1 INTRODUÇÃO
O instituto da fiança, com a alteração do Código de Processo Penal, através da Lei 12.403/2011, readquiriu notável importância, sendo adotada como medida alternativa à prisão.
A nova valia da fiança resgatou um instituto que, a princípio, caminhava para se tornar obsoleto, sem aplicabilidade real no nosso ordenamento jurídico.
O presente artigo, portanto, abordará a nova realidade apresentada pela Lei 12.403/2011, influenciada inegavelmente pelas premissas que irradiam da Constituição Federal de 1988, e os efeitos da fiança sobre os cidadãos hipossuficientes.
2 DESENVOLVIMENTO
Dentro da nova reforma estatuída no bojo do Código de Processo Penal, o instituto da fiança recebeu indiscutível destaque.
Atribuiu-se ao magistrado, na hipótese de não determinar a conversão do flagrante em prisão preventiva, a possibilidade de conceder medidas cautelares diversas da prisão, dentre as quais, de acordo com o art. 319 do CPP, a fiança.
O legislador expressou, ainda, no art. 310 do CPP, a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança.
Neste contexto, o magistrado, ao optar pela aplicação da fiança, seja mediante concessão de liberdade provisória ou adoção de medida cautelar, deverá adotar todas as precauções para a fixação do montante pecuniário a ser adimplido.Analisará, portanto, as condições econômicas do flagranteado para, só então, estipular o valor da fiança.
É bem verdade que a estipulação desarrazoada do montante da fiança poderá revelar-se extremamente penosa e insuportável para o flagranteado, impedindo-lhe, consequentemente, de conquistar sua liberdade.
Nesta situação,se o flagranteadopossuir parcos recursos financeiros e for oriundo de classe social inegavelmente desassistida pelo Estado, acabará por vivenciar, mais uma vez em sua vida, a diferença de tratamento que será dispensada àqueles que poderão pagar pela liberdade.
A primazia constitucional de que todo cidadão é igual em direitos e deveres será prontamente refutada quando se destinar a certo grupo social (pessoas carentes e hipossuficientes) tratamento diferenciado daqueles concedidos as classes mais abastadas.
Neste intuito, o legislador penal, através da lei 12.403/2011, que reformou parcialmente o Código de Processo Penal, em seu artigo 325, § 1º, I e II[1], antevendo a problemática que envolveria o tratamento anti-isonômico entre as diversas classes sociais que compõe nossa estrutura social, adotou sistemática humanitária e benevolente para aqueles dotados de menor poder financeiro. Vejamos:
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites:
a) (revogada);
b) (revogada);
c) (revogada).
I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;
II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.
§ 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser:
I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código;
II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou
III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes.
Em complemento ao citado dispositivo de lei, o art. 350 do CPP estabelece que, “nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso”.
Assim também o art. 326[2] do Código de Processo Penal:
Art. 326. Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.
Na mesma trilha, o art. 282, II[3], do CPP: “As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”.
O professor Eugênio Pacelli de Oliveira[4], discorrendo sobre o tema, expôs o seguinte:
Ora, é preciso que ter em conta que estamos tratando daquele ainda não condenado definitivamente. Portanto, há que se ter cautela na fixação dos valores da fiança, sob pena de, por vias transversas, se voltar ao regime da prisão preventiva obrigatória, por impossibilidade econômica de sua prestação. Naturalmente, e em tese, haverá clientela para o aludido exagero, mas a depender do exame mas cuidadoso quanto aos elementos indiciários (de autoria, de materialidade, da disposição financeira)
Vale frisar, também, que as medidas cautelares dispostas no art. 319 do CPP estão elencadas em ordem crescente de gravidade, donde se conclui que o juízo deverá justificar tanto a escolha da medida para o caso em concreto como também os motivos que o levaram a preterir as demais.
Tal raciocínio encontra guarida no art. 282, I[5], do CPP:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previsto, para evitar a prática de infrações penais.
Nesta toada, a aplicação desproporcional da medida cautelar de fiança, em favor de uma pessoa desprovida de recursos financeiros, revela-se drástica, visto que impede o cidadão de aguardar em liberdade pelo desenrolar da ação penal.
Ademais, como bem pontuado pelo professor Eugênio Pacelli de Oliveira, a fixação de fiança além da capacidade financeira do acusado converte-se em verdadeira prisão preventiva obrigatória, atentando, assim, contra o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF).
A cerca do tema, passamos a transcrever trechos de alguns julgados de nossos Tribunais:
HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (ART. 16, INC. I, DA LEI Nº 10.826/2003). APLICADA MEDIDA CAUTELAR DIVERSA DA PRISÃO. FIANÇA NOS TERMOS DO ART. 325, INC. II, E § 1º, II, DO CPP, INSERTOS PELA LEI Nº 12.403/2011, QUE ALTEROU A LEGISLAÇÃO ATINENTE ÀS PRISÕES CAUTELARES. PACIENTE QUE NÃO TEM CONDIÇÕES ECONÔMICAS PARA ARCAR COM A FIANÇA ARBITRADA. INEXISTÊNCIA DE REQUISITOS PARA SUA SEGREGAÇÃO CAUTELAR. INDICIADO PRIMÁRIO, QUE POSSUI RESIDÊNCIA FIXA E EXERCE TRABALHO LÍCITO NA FUNÇÃO DE "ESTOFADOR". SUBSTITUIÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DE FIANÇA POR OUTRAS CAUTELARES PERTINENTES AO CASO. POSSIBILIDADE. LIMINAR CONFIRMADA. ORDEM CONCEDIDA EM DEFINITIVO.
1. Quando não estão presentes os requisitos para a manutenção da segregação preventiva, devem-se aplicar outras medidas cautelares diversas da prisão, de acordo com a Lei nº 12.403/2011. 2. Se arbitrada a fiança, o indiciado demonstrar não possuir condições de arcar com o valor estabelecido pela autoridade judiciária, não pode ser penalizado com a manutenção de sua custódia cautelar, por ser menos favorecido economicamente. 3. Nos casos em que é cabível a substituição da fiança por outras medidas cautelares pertinentes, há de se conceder o benefício da liberdade provisória, independentemente do pagamento da fiança, porém, aplicando- se outras medidas substitutivas. (TJPR: 8586990 PR 858699-0)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE FIANÇA. HIPOSSUFICIÊNCIA. SITUAÇÃO FÁTICA DOS AUTOS. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. A DISPENSA OU REDUÇÃO DA FIANÇA, EM RAZÃO DE SITUAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA QUE IMPEÇA O AUTUADO DE ARCAR COM O PAGAMENTO DA CONTRACAUTELA EXIGIDA, NOS TERMOS DO ARTIGO 325, § 1º C/C ARTIGO 350, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ESTÃO SUJEITAS À VERIFICAÇÃO DO JUIZ, À LUZ DO CASO CONCRETO, SEM PREJUÍZO DA IMPOSIÇÃO DE OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS.
2. EXTRAINDO-SE DOS AUTOS A CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA DO PACIENTE, DEVE SER ELE DISPENSADO DO PAGAMENTO DA FIANÇA, NA FORMA DO ART. 350 DO CPP, SEM PREJUÍZO DA IMPOSIÇÃO, PELO JUÍZO PROCESSANTE, DE QUALQUER DAS MEDIDAS CAUTELARES PREVISTAS NO ART. 319, DO CPP.
3. ORDEM CONCEDIDA. (TJDF - HBC: HC 13815720128070000 DF 0001381-57.2012.807.0000)
Desta feita, se o magistrado, na análise do caso em concreto, observar que o flagranteado é hipossuficiente econômico,poderádispensar(art. 325, § 1º, I, do CPP) ou reduzir o valor da fiança em até 2/3 (art. 325, § 1º, I, do CPP), seja nas hipóteses de concessão de liberdade provisória ou fixação de medida cautelar.
3 CONCLUSÃO
O instituto da fiança foi alçado a posição de destaque na nova ordem jurídica brasileira, ainda mais quando utilizado para conter as hipóteses de prisão cautelar.
A sua adoção tanto pode se dar por meio da concessão de liberdade provisória (art. 310,III, CP) ou através da fixação de medida cautelar (art. 310, II, c/c art. 319, VIII, ambos do CPP).
Ocorre que, para a perfeita aplicação do instituto da fiança, o magistrado não poderá deixar de se ater para as condições pessoais do flagranteado, seja para determinar seu afastamento (réu reconhecidamente hipossuficiente), seja para determinar o montante pecuniário condizente com a realidade econômica do agraciado.
Deste modo, o perfeito manejo da fiança ocorrerá tão somente quando os aplicadores do direito reconhecerem a situação social/econômica suportada por aqueles que porventura serão beneficiados com sua concessão.
4 REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Processo Penal. 8º ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
SITE PLANALTO. DISPONÍVEL EM: http://www.planalto.gov.br
[1] Extraído do sítio: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 27/02/2013.
[2]Extraído do sítio: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 27/02/2013.
[3]Extraído do sítio: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 27/02/2013.
[4] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de Oliveira. Curso de Processo Penal. 15º ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2011, p. 581.
[5] Extraído do sítio: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 27/02/2013.
Defensor Público Federal, com pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Pablo Luiz. O instituto da fiança e sua aplicabilidade aos hipossuficientes à luz da lei 12.403/2011 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/34036/o-instituto-da-fianca-e-sua-aplicabilidade-aos-hipossuficientes-a-luz-da-lei-12-403-2011. Acesso em: 26 dez 2024.
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