RESUMO: O presente artigo aborda o fenômeno social do bullying, caracterizado por comportamentos agressivos, intencionais e repetidos, analisando sua origem, seus personagens, suas espécies e consequências. Após, o presente trabalho destaca as responsabilidades civil e penal associadas ao bullying. A responsabilidade civil recai sobre os pais dos agressores, mas principalmente sobre as instituições de ensino, com base nos artigos 927 e 932, ambos do Código Civil. No que tange à responsabilidade penal, este trabalho vai tratar do tema sob o ponto de vista do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como sobre as legislações específicas sobre o tema (Lei n. 13.185/2015 e Lei n. 14.811/2024). Por fim, o presente trabalho aborda alguns aspectos da prevenção do bullying, a qual exige uma abordagem abrangente, incluindo programas de conscientização, treinamento de professores e funcionários das instituições de ensino, com criação de canais seguros para que haja a denúncia desse comportamento agressivo. A finalidade da responsabilidade jurídica, bem como formas de prevenção do bullying é para a promoção de um ambiente escolar seguro e respeitoso, destacando a importância do trabalho conjunto e compromisso coletivo para a eliminação definitiva da prática do bullying.
Palavras-chave: Bullying. Comportamentos agressivos. Instituições de ensino. Responsabilidade Civil. Responsabilidade Penal. Legislação. Prevenção.
ABSTRACT: This article addresses the social phenomenon of bullying, characterized by aggressive, intentional and repeated behaviors, analyzing its origin, its characters, its species and consequences. Afterwards, this paper will highlight the civil and criminal responsibilities associated with bullying. With regard to criminal liability, this work will deal with the subject from the point of view of the Statute of the Child and Adolescent, as well as the specific legislation on the subject (Law No. 13,185/2015 and Law No. 14,811/2024). Civil liability falls on the parents of the aggressors, but mainly on educational institutions, based on articles 927 and 932, both of the Civil Code. Finally, the present work will address some aspects of bullying prevention, which requires a comprehensive approach, including awareness programs, training of teachers and employees of educational institutions, with the creation of safe channels for reporting this aggressive behavior. The purpose of legal responsibility, as well as forms of bullying prevention, is to promote a safe and respectful school environment, highlighting the importance of joint work and collective commitment for the definitive elimination of the practice of bullying.
Keywords: Bullying. Aggressive behaviors. Educational institutions. Liability. Criminal Liability. Legislation. Prevention.
Sumário: Introdução. 1. Conceito de Bullying. 1.1. Origem do Bullying. 1.2. Espécies de Bullying. 2. Personagens do Bullying. 3. Causas e Consequências do Bullying. 4. Responsabilidade civil no Bullying. 4.1. Responsabilidade dos pais. 4.2. Responsabilidade das instituições de ensino. 5. Responsabilidade Penal no Bullying. 5.1. Responsabilidade penal segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). 6. Legislação específica sobre o Bullying. 6.1. Lei n.13.185/2015. 6.2. Lei n. 14.811/2024. 7. Prevenção do Bullying. 8.Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O bullying é um fenômeno social que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente crianças e adolescentes em idade escolar.
Trata-se de atos de agressão física ou psicológica, intencionais e repetitivos, que visam intimidar ou humilhar a vítima.
O presente trabalho tem por objetivo explorar as dimensões do bullying e as responsabilidades jurídicas associadas a ele, analisando tanto a legislação vigente sobre o tema, quanto a jurisprudência.
Por fim, este trabalho aborda algumas formas de prevenção do bullying e para a promoção de um ambiente escolar seguro e respeitoso, destacando a importância do trabalho conjunto e compromisso coletivo para a eliminação definitiva da prática do bullying.
1.CONCEITO DE BULLYING
Bullying é uma palavra de origem inglesa que designa atos de agressão e intimidação repetitivos contra um indivíduo que não é aceito por um grupo, geralmente na escola.[1]
A Lei nº 13.185, em vigor desde 2016, classifica o bullying como intimidação sistemática, quando há violência física ou psicológica em atos de humilhação ou discriminação. A classificação também inclui ataques físicos, insultos, ameaças, comentários e apelidos pejorativos, entre outros.[2]
Bullying, portanto, é uma forma de violência caracterizada por comportamentos agressivos, intencionais e repetitivos, direcionados a uma pessoa ou a um grupo, visando causar danos físicos, emocionais ou psicológicos. Esse comportamento pode ocorrer em diversos contextos, como escolas, universidades, locais de trabalho e até na internet.
Gabriel Chalita[3] explica que:
A palavra bullying é um verbo derivado do adjetivo inglês bully, que significa valentão, tirano. É o termo que designa o hábito de usar a superioridade física para intimidar, tiranizar, amedrontar e humilhar outra pessoa. A terminologia é adotada por educadores, em vários países, para definir o uso de apelidos maldosos e toda forma de atos desumanos empregados para atemorizar, excluir, humilhar, desprezar, ignorar e perseguir os outros.
O fenômeno bullying não escolhe classe social ou econômica, escola pública ou privada, ensino fundamental ou médio, área rural ou urbana. Está presente em grupos de crianças e de jovens, em escolas de países e culturas diferentes.
Sem equivalência na língua portuguesa, adotamos, no Brasil, o termo inglês bullying, que na França chamam de harcèlement quotidien, na Itália de prepotenza ou mesmo de bullismo, no Japão de ijime, na Alemanha de agressionen unter schülern e em Portugal de maus-tratos entre os pares. Muitos pesquisadores definem o fenômeno bullying como violência moral (uma adaptação do francês assédio moral).
Assim, o bullying é um fenomeno que é caracterizado por um desequilíbrio de poder entre os agressor e a vitima, pois essa encontra dificuldades para se defender.
1.1 ORIGEM DO BULLYING
A palavra bullying é um verbo derivado do adjetivo inglês bully, que significa valentão, tirano. É o termo que designa o hábito de usar a superioridade física para intimidar, tiranizar, amedrontar e humilhar outra pessoa. A terminologia é adotada por educadores, em vários países, para definir o uso de apelidos maldosos e toda forma de atos desumanos empregados para atemorizar, excluir, humilhar, desprezar, ignorar e perseguir os outros.[4]
O primeiro relato de uma vítima de bullying se tornando violenta e atirando em seu algoz ocorreu um 1862. A história de John Flood foi detalhada em um artigo no The Times (Londres) em agosto de 1862. Ele foi vítima de um "bullying longo, maligno e sistemático"; e chegou a ser condenado e sentenciado à morte, mas como ele era conhecido por ser um homem de gentil disposição por todos que ele entrou em contato, sua sentença foi anulada pela Rainha. O comportamento do bullying foi caracterizado pela primeira vez como parte da experiência das crianças em um artigo de 1897 intitulado "Provocação e Bullying" e desde então este tópico tem sido pesquisado e explorado por acadêmicos.[5]
Em obras literárias, as crianças têm sido apontadas e assediadas desde o início dos tempos. No livro escrito por Charles Dickens e publicado em 1838, Oliver Twist foi um dos primeiros romances na língua inglesa a se concentrar no bullying e maus tratos criminosos de uma criança protagonista. O comportamento do bullying foi caracterizado pela primeira vez como parte da experiência das crianças em um artigo de 1897 intitulado "Provocação e Bullying" e desde então este tópico tem sido pesquisado e explorado por acadêmicos.[6]
Os primeiros estudos sobre o tema foram realizados no ano de 1997, pela docente Marta Canfield, e até os dias atuais este tem sido um assunto bastante abordado em reuniões pedagógicas por todos aqueles que constituem o corpo escolar, bem como em inúmeras discussões desenvolvidas por turmas de cursos de licenciaturas e, ainda, por vários estudiosos da Educação, da Sociologia e da Psicologia, para a construção de trabalhos de caráter científico.[7]
No cenário brasileiro, foi, sobretudo, na década de 1990 que o bullying passou a ser discutido, mas foi, a partir de 2005, que o tema passou a ser objeto de discussão em artigos científicos (Lopes, 2005). [8]
Embora os estudos sobre o bullying escolar no Brasil sejam recentes, o fenômeno é antigo e preocupante, sobretudo em função de seus efeitos nocivos.
A origem do conceito de bullying pode ser interpretada por meio de diversas disciplinas, tais como, psicologia, sociologia e pedagogia.
O fato é que durante grande parte da história, a prática de comportamentos agressivos entre crianças e adolescentes era frequentemente vista como “brincadeira” ou até como parte normal do desenvolvimento.
Contudo, após o agravamento das agressões e a ocorrência de eventos mais sérios, houve o reconhecimento de toda a sociedade no sentido de que o bullying é um problema sério e precisa de intervenção.
1.2 ESPÉCIES DE BULLYING
O bullying pode se manifestar de várias maneiras, sendo de extrema importância a identificação de suas diferentes formas, até para que haja o efetivo combate dessa prática.
Dessa forma, o bullying se caracteriza por agressões físicas (chutes, socos, tapas, empurrões, dentre outros), por agressões psicológicas (ameaça, perseguição, exclusão, humilhações e isolamento), agressões verbais (xingamentos, apelidos e avaliações negativas), sexuais (quando há assédio ou até abuso da vítima), cyberbullying (quando há o uso de tecnologia ou de redes sociais para as agressões, por exemplo, mensagens ameaçadoras, compartilhamento de fotos ou vídeos embaraçosos sem o consentimento da vítima ou, ainda, a disseminação de boatos online), materiais (se há furto ou roubo de pertences ou quando esses são destruídos pelo agressor), social (quando o agressor espalha mentiras ou informações falsas para danificar a imagem da vítima e, assim, encoraja o grupo para evitar ou até excluir a vítima), xenofóbicos (quando há humilhação em decorrência de religião ou origem), racistas (em decorrência de cor ou raça) e, por fim, morais (quando há calúnia, injuria ou difamação da vítima).[9]
Gabriel Chalita na obra “Pedagogia da Amizade”[10] classifica as agressões do bullying em direto e indireto:
O bullying direito é mais comum entre os agressores meninos. As atitudes mais frequentes identificadas nessa modalidade são os xingamentos, tapas, empurrões, murros, chutes e apelidos ofensivos repetitivos.
[...]
O bullying indireto, por sua vez, é mais comum entre o sexo feminino e as crianças menores. Caracteriza-se basicamente por ações que levam a vítima ao isolamento social. As estratégias utilizadas são difamações, boatos cruéis, intrigas e fofocas, rumores degradantes sobre a vítima e familiares, entre outros. Os meios de comunicação costumam ser eficazes na prática do bullying indireto, pois propagam, com rapidez e dimensões incalculáveis, comentários cruéis e maliciosos sobre a pessoa.
Como visto, os atos de violência do bullying podem ser praticados de diversas formas, e, também, quando praticados, podem envolver um ou mais tipos de bullying (exemplo, a vítima pode sofrer ao mesmo tempo, bullying psicológico e social ou outros), sendo tal prática, extremamente prejudicial para o desenvolvimento saudável dos jovens.
2.PERSONAGENS DO BULLYING
No contexto do bullying, existem vários personagens, os quais são fundamentais para entender sua dinâmica e, com isso, desenvolver estratégias eficazes de combate.
O primeiro personagem é o agressor, o “bully”, que é a pessoa que inicia e perpetua o comportamento agressivo. A motivação do agressor é a necessidade de poder e controle, ele pode usar força física, palavras ou até manipulação psicológica para dominar ou humilhar a vítima.
Esse agressor pode ter problemas com a família, de autoestima ou alguma necessidade de afirmação social para agir dessa forma.
Os agressores, segundo Ana Beatriz Barbosa Silva[11]:
[...] não aceitam ser contrariados ou frustrados, geralmente, estão envolvidos em pequenos delitos, como furtos, roubos ou vandalismo, com destruição do patrimônio público ou privado. O desempenho escolar desses jovens costuma ser regular ou deficitário, no entanto, em hipótese algum, isso configura uma deficiência intelectual ou de aprendizagem por parte deles. Muitos apresentam, nos estágios iniciais, rendimentos normais ou acima da média. O que lhes falta, de forma explícita, é afeto pelos outros. Essa afetividade deficitária (parcial ou total) pode ter origem em lares desestruturados ou no próprio temperamento do jovem.
O segundo personagem importante é a vítima. A vítima é a pessoa que sofre as agressões do bullying e geralmente é escolhida por várias razões, diferenças físicas, emocionais, sociais e até culturais.
Gabriel Chalita explica que, na maioria das vezes, as vítimas do bullying são pouco sociáveis, inseguros, retraídos e de baixa autoestima.[12]
Ana Beatriz Barbosa Silva[13] classifica a vítima em típica, provocadora e agressora. A vítima típica é o aluno que apresenta pouca habilidade de socialização. Em geral, é tímido ou reservado e não consegue reagir aos comportamentos provocadores e agressivos dirigidos contra ele.
Por outro lado, a vítima provocadora é aquela capaz de insuflar em seus colegas reações agressivas contra si mesmo. São crianças ou adolescentes hiperativos e impulsivos e/ou imaturos, que criam, sem intenção explícita, um ambiente tenso na escola. Sem perceberem, as vítimas provocadoras acabam “dando tiro nos próprios pés”, chamando a atenção dos agressores genuínos.[14]
Já, a vítima agressora é aquela que reproduz os maus-tratos sofridos como forma de compensação. Ou seja, ela procura outra vítima, ainda mais frágil e vulnerável, com o propósito de descontar todas as agressões sofridas.[15]
Por fim e não menos importante, a peça-chave para o acontecimento do bullying é a plateia. O agressor precisa de plateia para agir e continuar os atos.
A plateia geralmente se configura pela maioria dos alunos, que assiste ao bullying, sem nenhuma reação ou intervenção.
Essa plateia se forma por alunos, mas também pelos professores e funcionários da instituição de ensino e até pela família, que recebem as reclamações das vítimas, porém, não agem para cessar a agressão.
A plateia, portanto, sabe da agressão e que, apesar de não interferir e não participar dela, também não acolhe a vítima de forma apropriada ou mesmo toma alguma atitude de modo a interromper a violência.
3.CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO BULLYING
As causas do bullying geralmente estão associadas ao comportamento e características da vítima. São alunos com falta de habilidade em algum esporte, aparência não compatível ao padrão da maioria, ou ausência ou muita capacidade intelectual, ou em razão da raça, religião e preferência sexual. Enfim, quando as características do aluno não se enquadram com a maioria, ou o padrão, esse aluno acaba sofrendo exclusão ou agressão.
Já, as consequências são inúmeras, podendo iniciar com o isolamento, depressão, queda no rendimento escolar e, nos casos mais graves, até suicídio da vítima.
Ana Beatriz Barbosa Silva[16] entende que cada vítima pode desenvolver uma reação específica diante do bullying. Segundo a autora:
Encontramos, ainda, aqueles jovens que carregam consigo os traumas da vitimização para a vida adulta. Eles se tornam adultos ansiosos, inseguros, depressivos ou mesmo agressivos. [...] uma parcela de crianças e adolescentes também podem desenvolver transtornos psiquiátricos sérios, como pânico, depressão, bulimia, anorexia, ansiedade generalizada, fobias, psicoses, entre outros.
Outros chegam a atos extremos, provocando outros tipos de tragédias pelo anseio de se vingar das humilhações vividas.[17]
O que se verifica, portanto, é que as causas para o bullying geralmente são banais, muito evitáveis se tivesse maior conscientização por parte de professores e funcionários das instituições de ensino, enquanto as consequências são gravíssimas, muitas vezes, podendo chegar à morte da vítima, do agressor ou até podendo se transformar em atentados, como os famosos casos de Suzano, Realengo e Combine.[18]
A importância desse trabalho de prevenção feita pelo professor e pela instituição de ensino é tratada por Philippe Perrenoud com uma das competências essenciais à atividade docente. Segundo o autor[19]:
Podem-se considerar as cinco competências específicas fixadas pelo referencial aqui adotado como outros tantos recursos de uma educação coerente com a cidadania: prevenir a violência na escola e fora dela; lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais; participar da criação de regras de vida comum referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta; analisar a relação pedagógica, a autoridade e a comunicação em aula e desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.
A partir dos próximos tópicos, este trabalho trata das consequências do bullying na espera jurídica de todos os envolvidos.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL NO BULLYING.
O artigo 927, do Código Civil, assim dispõe: “aquele que, por ato ilícito (artigos 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Vale, ainda, transcrever o artigo 186 do mesmo Código Civil: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
O bullying, caracterizado como atos de agressão de forma injusta e repetitiva contra um indivíduo pode ser classificado como ato lícito, nos termos do referido artigo 186, do Código Civil. Além disso, essa agressão causa diversos danos físicos e morais à vítima. A ocorrência de bullying, portanto, é punível na esfera cível, nos termos do aludido artigo 927.
A responsabilidade civil é a aplicação de medidas coercitivas contra uma pessoa, para que esta repare os prejuízos materiais ou morais, em razão da prática de ato ilícito. No caso do bullying, além da esfera física, grande parte dos danos é na esfera moral e psíquica da vítima.
Arnoldo Medeiros da Fonseca[20] defende que o dano moral, na esfera do Direito, reflete todo sofrimento humano resultante de lesão de direitos estranhos ao patrimônio, encarado como complexo de relações jurídicas com valor econômico. Configuram danos morais, a título de exemplo, a lesões aos direitos políticos, aos direitos inerentes à personalidade humana, aos direitos de família, bem como lesões causadoras de sofrimento moral ou dor física, sem atenção aos respectivos reflexos no campo econômico.
Na esfera física, as agressões podem causar lesões que variam em gravidade, podendo ser leves ou mais graves, resultando em incapacidades temporárias ou permanentes.
Para isso, os artigos 949 e 950, ambos do Código Civil preveem o seguinte:
Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.
Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.
Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez”.
Dessa forma, o Código Civil trouxe algumas formas de indenização quando uma pessoa provoca lesão corporal em alguém, por exemplo, o pagamento do tratamento e de lucros cessantes até a melhora dos sintomas, incluindo o pagamento de pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, em decorrência da lesão que sofreu.
Diante desses conceitos, importante destacar as pessoas que serão penalizadas civilmente na prática de bullying.
4.1 RESPONSABILIDADE DOS PAIS
Geralmente, o bullying é praticado por menores, uma vez que ocorre, na maioria das vezes, nas instituições de ensino ou em outros locais de convivência de crianças e adolescentes. Como visto, essa prática pode envolver agressões físicas, verbais, psicológicas ou até cyberbullying (em ambiente virtual.
Nesse cenário, sendo o bullying é ato ilícito, a questão primordial que se coloca é acerca da pessoa que responderá civilmente pela prática desse ato, pois geralmente o bullying envolve menores de idade (tanto as vítimas, quanto agressores).
Maria Helena Diniz[21] explica que “sendo o dano um pressuposto da responsabilidade civil, será obrigado a repará-lo aquele a quem a lei onerou com tal responsabilidade, salvo se ele puder provar alguma causa de escusa”.
Os pais serão responsáveis pelos atos ilícitos cometidos por seus filhos menores que estão sob sua guarda.
O artigo 932 do Código Civil estabelece que os pais são responsáveis pelos atos ilícitos praticados pelos filhos menores que estão sob sua autoridade e em sua companhia. Ou seja, se um filho menor cometer bullying, os pais podem ser responsabilizados pelos danos cíveis causados à vítima.
Por sua vez, o artigo 933, do Código Civil, seguindo a mesma linha, afirma que a responsabilidade dos pais ocorre independente de culpa, ou seja, de forma objetiva. Assim, mesmo que os pais não tenham agido com negligência ou imprudência, os pais serão responsáveis pelos atos dos filhos.
Importante destacar que os pais podem ser biológicos, adotivos ou até as pessoas responsáveis pelos filhos menores responderão civilmente pelos menores que praticarem bullying, o importante é que são pessoas que convivem e exercem autoridade sobre os menores.
Pontes de Miranda[22] entende que "a culpa do responsável consiste em não haver exercido, como deveria, o dever de vigiar, de fiscalizar (culpa in vigilando) ou de não haver retirado do serviço ou de haver aceito quem não podia exercer com toda correção o encargo (culpa in eligendo)”.
Silvio de Salvo Venosa[23], da mesma forma, entende que, “os pais têm poder de autoridade sobre seus filhos menores, devendo, portanto, serem responsabilizados civilmente pelos atos ilícitos praticados por esses filhos menores ou emancipados, mesmo que eles, pais, não tenham concorrido de qualquer forma para o acontecimento dos fatos e, ainda, não têm o direito de reaver dos filhos a quantia paga a título de indenização a terceiro”.
Assim, os pais são responsáveis por seus filhos menores, salvo se, na impossibilidade, o próprio menor tenha capacidade para ressarcir a vítima. Nesse sentido, o artigo 928, do Código Civil, prevê que:
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.
Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem.
Assim, nos termos do referido artigo 928, do Código Civil, o próprio incapaz poderá responder pelos prejuízos causados, mas, desde que, tal reparação não traga privação do necessário ao incapaz ou às pessoas que dele dependam.
A próxima pergunta que se coloca, é a seguinte, e as instituições de ensino, sejam públicas ou privadas, também devem responder civilmente pelo bullying, quando esse é praticado no ambiente da escola? A resposta a essa questão será objeto do próximo tópico desse trabalho.
4.2 RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO
As escolas, sejam elas públicas ou privadas, têm o dever de zelar pela integridade física e psicológica de seus alunos durante o período que estão sob sua guarda.
Quando se trata de instituição de ensino privada, há um contrato particular entre a instituição e o aluno (e seu responsável financeiro), pois há uma contraprestação financeira em decorrência dos servidos educacionais prestados. Aplica-se, portanto, o Código de Defesa do Consumidor nessa relação. Nesse sentido, o artigo 14, prevê que: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
Aplica-se, portanto, tanto o Código Civil, como o Código de Defesa do Consumidor e a instituição de ensino privada deve ser responsabilizada em caso de bullying. Nesse sentido, vale transcrever um julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso[24]:
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS – BULLYING – DISCRIMINAÇÃO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL – TEMPESTIVIDADE RECURSAL – RETIRADA DOS AUTOS EM CARTÓRIO – SUSPENSÃO DO PRAZO RECURSAL – PROVAS CONTUNDENTES DA EXISTÊNCIA DE INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA DA ESTUDANTE – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO – NEGLIGÊNCIA NA PREVENÇÃO E COMBATE À VIOLÊNCIA – DANO MORAL COMPROVADO – INDENIZAÇÃO - VALOR ADEQUADAMENTE FIXADO – MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – IMPOSSIBILIDADE – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS DESPROVIDOS.(Apelação Cível n. 0021702-13.2011.8.11.0041, SERLY MARCONDES ALVES, QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 01/02/2017, publicado no DJE 08/02/2017)”. (grifos nossos).
Portanto, a responsabilidade civil das instituições privadas de ensino é objetiva.
Nas escolas públicas, há uma prestação de serviços público e, por isso, aplicável o artigo 22, do Código de Defesa do Consumidor, o qual vale transcrever: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código”.
Além disso, o artigo 37, § 6, da Constituição Federal prevê que: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Assim, a responsabilidade do Estado diante da prática do bullying também será objetiva. O ente público, portanto, deverá ressarcir a vítima e posteriormente, poderá exercer o direito de regresso contra o agente causador do dano (artigo 934, do Código Civil).
Porém, com relação ao Estado, a responsabilidade é subjetiva, ou seja, a vítima precisa comprovar o ato ou fato comissivo ou omissivo atribuído ao Poder Público, o dano material ou moral e, por fim, o nexo de causalidade entre o ato ou fato atribuído ao ente público.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça[25], por meio de decisão monocrática definiu o seguinte:
APELAÇÕES CÍVEIS - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS –INSTITUIÇÃO DE ENSINO DA REDE PÚBLICA ESTADUAL - BRIGA DE ALUNOS - INTIMIDAÇÃO SISTEMÁTICA NAS REDES SOCIAIS ("CYBERBULLYING") - MORTE NAS DEPENDÊNCIAS DA ESCOLA - RESPONSABILIDADE - CONDUTA OMISSIVA - RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO MUNICÍPIO - DEVER DE VIGILÂNCIA - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR - MORTE DO FILHO: DANO MORAL PRESUMIDO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - FAMÍLIA DE BAIXA RENDA - DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA - DANOS MATERIAIS INDENIZÁVEIS - PENSIONAMENTO MENSAL. 1- A responsabilidade civil do ente público exige a prova de três pressupostos, que são o fato administrativo - comissivo ou omissivo, legítimo ou ilegítimo, singular ou coletivo atribuído ao Poder Público -, o dano material ou moral e o nexo causal entre o fato administrativo e o dano; 2- Nos termos da Lei n° 13.185/15, é dever da instituição de ensino combater a violência e a intimidação sistemática ("bullying" e cyberbullying"); 3- O estabelecimento de ensino tem o dever de guarda e preservação da integridade física dos seus alunos, devendo ter atuação preventiva para evitar danos ou ofensas aos estudantes; 4- De acordo com a prova dos autos, um aluno que praticava intimidação sistemática ("cyberbuilying") à colega de sala foi vítima de golpe de faca este nas dependências da instituição de ensino da rede pública estadual, durante intervalo das aulas, o que causou àquele hemorragia interna aguda e o levou a óbito; 5- O dano moral indenizável é aquele capaz de atingir profundamente a esfera subjetiva da pessoa, causando-lhe grave dor interna, angústia ou sentimento de impotência, capaz de lhe subtrair a própria dignidade; 6- Em caso de morte do filho o dano moral é presumido; 7- É entendimento do Superior Tribunal de Justiça é devida a indenização por dano material, consistente em pensionamento mensal, aos genitores de menor falecido, mesmo que este não exerça atividade remunerada, porque se presume ajuda mútua entre os integrantes de famílias de baixa renda (Aglnt no AREsp 1198316/AC, Rel. Min. OG FERNANDES, T2. OJe 25/0512018); 8- Nos termos da jurisprudência do STJ, em caso de morte de filho o pensionamento aos pais ocorre desde o sinistro, com 213 do salário-mínimo, até que completasse 25 anos, a partir de quando será de 113 do salário até a data em que a vítima fizesse 65 anos (grifos nossos).
Assim, comprovada a ação ou omissão da instituição de ensino em tomar as medidas necessárias para impedir a ocorrência do bullying, a responsabilidade do ente público é subjetiva.
Dessa forma, há responsabilidade civil das instituições de ensino, sejam elas particulares ou públicas. Isso porque, as escolas têm o dever de assegurar um ambiente seguro e saudável para os alunos. As escolas devem agir com vigilância e cuidado, supervisionado e protegendo os alunos de atos de violência, agressões e comportamentos abusivos, como o bullying.
Definida a responsabilidade civil, importante delimitar a responsabilidade penal acerca do bullying.
5.RESPONSABILIDADE PENAL NO BULLYING
O bullying, como visto, é conjunto de violências que se repetem por algum período. Geralmente são agressões verbais, físicas e psicológicas que humilham, intimidam e traumatizam a vítima. Os danos causados pelo bullying podem ser profundos, como a depressão, distúrbios comportamentais e até o suicídio.[26]
A prática do bullying é grave e a conduta pode ser enquadrada em diversos dispositivos do Código Penal. Nos artigos 138, 139 e 140, que tratam da calúnia, difamação e injúria. Além disso, o artigo 147-A sobre o crime de perseguição, o artigo 129 que trata das lesões corporais. Nos casos mais graves, aplica-se o artigo 121, quando há o homicídio da pessoa ou ainda, o artigo 122, quando o agressor induz ou instiga a vítima ao suicídio. Pode, ainda, configurar furto ou roubo (artigos 155 e 157) se for bullying patrimonial e até o estupro (artigo 213), em se tratando de bullying sexual.
Verifica-se, assim, que o bullying, por si só, não era considerado crime, mas os seus atos e consequências podiam ser enquadrados nos referidos dispositivos indicados no Código Penal.
Porém, recentemente, como se verá mais adiante, o bullying e o cyberbullying são considerados crimes, por força da recente Lei n.14.811/2024.
O adulto, portanto, quando é o autor do bullying ou de atos que assim podem ser entendidos, responde seja pelo Código Penal ou mesmo pela nova legislação. Contudo, como já dito, o bullying geralmente é um ato cometido por menores de 18 anos, em idade escolar. Assim, esses agressores são penalmente inimputáveis, motivo pelo qual, importante entender o que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê acerca desse tema.
5.1 RESPONSABILIDADE PENAL SEGUNDO O ECA (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE)
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que regulamenta o artigo 227 da Constituição Federal, define as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento, que demandam proteção integral e prioritária por parte da família, sociedade e do Estado.[27]
Para o ECA, é considerado criança quem tem até 12 anos incompletos. Já entre 12 e 18 anos são adolescentes. O artigo 103 do ECA considera ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Não há um conceito próprio para o ato infracional. Assim, entende-se que o ato infracional é o crime cometido por criança ou adolescente. André Estefam e Victor Gonçalves[28] ensina que: “crime é toda ação ou omissão consciente e voluntária, que, estando previamente definida em lei, cria um risco juridicamente proibido e relevante a bens jurídicos considerados fundamentais para a paz e o convívio social”.
Por sua vez, o artigo 112 elenca o rol de medidas que podem ser aplicadas ao adolescente para puni-lo depois da prática do ato infracional que pode ser desde advertência (inciso I); obrigação de reparar o dano (inciso II); prestação de serviços à comunidade (inciso III); liberdade assistida (inciso IV); inserção em regime de semiliberdade (inciso V); internação em estabelecimento educacional (inciso VI) e qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI. (inciso VII), ressaltando que a criança até 12 anos incompletos só pode ser punida com medidas socioeducativas previstas no artigo 101, sendo a maioria delas medidas de orientação e acolhimento, mas não internação, por exemplo.
Assim, as agressões física e psicológica praticadas por menores são consideradas atos infracionais e, portanto, puníveis de acordo com os referidos dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
6. LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA SOBRE O BULLYING
A partir desse momento, esse trabalho abordará as legislações especificas sobre o bullying. São as seguintes legislações: Lei n. 13.185/2015 e Lei n.14.811/2024.
Em 2015, foi sancionada a Lei 13.185/2015[29] que instituiu Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying) em todo o território nacional. A lei obrigada escolas, clubes, agremiações a adotarem medidas de combate e prevenção ao bullying.
O artigo 1º definiu bullying, como: “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.
Além disso, no art. 2º, da mesma lei, estabelecem-se os parâmetros para a caracterização do bullying: Art. 2º Caracteriza-se a intimidação sistemática (bullying) quando há violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação e, ainda: I- verbal: insultar, xingar e apelidar pejorativamente; II — moral: difamar, caluniar, disseminar rumores; III — sexual: assediar, induzir e/ou abusar; IV — social: ignorar, isolar e excluir; V — psicológica: perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, manipular, chantagear e infernizar; VI — físico: socar, chutar, bater; VII — material: furtar, roubar, destruir pertences de outrem; VIII — virtual: depreciar, enviar mensagens intrusivas da intimidade, enviar ou adulterar fotos e dados pessoais que resultem em sofrimento ou com o intuito de criar meios de constrangimento psicológico e social.
O projeto determina que seja feita a capacitação de docentes e equipes pedagógicas para implementar ações de prevenção e solução do problema, assim como a orientação de pais e familiares, para identificar vítimas e agressores. Também estabelece que sejam realizadas campanhas educativas e fornecida assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores. A punição dos agressores deve ser evitada considerando alternativas que promovam a mudança do comportamento.[30]
Em resumo, a Lei 13.185/2015 trouxe uma série de medidas a serem adotadas, principalmente para escolas e instituições de ensino.
Porém, as medidas extrapenais adotadas pela Lei n. 13.185/2015 não foram suficientes para conter o avanço dos casos de bullying em suas formas, a ponto de que foi necessário criminalizar a conduta para a proteção dos bens jurídicos.[31]
Com isso, recentemente, em janeiro de 2024, começou a vigorar a Lei n.14.811/2024, a qual considerou crime a prática do bullying e cyberbullying, fazendo, inclusive, modificações no Código Penal, na Lei n. 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) e, por fim, na Lei n. 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
A Lei n. 14.811/2024[32], que entrou em vigor em janeiro de 2024, prevê, em seu artigo 1º: “Esta Lei institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente)”.
A referida lei incluiu o artigo 146-A, do Código Penal e criminaliza, de forma expressa, o bullying, definindo como uma intimidação sistemática, intencional e repetitiva e sem motivação evidente, praticada mediante violência física ou psicológica. A pena será multa, caso a conduta não constitua crime mais grave.
Por sua vez, o cyberbullying é a versão virtual da intimidação sistemática, mas promovida na internet, nem redes sociais ou quaisquer outros ambientes virtuais. Nesse caso, a pena será reclusão e multa.
Além disso, a Lei n. 14.811/2024, ainda, inclui na Lei dos crimes hediondos, algumas condutas, como, o agenciamento, recrutamento, intermediação ou coação de menores para registros ou gravações pornográficas, pornografia infantil, tráfico de pessoas cometido contra criança ou adolescente (art. 149-A, caput, incisos I a V, e § 1º, inciso II, do Código Penal) e, ainda, o sequestro e cárcere privado de menores (art. 148, § 1º, inciso IV, do Código Penal), bem como o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio ou à automutilação de qualquer pessoa por meio virtual (art. 122, caput e § 4º, do Código Penal).
Ressalte-se que, quando um crime é considerado hediondo, não há a possibilidade de pagar fiança, nem de receber anistia, graça ou indulto. A pena precisa ser cumprida inicialmente no regime fechado.
Por fim, o bullying e o cyberbullying foram incluídos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com pena de reclusão, que pode chegar até oito anos e multa.
Além disso, por meio dessa legislação, foi inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente o crime que pode ser atribuído aos pais ou responsáveis legais pela criança ou adolescente, quando não comunicar à autoridade, de forma intencional, o desaparecimento do menor de idade. A pena, nesse caso, será reclusão que pode chegar até quatro anos e multa.
Além disso, a Lei n. 14.811/2024 prevê que as instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, as quais deverão ser atualizadas a cada 6 (seis) meses.
A lei ainda estabelece que o poder público local (municipal e do Distrito Federal) é responsável por desenvolver protocolos com medidas de combate à violência e proteção às crianças e adolescentes no ambiente escolar. No âmbito federal, há a determinação de elaboração de uma Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, que leve em conta as famílias e as comunidades.[33]
Importante deixar claro que o Código Penal e Estatuto da Criança e do Adolescente continua a ser aplicado nos casos de atos não incluídos por meio dessa legislação.
Dessa forma, como bem pontuou Anna Karina Trennepoh[34], as alterações e as inovações legislativas promovidas pela Lei n. 14.811/2024 vão auxiliar a construção de duas frentes na proteção de crianças e adolescentes: i) uma, na prevenção, mediante construção de protocolos e cooperação entre os entes públicos e por meio da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, e ii) outra, pelo endurecimento das penas, classificação de crimes como hediondos e criação de novos tipos penais.
O bullying (ou sua versão virtual, o cyberbullying) não é uma brincadeira de criança, mas sim crime e, como tal, deve ser penalizado, tanto para que se previna novas ocorrências, como para fins de punição propriamente dita.
Além de penalizar a prática do bullying, é muito importante pensar em medidas efetivas de prevenção do bullying, principalmente nas instituições de ensino, local onde comumente ocorrem as agressões.
7. PREVENÇÃO DO BULLYING
A prevenção à prática do bullying envolve uma abordagem multidisciplinar, com ações no âmbito da escola, da família e da comunidade.
No âmbito da escola, a instituição deve promover palestras sobre o tema, incentivando a empatia e o respeito entre os alunos. Além disso, a escola deve criar um canal de denúncia, para que a vítima se sinta confortável em relatar possíveis agressões.
Além disso, a instituição de ensino deve ter uma política clara sobre regras e consequências bem definidas acerca do bullying. Com isso, deve treinar seus professores, orientadores e funcionários em geral para reconhecer e coibir atos de bullying.
A escola deve, ainda, disponibilizar apoio psicológico aos alunos, tanto para vítimas, como agressores, para que aprendam a lidar com os problemas que estão envolvidos.
Além das instituições de ensino, a família deve se engajar, conversando abertamente com os menores envolvidos. Assim como a família, a comunidade em geral também deve contribuir, promovendo campanhas de conscientização acerca do bullying.
Por fim e, não menos importantes, tanto a escola, como a família e a sociedade devem trabalhar para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, ensinando as crianças e adolescentes a gerenciarem emoções, resolverem eventuais conflitos e se relacionarem de forma amigável.
CONCLUSÃO
Este trabalho analisou a responsabilidade jurídica no contexto do bullying, que evidencia a complexidade e importância desse tema, que vai além do âmbito escolar e familiar, alcançando a esfera jurídica de todos os envolvidos.
Importante que a legislação, ao responsabilizar civil e criminalmente os envolvidos, os pais e a instituição de ensino, objetiva não apenas a punição, mas também com a finalidade de prevenção e educação sobre esse fenômeno.
A responsabilidade civil e penal sobre a ocorrência do bullying serve como medida de justiça para a vítima (seja pelo ressarcimento ou até a punição do agressor), porém, é muito importante que essas medidas punitivas sejam acompanhadas de ações educativas, para reabilitar o agressor e para que o ambiente em que convivem seja saudável e amigável.
A escola deve ser um ambiente seguro e acolhedor. É necessário, portanto, que haja um esforço coletivo e contínuo de toda a sociedade, incluindo educadores, pais e toda a comunidade para erradicar os atos de agressão.
Em resumo, esse trabalho reforça a importância da responsabilidade jurídica e a necessidade de ações integradas para a prevenção e combate ao bullying.
O bullying não é brincadeira de criança!
REFERÊNCIAS
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[1] PORFÍRIO, Francisco. Bullying. In: Brasil Escola, s.d. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/bullying.htm. Acesso em: 09 jun. 2024.
[2] BRASIL. Ministério da Educação - MEC. Especialistas indicam formas de combate a atos de intimidação. S.d. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ultimas-noticias/211-218175739/47721-especialistas-indicam-formas-de-combate-a-atos-de-intimidacao. Acesso em: 09 jun. 2024.
[3] CHALITA, Gabriel. Pedagogia da amizade. In: Gabriel Chalita, s.d. Disponível em: https://gabrielchalita.com.br/2008/05/26/pedagogia-da-amizade/. Acesso em: 09 jun. 2024.
[4] CHALITA, Gabriel. Pedagogia da amizade. In: Gabriel Chalita, s.d. Disponível em: https://gabrielchalita.com.br/2008/05/26/pedagogia-da-amizade/. Acesso em: 09 jun. 2024.
[5] CURSOS ESCOLA EDUCAÇÃO. Causas e Origens do Bullying. S.d. Disponível em: https://cursos.escolaeducacao.com.br/artigo/causas-e-origens-do-bullying. Acesso em: 09 jun. 2024.
[6] CURSOS ESCOLA EDUCAÇÃO. Causas e Origens do Bullying. S.d. Disponível em: https://cursos.escolaeducacao.com.br/artigo/causas-e-origens-do-bullying. Acesso em: 09 jun. 2024.
[7] MEDEIROS, Natália Cristina; FERREIRA, Adir Luiz Os Professores diante do Bullying nas salas de aula. Revista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, dez. 2015.
[8] MEDEIROS, Natália Cristina; FERREIRA, Adir Luiz Os Professores diante do Bullying nas salas de aula. Revista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, dez. 2015.
[9] MENEZES, Pedro. Tipos de bullying. In: Diferença, s.d. Disponível em: https://www.diferenca.com/tipos-de-bullying/#:~:text=Os%20tipos%20de%20bullying%20diferenciam-se%20a%20partir%20do,ou%20de%20modo%20cont%C3%ADnuo%20em%20um%20ambiente%20infanto-juvenil. Acesso em: 09 jun. 2024.
[10] CHALITA, Gabriel. Pedagogia da Amizade. [S.l.]: Ed. Gente. 2008. pp. 82 e 83.
[11] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: Mentes Perigosas nas escolas. 2.ed. [S.l.]: Editora Principium, 2015. p. 42.
[12] CHALITA, Gabriel. Pedagogia da Amizade. [S.l.]: Ed. Gente. 2008. p. 87.
[13] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: Mentes Perigosas nas escolas. 2.ed. [S.l.]: Editora Principium, 2015. pp. 35 e 36.
[14] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: Mentes Perigosas nas escolas. 2.ed. [S.l.]: Editora Principium, 2015. p.38.
[15] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: Mentes Perigosas nas escolas. 2.ed. [S.l.]: Editora Principium, 2015. p. 40.
[16] SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Bullying: Mentes Perigosas nas escolas. 2.ed. [S.l.]: Editora Principium, 2015. p. 78
[17] CHALITA, Gabriel. Pedagogia da Amizade. [S.l.]: Ed. Gente. 2008. p. 88.
[18] BARONE, Isabelle. Suzano, Realengo, Columbine: quando o bullying pode terminar em tragédia. In: Gazeta do Povo, 2019. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/suzano-realengo-columbine-bullying-nao-resolvido-pode-resultar-em-tragedia/. Acesso em: 09 jun. 2024.
[19] PERRENOUD, Phelippe. Dez Novas Competências para ensinar. Porto Alegre: Editora Artmed, 2000. p.143.
[20] FONSECA, Arnoldo Medeiros da, apud SILVA, Américo Luís Martins da. Dano moral e sua reparação civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 38.
[21] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 7. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 63.
[22] PONTES DE MIRANDA, apud GONÇALVES Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 98.
[23] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Responsabilidade Civil. 3. ed. V. 4. São Paulo: Atlas, 2003. pp. 61-66.
[24] MATO GROSSO. Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso. Disponível em: https://www.tjmt.jus.br/. Acesso em: 09 jun. 2024.
[25] BRASIL. STJ. REsp 853921/RJ. Rel. Mm. JOÃO OTAVIO DE NORONHA, T4, DJe 24/05/2010.
[26] PORFÍRIO, Francisco. Bullying. In: Brasil Escola, s.d. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/bullying.htm. Acesso em: 09 jun. 2024.
[27] BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-adolescente/publicacoes/o-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente. Acesso em: 09 jun. 2024.
[28] ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 312.
[29] BRASIL. Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015. Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). Brasília: Presidência da República, 2015. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm. Acesso em: 09 jun. 2024.
[30] ABRACE. O que diz a lei 13.185/2015 – combate à intimidação sistemática (bullying). In: ABRACE, 2015. Disponível em: https://abraceprogramaspreventivos.com.br/o-que-diz-a-lei-13-185-2015-combate-a-intimidacao-sistematica-bullying/. Acesso em: 09 jun. 2024.
[31] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. V. 1. 29. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2023. p. 21.
[32] BRASIL. Lei nº 14.811, de 12 de janeiro de 2024. Institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, prevê a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Brasília: Presidência da República, 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm. Acesso em: 09 jun. 2024.
[33] CONJUR. Nova lei tipifica bullying e endurece punição por crimes contra menores. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jan-15/nova-lei-tipifica-bullying-e-endurece-punicao-por-crimes-contra-menores/. Acesso em: 09 jun. 2024.
[34] TRENNEPOH, Anna Karina. Comentários à Lei Antibullying (Lei nº 14.811/2024). [S.l.]: Editora Saraiva, 2024. p. 32.
Mestranda em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) Especializada em Estratégias Processuais no Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP). Graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (São Judas).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BONILHA, PRISCILA TELIO. As consequências jurídicas do bullying Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2024, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66039/as-consequncias-jurdicas-do-bullying. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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