RESUMO: O presente trabalho consiste no estudo diante a cláusula da eleição de foro, segundo o ordenamento jurídico brasileiro e irá demonstrar que, embora esta não se confunda com o princípio da autonomia da vontade, mantêm com este uma estrita consonância. Para tanto, partirá do pressuposto de que na formação e aplicabilidade dos contratos internacionais, deve ser observada a proteção da dignidade da pessoa humana, um vez que os direitos humanos passaram do campo de valores, converteram-se em direitos positivos e tornou-se referência axiológica e jurídica na Sociedade Internacional.
PALAVRAS-CHAVE: Eleição de foro; autonomia da vontade; contratos internacionais; dignidade da pessoa humana; Sociedade internacional.
1 INTRODUÇÃO
A formação de contratos, entre particulares de nacionalidades diferentes, tornou-se algo corriqueiro, em especial, após o advento da globalização que, diminuiu de forma considerável, as fronteiras entre os países, permitindo, desta forma, um maior intercâmbio entre indivíduos de diferentes culturas.
O desenvolvimento das atividades voltadas para o comércio internacional foi determinante para a criação dos contratos internacionais. Este se tornou o instrumento apto a nortear as novas relações jurídicas e suas conseqüentes obrigações, dando segurança às partes contratantes, mesmo que estas residam em países diferentes. Neste sentido, o Prof. Irineu Strenger define o Contrato Internacional como sendo:
Todas as manifestações bi ou plurilaterais das partes, objetivando reações patrimoniais ou de serviços, cujos elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicilio, nacionalidade, sede principal dos negócios, lugar do contrato, lugar da execução ou qualquer circunstância que exprima um liame indicativo de Direito aplicável" (Contratos internacionais do comércio, cit., p.65).
A partir do momento em que particulares firmam contratos que vão além das fronteiras de seus territórios, diversas são as peculiaridades que passam a circundar em torno do mesmo, afinal, as partes contratantes são regidas por ordenamentos jurídicos diferentes, de forma que será necessário estabelecer quais as normas do direito estrangeiro que serão aplicáveis para o cumprimento do pactuado. Em face esta realidade surgiu o Direito Internacional Privado, enquanto ramo da ciência jurídica apta a indicar qual direito, dentre aqueles que tenham conexão com a lide sub judice, deverá ser aplicado.
É sabido que os contratos de cunho internacional possuem semelhanças com aqueles celebrados a nível nacional, também são negócios jurídicos bilaterais e/ou plurilaterais e, para sua formação, depende do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses privados. Repousa, portanto, na anuência dos contraentes e seus efeitos jurídicos perseguidos, deve ser conforme a ordem jurídica sob a qual os sujeitos fazem parte. Neste sentido, assevera Maria Helena Diniz:
[...] o contrato, em seus diferentes tipos, é instrumento jurídico que exerce função econômica específica, com o intuito de atingir fins ditados pelos interesses patrimoniais dos contraentes. O contrato representa o centro da vida dos negócios, o instrumento prático que atua sob as mais variadas finalidades da vida econômica, que implica a composição de interesses inicialmente opostos, ou, quando menos, não-coincidentes. (p. 16/17)
Neste contexto, míster se faz que na formação e aplicabilidade dos contratos internacionais, seja observada a proteção da dignidade da pessoa humana, direito fundamental previsto na Carta Magna brasileira, objeto precípuo de todo ordenamento jurídico e que integra a sistemática da aplicabilidade do Direito Internacional Privado, afinal, os direitos humanos são universais e indivisíveis, neste sentido, é o entendimento de Flávia Piovesan:
“Os direitos humanos são universais, decorrentes da dignidade humana e não derivados das particularidades sociais e culturais de determinada sociedade, seja por incluir em seu elenco não só direitos civis e políticos, mas também sociais, econômicos, e culturais”(2009, p. 146).
Diferentemente do que ocorrera em meados do século XVIII e XIX, em que nas relações a nível internacional, o individualismo dos contraentes preponderava e, como conseqüência, os anseios da sociedade eram relegados, é notória a evolução do Direito Internacional Privado, uma vez que este ramo do direito busca, de forma cada vez mais intensa, conciliar a iniciativa privada aos valores sociais do trabalho, de forma a preservar um espírito de solidariedade entre os homens. Neste sentido prolaciona Nadia de Araujo:
A proteção a dignidade da pessoa humana, e os princípios daí decorrentes, passam a informar as condições de aplicação do direito estrangeiro, levada a cabo pela utilização da metodologia própria do DIPr. Essas condições de aplicação incluem as regras de conexão clássicas, como outras técnicas de caráter principiológico e dotadas de maior flexibilidade – regras materiais de DIPr, regras flexíveis, regras alternativas, normas narrativas e cláusulas de exceção” ( p. 17)
Face o exposto, é de se ver que as relações internacionais privadas, embora ainda estejam baseadas na “ética do lucro”, não estão isentas de interferências de ordem pública, afinal, o Direito Internacional Privado contribui, assim como as demais disciplinas jurídicas, para formação da sociedade, razão pela qual deixou de estar baseado no excessivo formalismo e alheio às necessidades da Sociedade Internacional.
2 PRINCIPÍO DA AUTONOMIA DA VONTADE E A CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO EM CONTRATOS INTERNACIONAIS
O ordenamento jurídico brasileiro, trás como princípio fundamental do direito contratual, a autonomia da vontade, por meio da qual, as partes podem, livremente, determinar, como melhor lhes convir, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. Neste diapasão, emerge a possibilidade de, diante a formação de contrato pactuado entre um brasileiro e um estrangeiro, ser estipulada cláusula de eleição de foro, nas hipóteses em que o estado brasileiro for concorrentemente competente para julgar a lide, vide artigo 88 do Código de Processo Civil.
De início é salutar ressaltar que a cláusula de eleição de foro não se confunde com o princípio da autonomia da vontade, um vez que àquela determinará o local em que serão dirimidas as questões emergentes de contrato internacional, detectando desta forma, qual o órgão jurisdicional mediador das partes em eventual disputa, não vai, deste modo, traçar as normas de direito disciplinadoras do conteúdo material da relação jurídica.
Contudo, é de se ver que, se a solução encontrada pela jurisdição do foro eleito não for acolhida pelo Estado em que se deva cumprir a obrigação, sem efeito estará à eventual resolução da lide. Percebe-se que, embora a eleição de foro não se confunda com o princípio da autonomia da vontade, é indispensável haver uma relação direta entre o foro de eleição estabelecido e o contrato internacional avençado pelas partes. Isto porque o princípio da autonomia da vontade sofre limitações.
A liberdade contratual, como dito, não é absoluta, assim sendo, está restrita pelo princípio da supremacia da ordem pública, que veda convenções que lhes sejam contrárias aos bons costumes, de forma que, a vontade dos contraentes está subordinada ao interesse coletivo. Neste sentido aduz o artigo 42 do Código Civil: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Corroborando com esta idéia, Maria Helena Diniz informa:
Nítida é a função institucional do contrato, visto que limitada está a autonomia da vontade pela intervenção estatal, ante a função econômico- social daquele ato negocial, que o condiciona ao atendimento do bem comum e dos fins sociais. Amputa-se, assim, os excessos do individualismo e da autonomia da vontade [...] (p. 24)
Pelo exposto, a autonomia da vontade, no âmbito dos contratos internacionais, está respaldada no exercício da liberdade contratual, porém, dentro das limitações fixadas pelo ordenamento. Logo, não há plena liberdade de escolha pelos contratantes da lei que regerá o contrato. Neste sentido, o artigo 17 da Lei de Introdução ao Código Civil considera ineficazes quaisquer atos que ofendam a ordem pública interna, a soberania nacional e os bons costumes. O princípio da boa-fé limita a autonomia da vontadecontrato, assim como a busca pela independência nacional, igualdade entre os Estados e a nos cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Ademais, a possibilidade da escolha da cláusula de eleição de foro, embora tenha sido objeto de diversas opiniões, encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, tendo o Supremo Tribunal Federal entendimento sumulado neste sentido, para tanto, esclarece a súmula 335: “é valida a cláusula da eleição do foro para os processos oriundos do contrato”.
Neste sentido, percebe-se que diversas são as possibilidades para a escolha da cláusula da eleição de foro, podendo ser aplicado o foro: do país de quem vendeu/ prestou serviços; do país de quem adquiriu a mercadoria ou serviços; por livre convenção das partes, no sentido de ser escolhido o foro de um terceiro país, não envolvido na relação contratual, o qual será considerado, em tese, imparcial. Por fim, existe a possibilidade de as partes não fazer nenhuma menção a esta cláusula, sendo o contrato omisso neste ponto.
Assim, uma vez prevista contratualmente a cláusula de eleição de foro, teri-se-a determinada sob qual jurisdição estatal, coercitiva e institucional as partes estarão sujeitas, caso haja alguma divergência e seja necessário tramitar eventual demanda judicial, sendo que a cláusula só terá aplicabilidade se válida perante o ordenamento jurídico dos países litigantes, pois, não podem ser criadas cláusulas estranhas à ordem pública dos sujeitos envolvidos.
Outro aspecto a ser considerado nas cláusulas de eleição de foro, diz respeito aos casos previstos no art. 88 do Código de Processo Civil, nos quais, o estado Brasileiro possui competência internacional concorrente, isto porque, o ajuizamento de ação perante juiz nacional, versando o contrato internacional em que haja eleição de foro em outro país, não impede, desde que presentes os elementos de conexão, que a ação seja proposta no Brasil.
“Neste sentido foi à decisão do Superior Tribunal de Justiça: Válida a eleição de um foro estrangeiro, permanece a concorrência, isto é, a autoridade brasileira não estará impedida de apreciar a matéria” (STJ, 4ª Turma, Resp. 251.438, Min. Barros Monteiro, relator, j. 8.8.2000).
A função social do contrato constitui, portanto, limites a autonomia da vontade, na qual se funda a liberdade contratual que deverá estar voltada à solidariedade, à justiça social, à livre iniciativa, ao progresso social, à livre circulação de bens e serviços, à produção de riqueza, ao equilíbrio das prestações, evitando, deste modo, o abuso, a desigualdade entre os contraentes e a desproporcionalidade aos valores jurídicos, sociais, econômicos e morais, e proporcionando, desta forma, o respeito a dignidade da pessoa humana. no sentido de que na determinação e utilização das regras solucionadoras de conflitos interespaciais sejam utilizados os elementos de conexão, que melhor se coadunem com os interesses sociais e privados, para que assim haja um equilíbrio econômico-contratual, entre os indivíduos de nacionalidades diferentes.
3 CONCLUSÃO
Pelo exposto percebe-se a extrínseca relação existente entre a eleição de foro e o princípio da autonomia da vontade, de forma que deve haver um dirigismo nos contratos internacionais, ou seja, na formação destes, é de crucial importância que sejam observadas as normas de supremacia dos bons costumes, da boa-fé e da ordem pública dos Estados sob os quais estão inseridos os contratantes.
Pelo exposto, notório estar que a função social do contrato constitui, limites a autonomia da vontade, na qual se funda a liberdade contratual, afinal, a formação e aplicabilidade dos contratos internacionais deverá estar voltada à solidariedade, à justiça social, à livre iniciativa, ao progresso social, à livre circulação de bens e serviços, à produção de riqueza, ao equilíbrio das prestações. Deve evitar, deste modo, o abuso, a desigualdade entre os contraentes e a desproporcionalidade aos valores jurídicos, sociais, econômicos e morais, e proporciar, desta forma, o respeito a dignidade da pessoa humana
REFERÊNCIAS
_________. Código de Processo Civil (1973). In: Vade Mecum. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DE NARDI, Marcelo. “A Lei e o Foro de Eleição em Contratos Internacionais: uma visão brasileira”, in RODAS, João Grandino (Coord). Contratos Internacionais, 3ª ed,. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 24.ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e o Direito Internacional. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
Estagiária do Ministério Público de Cicero Dantas/BA (2ª Promotoria) vara criminal.Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Ana Helena Santos dos. Principío da autonomia da vontade e a cláusula de eleição de foro em contratos internacionais segundo o ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2011, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25563/principio-da-autonomia-da-vontade-e-a-clausula-de-eleicao-de-foro-em-contratos-internacionais-segundo-o-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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