RESUMO: O Direito ao desenvolvimento deve ser analisado não somente como o direito do Estado em produzir cada vez mais. O desenvolvimento, mais do que uma aspiração individual, deve ser compreendida como um direito de todos, a ser praticado por e para todos. Ao longo dos anos, percebemos que o desenvolvimento não se dá de forma completa se pensada somente no critério econômico, mas também no aspecto político e social, que devem atuar de forma conjunta e harmônica.
Palavras chave: desenvolvimento econômico, desenvolvimento político, desenvolvimento social, interdependência, subdesenvolvimento, democracia, igualdade, saúde, educação, mínimo existencial.
Sumário: 1. Introdução 2. Desenvolvimento econômico... 2.2: Subdesenvolvimento 2.3 A superação do subdesenvolvimento para se chegar ao desenvolvimento econômico, segundo Celso Furtado . 3. Desenvolvimento político 3.1: Conceito . 3.2: Democracia . 3.3: Igualdade entre os gêneros . 3.4: Participação popular . 3.5: Autodeterminação dos povos . 3.6: Cooperação e solidariedade internacionais . 4. Desenvolvimento social . 4.1: Conceito . 4.2: Garantia do mínimo existencial . 4.3: Saúde . 4.4: Educação . 5. Conclusão . 6. Bibliografia .
1. INTRODUÇÃO
A Assembleia Geral das Nações Unidas, na Declaração do Direito ao Desenvolvimento, reconheceu o desenvolvimento como “um processo global econômico, social, cultural e político, que visa a melhora constante do bem estar de toda a população e de todos os indivíduos”[1]. Manifestou sua preocupação com a existência de graves obstáculos ao desenvolvimento.
Traz a Declaração aos Estados a grande responsabilidade em implementar condições para o desenvolvimento. No art. 3º dessa declaração há expressamente esta recomendação, ao afirmar que “Os Estados têm o dever primário da criação e condições nacionais e internacionais favoráveis para a realização ao direito ao desenvolvimento”, bem como “têm o dever de cooperarem uns com os outros para garantir o desenvolvimento e eliminar obstáculos ao desenvolvimento. Os Estados devem exercer seus direitos e cumprir com seus deveres de tal forma a promover uma nova ordem econômica internacional baseada na igualdade de soberania, interdependência, interesses mútuos e cooperação entre os Estados”.[2]
Em 1993, a Declaração e Programa de Ação de Viena surge com uma abrangente análise global do sistema internacional de direitos humanos e dos mecanismos de proteção desses direitos e ainda consagrando a universalidade como característica marcante do regime jurídico internacional dos direitos humanos. [3]
É uma Declaração a enunciar que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e inter-relacionados, devendo a comunidade internacional considerá-los, globalmente, de forma justa e equitativa, no mesmo pé e em igual ênfase (item 5).
Importante destacar-se nessa Declaração o item 8:
“A democracia, o desenvolvimento e o respeito pelos Direitos do homem e pelas liberdades fundamentais são interdependentes e reforçam-se mutuamente.”
Afirma André de Carvalho Ramos que “neste sentido, países menos desenvolvidos empenhados no processo de democratização e de reformas econômicas devem ser apoiados pela comunidade internacional, para que alcancem sucesso na sua transição para a democracia e o desenvolvimento econômico”[4].
Com base nesses ensinamentos que se baseará o presente trabalho: o desenvolvimento econômico, e explicando a relação entre desenvolvimento e subdesenvolvimento; o desenvolvimento social, baseado nas mudanças das estruturas sociais subdesenvolvidas, de modo a garantir um mínimo existencial, em versão mais adequada à proposta dos direitos humanos, e o desenvolvimento político, usando, como o seu viés mais importante, a democracia. Reiterando sempre que, por questão didática essas formas de desenvolvimento serão analisadas separadamente, mas imprescindível lembrar que essas formas de desenvolvimento devem ser vistas de modo global, interdependentes e inter-relacionadas.
2. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
2.1: CONCEITO
Para Luis Carlos Bresser-Pereira, “o desenvolvimento econômico é assim um fenômeno histórico, de um lado relacionado com o surgimento das nações e a formação dos estados nacionais ou estados nação, e, de outro, com a acumulação de capital e a incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao próprio capital, que ocorrem sob a coordenação das instituições e principalmente de mercados relativamente competitivos. O desenvolvimento é, portanto, um fenômeno relacionado com o surgimento das duas instituições fundamentais do novo sistema capitalista: o estado e os mercados.”[5]
Carla Rister afirma que “o desenvolvimento, em sentido lato, estaria intimamente ligado ao progresso e à paz, consistindo num dos direitos fundamentais do homem”[6].
Celso Furtado traz dois sentidos à ideia de desenvolvimento: o avanço do sistema, como sendo “soma entre a acumulação e a técnica” e o grau de satisfação das necessidades humanas. No primeiro caso trata-se da evolução de um sistema social de produção à medida que este, mediante a acumulação e progresso das técnicas, torna-se mais eficaz,
ou seja, eleva a produtividade do conjunto de sua força de trabalho. No segundo caso, quando se trata de necessidades humanas elementares, como vestuário, alimentação, habitação. O aumento da expectativa de vida, de certa forma, significa melhora nessas necessidades elementares.[7]
Para que ocorra o verdadeiro desenvolvimento econômico, faz-se necessária a existência de um sistema de valores em que a pessoa humana seja a centralidade e o objetivo do modus operandi do desenvolvimento; consequentemente, há o enfraquecimento da visão predatória do desenvolvimento, visto que a questão da pobreza e os baixos níveis de vida não podem ser resolvidos com acumulação de riquezas.
Com base neste raciocínio, ficaremos com a visão de Louis-Joseph Lebret, que define o desenvolvimento a “passagem pelo conjunto de sub-populações que integram um povo, de um nível de vida menos humano para um nível de vida mais humano, ao custo de trabalho e capital menos elevado possível, no ritmo mais rápido possível.”[8]
2.2: SUBDESENVOLVIMENTO
É um produto das estruturas de dominação. Um processo histórico autônomo, e não uma etapa para que tenham, necessariamente, que passar todos os países para se chegar ao desenvolvimento. Logo, o subdesenvolvimento não é uma etapa obrigatória no
processo de formação das economias capitalistas, constituindo, na realidade, uma deformação[9].
Nas palavras de Carla Abrantkoski Rister, seria o processo de crescimento, que pode abranger a modernização dos padrões de consumo e mesmo a expansão do comércio exterior, mas sem que as estruturas sociais sejam modificadas[10].
O termo subdesenvolvimento, surgindo quase que concomitantemente ao desenvolvimento, surgiria também como referência aos países não industrializados ao final da II Guerra Mundial, às antigas colônias europeias, diferenciando-se dos países desenvolvidos e dos países socialistas.
No subdesenvolvimento, os recursos são empregados de modo a reproduzir desigualdades, sem transformação qualitativa das estruturas sociais. [11]
Celso Furtado caracteriza o processo de subdesenvolvimento como:
“(...) um desequilíbrio na assimilação dos avanços tecnológicos produzidos pelo capitalismo industrial a favor das inovações que incidem diretamente sobre o estilo de vida. Essa proclividade à absorção de inovações nos padrões de consumo tem como contrapartida atraso na adoção de métodos produtivos mais eficazes. É que os dois processos de penetração de novas técnicas se apoiam no mesmo vetor que é a acumulação. Nas economias desenvolvidas existe um paralelismo entre a acumulação nas forças produtivas e diretamente nos objetos de consumo. O crescimento de uma requer o avanço de outra. A raiz do subdesenvolvimento reside na
desarticulação entre esses dois processos causada pela modernização.”[12] (pág. 8)
2.3: A SUPERAÇÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO PARA SE CHEGAR AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Para Celso Furtado, a busca pela superação do atraso econômico e a promoção do desenvolvimento parte, a princípio, da concepção de que o subdesenvolvimento é uma conformação estrutural produzida pela forma como se difundiu o progresso tecnológico no plano internacional. A sua superação não se daria somente “ao impulso das simples forças do mercado, exigindo um projeto político apoiado na mobilização de recursos sociais”[13].
Logo, o Estado surge como um importante instrumento para a superação do subdesenvolvimento. É importante o Estado atuar como responsável pela coordenação e condução de políticas de planejamento que viabilizem a promoção do desenvolvimento.
Avançar dessa forma significa representar um movimento rumo a modificações estruturais, cujo significado certamente se traduziria na remoção dos obstáculos ao desenvolvimento econômico e social. As ações do Estado estariam, portanto, voltadas para a necessidade do conjunto da população, e não somente para reprodução de padrões de consumo de uma minoria abastada, como ocorre num processo de modernização.
Por fim, necessário esclarecer que não está aqui se defendendo uma atuação absoluta do Estado. Não se defende a coibição do empresariado. Ao contrário: são necessárias ações para que a atividade empresarial se fortaleça. Porém, bons resultados somente poderão ser alcançados se o Estado agir de forma planejada, sem improvisação.
3. DESENVOLVIMENTO POLÍTICO
3.1: CONCEITO
Desenvolvimento político pode ser entendido como o processo histórico de conquista por parte da sociedade, da capacidade coletiva organizada de estatuir projeto próprio, em termos de cidadania, associativismo, consolidação democrática e serviço público. Não é o Estado que funda a cidadania. O Estado deve ser resultado dela e estar a seu serviço.
Para se tratar de desenvolvimento político, o presente trabalho basear-se-á em sua expressão mais importante: a democracia. Entende-se que não há que se falar em desenvolvimento sem que o povo tenha a livre possibilidade de escolher seus governantes, através de formas democráticas de votação, numa sociedade livre e igualitária.
O elo da democracia com a legitimidade política é relativamente recente. A maioria das constituições políticas baseadas no Estado, ao longo da história, firmou-se na autoridade “de cima para baixo”, com uma dádiva divina, ordem natural, ou tradição legitimando o poder daqueles com virtude superior. Na metade do século XX, porém, muitos regimes apelaram, em lugar disso, à autorização “de baixo para cima”, através do povo, principalmente nos países subdesenvolvidos do pós guerra.
No plano internacional, recebeu endosso poderoso nos documentos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Convenção Internacional dos Direitos Humanos de 1966.
Todos têm o direito de participar do governo de seu país, diretamente ou através de representantes livremente escolhidos. A vontade do povo deverá ser a base da autoridade do governo; essa vontade deverá ser expressa em eleições periódicas e genuínas que deverão ocorrer pelo sufrágio universal e igualitário e realizadas pelo voto secreto ou por procedimentos equivalentes de voto livre.
A democracia é um mecanismo para controlar o desgoverno economicamente predatório que precede qualquer chance real de desenvolvimento. Ao prover responsabilidade, transparência, ampla participação, e um fluxo de livre informação, os direitos humanos e a democracia podem ajudar a assegurar que o crescimento econômico seja canalizado para o desenvolvimento nacional ao invés do enriquecimento privado.
É claro que vários são os mecanismos para conseguirmos o desenvolvimento político. Não há que se falar em desenvolvimento político sem falarmos de democracia, igualdade, autodeterminação dos povos, participação popular, cooperação e solidariedade internacionais. Vários outros pontos poderiam ser destacados, mas explicitaremos os citados.
a. DEMOCRACIA
O sistema democrático, na tradição clássica, era caracterizado pela dimensão puramente política, ou institucional, do jogo político, em sistemas nacionais que, seja pelo exercício do voto censitário, seja por diferentes mecanismos de restrição das franquias democráticas, tendiam a excluir uma grande maioria da população não só dos instrumentos de representação mas igualmente dos mecanismos de decisão. A democratização social e política, em escala mundial, ocorrida no decurso do século XX, em especial a vaga de redemocratização registrada na América Latina em suas duas últimas décadas, trouxeram, como complemento das instâncias puramente políticas de governabilidade, a necessidade de serem implementadas políticas setoriais e globais de solidariedade e de justiça social.
Com efeito, a grande fronteira ainda a ser conquistada no mundo moderno é a das barreiras internas à inclusão social, que constituem a mesmo tempo a fonte principal e a alavanca política das demais barreiras e divergências existentes no sistema internacional.
As liberdades civis e liberdade de expressão podem levar a um sistema mais transparente e melhor administrado e a um desenvolvimento econômico mais participativo e robusto. Além de eleições limpas, livres e justas e sistemas políticos multipartidários mais eficazes, imprensa livre e outros meios de comunicação fortes são igualmente importantes.
Conforme ensinamento de Amartya Sen, “é preciso ver a democracia como criadora de um conjunto de oportunidades, e o uso dessas oportunidades requer uma análise diferente, que aborde a prática da democracia e direitos políticos”[14].
Sobre a democracia, ainda, importante salientar outro aspecto trazido por Amartya: o papel da oposição. Segundo ele, o papel da oposição em verdade é uma força importante tanto em sociedades democráticas como em sociedades não-democráticas. É importante o papel fiscalizatório da oposição, e de cobranças. Uma oposição forte resulta em um governo forte.
“Em uma democracia, o povo tende a conseguir o que exige e, de um modo mais crucial, normalmente não consegue o que não exige.”
b. IGUALDADE ENTRE OS GÊNEROS
Por quê a igualdade de gênero é importante para o desenvolvimento?
De acordo com o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2012, elaborado pelo Banco Mundial, há dois motivos essenciais: Primeiro, a igualdade de gênero tem importância intrínseca porque a capacidade de viver a vida que se deseja e ser poupado da privação absoluta é um direito humano básico e deve ser igual para todos, seja a pessoa homem ou mulher. Segundo, a igualdade de gênero tem importância instrumental porque uma maior igualdade de gênero contribui para a eficiência econômica e a obtenção de outros resultados essenciais de desenvolvimento.[15] Portanto, assim como desenvolvimento significa menos pobreza de renda ou um melhor acesso à justiça, ele também deve significar menos hiatos no bem-estar entre homens e mulheres.
A igualdade de gênero representa uma economia inteligente: ela pode aumentar a eficiência econômica e melhorar outros resultados de desenvolvimento de três maneiras. Primeiro, removendo barreiras que impedem as mulheres de ter o mesmo acesso que os
homens têm à educação, oportunidades econômicas e insumos produtivos que podem gerar enormes ganhos de produtividade — ganhos essenciais em um mundo mais competitivo e globalizado. Segundo, melhorar a condição absoluta e relativa das mulheres introduz muitos outros resultados de desenvolvimento, inclusive para seus filhos. Terceiro, o nivelamento das condições de competitividade — onde mulheres e homens têm chances iguais para se tornar social e politicamente ativos, tomar decisões e formular políticas — provavelmente gerará no decorrer do tempo instituições e escolhas de políticas mais representativas e mais inclusivas, levando assim a um melhor caminho de desenvolvimento.
Quando as mulheres exercem maior controle sobre os recursos dos domicílios ocorrem mais investimentos no capital humano de crianças, com efeitos positivos dinâmicos sobre o crescimento econômico.
É comprovado que maior renda entre mulheres significa, também maior gasto com crianças, com sua educação, com consequências óbvias para o desenvolvimento. É, portanto, investimento na própria mulher, em gerações futuras e no desenvolvimento de uma nação.
A maior renda de mulheres gera, mais saúde para elas e, por consequência, para seus filhos. Maior escolaridade, que também refletirá em escolaridade para as crianças.
c. PARTICIPAÇÃO POPULAR
Enquanto em um contexto autoritário, observa-se a redução da participação e o aumento de mecanismos de controle, em regime democrático, o processo se inverte. No caso atual do Brasil, a Constituição de 1988 assegura juridicamente a participação e o controle social como mecanismos de democratização dos direitos civis e políticos. Nesse sentido, o termo controle social está intrinsecamente articulado a democracia representativa, que assegura mecanismos de participação da população na formulação, deliberação e fiscalização das políticas públicas.
No Capítulo VII da Carta da Organização dos Estados Americanos, assim está escrito:
Art. 34: Os Estados membros convêm em que a igualdade de oportunidades, a eliminação da pobreza crítica e a distribuição eqüitativa da riqueza e da renda, bem como a plena participação de seus povos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento, são, entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento integral.(grifos nossos)[16]
Na área da infância e juventude, por exemplo, podemos citar como formas de participação popular os Conselhos Tutelares, responsáveis, entre outras funções, em atuar na proposta orçamentária dos municípios na área da infância; Os Conselhos de Direitos, compostos por membros da sociedade civil e dos Estados, em que suas Resoluções possuem caráter cogente é um exemplo de participação popular nas políticas públicas na área da infância.
d. AUTODETERMINAÇÃO DOS POVOS
É o direito de cada povo dispor de seu destino.
Compreendidos doutrinariamente como os direitos de terceira dimensão.
Assim prevê a Declaração e Programa de Ação de Viena:
1. Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.
O direito à autodeterminação dos povos, consagrado logo na abertura da Declaração, diz respeito, em primeiro lugar, à independência dos povos coloniais. Refere-
se, também, em segundo lugar, à soberania de cada Estado independente sobre as riquezas e recursos naturais que se encontram em seu território[17].
A autodeterminação, surgiu, em princípio, em contraposição à dominação europeia, principalmente em relação às colônias africanas, vez que impunham seu imperialismo, usurpando recursos naturais de suas colônias bem como impedindo o desenvolvimento de seu povo, atuando, inclusive em desrespeito à cultura e costumes locais.
Por fim, o professor Balera nos recorda que: “a autodeterminação, verdadeiro polo motor da igualdade – porque direito inalienável do povo – não é tanto dado formal a ser reconhecido, mas antes o vetor permanente e vivo que atualiza certos comportamentos dos Estados, cujo desenvolvimento se impõe como objetivo, comportamentos que concretizam a fim de conquistarem, sempre mais, melhores posições nos distintos ambientes nos quais são chamados a atuar”.[18]
Conforme explicação de Wagner Balera, a autodeterminação não é apenas mais um tópico no catálogo de princípios que regem o direito internacional. Trata-se, mais propriamente, de direito humano dos povos, que podem repelir a injusta violação dessa prerrogativa.[19]
e. COOPERAÇÃO E SOLIDARIEDADE INTERNACIONAIS
Na encíclica populorum progressio, há a previsão da necessidade de solidariedade e fraternidade entre os povos:
44. As suas obrigações enraízam-se na fraternidade humana e sobrenatural, apresentando-se sob um tríplice aspecto: o do dever de solidariedade, ou seja, o auxílio que as nações ricas devem prestar aos países em via de desenvolvimento; o do dever de
justiça social, isto é, a retificação das relações comerciais defeituosas, entre povos fortes e povos fracos; o do dever de caridade universal, quer dizer, a promoção, para todos, de um mundo mais humano e onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros.[20]
Na encíclica Laudato Si, o Papa Francisco reitera a necessidade de cooperação entre os povos:
52. É necessário que os países desenvolvidos contribuam para resolver esta dívida, limitando significativamente o consumo de energia não renovável e fornecendo recursos aos países mais necessitados para promover políticas e programas de desenvolvimento sustentável. As regiões e os países mais pobres têm menos possibilidade de adoptar novos modelos de redução do impacto ambiental, porque não têm a preparação para desenvolver os processos necessários nem podem cobrir os seus custos.[21]
A necessidade de cooperação de países mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos, mais notadamente os “países não-alinhados” é algo absolutamente atual, mesmo após várias Declarações fazerem esta afirmação.
A política de ajuda ao desenvolvimento não deve ser encarada como um ato de caridade dos mais ricos para com os mais pobres, mas como uma necessidade ditada por critérios de elementar justiça, já que o desenvolvimento é um direito humano e deve ser promovido como tal à escala mundial.
O auxílio ao desenvolvimento deve ser analisado cada vez menos como uma despesa e mais um investimento no futuro. A persistência das desigualdades, da pobreza
e dos conflitos geram fenômenos de insegurança, fluxos migratórios, constituição de redes criminosas transnacionais e outros, que facilmente nos afetam. A interdependência crescente demonstra-nos que os problemas econômicos ou de segurança são também problemas de desenvolvimento, exigindo um esforço de procura de soluções globais.
Nesse sentido, a ajuda realmente eficaz é aquela que promove uma redução da dependência da ajuda, uma vez que o objetivo final é exatamente o país deixar de precisar desse apoio.
4. DESENVOLVIMENTO SOCIAL
4.1 CONCEITO
Basicamente, o desenvolvimento social pode ser entendido como um processo de melhora da qualidade de vida dentro de uma sociedade. Considera-se que um país possui alta qualidade de vida quando seus habitantes, dentro de um cenário de paz, liberdade, justiça, democracia, tolerância, equidade, igualdade e solidariedade, têm amplas e recorrentes possibilidades de satisfação de suas necessidades e também podem empregar suas potencialidades e conhecimentos com vistas a conseguir melhoria futura em suas vidas e da sociedade em que vive.
Não há que se falar em desenvolvimento social sem atuação efetiva do Estado, de modo a garantir direitos básicos da população, com vistas ao seu desenvolvimento, tais como educação, moradia, saúde, alimentação.
Entre as formas de desenvolvimento aqui estudadas, esta é a que mais necessita da atuação contundente do Estado para sua efetivação. Não à toa, Convenções, Declarações internacionais e Constituições conferem aos Estados a responsabilidade por garantir os meios para efetivar o desenvolvimento.
Logo, um Estado comprometido com saúde, alimentação, educação, moradia, emprego, que destina parcela da renda para sua efetivação tem grande possibilidade de levar a sua população ao amplo desenvolvimento.
Uma população socialmente desenvolvida tem maiores condições de exercer livremente sua cidadania, capacidade de participar qualitativamente das decisões de seu país, planejar seu futuro, sua família, questionar, reivindicar cada vez melhores condições de vida para si e para o próximo.
Um dos pontos principais a serem analisados é a Educação. Não há que se falar em desenvolvimento econômico, social e político sem uma sociedade que conheça seus direitos e obrigações, que tenha capacidade de questionar e de se planejar, e sem que, por conta de sua ignorância (aqui compreendida como desconhecimento), seja facilmente manipulada e tenha sua vontade viciada.
a. GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL
Como uma primeira delimitação, pode-se afirmar que o conteúdo do mínimo existencial é constituído basicamente pelos direitos fundamentais sociais, sobretudo aquelas "prestações materiais" que visam garantir uma vida digna. Isso não significa garantir apenas a sobrevivência física, mas implica o desenvolvimento da personalidade como um todo.
Este conceito básico de mínimo existencial não esgota toda a problemática sobre o assunto.
Boa parte da doutrina trata dessas “prestações materiais”, entendidas tão-somente como os direitos sociais como únicas a terem analisados o mínimo existencial. Mas quando falamos em mínimo existencial, parte da doutrina, como por exemplo Ingo Sarlet entende que não se tratam apenas de direitos sociais, mas que mesmo direitos políticos precisam sem garantidos. Não há que se falar em garantia se, por exemplo, o direito ao voto não for respeitado. Reiteramos aqui, a questão da universalidade e da inter-relação dos direitos fundamentais.
Devemos, por fim, tomar cuidado em não igualar mínimo existencial ao mínimo vital. Este é o apenas o necessário para se manter vivo, o que não é o mesmo que manter uma vida digna, visto que não é o que se espera do mínimo existencial.
b. SAÚDE
O direito à saúde, por ser decorrente do direito fundamental à vida e por entendê-lo como pressuposto para o desenvolvimento pleno dos demais direitos sociais, o Judiciário tem o definido como parte integrante do chamado mínimo existencial do ser humano, a qual o Estado está obrigado a garantir sua implementação.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a pobreza é a maior causa mortis do mundo, pois possui influência destrutiva desde os primórdios da vida humana, da concepção à morte[22]. Dentre os oito objetivos de desenvolvimento do milênio proclamados pela Organização das Nações Unidas (ONU), três estão diretamente relacionados à saúde: redução da mortalidade materna e infantil, combate à AIDS e outras doenças como malária e tuberculose e erradicação da pobreza e da fome. Estes objetivos refletem, portanto, a ênfase na saúde como pressuposto para o desenvolvimento.
Tanto as medidas de prevenção quanto as relativas ao atendimento ou recuperação do doente estão compreendidas no cardápio dos recursos básicos na área de saúde.
Em relação à medicina preventiva, essas integram o cardápio do mínimo existencial, vale dizer, dos recursos básicos de saúde, enquanto que as medidas atinentes à medicina curativa podem ser classificadas como integrantes dos direitos sociais.[23]
c. EDUCAÇÃO
A nossa Constituição Federal, em seu artigo 205, assim determina:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Em primeiro lugar, importante ressaltar que o direito à educação não se reduz ao direito do indivíduo de cursar o ensino fundamental para alcançar melhores oportunidades de emprego e contribuir para o desenvolvimento econômico da nação. Deve ter como escopo o oferecimento de condições para o desenvolvimento pleno de inúmeras capacidades individuais, jamais se limitando às exigências do mercado de trabalho, visto que o ser humano é fonte inesgotável de crescimento e expansão no plano intelectual, físico, espiritual, moral, criativo e social.
Assim, o sistema educacional deve proporcionar oportunidades de desenvolvimento nessas diferentes dimensões, preocupando em fomentar valores como o respeito aos direitos humanos e a tolerância, além da participação social na vida pública, sempre em condições de liberdade e dignidade.
Ao se investir em educação (não apenas de forma quantitativa, ou seja, com pessoas dentro das escolas, mas sim qualitativa, estimulando o senso crítico, formando, acima de tudo, cidadãos), implantando um sistema público adequado, este investimento não interessa apenas aos beneficiários diretos do serviço (os alunos), mas à coletividade como um todo, já que a educação escolar constitui um meio de inserir as novas gerações no patrimônio cultural acumulado pela humanidade, dando-lhe continuidade.
5. CONCLUSÃO
Em que pese termos tratado separadamente de cada uma das formas de desenvolvimento, demonstramos que todas estas formas são intimamente ligadas. A busca pelo desenvolvimento passa, desde a responsabilidade do Estado para a atuação de cada um de nós.
Conforme ensinamento do professor Wagner Balera,
Incumbe à humanidade expandir, em mil formas, as diversas expressões de progresso. A amplitude dos negócios não pode conhecer fronteiras geográficas nem tampouco barreiras ideológicas. Deve albergar a todas as comunidades, aproveitando as energias dispersas e condensando-as em favor da conquista das melhores condições de vida para o homem todo e todos os homens.
6. BIBLIOGRAFIA:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução da primeira edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bosi. Revisão da tradução e tradução de novos textos Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
BANCO MUNDIAL: http://siteresources.worldbank.org/INTWDR2012/Resources/7778105-1299699968583/7786210-1315936231894/Overview-Portuguese.pdf . Acesso em: 28.03.2016
BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015.
BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. O conceito histórico de Desenvolvimento Econômico. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2006/06.7-conceitohistoricodesenvolvimento.pdf. Acesso em: 28.03.2016
CARTA DA OEA: http://www.oas.org/dil/port/tratados_A-41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.htm#ch7 . Acesso em 28.03.2016
Carta encíclica Laudato Si - http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2010.
FURTADO, Celso. O subdesenvolvimento revisitado. In: Economia e Sociedade. Campinas: Paz e Terra, 1992
________. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico estrutural. São Paulo: Paz e Terra, 2000
LEBRET, Louis-Joseph. Économie et civilization. Tome II. Science économique et développement. Paris. Économie et Humanisme Les Éditions Ouvrières, 1958, apud TSURUDA, Juliana Melo. Justiça e fraternidade: o mínimo existencial como concretizador do direito ao desenvolvimento. Tese de mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2016
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva; 2006
https://europa.eu/eyd2015/pt-pt/portugal/posts/what-aid . Acesso em 20.03.2016
Populorum Progressio: - http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html . Acesso em 28.03.2016
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2015
RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento – antecedentes, significado e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007
RIVERO, Jean e Moutouh. Liberdades públicas. São Paulo: Martins fontes, 2006.
SACHS, Jeffrey. O fim da pobreza. Como acabar com a miséria mundial nos próximos 20 anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2012
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015
SEM, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015
TSURUDA, Juliana Melo. Justiça e fraternidade: o mínimo existencial como concretizador do direito ao desenvolvimento. Tese de mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016
[1] Declaração do Direito ao Desenvolvimento. Tradução juramentada nº 628, livro 06, folha 198/400.
[3] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2015. P. 208
[4] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2015. P. 209
[5] BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. O conceito histórico de Desenvolvimento Econômico. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/papers/2006/06.7-conceitohistoricodesenvolvimento.pdf. Acesso em: 28.03.2016
[6] RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento – antecedentes, significado e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007
[7] FURTADO, Celso. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico estrutural. São Paulo: Paz e Terra, 2000
[8] LEBRET, Louis-Joseph. Économie et civilization. Tome II. Science économique et développement. Paris. Économie et Humanisme Les Éditions Ouvrières, 1958, p. 25/26: “Ces prècisions apportées, le problème du développement peut se poser em ces termes: le développent est le passage, pour l’ensemble des sous-populations intégrant um peuple, d’um niveau de vie moins humain à um niveau de vie plus humain, au coût travail et capital le moins élevé possible, au rythme le plus rapide possible” , apud TSURUDA, Juliana Melo. Justiça e fraternidade: o mínimo existencial como concretizador do direito ao desenvolvimento. Tese de mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2016
[9] FURTADO, Celso. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico estrutural. São Paulo: Paz e Terra, 2000
[10] RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento – antecedentes, significado e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007
[11] TSURUDA, Juliana Melo. Justiça e fraternidade: o mínimo existencial como concretizador do direito ao desenvolvimento. Tese de mestrado defendida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2016
[12] FURTADO, Celso. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico estrutural. São Paulo: Paz e Terra, 2000
[13] FURTADO, Celso. Introdução ao desenvolvimento: enfoque histórico estrutural. São Paulo: Paz e Terra, 2000
[14] SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia de Bolso, 2015
[15] BANCO MUNDIAL: http://siteresources.worldbank.org/INTWDR2012/Resources/7778105-1299699968583/7786210-1315936231894/Overview-Portuguese.pdf . Acesso em: 28.03.2016
[16] CARTA DA OEA: http://www.oas.org/dil/port/tratados_A-41_Carta_da_Organiza%C3%A7%C3%A3o_dos_Estados_Americanos.htm#ch7. Acesso em 28.03.2016
[17] COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2010.
[18] BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015
[19] BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015.
[20] Populorum Progressio: - http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_26031967_populorum.html. Acesso em 28.03.2016
[21] Laudato Si - http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
https://europa.eu/eyd2015/pt-pt/portugal/posts/what-aid . Acesso em 28.03.2016
[22] Piovesan Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. São Paulo: Saraiva; 2006
[23] BALERA, Wagner. Declaração sobre o direito ao desenvolvimento anotada. Curitiba: Juruá, 2015
Defensora Pública. Mestranda em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SPONTON, Leila Rocha. Direito ao desenvolvimento: desenvolvimento econômico, político e social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 ago 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50575/direito-ao-desenvolvimento-desenvolvimento-economico-politico-e-social. Acesso em: 12 nov 2024.
Por: JAQUELINA LEITE DA SILVA MITRE
Por: Elisa Maria Ferreira da Silva
Por: Hannah Sayuri Kamogari Baldan
Por: Arlan Marcos Lima Sousa
Precisa estar logado para fazer comentários.