RESUMO: A Constituição Federal de 1988 representou um importante marco para a implementação dos direitos sociais no Brasil ao prever o acesso à saúde de forma gratuita e universal. Nesse contexto, diante das dificuldades naturais de concretização dos preceitos constitucionais pelos entes federativos, sejam de ordem financeira, sejam de ordem técnica, o Poder Judiciário passou a ser rotineiramente acionado pela população, de acordo com o que comumente passou a ser denominado fenômeno da “judicialização da saúde”. Assim, tendo em vista tal cenário, constitui objeto do presente artigo uma breve análise dos instrumentos atualmente utilizados pelo Judiciário para melhor conduzir o crescente número de ações relacionadas ao direito à saúde que são rotineiramente ajuizadas, com enfoque na aplicação da chamada corrente da “saúde baseada em evidências”. Para tanto, utiliza-se como referência o método utilizado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Palavras-Chave: Direito Constitucional; Judicialização da saúde; saúde baseada em evidências.
Sumário: 1 INTRODUÇÃO; 2 DIREITO À SAÚDE NO BRASIL; 3 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE; 3.1 A Audiência Pública nº 4 do STF; 3.2 Proposições do Conselho Nacional de Justiça – CNJ; 4 DA SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS; 4.1 Conceito; 4.2 Visão do Supremo Tribunal Federal; 4.3 Atuação do Judiciário segundo a política da saúde baseada em evidências: experiência de Minas Gerais; 5. CONCLUSÃO; 6 REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
A judicialização da saúde é um tema constante nas discussões jurídicas atuais, notadamente quando o fenômeno é analisado sob bases como a teoria dos direitos fundamentais e a separação dos poderes. Especificamente, quando se fala em judicialização da saúde, os debates doutrinários e jurisprudenciais são muito voltados a temas como o clássico embate entre os princípios do mínimo existencial e da reserva do possível, ou à eterna discussão dos limites de atuação do judiciário nas políticas públicas propostas pelo executivo, dentro da divisão estabelecida pelo princípio da separação dos poderes.
Por outro lado, muito pouco se discute sobre os meios pelos quais tal fenômeno pode ser melhor conduzido. Em simples palavras, a partir do reconhecimento da existência da judicialização dos direitos ligados à saúde como uma realidade inarredável, mostra-se pertinente o estudo sobre quais seriam os instrumentos que melhor poderiam conduzir os magistrados em suas decisões, tendo sempre como norte os princípios basilares previstos na Constituição Federal.
Nesse contexto é que a aplicação da chamada “saúde baseada em evidências” passa a exercer um papel de significativa importância dentro do Direito. Adotada pelo Sistema Único de Saúde como fundamento para a definição dos tratamentos que serão ofertados pela rede pública, tal corrente busca, a partir de estudos científicos consolidados, reduzir as incertezas da imensa gama de informações que são rotineiramente veiculadas sobre os mais variados tipos de doenças.
Na linguagem jurídica, um estudo fruto da “saúde baseada em evidências” pode ser determinante para o magistrado alcançar a melhor solução das demandas que lhe são submetidas. Com efeito, diante da enxurrada de ações que são rotineiramente ajuizadas buscando o custeio público de tratamentos ditos “experimentais”, certo é que o conhecimento científico dos reais efeitos de cada medicamento constitui fator decisivo para a concessão ou não do pedido da parte. Tal conclusão é ainda reforçada diante do fato de que grande parte desses tratamentos experimentais possui um alto valor, capaz de interferir de forma significativa no planejamento financeiro proposto para a execução da política pública.
Assim, para a melhor compreensão dos elementos envolvidos na temática, em um primeiro momento será abordada a visão geral dos princípios básicos que regem o direito à saúde no Brasil. Mais adiante, serão brevemente apresentadas algumas medidas que já foram adotadas pelo Judiciário para promover a racionalização das decisões judiciais relacionadas à saúde. Ao final, serão desenvolvidos os aspectos concernentes à corrente da “saúde baseada em evidências”, com foco na experiência vivenciada no Estado de Minas Gerais.
2 DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
A saúde é um direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantido de forma universal e igualitária. Como direito social e fundamental do ser humano, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) prevê a assistência à saúde de forma gratuita a qualquer pessoa. Trata-se, portanto, de um direito público subjetivo com garantia constitucional. Nesse sentido, inicialmente, assim prevê o art. 6º da CF/88:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifos nossos)
Mais adiante, no TÍTULO VIII, “Da Ordem Social”, é previsto na Constituição Federal seção específica, denominada “DA SAÚDE”, composta pelos artigos 196 a 200, onde são traçadas as diretrizes gerais que devem nortear a concretização do direito garantido de forma genérica no art. 6º. Vejamos o que dispõe o art. 196:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (grifos nossos).
A Carta Magna traz apenas as diretrizes gerais para o acesso à saúde. O art. 196 supracitado tem natureza programática, ou seja, depende de complementação legislativa ordinária. Nesse contexto, foi editada a Lei nº 8.080/90 que trata com profundidade a matéria relativa à divisão de competências estabelecidas no Sistema Único de Saúde, bem como os princípios e diretrizes básicas para a saúde no Brasil.
Nesse ponto específico, destaca-se o que prevê o art. 2º da dita Lei nº 8.080/90:
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. (grifos nossos)
Para entender melhor a abrangência do direito à saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara que a saúde é um estado de total bem-estar físico da sociedade e não apenas a ausência de doenças. Vale explicitar, ainda, o conceito trazido pelo autor Hewerstton Humenhuk:
“A saúde também é uma construção através de procedimentos. (...) A definição de saúde está vinculada diretamente a sua promoção e qualidade de vida. (...) O conceito de saúde é, também, uma questão de o cidadão ter direito a uma vida saudável, levando a construção de uma qualidade de vida, que deve objetivar a democracia, igualdade, respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurando livrar o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios”.[1]
Diante desse cenário, pode-se concluir que o direito à saúde é indissociável do próprio direito à vida. Dessa forma, o Estado, em suas três esferas, União, Estados/Distrito Federal e Municípios, deve garantir a qualquer pessoa o acesso a um sistema de saúde pleno e eficaz, de forma gratuita e universal.
3 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
Por força do que prevê a Constituição Federal, no Brasil, a saúde é um direito que deve ser ofertado de forma gratuita e universal. Ou seja, como princípios basilares do Sistema Único de Saúde, a universalidade e a gratuidade impõem, em um primeiro momento, a obrigação de atendimento público e gratuito a todo aquele que necessitar, sem qualquer discriminação de ordem econômica. Tenha o indivíduo condições econômicas para custear o atendimento, ou não, o tratamento deve ser ofertado de forma integral e gratuita.
Todavia, na prática, diante das inúmeras dificuldades vivenciadas no país, sejam de ordem financeira, sejam de ordem técnica, certo é que nem toda a pessoa que busca o atendimento público consegue o tratamento desejado. Tal se verifica, principalmente, por duas razões básicas: ou o SUS não possui o tratamento específico requerido como uma das opções da política disponibilizada; ou, mesmo sendo disponibilizado pelo SUS, o tratamento não pode ser efetivamente realizado por motivos de escassez de recursos financeiros.
Como resultado dessa aparente contradição entre o que prevê a Constituição e o que é vivenciado na prática, rotineiramente o Poder Judiciário, como guardião da lei, passou a ser acionado pela população. Busca-se, com frequência, através de ordens judiciais, a disponibilização de tratamentos médicos que não foram tempestivamente ofertados pela rede pública.
Em breve síntese, esse é o panorama que originou o chamado fenômeno da “judicialização da saúde”, que atualmente consume uma imensa força de trabalho do Judiciário. Como decorrência lógica, para conseguir atender essa nova demanda inesperada, o Poder Judiciário teve que aprofundar seus estudos sobre o tema, de modo a proporcionar diretrizes a serem seguidas pelos magistrados, na busca da construção de decisões que melhor harmonizem a obrigação imposta pela Constituição com a realidade vivida pelos entes públicos.
Nesse sentido, abaixo são demonstrados os principais estudos que foram realizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Conselho Nacional de Justiça.
3.1 A Audiência Pública nº 4 do STF
A Audiência Pública nº 04, realizada pelo Supremo Tribunal Federal nos meses de maio e abril de 2009, visou esclarecer questões técnicas, científicas, políticas e econômicas que refletem no direito à saúde e sua consequente judicialização. Além disso, pretendeu analisar a questão da divisão de competência para a prestação da saúde em seus níveis de complexidade e avaliar como essa divisão reflete nas políticas públicas de saúde.
A realização de tal audiência foi um marco para a discussão das consequências advindas da judicialização da saúde, tendo contado com a participação de autoridades dos mais diversos seguimentos ligados ao direito à saúde, a exemplo de: advogados, defensores públicos, magistrados, promotores, professores, médicos, gestores na área de saúde e usuários do Sistema Único de Saúde.
Para ilustrar a abrangência da Audiência nº 04, vale citar trecho da abertura e apresentação feita pelo SR. MINISTRO GILMAR MENDES que explicou, em breves linhas, a tensão existente entre o Judiciário e os gestores que responsáveis pelas políticas públicas de saúde:
Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania e para a realização do direito social à saúde, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se vêem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área da saúde e além das possibilidades orçamentárias. A ampliação dos benefícios reconhecidos confronta-se continuamente com a higidez do sistema.
[...]
No contexto em que vivemos, de recursos públicos escassos, aumento da expectativa de vida, expansão dos recursos terapêuticos e multiplicação das doenças, as discussões que envolvem o direito à saúde representam um dos principais desafios à eficácia jurídica dos direitos fundamentais.[2]
3.2 Proposições do Conselho Nacional de Justiça – CNJ
Após os resultados da Audiência Pública nº 4, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ constituiu uma equipe de trabalho que resultou na elaboração da Recomendação n. 31, de 30 de março de 2010[3], a qual esboça diretrizes aos magistrados quanto às questões judiciais relacionadas à assistência à saúde. Já em abril do mesmo ano, o CNJ publicou a Resolução n. 107[4], que instituiu o Fórum Nacional para monitoramento e resolução das demandas de assistência à Saúde – Fórum Nacional.
O Fórum Nacional é coordenado por um Comitê Executivo Nacional e constituído por Comitês Estaduais. Em 2014, o CNJ promoveu sua I Jornada de Direito da Saúde[5] com a finalidade de reunir autoridades das áreas da saúde e do direito para debater os principais temas relacionados à judicialização da saúde e, principalmente, produzir e aprovar enunciados interpretativos voltados à uniformização de entendimentos, com a finalidade de auxiliar os magistrados em suas decisões. Já em 2015, ocorreu a II Jornada de Direito da Saúde[6], com a publicação de mais enunciados sobre o tema.
Dentre as medidas implementadas pelo CNJ, destacam-se, de modo geral, as seguintes orientações: i) incentivo à celebração de convênios para a elaboração de notas técnicas; ii) instruir as causas com relatórios médicos, descrição da doença (inclusive CID) e prescrição dos medicamentos com posologia exata; iii) evitar a autorização do fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, ou em fase experimental e iv) quando possível, ouvir os gestores, preferencialmente por meio eletrônico, antes da apreciação de medidas de urgência.
4 DA SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS
4.1 Conceito
Inicialmente, faz-se necessário traçar um conceito do que seria a “saúde baseada em evidências”. Para tanto, cita-se a definição extraída da obra “Saúde Baseada em Evidências” de Paula Lima Bosi:
[...], saúde baseada em evidências (SBE) é definida como o elo entre a boa pesquisa científica e a prática clínica. Portanto, ela pode ser definida como saúde baseada na redução da incerteza. Essa redução da incerteza pode ser feita por meio da melhoria e do rigor da metodologia – para prevenção dos vieses –, do aumento do tamanho amostral em cada estudo ou da realização de metanálises, para diminuição dos efeitos do acaso. Enfim, essa redução pode ser obtida pela realização de sínteses críticas, ou seja, revisões sistemáticas e, com elas, diretrizes baseadas em evidências, para utilização na prática dos profissionais da saúde (ATALLAH, 2004; EL DIB; ATALLAH, 2006). Portanto, a saúde baseada em evidências consiste em tentar melhorar a qualidade da informação na qual se baseiam as decisões em cuidados de saúde. Ela ajuda o médico a evitar ‘sobrecarga de informação e, ao mesmo tempo, a encontrar e aplicar a informação mais útil. (grifos nossos)[7]
4.2 Visão do Supremo Tribunal Federal
O Supremo Tribunal Federal, na decisão paradigma proferida na Suspensão de Tutela Antecipada 175 (Ceará), de relatoria do MINISTRO GILMAR MENDES, tratou sobre o tema da “saúde baseada em evidências”, afirmando que o Sistema Único de Saúde se filiou a esta corrente. Segundo a Corte Suprema, a inexistência de evidências da efetividade de um tratamento pode ser a fundamentação para a negativa de fornecimento do medicamento na via judicial.
Além disso, explicita que o Estado tem o dever de garantir o que compõe as políticas públicas de saúde e não toda e qualquer alternativa terapêutica requerida pela parte. Para melhor esclarecer, é válido citar trecho da decisão:
A princípio, pode-se inferir que a obrigação do Estado, à luz do disposto no artigo 196 da Constituição, restringe-se ao fornecimento das políticas sociais e econômicas por ele formuladas para a promoção, proteção e recuperação da saúde.
Isso porque o Sistema Único de Saúde filiou-se à corrente da “Medicina com base em evidências”. Com isso, adotaram-se os “Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas”, que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada. Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente. (STF. AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA Nº 175 - CE, Relator: Ministro GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 17/03/2010. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publ. 30-04-2010)
4.3 Atuação do Judiciário segundo a política da saúde baseada em evidências: experiência de Minas Gerais
Diante desse novo paradigma da judicialização da saúde, o Estado de Minas Gerais implementou medidas e firmou parcerias para concretizar os preceitos advindos da política da “medicina baseada em evidências”.
Dentre as várias medidas implementadas, destacamos, no presente estudo, o convênio celebrado em fevereiro de 2014 entre o TJMG, o Instituto Brasileiro para Estudo e Desenvolvimento do Setor de Saúde – IBEDESS, a Cooperativa de Trabalho dos Médicos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – HC Coop UFMG e o Núcleo de Avaliações de Tecnologias em Saúde – NATS, objetivando a prestação de serviços de suporte técnico médico aos magistrados.
Sobre o objeto da citada parceria, colaciona-se trecho elucidativo extraído do próprio sítio eletrônico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Em fevereiro de 2014, foi assinado convênio entre o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o Instituto Brasileiro para Estudo e Desenvolvimento do Setor de Saúde (Ibedess), a Cooperativa de Trabalho dos Médicos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – HC Coop UFMG – e o Núcleo de Avaliações de Tecnologias em Saúde (Nats), para prestação de serviços de suporte técnico médico. O convênio tem por objeto a elaboração de documentos técnicos da área de saúde para auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor quando da apreciação de questões clínicas apresentadas em ações judiciais envolvendo a assistência à saúde.[8]
Em outra notícia, veiculada no sítio eletrônico da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, há a indicação do valor que representou o convênio:
Em Minas Gerais, uma das providências de maior sucesso foi a implantação de um serviço de suporte técnico aos juízes, por meio do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Nats), vinculado ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Antes disso, sem informação médica ou farmacológica, muitas vezes os juízes decidiam sob pressão, obrigando o Estado a comprar medicamentos de determinada marca, quando havia produtos equivalentes, já referendados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mais baratos e acessíveis. A assessoria técnica do Nats atendeu essa carência.[9]
Assim, como fruto do referido serviço de suporte técnico, o repositório do TJMG conta hoje com: 524 notas técnicas, 778 respostas técnicas e 33 pareceres técnicos.
Especificamente sobre a forma como os estudos técnicos são apresentados, basicamente, diante de um questionamento feito pelo magistrado da causa, o profissional responsável irá, com fundamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas adotados pelo SUS, apresentar as considerações aplicáveis ao caso, concluindo, ao final, pela pertinência, ou não, do pleito da parte.
Como exemplo de caso concreto já analisado, trazemos trechos extraídos da Nota Técnica Nº: 19/2017 NATJUS-CEMED, solicitada no Processo nº 00257894120178130301, originado da 2ª Vara Cível, da Infância e Juventude e Juizado Especial Criminal da Comarca de Igarapé – MG. Na oportunidade, para subsidiar a sua decisão, a magistrada da causa encaminhou para análise técnica os seguintes questionamentos:
Solicito nota técnica acerca da pertinência da prescrição de uso do medicamento CINACALCETE para o tratamento de doença renal crônica terminal (CID 18.0) e Osteo Distrofia Renal (CID 25.0).
Segundo o relatório médico que instrui o pleito judicial, a hipertrofia da glângula tornou-se refratária ao tratamento clínico com Vitamina D e ajuste de nível sérico de cálcio e fósforo. A solicitação pertine à apreciação de pedido liminar formulado nos autos de ação civil pública sob o n. 00257894120178130301.
A despeito da existência de notas técnicas específicas deste medicamento, as quais concluem que o medicamento não foi estudado suficientemente para comprovação de sua eficácia no tratamento da doença em questão, observo que tais notas foram elaboradas no ano de 2014, pelo que reputo prudente verificar se houve alteração na conclusão do trabalho técnico.[10]
Em resposta ao pleito do juízo, após tecer as considerações pertinentes ao caso, o profissional responsável pela elaboração da Nota Técnica apresentou a seguinte conclusão:
Conforme os elementos apresentados, a prescrição do medicamento Cinacalcete é pertinente ao caso em tela; preenche os critérios de inclusão no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Distúrbio Mineral e Ósseo na Doença Renal Crônica do Ministério da Saúde.
Conforme se observa, na situação analisada, houve a oferta conclusiva de subsídios técnicos para a fundamentação da decisão a ser tomada no processo. A partir de simples leitura da Nota Técnica, foi possível identificar que o medicamento pleiteado pela parte faz parte dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas adotados pelo SUS para tratamento da doença em tela.
5. CONCLUSÃO
Como direito universal e gratuito, o acesso à saúde deve ser garantido pelo Estado a todo aquele que dele necessitar. Todavia, para ser efetivo, o direito à saúde precisa contar com políticas bem estruturadas, voltadas à promoção eficiente dos recursos estatais, de forma a contemplar, com segurança, o maior número possível de atendimentos, mesmo diante da natural limitação financeira típica dos entes públicos. De fato, diante da impossibilidade fática de oferta de todo e qualquer tipo de tratamento médico, mostra-se necessário a adoção de critérios seguros, que selecionem as opções terapêuticas mais eficientes, com base em estudos e resultados satisfatórios.
Ademais, tratando do fenômeno da judicialização da saúde, revela-se fundamental que também os magistrados tenham à sua disposição todos os dados científicos relativos ao caso submetido à apreciação judicial. Somente assim será possível realizar um verdadeiro juízo de valor sobre a conveniência ou não da concessão do tratamento pleiteado pela parte, tendo por parâmetro o impacto de tal medida sobre os cofres públicos. Como exemplo, se o tratamento pleiteado não apresenta dados seguros de maior eficácia do que quando comparado à opção ofertada pelo Sistema Único de Saúde, por certo não fará sentido o dispêndio de recursos públicos no caso.
Nesse contexto, a adoção das medidas de racionalização elaboradas pelo Conselho Nacional de Justiça, aliada ao reconhecimento da “medicina baseada em evidências” como importante diretriz a ser seguida, se mostram essenciais. É o que revelou o modelo implementado no Estado de Minas Gerais, que poderá (e deverá) ser seguido pelos demais entes federativos.
6 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado federal, Centro Gráfico, 1988. 292p. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 22/02/2016.
BRASIL. Lei Federal Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm> Acesso em 22/02/2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA Nº 175 - CE, Relator: Ministro GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 17/03/2010. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publ. 30-04-2010
BOSI, Paula Lima. Saúde baseada em evidências. Disponível em <http://disciplinas.nucleoead.com.br/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=6gAPPzRtfRi1_vSVOJ2jzUyDNPhbusegRtyt9TeVDM4>Acesso em 14/03/2016.
HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Disponível em Acesso em 21/03/2016.
[1] HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Disponível em Acesso em 21/03/2016.
[2] Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/Abertura_da_Audiencia_Publica__MGM.pdf. Acesso em 03/11/17.
[3] Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=1195. Acesso em 03/11/17.
[4] Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2831. Acesso em 03/11/17.
[5] Para mais informações consultar: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude/i-jornada-de-direito-da-saude
[6] Para mais informações consultar: http://www.cnj.jus.br/eventos-campanhas/evento/133-ii-jornada-de-direito-a-saude
[7] BOSI, Paula Lima. Saúde baseada em evidências. Disponível em <http://disciplinas.nucleoead.com.br/mwg-internal/de5fs23hu73ds/progress?id=6gAPPzRtfRi1_vSVOJ2jzUyDNPhbusegRtyt9TeVDM4>Acesso em 14/03/2016.
[8] Disponível em: Acesso em 03/11/17.
[9] Disponível em: Acesso em 03/11/17.
[10] Disponível em: Acesso em 03/11/17.
Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUIZA TEODORO DE MENDONçA, . A proteção judicial efetiva do direito à saúde na perspectiva da saúde baseada em evidências Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2017, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50981/a-protecao-judicial-efetiva-do-direito-a-saude-na-perspectiva-da-saude-baseada-em-evidencias. Acesso em: 07 nov 2024.
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