A Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, fruto do trabalho da comissão formada por Ada Pellegrini Grinover, Petrônio Calmon Filho, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rogério Lauria Tucci e Sidnei Benetti trouxe substanciais modificações a determinados dispositivos do Código de Processo Penal, sobretudo no que concerne aos procedimentos.
Os artigos 397 e 405, do Código de Processo Penal, que cuidavam da matéria relacionada com a substituição de testemunhas, foram alterados e deixaram de tratar especificamente do assunto.
Em outras palavras, o Código de Processo Penal não mais possui regramento destinado a reger a substituição de pessoas a serem inquiridas em juízo.
Daí emerge a questão: Após o advento da Lei nº 11.719/08 não é mais possível operar a permuta de testemunhas não localizadas, como anteriormente previsto nos artigos 397 e 405, do Código de Processo Penal?
E a resposta só pode ser negativa.
Malgrado a omissão legislativa, que, ao contrário de representar um silêncio propositado do legislador, só reforça a lamentável carência de uma política pública criminal e causa estragos irreparáveis no cenário jurídico nacional, a substituição de testemunhas, não localizadas, não tem como ser considerada expungida no sistema processual penal.
Cediço é que, como corolário dos princípios do contraditório e do acesso à justiça, a parte tem direito constitucional à prova, na medida em que não se pode talhar da acusação ou da defesa o exercício legítimo de influenciar, por intermédio do substrato probatório, o convencimento do juiz para a entrega de uma prestação jurisdicional efetiva e justa.
Noutros dizeres, embora não absoluto, a parte tem o direito de produzir prova em juízo, de participar de sua elaboração e, igualmente, o de se manifestar acerca do conteúdo probante, com vistas a demonstrar as alegações dos fatos feitas como fundamento da acusação e da defesa, alvitrando animar, legitimamente, a decisão judicial.
Se assim é, sendo o testemunho a forma mais antiga e importante de se obterem elementos para o juízo sobre os fatos no processo penal e tendo o magistrado a possibilidade de convocar, de ofício, testemunhas que considere relevantes para a busca da verdade real, não há negar às partes o direito de substituição de testemunhas não encontradas, desde que existentes e arroladas tempestivamente, observada, paralelamente, a ausência de intuito meramente procrastinatório.
Ora, a análise da quaestio deve partir do ideário constitucional, no qual é ínsito o espírito garantista, consagrador do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
O que se quer dizer é que não se pode perder de vista, em matéria de hermenêutica constitucional, que a exegese não atua de baixo para cima, mas com escalonamento, progressivo, de cima para baixo, compreendendo todos os ditames constitucionais para, a partir daí, extrair o efetivo significado da lei.
Oportuno lembrar, a respeito, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, dispõe, no seu artigo 8º, item 2, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (c) concessão ao acusado de tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; (f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;”
A doutrina e a jurisprudência não destoam de tal entendimento.
Andrey Borges de Mendonça, comentando a lacuna do novo texto legal, preleciona que “mesmo diante da omissão, entendemos que, em princípio, há possibilidade de substituição da testemunha não encontrada. No entanto, não será automática a sua substituição. Deverá o juiz analisar a relevância e pertinência da medida, bem como se não se trata de medida protelatória, para decidir se é ou não o caso de admitir a substituição...” (in “Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo”, Ed. Método, 2008, pág. 297).
O Pleno do Excelso Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do AP 470-AgR-segundo/MG, já teve oportunidade de se manifestar quanto ao tema aqui discutido e, considerando aplicável à hipótese o disposto no artigo 408, do Código de Processo Civil, nos termos em que o admite o artigo 3º, do Código de Processo Penal, anotou a possibilidade da substituição de testemunha não localizada, ementando:
“AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. SUBSTITUIÇÃO DE TESTEMUNHA. NOVA REDAÇÃO DO ART. 397 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REFORMA PROCESSUAL PENAL. SILÊNCIO ELOQÜENTE. INOCORRÊNCIA. ANÁLISE TELEOLÓGICA DO PROCESSO. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. POSSIBILIDADE...”.
O eminente Relator do referido Agravo Regimental, Ministro Joaquim Barbosa, assentou no respectivo voto que a busca da verdade material, “...sempre balizada por princípios e garantias constitucionais fundamentais e à parte as polêmicas conceituais, não pode ser fulminada pelo legislador, sob pena de tornar ilegítima a decisão judicial final, por sua completa distorção em relação à realidade fática”.
Por conseguinte, externado pedido de substituição referente a testemunhas arroladas tempestivamente, e não havendo notícia da inexistência de tais pessoas ou do caráter prorrogativo do requerimento, inarredável assegurar à parte o direito de substituir testemunhas não encontradas, em prestígio aos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
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