance of the information provided by victims in criminal investigations, it is importante to implemente strategies to optimize information collection in order to preserve evidence, on the one hand, and prevent secondary damage, on the Other. In this work, the author briefly examines the importance of the information provided by victims as forensic evidence and then presentes methodological guidelines for the collection of informetion that must occur in this type of approach.
Keywords:.Sexual crime. Revictimization. Proof.
Introdução
Coletar informações de vítimas de agressão sexual é um momento importante na ciência forense e investigação criminal. Porque é particularmente importante para identificação do crime e avaliação do caso, verificando inclusive o perfil criminoso do acusado quando se verifica seu modus operandi em casos de crimes continuados.
Embora as provas sejam evidência de violência, iniciar e gerenciar intervenções terapêuticas e proteção as vítimas é fundamental no trato de crimes de natureza sexual, no entanto, diante da sensibilidade da matéria e caso, considerando ainda como os acasos ocorrem na grande maioria das vezes quase que de maneira oculta onde só a vítima possui elementos para provar os crimes visto que não possuem testemunhas é fundamental que o psicológico da ofendida esteja lhe possibilitando falar.
Para isso, importante lembrar constantemente, nesta perspectiva, que o impacto psicológico desse tipo de vitimização varia com o observar das várias circunstâncias, sendo notável a importância do cuidado no trato com a vítima na oportunidade em que se pretende buscar elementos para a configuração do crime.
O autor Kendal (2001) descreve que a grande maioria das vítimas de violência ou crimes sexuais possuem grande efeito psico-emocional negativo, existindo inclusive caso em que muitas não conseguem desenvolver uma vida normal após o trauma recebido pós fato criminoso, poucos são os casos em que vítimas de tais crimes não apresentam nenhum tipo de sintomatologia decorrente da situação passada de abuso.
Para além, a falta de apoio ou um grupo especializado que trate a situação pode desencadear na vítima outros problemas psicológicos para mais do que o trauma vivenciado. De outro lado conforme especifica Mamita (2003), caso a vítima tenha recursos emocionais, familiares e manejo cognitivo eficazes pode ser que não exista a obrigação de um tratamento psicológico.
Ao observarmos casos de violência sexual podemos concluir que mesmo diante de inexistir sintomatologia não diz que a pessoa não esteja passando por severos problemas psicológicos ou que não esteja sofrendo com o grave fatídico que lhe levou a vivenciar uma situação que será repetida por algumas vezes no meio judicial.
Na literatura existe um certo consenso quando se percebe sintomas de vítimas que sofreram violência sexual, como: alteração emocional, baixo nível de tolerância/paciência, angústia, medo, raiva, baixa afetividade, instabilidade emocional, perturbações, ansiedade e por vezes depressão, as consequências podem ser várias conforme a vítima o meio ao qual encontra-se inserida e seu grupo de apoio.
Neste estudo, analisam-se temas relacionados á obtenção de dados como prova forense em crimes sexuais, assim como as circunstâncias e técnicas utilizadas nesse processo de investigação, a fim de otimizar o conhecimento e informar estudos sobre a temática.
Crimes sexuais e vítima mulher
As mulheres por vezes procuram as delegacias para denunciarem crimes por terem sofrido violência sexual, os casos ocorrem também atrelados a outros delitos vitimados também por mulheres e esses casos agora têm ganhado mais repercussão e força diante de muitos julgamentos em que se busca proteger a integridade física das mulheres não só vítimas de tais crimes como vítimas da sociedade em que estão inseridas.
O abuso sexual é muitas vezes motivado pela mera satisfação de lascívia, sendo configurado o crime com o participar ou manter ato sexual de forma indesejada, com uso de força, coerção, meios de intimidação, prática de suborno, ameaça e manipulação, essas são formas, contudo existem inúmeras maneiras de práticas desse crime.
A partir disso, observando o crime de natureza sexual e suas diversas ocorrências e maneiras pode-se traçar um conceito de crime sexual que depois foi melhor desenvolvido com a Lei 12.015 de 2009 que descreveu o crime nomeando um capitulo como crimes contra a dignidade sexual. Neste sentido o doutrinador Gilherme de Souza Nucci, demonstra, veja:
[...] busca-se proteger a respeitabilidade do ser humano em matéria sexual, garantindo-lhe a liberdade de escolha e opção nesse cenário, sem qualquer forma de violência. [...]. A dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) envolve, por óbvio, a dignidade sexual. (NUCCI apud MIRANDA, 2013).
Desta feita, podemos perceber o novo enfoque dado pelo legislador em relação a esses crimes, quando o bem jurídico tutelado é a integridade e dignidade sexual, verificando agora a relevância do bem jurídico tutelado para que a repressão seja mais eficaz.
No Brasil tais crimes pertencem ao título VI do Código Penal, que geralmente protege a sexualidade. Contudo, vale ressaltar que neste trabalho, alguns desses crimes são, como explica Israel Jorio (2019, p. 26), realmente “crimes sexuais”, correspondendo a crimes contra a liberdade sexual e a dignidade humana sexual.
Além disso, limita-se aos crimes sexuais praticados contra a mulher, foco deste estudo, e, portanto, aos seguintes crimes de violência sexual como estupro, assédio sexual e importunação sexual, visto que tais infligem diretamente a dignidade da pessoa humana e a garantia da inviolabilidade de seu corpo.
Tais crimes são um verdadeiro alerta, não só pelos grandes números de ocorridos que causam temor, mas também pela forma do cometimento. Por exemplo, no Brasil em 2019, ocorreu cerca de 1 (um) estupro a casa 8 minutos, e foram feitos cerca de 66.348 boletins de ocorrência, e desses a grande maioria é em desfavor de mulheres, tais dados são elaborados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Vale ressaltar que esses números apenas dão uma visão geral da situação, tendo em vista que apenas parte dos casos é denunciada às autoridades, pois esses crimes também são chamados de ocultos visto que infelizmente muitos ocorrem totalmente de forma clandestina, sem se reconhecer seus autores de outra banda uma parte significativa do não registro deve-se à vergonha ou culpa que as mulheres sentem ou carregam consigo quando são vítimas deste crime.
A abordagem do país aos casos de violência sexual tem variado ao longo dos anos, mas o elevado número de casos, em contraste com o baixo número de queixas, investigações e ações judiciais, é motivo de preocupação.
Um grande problema enfrentado é que a violência praticada no âmbito sexual não afeta apenas a saúde em si, corporal como também a mental, e por esse motivo é muito importante o bom trato durante a faze processual, possibilitando o falar e acolhendo vítimas de estupros para assim reduzir as percas já ocorridas. Contudo, sabemos que não é uma tarefa fácil, porque o “medo” das mulheres dentro do sistema penal decorre de um problema caracterizado por uma visão societária que permeia a sociedade até hoje e gira em torno do patriarcado, do machismo e da subjugação das mulheres.
A desigualdade de direitos entre os sexos não é algo novo, pois prevalece tanto nas sociedades antigas como nas modernas. Isto porque ainda hoje, quando todos os direitos constitucionais fundamentais são respeitados e toda a abordagem e atenção é dada aos direitos humanos e à igualdade de género, ainda existem diferenças na realidade social que permeiam a situação de homens e mulheres, quer nos salários da mesma profissão ou na representação política ou numa quantidade surpreendente de violação doméstica e sexual, a grande maioria das quais são vítimas do sexo feminino.
Esta discrepância entre o plano esperado por equidade e a realidade deve-se, portanto, de uma estrutura social construída sobre o machismo e o patriarcado, que subordina as mulheres e limita as roupas que vestem e até os espaços onde podem viver e conviver, trabalhar, estudar e assim por diante.
O primeiro ato considerado de violência, baseia-se naquelas ideias enraizadas na sociedade, violência simbólica que analisa e “corta” constantemente o discurso e as ações das mulheres em busca de um modelo de “mulher perfeita” que deve seguir alguma linha objetiva traçada e não sentir e seguir sua convicção e natureza. Desta feita, descreve Pierre Bourdieu:
A determinação e observação constante dos atos femininos conspiram para criar mulheres dóceis, amáveis, sensuais, delicadas, comportadas, submissas, disciplinadas, cuidadosas, sentimentais e, por tudo isso, menores. As mulheres desviantes desse padrão são vítimas da violência simbólica, já que são essas as virtudes que elas podem esperar que os homens reconheçam (BOURDIEU apud CABALLERO, 2016, p.54).
É precisamente neste universo que surge o discurso inverso da “culpa” entre o agressor e a vítima, segundo o qual uma mulher que se não tenha as características descritas acima referidas está a “pedir” que um delito ocorra. Desta feita, os delitos sexuais a ter um significado natural de controle cultural sobre as mulheres, e não apenas de desvio individual do agressor, confirmando o que hoje é considerado uma “cultura da violação” que pode ser também aplicada a outros crimes sexuais, esta ideia torna-se real quando a pensamos num momento prático.
Por exemplo, no caso do crime de roubo ou outro qualquer contra o patrimônio em que podemos observar o seu contexto geral e não a característica da vítima, a família da vítima, a conduta da vítima, como a vítima se vestia no momento do fato. Não há dúvidas sobre a origem da vítima e os motivos que deram ensejo ao crime.
O olhar é diferente quando se observa delitos sexuais. A situação tem outro sentido, não só para controlar a ação, mas também para investigar o passado da vítima, ou seja, do “aparente”, não é sempre que uma mulher é considerada questionável à luz dos factos e é feito um resumo da sua história, contudo quase que sempre se busca saber da vítima.
Essa busca pela vítima pode reativar o trauma original e causar danos adicionais à saúde mental, emocional e física. A revitimização também pode levar a sentimentos de vergonha, isolamento social e medo de buscar auxílio e apoio, o que pode prejudicar seu processo de recuperação.
A busca pela vida pregressa da vítima explora a imagem da mulher identificando com quem se relaciona, com quem sai, frequenta quais lugares, o que costuma vestir para só assim dar uma finalmente “pacote” que determine o modelo social da mulher vitimada, o que vem a causar no agressor um sentimento de apoio a sua conduta, e ainda mais, podemos pontuar que muitas vezes dependendo do agressor sua conduta não é reprovada trata-se apenas de um comportamento inadequado, querendo muitas vezes se excluir o crime e minimizar sua gravidade. Neste pensar os autores Georges Vigarello e Lucy Magalhães destacam:
A qualidade da pessoa a quem a violência é feita aumenta ou diminui o crime. Assim, uma violência feita a uma escrava ou a uma doméstica é menos grave que a feita a uma moça de condição honesta. A distância social modula a escala de gravidade dos crimes em uma sociedade de classes, distribuindo o peso das violências segundo a condição de suas vítimas. A posição social é decisiva. A dignidade do ‘ofendido’ orienta o cálculo e indica a extensão do mal (VIGARELO apud SOUZA, 1998, p. 23).
Com isso, mesmo sendo vítima muitas vezes o sentimento é de incriminamento sofrido pela própria vítima do fato, diante de tantas perguntas ao caso que já é grave, com isso, a visão de observar a vítima como vítima é fundamental, passar a observar com cuidado os fatos e fazer perguntas a fim de minimizar a dor do sofrimento ao lembrar do caso é muito importante para a atuação penal.
Isso porque a revitimização pode ocorrer de várias maneiras. Durante os interrogatórios policiais ou depoimentos em tribunal, as vítimas podem ser submetidas a questionamentos invasivos, humilhantes ou que culpabilizem a vítima. Além disso, as vítimas podem sentir a pressão de lidar com a falta de apoio adequado, ceticismo ou descrença em relação ao seu relato, falta de confidencialidade ou exposição desnecessária durante o processo legal.
Assim, o necessário seria uma pré consulta psiquiátrica com a vítima para que se pudesse mensurar a gravidade dos danos sofridos pelo crime para só depois se investir em perguntas objetivas sobre o dia do crime, além disso, possibilitar conforto pessoal para que a vítima seja ouvida por psicólogos e pessoas especializadas em crimes desta natureza seria uma saída eficaz para a minimização de revitimazação.
Além disso, a conscientização pública também desempenha um papel fundamental na prevenção da revitimização. É necessário promover a compreensão da natureza dos crimes sexuais e combater os estigmas associados às vítimas, para que elas se sintam seguras para denunciar e buscar o auxílio necessário.
Conclusão
Assim, pelo estudo ficou evidente a dificuldade que a mulher vítima de violência sexual encontrar um maior apoio diante do contexto que ainda vivemos embora já tenha muito se modificado diante da intenção do legislador de trazer inovação jurídica ao coibir vários crimes sexuais na tentativa de acompanhar a evolução da sociedade.
Além disso, podemos levantar que existia uma grande distancia da Lei Penal e o vivenciado pela sociedade o que veio a se modificar com as reformas ocorridas e mencionadas no texto, com isso a revitimização em casos de crimes sexuais contra a mulher neste estudo referiu-se à experiência de sofrer repetidamente os efeitos traumáticos desse crime ao longo do processo de justiça criminal ou no sistema de apoio à vítima. Enquanto as vítimas buscam justiça, apoio e recuperação, elas muitas vezes enfrentam desafios adicionais que intensificam sua dor e dificultam a sua cura.
Para combater a revitimização, é essencial que sejam implementadas medidas adequadas de apoio às vítimas de crimes sexuais. Isso inclui a formação adequada de profissionais envolvidos no processo, como policiais, promotores e juízes, para que tenham sensibilidade e empatia ao lidar com vítimas de crimes sexuais. Além disso, é importante garantir que os serviços de apoio às vítimas estejam disponíveis e acessíveis, oferecendo acompanhamento emocional, aconselhamento psicológico e orientação jurídica ao longo de todo o processo.
A revitimização em casos de crimes sexuais contra mulheres é uma realidade preocupante que precisa ser enfrentada. É fundamental que a sociedade, os profissionais de justiça criminal e a mídia adotem medidas para prevenir a revitimização, proporcionando um ambiente mais seguro, compassivo e empático para as vítimas. Somente assim podemos garantir que as mulheres tenham acesso à justiça e ao apoio necessários para se recuperarem do trauma e reconstruírem suas vidas.
Assim ao lidar com casos de crimes sexuais contra a mulher, é crucial adotar abordagens empáticas, baseadas em evidências e centradas nas necessidades das vítimas. Somente dessa forma será possível minimizar a revitimização e auxiliar as vítimas em seu processo de recuperação.
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Mestranda em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Estado do Tocantins -UFT (2022-2024). Especialista pós-graduada em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho, Direito Previdenciário pela Faculdade de Imperatriz - FACIMP (2012-2014) e Especialista pós-graduada em Docência do Ensino Superior pela Faculdade de Educação Memorial Adelaide Franco - FEMAF (2021-2022). Graduada em Direito pela Faculdade de Educação Santa Terezinha - FEST(2012). Aprovada no VIII exame da Ordem dos Advogados do Brasil, habilitada em (2012). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo, Direito Penal, Processo Penal e Gestão Publica, desenvolvendo trabalhos e estudos nessas áreas. Após período de dedicação e aprimoramento profissional assumiu o cargo de Assessor Jurídico no Ministério Público do Estado do Maranhão (2013 até o momento).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANCO, Clareana Maria Guimarães. Crimes sexuais: revitimização da vítima Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2024, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65803/crimes-sexuais-revitimizao-da-vtima. Acesso em: 21 nov 2024.
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