1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho, no entanto, cinge-se à controvérsia que tange ao instituto da prescrição trazido pelo art. 23 da Lei n. 8.492/92 – que trata da prescrição das ações previstas na referida lei –, quando analisado através da perspectiva constitucional do art. 37, §5º.
Preconiza o art. 37, §4º da CRFB/88:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”
A título inicial, pode-se dizer que a tendência na doutrina é de considerar a improbidade administrativa como de natureza cível, muito embora a preocupação em efetivamente estabelecer a sua natureza não apresente maior relevância para o presente trabalho. Ademais, a leitura do artigo supra transcrito indica que as penalidades não possuem natureza penal, dada a ressalva na parte final de sua redação.
Nesse diapasão, já entrando no mérito do presente trabalho, leciona Pablo Stolze sobre o instituto da prescrição:
“O tempo é um fato jurídico natural de enorme importância nas relações jurídicas travadas na sociedade, uma vez que tem grandes repercussões no nascimento, exercício e extinção de direitos.”
A prescrição, portanto, existe como uma forma de garantir a estabilidade e pacificação social, preservando a segurança jurídica, à medida que impõe limitações temporais ao exercício de direitos, consistindo, afinal, na perda da pretensão do direito violado em virtude da inércia do seu titular.
Enquanto que a Lei de Improbidade Administrativa prevê o prazo prescricional de 5 anos, após o termino do exercício do mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança, para levar a efeito as sanções previstas, a Constituição Federal estabelece que:
“Art. 37, §5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.”
Analisando-se os artigos mencionados, torna-se clara a divergência hermenêutica entre ambos, dada a possível pretensão do constituinte originário de assedimentar a imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário por prática de ato ilícito.
Detendo-se mais acerca do tema, encontram-se opiniões doutrinárias nos dois sentidos, que serão apresentados em seguida para, posteriormente, chegar-se a uma conclusão do próprio autor.
Os que defendem a prescritibilidade assim o fazem levando em consideração o que foi mencionado no início do presente trabalho, que a prescrição é fundamental para assegurar a estabilidade das relações sociais e garantir, nesse sentido, a paz social.
Aduzem que a regra geral do ordenamento jurídico brasileiro é a da prescritibilidade das pretensões, fato que exigiria, para os casos de imprescritibilidade, norma expressa, tal qual é observado em relação ao crime de racismo (art.5º, LXII, CRFB/88), e à ação de grupos armados contra a ordem social e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB/88).
“A regra geral é ser toda ação prescritível. A prescrição refere-se a todos os direitos indistintamente”, conforme sintetiza Venosa, sendo notável a prática de mencionar expressamente os casos de imprescritibilidade pelo constituinte.
Há, contudo, parte da doutrina que se posiciona no sentido da defesa da ideia da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário por ato de improbidade administrativa. Pode-se dizer que o principal fundamento levantado por essa vertente doutrinária é a própria literalidade do dispositivo constitucional, que, conforme visto, ressalva, quanto ao prazo prescricional, as ações de ressarcimento ao erário da regulamentação infraconstitucional.
Na jurisprudência, o entendimento dos tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça) tem filiado-se à segunda corrente aqui apresentada.
Entretanto, em julgamento recente, inclusive, o STF, no RE 669.069/MG, reconheceu a repercussão geral da matéria por unanimidade de votos no plenário virtual, tendo o Ministro relator Teori Zavaski suscitado três pontos fundamentais para a compreensão da matéria e posterior decisão:
“(a) a imprescritbilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma.”
Nesse sentido, muito embora existam até julgados sobre a matéria por parte do STF – como, por exemplo, em sede de mandado de segurança, em que se reconhece a imprescritibilidade de ações de ressarcimento ao erário –, deve-se buscar conciliar a maior gama de princípios constitucionais em caso de aparente discrepância normativa.
In casu, estender o rol das imprescritibilidades para abranger as ações de ressarcimento ao erário por ato de improbidade administrativa mostra-se como uma verdadeira afronta ao princípio da isonomia, o que termina por sepultar o princípio da segurança jurídica, pilar do Estado democrático de direito. Nota-se assim, numa perfunctória ponderação de princípios, a fragilidade a que expõe todo ordenamento jurídico a adoção de tal posicionamento.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo de. A prescrição da ação civil pública por dano causado ao erário. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 956, 14 fev. 2006. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2014.
CAMINHA, Felipe Regis de Andrade. A imprescritibilidade do ressarcimento do dano ao erário decorrente de ato de improbidade administrativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3708, 26 ago. 2013. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2014.
GAGLIANO, Pablo, FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume I: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2010.
NASSAR, Elody. Prescrição na administração pública. São Paulo: Saraiva, 2009.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção, OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO.
VENOSA, Sílvio Saulo. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2010.
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