RESUMO: O presente artigo se propõe a realizar uma análise jurídica sobre os crimes de colarinho branco, bem como os aspectos criminológicos atrelados aos referidos tipos penais e a impunidade ainda existente.
Palavras-chave: Direito Penal. Direito Penal Econômico. Criminologia.
Abstract: This article proposes to carry out a legal analysis of white-collar crimes, as well as the criminological aspects linked to the aforementioned criminal types and the impunity that still exists.
Keywords: Criminal Law. Economic Criminal Law. Criminology.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Lei 7.492/86 – Crimes contra o sistema financeiro. 3. Classificação Doutrinária. 4. Direito Penal Econômico. 5. Teoria da Associação Diferencial e a crime de colarinho branco 6. Conclusão. 7. Referências Bibliográficas.
Os crimes do colarinho branco, conhecidos por serem praticados na clandestinidade e dentro da esfera profissional do agente, que utiliza a posição elevada e status social para efetivar o ilícito, não se trata mais de um tema pouco conhecido, pelo contrário, vem ganhando grande destaque, seja na mídia, jornais, redes sociais, tornando-se notório à sociedade.
Essa modalidade criminal desfez o pensamento, até alguns anos mantido, de que apenas pessoas menos favorecidas, com baixa instrução escolar ou âmbito familiar desestruturado praticavam atos contra o sistema legal.
Segundo Shecaira[1], o crime do colarinho branco “é aquele cometido no âmbito de sua profissão por uma pessoa de respeitabilidade e elevado estatuto social”, acontece, em regra, com uma violação de confiança.
A partir destas concepções, podem-se observar interessantes características: é um crime realizado dentro da esfera profissional do agente, sendo ele de nobre relevância no meio social. E, justamente por serem delitos “sofisticados” em sua materialização, geralmente, são de difícil adaptação legal, muito embora existam normas que coíbem sua prática.
Nesse vagar, são comportamento ainda marcados pela impunidade, que na lição de Machado[2] “é a falta de castigo. De uma visão estritamente jurídica é a não aplicação de uma pena a um determinado crime”, ou seja, é a ausência de penitência ao agente que pratica a conduta ilícita.
O sociólogo Cruz[3] abrange de maneira mais detalhada a definição do tema, esclarecendo que:
Impunidade é o gozo da liberdade, ou de isenção de outros tipos de pena, por uma determinada pessoa, apesar de haver cometido alguma ação passível de penalidade. É a não aplicação de pena, mas também o não cumprimento seja qual for o motivo.
Deste modo, a impunidade não se caracteriza apenas com o deixar de aplicar a pena à conduta contrária à lei, como também a falta de execução da reprimenda.
Sendo assim, a temática dos crimes do colarinho branco foi abordada inicialmente no campo da criminologia. Um dos mais importantes idealizadores deste conceito foi o sociólogo Edwin Sutherland (1883-1950) que após observações, pesquisas e levantamentos de dados, percebeu que não eram somente as pessoas com baixo grau de escolaridade, pouca renda ou desestruturação familiar que praticavam crimes.
Restou verificado que pessoas da alta sociedade, de cargos importantes, sujeitando-se a realização de atos desonestos e contrários à norma ou costumes para obtenção de lucro fácil, conforme ensina Veras[4]:
Sutherland criou o termo white collar crime para dar ênfase à posição socialdos criminosos (que seria o fator determinante do seu tratamento diferenciado), e trouxe para o campo científico o estudo do comportamento de empresários, homens de negócios, e políticos, como autores de crimes profissionais e econômicos, o que antes não ocorria. Seu trabalho, portanto, ampliou o campo de estudo da criminologia para além das estatísticas oficiais, e mais, realizou uma crítica da própria utilização cega dos números. Impulsionou as pesquisas sobre os crimes do colarinho branco e trouxe elementos suplementares para as discussões sobre as causas do crime como um todo. Buscou a verdadeira raiz da criminalidade nos valores de todo o sistema social, saindo do limitado universo das áreas de pobreza e de seus moradores.
A partir de suas observações pode-se constatar que a criminalidade do colarinho branco não se difere da criminalidade comum, trazendo à tona essa nova visão criminológica, até então escassamente explorada, de que políticos, detentores do poder, empresários e pessoas de grande estima na sociedade pudessem cometer ações ilegais, indo em confronto com as normas legislativas.
Ademais, as buscas dos primeiros sociólogos geraram fomento às novas pesquisas sobre o colarinho branco, que, mesmo sobre as sombras da cifra oculta, saíram do anonimato.
2. A Lei 7.492/86 – Crimes contra o sistema financeiro
De uma maneira geral, a lei 7.942 de 16 de junho de 1986 visa resguardar o sistema financeiro nacional, constituído em um conjunto de instituições financeiras vinculadas a ele e ao mercado em geral.
Para melhor compreensão do termo “instituições financeiras, deve-se alcançar o disposto no art.1º, caput, da lei em comento, qual seja: “Considera-se instituição financeira, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (vetado) de terceiros (...)”[5]. Nota-se que, instituição aproveitadora de recursos próprios na aplicação de suas atividades não é considerada uma instituição financeira.
Nesse sentido leciona Dotti[6], dizendo que “evidentemente não podem, de modo algum, ser equiparadas à instituição financeira as empresas que realizam a aplicação de recursos próprios”.
Extrai-se então da inteligência do artigo de lei e do discurso de doutrinadores que para caracterização de instituição precisa-se de recursos de terceiros, não cabendo aqui o uso de seus próprios expedientes. Inclusive, o pesquisador Vieira (2007), salienta em seus estudos que os vocábulos “próprios ou” foram vetados pelo então Presidente da República à época, José Sarney, servindo-se do fundamento de que eram termos abrangentes, atingindo o mero investidor individual, o que claramente não é o objetivo do legislador.
A lei é cristalina quanto ao procedimento criminal a ser seguido para seguimento do feito e apuração destes crimes, como qual, quando a denúncia não for intentada no prazo legal, o ofendido poderá representar ao Procurador- Geral da República, para que este a ofereça indique outro membro do Ministério Público Federal para fazê-lo ou determinar o arquivamento das peças de informação recebidas, conforme narra o art. 27 do mesmo códex.
Informa ainda o art. 29[7] que o MPF, sempre que julgar necessário poderá requisitar, a qualquer autoridade, informações relativas a provas destes delitos.
3. Classificação Doutrinária
No que se refere à objetividade jurídica dos crimes econômicos, entre eles o whiter collar, regido pela Lei 7.492/86, sabe-se que os doutrinadores entendem que são dois os bens jurídicos tutelados por esta norma e, por essa razão conhecidos como crimes pluriofensivos ou de objetividade jurídica complexa.
Um deles é o patrimônio individual e o outro é a ordem econômica. O doutrinador Júnior[8] explica “que se destinam a garantir um justo equilíbrio na produção, circulação e distribuição da riqueza entre os grupos sociais”. Ou seja, as ações tidas como criminosas na referida lei buscam resguardar a segurança e a credibilidade do sistema financeiro – bem jurídico primário, bem como, tutelar outros bens jurídicos individuais – bem jurídico secundário (patrimônio de investidores, patrimônio de instituições financeiras, etc.).
4. Direito Penal Econômico
O crime econômico é uma classe da dogmática jurídica, elemento de estudo do Direito Penal Econômico, necessitando que sua definição seja atrelada à determinação do bem jurídico tutelado.
Não fugindo dessa linha de pensamento Fragoso[9] ensina que “a objetividade jurídica reside na ordem econômica, ou seja, em bem- interesse supra- individual, que se expressa no funcionamento regular do processo econômico de produção, circulação e consumo de riqueza”. Alguns doutrinadores entendem que podem ser considerados como crimes econômicos, os casos cometidos através de uma empresa ou mediante abusos de modernos instrumentos.
No entanto, o conceito de Marty-Delmas[10], sobre crimes econômicos é mais amplo e sucede de dois critérios:
A criminalidade econômica engloba, por um lado, as violações à ordem financeira, econômica, social e a qualidade de vida; por outro lado, as violações à fé pública, à integridade física das pessoas, quando o autor agiu no âmbito de uma empresa, ou por conta dela, ou por sua própria conta desde que o mecanismo do delito esteja ligado à existência de poderes de decisão, essências a vida da empresa.
E partindo dessas premissas que se pode observar a semelhança com os crimes do colarinho branco, pois, como bem aprendido, o white collar são delitos cometidos por pessoas de alta relevância social e status, momento da história em que surge o conceito definido por Sutherland, visto anteriormente.
Abre espaço aqui para destacar que na época este conceito não veio para ser definitivo, mas sim para ser o marco inicial de uma descoberta, algo fora do comum no então campo da criminologia, devendo ser criticada e moldada para que chegasse a um resultado satisfatório.
Alertou-se ainda que os dados em que se baseavam as pesquisas deste novo achado eram frágeis, viciados, devido a ausência de denúncias, fato conhecido hoje como cifra oculta, ou por que eram ignorados pelas autoridades, não se tornando alvo da persecução penal, por isso não demonstrava a incidência real de casos sobre estes delitos, tendo em vista que, por serem pessoas poderosas socialmente, escapavam da responsabilidade.
5. Teoria da Associação Diferencial e a crime de colarinho branco
Os conhecimentos empíricos de Sutherland, corroborado com as reflexões de Gabriel Tarde foram de suma importância para a disseminação da teoria da associação diferencial, utilizando-se dos crimes contra o sistema financeiro como forte e principal exemplificativo.
Ensina Shecaria[11]:
A teoria da associação diferencial assenta-se na consideração de que o processo de comunicação é determinante para a prática delitiva. Os valores dominantes no seio do grupo “ensinam” o delito. Uma pessoa converte-se em delinquente quando as definições favoráveis à violação superam as desfavoráveis. O homem aprende a conduta desviada e associa-se com referência nela.
A teoria busca aqui, esclarecer que assim como se pode aprender algo apenas observando uma pessoa executando uma ação, posteriormente imitando-a, tem-se também a possibilidade de copiar conduta delitiva. Deste modo, entende-se que ninguém nasce com alma de criminoso, mas a delinquência acaba sendo o efeito da socialização errada.
Este preceito esclarece ainda que o comportamento tido como delituoso é aprendido mediante influência mútua com outras pessoas. O agente seria como uma espécie de esponja que absorve tudo o que vê ao seu redor, seja através de gestos, palavras, ações, positivas ou negativas, agregando isto a sua personalidade, ou seja, não nasce já predeterminado a fazer o bem ou mal, mas é moldado conforme o meio que habita e pessoas com quem lida constantemente.
Shecaria[12] elucida que “a influência criminógena depende do grau de proximidade de contato entre as pessoas”. Sendo assim, compreende-se que o nível de assimilação da associação do que foi aprendido é diretamente ajustada, proporcional à interação existente entre as pessoas.
Enriquecendo essa linha de raciocínio, Sutherland[13] preleciona: “Qualquer pessoa pode aprender qualquer padrão de comportamento que seja capaz de executar. Ela assimila inevitavelmente da cultura ambiente esse comportamento”.
Nota-se que os praticantes deste delito aparentemente não precisariam fraudar o sistema financeiro, tendo em vista que ocupam cargos elevados, de confiança e respeitabilidade na sociedade. Contudo, por aprenderem com o meio em que se relacionam através da influência de outras pessoas, que tal falcatrua contra o sistema gera lucro fácil e rápido, muito embora de maneira ilegal e,as vezes nem sequer descoberta, ou então rápida e astutamente omitida pelas autoridades, logo torna-se algo natural, não visto com maus olhos pelos agentes praticantes.
6. Conclusão
Um delito famoso por ser praticado na obscuridade e dentro da esfera profissional do agente, utilizando de sua posição elevada e status social para efetivar o ilícito, o crime do colarinho, embora existente e estudado há tempos, tem ganhando destaque na sociedade brasileira nesses últimos anos, isto tudo devido aos inúmeros escândalos envolvendo pessoas de classe alta, realizando grandes desfalques de dinheiro, seja do patrimônio particular ou público.
Por se tratar de um crime de alto beneficio e baixo risco, isso faz com que a prática delituosa seja constante. O agente ativo age pensando apenas nos lucros que irá colher no final da operação ilícita, não se preocupando assim com uma possível punição.
Todavia, com a atual normativa, fiscalização das autoridades e da sociedade de modo geral, percebe-se que existe um processo de maior visibilidade dessas condutas, bem como da responsabilização dos agentes.
Referências Bibliográficas
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BRASIL. Lei 7.492, 16 de Junho de 1986. Brasília, DF. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7492.htm http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L7492.htm>. Acesso em: 21/08/2024.
CRUZ, Levy. Impunidade na sociedade brasileira. Fundação J. Nabuco. Trabalhos, n.151, dez/2002.
DELMAS-MART, Mireille. La criminalitééconomiqueenEurope. Paris: PressesUniversitaires de France, 2002. p. 31.
DOTTI, René Ariel. Interpretação da norma e a segurança jurídica: Lei 7492, 16.6.86 (parecer). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 9, jan./mar. 1995, p. 167.
FRAGOSO, H. Cláudio. Direito Penal Econômico e dos negócios. Revista de Direito Penal. RJ. N. 33.p. 122.
MACHADO, B.A. Duas leituras sobre a construção jurídica da impunidade. Revista. Senado Federal, v.43, n. 171, jul/set2006
SHECARIA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5ª Ed.Rev. - São Paulo, 2013.
SUTHERLAND, Edwin H. Princípios de criminologia. Trad. Asdrúbal M. Gonçalves. SP. Livraria Martins, 194.p.12.
VERAS, Ryanna Pala. Nova Criminologia e os crimes do Colarinho Branco. São Paulo. 2006.
[1]SHECARIA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5ª Ed.Rev. - São Paulo, 2013.
[2]MACHADO, B.A. Duas leituras sobre a construção jurídica da impunidade. Revista. Senado Federal, v.43, n. 171, jul/set2006
[3]CRUZ, Levy. Impunidade na sociedade brasileira. Fundação J. Nabuco. Trabalhos, n.151, dez/2002.
[4]VERAS, Ryanna Pala. Nova Criminologia e os crimes do Colarinho Branco. São Paulo. 2006.
[5]BRASIL. Lei 7.492, 16 de Junho de 1986. Brasília, DF. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7492.htm http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L7492.htm>. Acesso em: 21/08/2024.
[6]DOTTI, René Ariel. Interpretação da norma e a segurança jurídica: Lei 7492, 16.6.86 (parecer). Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 9, jan./mar. 1995, p. 167.
[7]BRASIL. Lei 7.492, 16 de Junho de 1986. Brasília, DF. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7492.htm http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/LEIS/L7492.htm>. Acesso em: 21/08/2024.
[8]ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1995.
[9]FRAGOSO, H. Cláudio. Direito Penal Econômico e dos negócios. Revista de Direito Penal. RJ. N. 33.p. 122.
[10]DELMAS-MART, Mireille. La criminalitééconomiqueenEurope. Paris: PressesUniversitaires de France, 2002. p. 31.
[11]SHECARIA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5ª Ed.Rev. - São Paulo, 2013, p. 235
[12]Ibid, p. 236.
[13]SUTHERLAND, Edwin H. Princípios de criminologia. Trad. Asdrúbal M. Gonçalves. SP. Livraria Martins, 194.p.12.
Assessor de Defensor Público da Defensoria Pública do Estado de Rondônia. Pós-Graduado em Advocacia Pública pela Faculdade de Direito Arnaldo Janssen.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, ALESSON KALLYO DOS SANTOS. Análise jurídica e criminológica dos crimes de colarinho branco Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 set 2024, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66342/anlise-jurdica-e-criminolgica-dos-crimes-de-colarinho-branco. Acesso em: 21 nov 2024.
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