A submissão à jurisdição do Centro internacional para solução de disputas sobre investimentos (CISDI) é voluntária. Nesse sentido, afirma-se que a arbitragem traduz-se na apresentação voluntária das partes a uma jurisdição, isto é, a um poder para dizer o direito que, apesar de baseado na autonomia privada, tem os mesmos efeitos atribuídos às decisões judiciais, sem que a ausência de império dos árbitros afaste esse caráter.
Nesse sentido, a celebração de tratados bilaterais para a promoção e proteção de investimentos, por exemplo, com a opção de o investidor estrangeiro se utilizar do sistema arbitral do CISDI, implica em expresso consentimento à sua jurisdição pelos Estados-parte.
A Convenção de Washington de 1965 (CW) adota o sistema de eficácia automática dos laudos no ordenamento jurídico interno dos Estados-parte, ocasião na qual as decisões proferidas pelo CISDI serão recepcionadas automaticamente, excluindo-se o procedimento típico de controle prévio geralmente contido na legislação do local onde se dará o seu reconhecimento.
Não se admite, portanto, nenhuma impugnação quanto ao aspecto formal do laudo ou do próprio procedimento arbitral, tampouco baseada na ordem pública interna do país.
Nessa esteira, Andrade registra o seguinte[1]:
A parte executada não pode apresentar nenhuma objeção tais como as previstas pela Convenção de Nova York quanto a aspectos formais da sentença ou referentes a direitos internos. Consequentemente, os juízes nacionais não podem recusar o reconhecimento de uma sentença CIRDI com fundamento na sua lei interna (violação da ordem pública, inarbitrabilidade da disputa, doutrina do Act of State, etc) ou em vícios formais (eventuais motivos de anulação devem ser levados diretamente ao CIRDI). A única ação possível é a verificação da autenticidade da sentença.
A CW prevê um sistema autônomo que exclui o laudo do controle dos tribunais nacionais, ao dispor que este não poderá ser objeto de recurso, ressalvados apenas os casos previstos na própria Convenção[2].
Portanto, todos os Estados que a subscrevem têm a obrigação de reconhecer os laudos arbitrais do CISDI como se fossem suas decisões nacionais[3], permitindo-se a interposição de recursos apenas nos casos previstos pelo sistema do CISDI[4].
Deste modo, o controle de compatibilidade do laudo com os princípios de ordem pública sequer é admitido. A independência do sistema manifesta-se também por meio da exclusão da proteção diplomática ou de qualquer reclamação internacional referente ao litígio que o investidor nacional de um Estado-parte e o outro Estado-parte receptor de investimento tenham concordado em encaminhar à arbitragem, salvo na hipótese de não ser acatado o conteúdo do laudo[5].
O tribunal do CISDI está investido, portanto, de função tipicamente jurisdicional. Em razão disso, a submissão à sua arbitragem implica para a parte estatal a renúncia à imunidade de jurisdição e a consequente obrigação de cumprimento da decisão arbitral.
Díaz-Bastien sustenta que[6]:
La suscripción por el Estado de una cláusula arbitral implica la renuncia a su inmunidad de jurisdicción, pero sólo en cuanto a la validez, la interpretación o la aplicación del convenio arbitral, em cuanto al propio procedimiento arbitral y en cuanto a las vías de recurso contra el laudo. Ello salvo pacto en contrario.
O processo de aceitação nas ordens internas, portanto, ocorre apenas com a apresentação de uma cópia do laudo arbitral certificada pelo secretário geral do CISDI ao respectivo tribunal ou autoridade competente designada pelo Estado-parte[7].
A expressão imunidade consiste no privilégio que uma pessoa usufrui em relação a outra que não pode exercer seu poder. A imunidade significa, portanto, a suspensão de poder em determinados casos.
Na ordem internacional e quanto aos Estados soberanos, o instituto da imunidade tem por finalidade impedir a justiça estatal de resolver conflitos que Estados estrangeiros figurem como parte.
Nesse sentido, Madruga Filho[8]:
A imunidade de jurisdição soberana é um fenômeno real e perfeitamente constatável na prática dos Estados. Aqui e alhures se reconhece, em determinadas situações, que o juiz não pode prosseguir no julgamento de ações movidas contra Estados estrangeiros.
Esta noção de imunidade soberana surgiu a partir do princípio par in parem non habet judicium, segundo o qual não se pode ser julgado por um igual, originado da regra feudal par in parem non habet imperium, ou seja, “entre pares não há império”, onde nenhum senhor feudal poderia ser responsabilizado pelos seus pares, mas apenas por seus superiores[9].
Segundo Soares[10]:
As primeiras questões em que discutiu a presença de Estados estrangeiros perante tribunais internos de outros Estados, principiaram a ocorrer, no final do Sec. XIX, em especial, na Inglaterra, em causas de direito marítimo. [...]
Sartori, por sua vez, disserta[11]:
Basada en la máxima par in parem non habet imperium y en los principios de igualdad, independencia y aun de dignidad de los Estados, la doctrina imperante que se fue consolidando en particular en el siglo XIX y a inicios del XX es la de la inmunidad absoluta de los Estados.
Historicamente, o princípio de imunidade dos Estados estrangeiros se desenvolveu a partir do reconhecimento das imunidades dos embaixadores e chefes de Estados. A ideia subjacente é a de que um Estado não conseguiria exercer sua jurisdição perante outro Estado sem demonstrar certa posição de superioridade, diante do seu caráter pleno e absoluto.
Embora alguns países tenham legislado internamente acerca de tal tema, a imunidade de jurisdição tem por fundamento o costume internacional, ou seja, uma prática geral aceita como sendo de direito, conforme dispõe o Estatuto da CIJ[12].
Sobre o princípio e a fonte de direito norteadores da imunidade de jurisdição, afirma Rezek[13]:
Honrava-se em toda parte, apesar disso, uma velhíssima e notória regra costumeira sintetizada no aforismo par in parem non habet judicium: nenhum Estado soberano poderá ser submetido, contra a sua vontade à condição de parte perante o foro doméstico de outro Estado.
Ressalte-se que máxima latina par in parem non habet judicium utilizada por Rezek tem o mesmo sentido da par in parem non habet imperium, haja vista que ambas surgiram da igualdade inerente a relação entre Estados soberanos.
Sobre o direito de igualdade entre Estados soberanos, Melo afirma[14]:
O princípio da igualdade jurídica, segundo Podestá Costa, tem as suas origens na doutrina e nas obras de Puffendorf e Vattel, e na prática diplomática da Paz de Westfália (1648), que fora um tratado coletivo concluído “sem que se levasse em consideração diferença de confissão religiosa ou de regime político”. Todavia, foi somente nos meados do século XIX que o princípio da igualdade jurídica se firma na vida internacional. Este fato ocorreu acima de tudo porque o DI deixou de ser um direito europeu para ser realmente um direito internacional de aspecto universal. A igualdade é uma defesa de soberania dos Estados.
A expressão jurisdição alcança acepções distintas. A primeira, da delimitação territorial da atuação de um certo poder estatal, que não interessa para o presente trabalho. A segunda, e o sentido que calha para este momento, vem do seu significado latino, que seria juris, direito, e dictio, fala, que consiste na capacidade de um Estado dizer o direito.
Convém reafirmar, portanto, que a imunidade de jurisdição constitui um princípio geralmente aceito pelo direito internacional consuetudinário. Por isso, atualmente, a extensão da imunidade não incide como uma regra geral de direito internacional sobre o direito interno de cada Estado, não implicando, porém, a exclusão da existência de uma regra internacional com fundamento na imunidade.
Nesse sentido, Vedovato afirma que[15]:
As normas do direito internacional público que regulam a imunidade de jurisdição dos Estados perante tribunais estrangeiros são fundamentalmente costumeiras, existindo, porém, casos de positivação, como acontece na Convenção Européia sobre imunidade dos Estados, conhecida como Convenção da Basiléia, de 1972.
Todavia, à medida que os Estados iniciavam a participação em relações comerciais, antes tradicionalmente reservadas aos particulares, realizando atos de gestão e não atos tipicamente de governo, a noção tradicional de soberania foi gradativamente sendo restringida.
Nesse sentido, Sartori explica[16]:
Su carácter absoluto fue cambiando en la medida en que se incrementaban las relaciones internacionales basadas fundamentalmente en actividades comerciales y financieras de carácter estatal y también con personas físicas y jurídicas lo que determinó que ese carácter se mantuviera y la inmunidad de jurisdicción sólo fuera oponible cuando los actos resultaran propios de la actividad soberana del Estado (iuri imperii) para diferenciarlos de de los que realizara como un particular, en actividades comerciales y/o financieras (iuri gestionis) exceptuados en consecuencia, de la citada inmunidad.
Por sua vez, Díaz-Bastien afirma que[17]:
La inmunidad de los Estados se fundamenta en el reconocimiento de la igualdad soberana entre éstos y se manifiesta de dos maneras: La inmunidad de jurisdicción y la inmunidad de ejecución. La primera de las mencionadas, la inmunidad de jurisdicción, ha ido recibiendo com el tiempo un tratamiento más flexible, sin embargo, la inmunidad de ejecución ha sido y es, más estricta.
Desse modo, a doutrina sobre imunidade de jurisdição evoluiu ao ponto de proporcionar maior equilíbrio entre a soberania dos Estados e o respeito aos interesses dos particulares que haviam contratado com um determinado Estado estrangeiro.
A doutrina da imunidade relativa distingue os atos iure imperii dos atos iure gestionis. Essa classificação, no entanto, não guarda uniformidade e conduz inevitavelmente a critérios variáveis de acordo com a política econômica e social ou a questões probatórias de difícil solução.
A prática internacional oferece diferentes critérios para diferenciar atos iure imperii e atos iure gestionis, em virtude da natureza ou da finalidade do ato. Para distinguir dos atos da primeira categoria, o Estado desenvolve atividade comercial quando intervém em negócio jurídico que uma pessoa privada também pode participar.
Sobre essa diferença entre atos estatais tidos de império e de gestão, Martins afirma que[18]:
Os primeiros seriam os típicos atos de Estado e se refeririam especialmente à nacionalidade, aos direitos políticos, ao funcionalismo público, ao recrutamento militar etc. Já os segundos diriam respeito a atividades que os Estados desenvolvem fora de suas atribuições normais.
Ademais, continuando a tecer considerações sobre os atos praticados enquanto poder público ou atos de natureza privada, Soares ensina que[19]:
Marcante, no campo das imunidades de jurisdição dos Estados estrangeiros, foi a distinção criada na Bélgica e Itália e logo adotada por outros países: atos de império, que gozariam de isenção do exame pelo judiciário de outros Estados e atos de gestão privada, suscetíveis da apreciação por tribunais estrangeiros.
Tais categorias, apesar de constituírem os pilares básicos sobre os quais se fundamenta o direito contemporâneo sobre a imunidade dos Estados, apresentam desafios interpretativos que demonstram dependência do conceito à visão política do Estado, não se oferecendo fórmula capaz de solucionar a questão.
Para Soares, na hipótese de o Estado estrangeiro desempenhar atividades comerciais, industriais ou financeiras, bem como empresarial, não será reconhecida sua imunidade se uma pessoa de direito privado puder fazê-lo[20].
Acerca do assunto, Sartori esclarece que[21]:
Cabe aclarar que la aplicabilidad de estos principios a nivel internacional determinaron la clara diferenciación entre inmunidad de jurisdicción e inmunidad de ejecución por lo que de ejercer el Estado su prerrogativa de renunciar a su inmunidad de jurisdicción en actos iure imperii ello no era extensivo a la de ejecución, la cual requería una nueva renuncia expresa y así lo establecen los Artículos 32, inc. 4º y 45º inc.4º de las Convenciones de Viena sobre Relaciones Diplomáticas y Consulares de las cuales nuestro país es Parte.
[1] ANDRADE, Isabela Piacentini de. A execução de sentenças arbitrais contra estados estrangeiros segundo a Convenção de Nova York de 1958 e a Convenção de Washington de 1965. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.2, n.2, jul./dez. 2005.
[2] Art. 53, item 1, da Convenção de Washington de 1965.
[3] Art. 54, item 1, da Convenção de Washington de 1965.
[4] Art. 52 da Convenção de Washington de 1965.
[5] Art. 27 da Convenção de Washington de 1965.
[6] DÍAZ-BASTIEN, Ernesto. La ejecutabilidad del laudo extranjero. Disponível em: <http://www.castillofreyre.com/biblio_arbitraje/vol5/DIA-1-6.pdf.>. Acesso em: 18 jan. 2011.
[7] Art. 54, item 2, da Convenção de Washington de 1965.
[8] MADRUGA FILHO, Antenor Pereira. A renúncia à imunidade de jurisdição pelo estado brasileiro e o novo direito da imunidade de jurisdição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.107.
[9] MELLO, Celso D. Albuquerque. Direito constitucional internacional. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2000. p. 351.
[10] SOARES, Guido Fernando Silva. Órgãos dos estados nas relações internacionais: formas da diplomacia e as imunidades. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 184.
[11] SARTORI, Marta Susana. Inmunidad De Los Estados En La Legislacion Nacional Y En La Jurisprudencia De La Corte Suprema De Justicia De La Nacion. Disponível em: <http://www.derecho.unc.edu.ar/archivo/intpublico/sartori.pdf.>. Acesso em: 23 fev. 2011.
[12] Art. 38.
1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar:
[...]
b) o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como
direito;
[...]
[13] REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 5.ed., São Paulo: Saraiva, 1995. p. 121.
[14] MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de direito internacional público. 10.ed. v. 1. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 383.
[15] VEDOVATO, Luís Renato. A Imunidade de soberania e o direito do trabalho. Uma adequação da questão às características do direito internacional público. Disponível em: <http://www.cedin.com.br/site/pdf/publicacoes/colecao/Editorial002_Vedovato.pdf.>. Acesso em: 17 mar. 2011.
[16] SARTORI.
[17] DÍAZ-BASTIEN.
[18] MARTINS, Alexandre Marques da Silva. Execução fiscal contra Estado estrangeiro: uma análise por meio da tópica jurídica. Revista Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, ano 6, n. 33, p. 195-211, maio/jun. 2008.
[19] SOARES, Guido Fernando Silva. Das imunidades de jurisdição e de execução. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p. 117.
[20] Ibid., 1984, p. 119.
[21] SARTORI.
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Brasília. Chefe de Licitações, Contratos Administrativos e Matéria de Pessoal da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários em Brasília/DF. Ex-Chefe da Seção de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em São Luís/MA. Ex-Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TARCíSIO GUEDES BASíLIO, . O reconhecimento do laudo arbitral do Centro Internacional para Solução de Disputas Sobre Investimentos (CISDI) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35882/o-reconhecimento-do-laudo-arbitral-do-centro-internacional-para-solucao-de-disputas-sobre-investimentos-cisdi. Acesso em: 23 dez 2024.
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