A mulher presa gestante ou com filho de até 12 anos de idade incompletos tem direito a requerer a substituição da prisão preventiva pela domiciliar. É o que estabelece a Lei n. 13.257, editada em dia 8 de março de 2016, que alterou artigos do Código de Processo Penal.
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
(...)
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
Esta foi a fundamentação que substituiu a prisão preventiva de Adriana Ancelmo mulher do Ex-Governador Sérgio Cabral. Mas será que foi a decisão mais acertada?
As hipóteses de prisão domiciliar previstas nos incisos do art. 318 do CPP são sempre obrigatórias? Em outras palavras, se alguma delas estiver presente, o juiz terá que, automaticamente, conceder a prisão domiciliar sem analisar qualquer outra circunstância?
A presença de um dos pressupostos indicados no art. 318, isoladamente considerado, não assegura ao acusado, automaticamente, o direito à substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Além do que na forma da literalidade d art. 318 em comento o juiz “poderá” e não “deverá” realizar a substituição.
O princípio da adequação também deve ser aplicado à substituição (CPP, art. 282, II), de modo que a prisão preventiva somente pode ser substituída pela domiciliar se mostrar adequada à situação concreta. Não basta que a mulher presa tenha um filho menor de 12 anos de idade para que receba, obrigatoriamente, a prisão domiciliar. Será necessário examinar as demais circunstâncias do caso concreto e, principalmente, se a prisão domiciliar será suficiente ou se ela, ao receber esta medida cautelar, ainda colocará em risco os bens jurídicos protegidos pelo art. 312 do CPP.
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Os atos gravíssimos praticados por Adriana Ancelmo fundamentaram o pedido de prisão preventiva por representarem perigo concreto à ordem pública e econômica e da aplicação da lei penal.
Não houve qualquer alteração na situação fática que fizesse desaparecer os fundamentos da preventiva. A liberdade de Adriana Ancelmo continua representando perigo a ordem pública e econômica além da aplicação da lei penal. Assim os bens jurídicos que se procurou tutelar com a subsunção do art. 312 permanecem em risco, desautorizada a nosso sentir a transformação da preventiva em domiciliar.
As restrições adotadas com a vedação do uso de internet e telefone no imóvel na impede que Adriana Ancelmo Receba visitas em seu domicílio e livremente delibere seus desígnios criminosos. Além do que mesmo a vedação constante na decisão é de duvidosa efetividade prática, quando a fiscalização é de difícil realização.
Inapelavelmente esta decisão liminar do STJ que aplicou a letra da lei sem levar em consideração as circunstâncias concretas do caso, a inalterabilidade das razões que vieram a decretar a prisão preventiva de Adriana Ancelmo, peca ainda pela gritante ausência de isonomia na aplicação da lei.
Existe uma enorme população carcerária de mulheres presas preventivamente e a espera de julgamento na mesma situação de Adriana Ancelmo, ou melhor, aguardando por anos presa acusadas do cometimento de crimes de bagatela, muitos para subsistência própria e/ou dos seus filhos menores. Um sem número delas com filhos menores, na mesma situação de Adriana Anselmo, mas que furtaram o equivalente a 50 reais e não o equivalente a 50 milhões de reais (números exemplificativos - hipotéticos).
Assim Georgina Gonçalves entrou em um supermercado na cidade mineira de Varginha e colocou na bolsa cinco frascos de chiclete de menta a dois desodorantes com aroma para adolescentes. A conta daria R$ 42,00, mas ela saiu sem pagar. Logo que deixou o estabelecimento, foi abordada pelos seguranças, que chamaram a polícia. Os produtos foram devolvidos às prateleiras e Georgina foi presa em flagrante. O fato ocorreu em 18 de fevereiro de 2011. Até este mês encontrava-se presa. Em apertada votação (3X2), o STF a libertou após ter seu habeas corpus negado pelo mesmo STJ que concedeu prisão domiciliar a Adriana Ancelmo.
É tarefa mais que árdua, que requer embriagada dose de argumentos contraditórios para nós que nos propomos a debater o Direito Constitucional, em especial a máxima efetividade dos direitos fundamentais, explicar a mais absoluta ausência de um razoável tirocínio lógico-decisório que o poder econômico pode promover em termos de ausência de isonomia nas decisões judiciais. As discrepâncias que o poder econômico ainda promove em nossos julgados demonstra um Brasil ainda separado por castas onde a isonomia é percebida absurdamente pelo nosso Judiciário como mera tábula rasa.
Finalizemos com o que entendemos ser o principal artigo da Constituição, não a toa o mais conhecido deles e por ironia do destino o mais desprezado pelas autoridades públicas:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...).
Por fim a questão ainda restará enfrentada em seu mérito pelo colegiado, quando esperamos maior discernimento e respeito aos pilares constitucionais da isonomia e da moralidade. Os benefícios processuais existem, mas parecem dirigidos, seletivos, efetivos tão somente para as castas de Poder.
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