RESUMO: A história brasileira registra diversos momentos de crescimento desenfreado do seu número de municípios. Para conter esse fenômeno, o legislador editou norma infraconstitucional que tornou mais rígido o processo de criação de municípios, mediante exigência de estudos de viabilidade e edição prévia de Lei Complementar Federal que estabeleça o lapso temporal para a fragmentação desses territórios, sob pena de nulidade. Com o fim de tornar possível a retomada do processo emancipatório, o Congresso Nacional editou inúmeros projetos de lei complementar regulamentando a matéria, todavia sem êxito até o momento. O presente trabalho, portanto, tem a finalidade de abordar o processo emancipatório brasileiro, sob os aspectos histórico e procedimental, analisando os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional e seus reflexos sobre o Estado da Bahia.
Palavras-Chave: Municípios. Emancipação. Criação. Fusão. Incorporação. Desmembramento. Bahia.
ABSTRACT: Brazilian history records several moments of unbridled growth in its number of municipalities. In order to contain this phenomenon, the legislator issued an infraconstitutional norm that made the creation of municipalities more rigid, requiring feasibility studies and previous edition of the Federal Complementary Law that establishes the time span for the fragmentation of these territories, under penalty of nullity. With the purpose of making it possible to resume the emancipatory process, the National Congress has issued numerous bills of complementary legislation regulating the matter, however unsuccessfully so far. The present work, therefore, has the purpose of approaching the Brazilian emancipatory process, under the historical and procedural aspects, analyzing the bills in process in the National Congress and its reflections on the State of Bahia.
Keywords: Counties. Emancipation. Creation. Incorporation. Dismemberment. Bahia.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Breve histórico dos municípios nas constituições brasileiras; 3 O processo de criação de municípios antes e depois da CF/88; 4 A Emenda Constitucional nº 15 de 1996; 5 Do atual processo de criação de municípios; 5.1 Da necessidade de Lei Complementar Federal; 5.2 Da ausência de Lei Complementar Federal e consequente criação de municípios putativos; 5.3 Dos procedimentos necessários à criação de novo ente federativo; 5.4 Os “bastidores” do Processo Legislativo para fragmentação de municípios; 6 Projetos de Lei para elaboração de LC Federal e promoção à criação de novos entes federativos municipais; 6.1 Razões para a fragmentação dos territórios; 6.2 Finalidades “mascaradas” para criação de novos municípios; 6.2.1 Mas o que é o Fundo de Participação dos municípios (FPM)?; 6.3 Os vetos presidenciais; 6.4 Impacto do PLS nº 199/2015 na Bahia; 6.4.1 Na hipótese de aprovação do Projeto de Lei Complementar, quantas novas unidades federativas seriam criadas, no âmbito do Estado da Bahia?; 6.4.2 Despesas administrativas provenientes dos novos entes federativos; 7 Considerações Finais; 8 Referências.
1. Introdução
Os municípios brasileiros foram marcados, ao longo da história, por diversos ganhos e retrocessos no tocante ao seu reconhecimento como ente federativo integrante da organização político-administrativa do Brasil, bem como quanto a sua autonomia administrativa, política e econômica.
Paralelo a essas modificações, foram efetivadas inúmeras emancipações que ampliaram significativamente o quadro de unidades político-administrativas municipais.
A criação acelerada e desordenada de municípios despertou a preocupação governamental, fazendo com que fossem adotadas medidas para obstaculizar o processo emancipatório.
Para tanto, o legislador determinou a observância de novas regras para a fragmentação dos territórios municipais, notadamente quanto à exigência de Lei Complementar Federal que determine o período em que poderão tramitar os processos de emancipação.
Passados mais de 20 anos de tal exigência e estando a legislação brasileira ainda carente de regulamentação quanto à matéria (apesar dos inúmeros projetos de lei apresentados pelo legislativo federal), surge a necessidade de estudo acerca do tema.
A fragmentação de territórios, através da criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios tem despertado, ultimamente, diversas discussões nos meios políticos, administrativos e acadêmicos, de modo que o presente estudo se debruçará sobre os aspectos histórico e procedimentais desses processos com a finalidade de identificar as finalidades e consequências de sua implementação.
A partir da análise, traçaremos um ponto de equilíbrio entre os benefícios e malefícios advindos da fragmentação territorial, atentando para novas possibilidades de atender aos anseios das populações afetadas, sem comprometer a viabilidade política, econômica e social das respectivas localidades.
2. Breve histórico dos municípios nas constituições brasileiras
Os municípios são considerados, atualmente, como unidades federativas integrantes do Estado Brasileiro e dotadas de autonomia financeira, administrativa e política, mas nem sempre foi assim.
Inicialmente, com o advento da primeira constituição, em 1824, quando o Brasil vivia, ainda, sua fase imperial, as províncias centralizavam em si o poder administrativo, econômico e político dos municípios, de modo a restringir a autonomia destes. O art. 167 da referida constituição dispôs sobre a criação de câmaras vinculadas à Administração Municipal, o que representou um ganho para os municípios. Tal dispositivo, no entanto, recebeu a complementação da Lei nº 01/1828 que, em seu art. 24, determinava que as funções das câmaras municipais seriam meramente administrativas, o que fazia dos municípios entes subordinados às províncias e ao império e sem autonomia ou gerência sobre seus próprios interesses.
Em 1891 foi promulgada a segunda Constituição Brasileira que determinou, em seu art. 68, uma pseudoautonomia dada aos municípios, a saber: “os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeito ao seu peculiar interesse”. Tal dispositivo evidenciou a prerrogativa dada aos Estados para intervirem em assuntos de competência dos municípios e deu margem a questionamentos acerca de quais matérias seriam consideradas de “peculiar interesse municipal”.
Por mais de 40 anos os municípios permaneceram menosprezados e subordinados aos interesses políticos das províncias, todavia surgiu com a Revolução de 1930 uma nova ordem política no Brasil. A Era Vargas foi responsável pela promulgação da terceira constituição brasileira, a Constituição de 1934, que destituiu parte das competências dos estados sobre os municípios e determinou o reestabelecimento da forma federativa de organização estatal, de modo que as competências foram redistribuídas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, devolvendo a autonomia aos municípios em relação a matérias específicas de seu interesse. Foi, portanto, um marco na retomada da autonomia municipal.
Em 1937, contudo, ocorreu um golpe de estado responsável pela criação do Estado Novo e da edição da Constituição de 1937. Nesse novo regime de organização estatal que durou até 1945, o poder estava centralizado na figura do presidente da República e ditador Getúlio Vargas, não mais subsistindo a autonomia dos municípios, nem sequer quanto a eletividades dos prefeitos, conforme disposição de seu art. 27: “o prefeito será de livre nomeação do governador do Estado”.
Passado o período do Estado Novo, foi instituída uma Assembleia Constituinte incumbida da edição da quinta constituição brasileira, tendo sido, durante a elaboração do respectivo texto constitucional, levantada a discussão acerca da autonomia municipal.
A Constituição de 1946 representou significativo avanço para a autonomia dos municípios, todavia esse ganho não foi absoluto. Segundo o art. 28, §§ 1º e 2º, da referida Carta Magna, permaneceriam sob a competência dos Estados ou Territórios a nomeação dos prefeitos das capitais e dos municípios onde houver estâncias hidrominerais naturais, quando beneficiadas pelo Estado ou pela União e dos municípios que a lei federal, mediante parecer do Conselho de Segurança Nacional, declarar bases ou portos militares de excepcional importância para a defesa externa do País.
Apesar da autonomia parcial dos municípios, a Constituição de 1946 trouxe, ainda, um ganho para os municípios no que tange à repartição de receitas entre os entes federativos, com a qual os municípios fariam jus a 10% da arrecadação do imposto de renda que, até então, estava sob competência da União. Ocorre que essa determinação legislativa não foi acatada pelos Estados e pela União e os municípios mantiveram-se numa situação de hipossuficiência.
Não obstante a Constituição Brasileira de 1946 ser considerada, até então, uma das mais significativas para os municípios, a autonomia destes não atingiu sua plenitude em razão da obrigatoriedade de leis estaduais e federais para dispor sobre matérias de caráter financeiro, administrativo e político municipais.
Com o início do governo militar, houve a elaboração da Constituição de 1967 seguida da Emenda Constitucional nº 01/1967, que significou um retrocesso para o desenvolvimento e autonomia dos municípios, concentrando novamente os poderes nas mãos do Poder Executivo Federal.
Por fim, temos a atual Constituição Federal de 1988 que, nas palavras de Felisbino (2012), “representou um marco no processo de descentralização política no Brasil, ao reconhecer os municípios como entes da federação e ao atribuir-lhes maiores competências.”
Logo no art. 1º do texto constitucional, o legislador dispõe sobre a forma federativa do Brasil e integra os municípios como entes federativos autônomos, conforme corrobora o art. 18:
“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” (grifo nosso).
A Carta Magna de 1988 ratificou a autonomia concedida aos entes municipais em diversos dispositivos seus, a exemplo dos artigos 29 a 31, os quais dispõem sobre a competência municipal para elaboração de Lei Orgânica própria.
Diante de todo exposto, vemos que os municípios brasileiros passaram por um longo processo de readaptação desde 1824 até a promulgação da Constituição de 1988. Atualmente, contudo, segundo Cupertino, “o município se torna um ente federado pleno, com competência legislativa, autonomia financeira e administrativa e, sobretudo, poder político”, o que faz dele um ente cada vez mais atrativo e forte.
3. O processo de criação de municípios antes e depois da CF/88
O processo emancipatório municipal experimentou significativas oscilações no decorrer da história brasileira. Houveram períodos de expressivo crescimento do número de emancipações, destoando de outros marcados pela estagnação.
Durante o período compreendido ente 1940 e 1970 , foram criados 2.378 novos entes federativos municipais, mais que duplicando o quadro existente em 1940 que era de 1.574. Acerca das razões que ensejaram esse fenômeno, MELLO apud FERRARI (2016, pág. 57) faz a seguinte observação:
“Uma causa da onda emancipacionista que se verifica no Brasil a partir da década de 1940 está no sistema de tributos partilhados, o qual favorece sobretudo os municípios mais pobres, através do FPM. Quando foi introduzido pela Constituição de 1946, as cotas eram iguais para todos os Municípios. Assim, os Governos Estaduais estimulavam a criação de novos Municípios para atrair mais recursos do Governo Federal para o Estado”. (MELLO, 1971)
Na década de 70, com a edição da Lei Complementar nº 01 de 1967, houve uma estagnação no processo de criação de municípios em razão das restrições trazidas pelo texto legal. Vejamos:
“Art. 1º – A criação de Município depende de lei estadual que será precedida de comprovação dos requisitos estabelecidos nesta Lei e de consulta às populações interessadas.
Parágrafo único – O processo de criação de Município terá início mediante representação dirigida à Assembleia Legislativa, assinada, no mínimo, por 100 (cem) eleitores, residentes ou domiciliados na área que se deseja desmembrar, com as respectivas firmas reconhecidas.
Art. 2º – Nenhum Município será criado sem a verificação da existência, na respectiva área territorial, dos seguintes requisitos:
I – população estimada, superior a 10.000 (dez mil) habitantes ou não inferior a 5 (cinco) milésimos da existente no Estado;
II – eleitorado não inferior a 10% (dez por cento) da população;
III – centro urbano já constituído, com número de casas superior a 200 (duzentas);
IV – arrecadação, no último exercício, de 5 (cinco) milésimos da receita estadual de impostos.
§ 1º – Não será permitida a criação de Município, desde que esta medida importe, para o Município ou Municípios de origem, na perda dos requisitos exigidos nesta Lei.
§ 2º – Os requisitos dos incisos I e III serão apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o de no II pelo Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado e o de número IV, pelo órgão fazendário estadual.
§ 3º – As Assembleias Legislativas dos Estados requisitarão, dos órgãos de que trata o parágrafo anterior, as informações sobre as condições de que tratam os incisos I a IV e o § 1º deste artigo, as quais serão prestadas no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data do recebimento.
Art. 3º – As Assembleias Legislativas, atendidas as exigências do artigo anterior, determinarão a realização de plebiscito para consulta à população da área territorial a ser elevada à categoria de Município.
Parágrafo único – A forma da consulta plebiscitária será regulada mediante resoluções expedidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais, respeitados os seguintes preceitos:
I – residência do votante há mais de 1 (um) ano, na área a ser desmembrada;
II – cédula oficial, que conterá as palavras “Sim” ou “Não”, indicando respectivamente a aprovação ou rejeição da criação do Município (BRASIL, 1967).”
A partir de 1980, contudo, o processo de fragmentação de municípios foi retomado de forma moderada, sendo justificada pela degradação do regime militar e no desrespeito à legislação em vigor, conforme afirma TOMIO apud FERRARI (2016, pág. 59):
“Na segunda metade da década de 1980, devido ao que parece ter sido uma crise de legitimidade das instituições geradas no governo militar, muitos municípios foram criados desrespeitando a legislação vigente. A eficácia jurídica da Lei Complementar Federal (LC) 01/67 só ficou caracterizada quando a emancipação de algum destes municípios foi objeto de disputa judicial. Nos casos em que o processo tramitou sem recurso judicial, os municípios foram criados (TOMIO, 2002, p. 65).”
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, trouxe inúmeras transformações no cenário político-administrativo do país, notadamente quanto a descentralização política que transferiu para os Estados-membros a competência para criar municípios, segundo condições e critérios estabelecidos em lei complementar estadual.
Visto que a exigência trazida pelo texto constitucional originário para fins de criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios era basicamente a consulta pública às populações diretamente interessadas e a regulamentação mediante lei complementar estadual, a partir da promulgação da atual Constituição, várias leis complementares foram editadas pelos estados para fins de regulamentar da fragmentação dos entes federativos municipais. No Estado da Bahia, especificamente, foi criado a Lei Complementar nº 01/1989 estabelecendo o requisito de, no mínimo, 12.541 habitantes para que pudesse ser procedida a criação de municípios. Já em 1990 foi editada a lei complementar de nº 02, alterando para 8.000 a quantidade mínima de habitantes para que um distrito pudesse emancipar-se. Em outros estados, todavia, tal exigência foi bastante mitigada, a exemplo dos estados Maranhão e Amapá que estabeleceram um mínimo populacional de 1000 e 948 habitantes, respectivamente.
Nesse sentido, a autonomia estadual para regulamentação e decisão política com relação às emancipações municipais foi responsável pelo ritmo acelerado na criação de novos municípios, uma vez que reduziu demasiadamente os requisitos legais do processo, de modo que a maioria dos novos entes federativos criados no período de 1988 à 1996 não atenderiam às exigências da legislação anterior, conforme artigo 2º da Lei Complementar nº 01 de 1967. Antes, quando era privativa à União a responsabilidade pela criação de novos entes federativos, poucos distritos estavam aptos a se emanciparem.
Segundo dados do IBGE, em janeiro de 1988 o Brasil possuía 4.177 municípios instalados, enquanto que em 1996 já eram 4.974 municípios instalados e mais 533 aguardando instalação. Por fim, em janeiro de 1997 foram concluídos os processos de instalação pendentes, perfazendo um total de 5.507 municípios.
4. A Emenda Constitucional nº 15 de 1996
Em face desse desenfreado surgimento de novos municípios, muitos deles criados para atender a interesses ilegítimos e sem capacidade administrativo-financeira para se tornarem independentes, uma vez que não dispunham de receita própria compatível com as demandas para sua autossustentabilidade, tornou-se necessária a adoção de medidas para obstaculizar o processo. Para tanto, foi editada, em 12 de setembro de 1996, a Emenda Constitucional nº 15 instituindo requisitos mais rígidos e específicos a serem obedecidos nos procedimentos acerca da fragmentação dos entes municipais.
A alteração constitucional supracitada trouxe a exigência de uma lei complementar federal para estabelecer o período em que poderão ser admitidos os processos emancipatórios, bem como determinou a elaboração e publicação de estudos de viabilidade municipal, na forma da lei.
Há divergências de entendimento acerca da esfera legislativa responsável pela edição da lei que disporá sobre os estudos de viabilidade municipal. Há quem diga que seja ela uma lei ordinária estadual, todavia, seguindo a lógica de que tal regra surgiu da necessidade de restringir a autonomia estadual sobre o processo emancipatório, não parece razoável que seja dela a competência para regulamentar esse requisito. Ainda nesse sentido, se analisarmos o texto constitucional veremos que todas as vezes que a Constituição desejou fazer menção à esfera estadual, o fez explicitamente. Cabe, portanto, a interpretação de que a elaboração e publicação dos estudos de viabilidade municipal serão regidos por lei ordinária federal.
5. Do atual processo de criação de municípios
Atualmente, o processo de fragmentação territorial dos municípios brasileiros rege-se pelo art. 18, § 4º, da Constituição Federal de 1988. Vejamos:
“A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações nos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”
Para uma melhor compreensão desse dispositivo, faz-se necessário o devido esclarecimento acerca do significado das terminologias utilizadas aplicadas ao contexto fático:
5.1. Da necessidade de Lei Complementar Federal
O art. 18, § 4º, da CF/88 dispõe sobre a necessidade de lei complementar federal que regulamente o período passível de implantação de procedimentos emancipatórios.
Trata-se, o dispositivo em apreço, de norma constitucional de eficácia limitada, uma vez que depende de lei infraconstitucional para produzir seus plenos efeitos. Nas palavras do professor Pedro Lenza (2016, pág. 544), “toda lei estadual que criar Município sem a existência da lei complementar federal estará eivada de inconstitucionalidade.”
A limitação de sua eficácia se deu com o advento da Emenda Constitucional nº 15/1996 que determinou a obrigatoriedade de norma federal prévia estipulando o período para elaboração dos procedimentos necessários à criação de novas unidades político-administrativas.
Desde a EC nº 15/1996, o poder legislativo federal se mostrou omisso diante da exigência de edição da lei complementar prevista no texto constitucional. Assim sendo, desde então não pode haver a criação de nenhum outro município no Brasil, sob pena de inconstitucionalidade.
5.2. Da ausência de Lei Complementar Federal e consequente criação de municípios putativos
Ocorre que, diante da mora legislativa, inúmeros municípios foram criados em afronta à disposição constitucional, a exemplo do município de Luiz Eduardo Magalhães, no Estado da Bahia, instituído através da lei estadual nº 7.619/00.
Como consequência, diversas ações foram ajuizadas no sentido de declarar a inconstitucionalidade (e, portanto, nulidade) das leis estaduais que criaram municípios sem observância da falta de Lei Complementar Federal regulamentando a matéria.
O STF, em resposta, a fim de assegurar a ordem política e o Princípio da Segurança Jurídica, declarou a inconstitucionalidade de tais leis, mas não se pronunciou pela nulidade dos atos.
Segundo Eros Grau, Ministro do Supremo Tribunal Federal e Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.240/2007, a criação do Município de Luiz Eduardo Magalhães consiste em uma situação excepcional, que, apesar de não positivada no direito, deve ser acatada em razão de sua irreversibilidade fática. Vejamos:
“Ocorre que o Município foi efetivamente criado, assumindo existência de fato como ente federativo dotado de autonomia. Como tal existe. Há mais de seis anos. Por isso esta Corte não pode limitar-se à prática de um mero exercício de subsunção. Cumpre considerarmos prudentemente a circunstância de estarmos diante de uma situação de exceção e as consequências perniciosas que adviriam de eventual declaração de inconstitucionalidade da lei estadual.” (ADI nº 2.240 de 2007, pág. 30).
Na tentativa de regularizar a situação dos municípios criados irregularmente após 1996, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 57/2008 que acrescentou ao ADCT o art. 96 com a seguinte redação: “Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação”.
Ressalte-se que essa “flexibilização” do dispositivo constitucional apenas será aplicada aos casos de leis publicadas entre o início de vigência da EC nº 15/96 e o último dia do ano de 2006. Logo, toda e qualquer lei criadora de municípios publicada a partir do dia 1º de janeiro de 2007 estará eivada de inconstitucionalidade, se ainda não cumprido o requisito da Lei Complementar Federal.
Surge, então, a figura dos municípios putativos, que apesar de não existirem juridicamente, deverão, com base na teoria da boa-fé e nos princípios da reserva do impossível, continuidade, força normativa e segurança jurídica, continuar a existir e repercutir seus efeitos jurídicos como se criado com base na norma constitucional.
Diante disso, levanta-se a discussão acerca da possibilidade desse precedente ser utilizado para futuras violações ao parágrafo 4º, artigo 18, da Constituição Federal.
5.3. Dos procedimentos necessários à criação de novo ente federativo
Superada a exigência de lei complementar federal estipulando o período, bem como o procedimento para criação, incorporação, fusão ou desmembramento dos entes federativos municipais, deve-se prosseguir para elaboração e divulgação do Estudo de Viabilidade Municipal, seguido de plebiscito com toda a população interessada e, por fim, a edição e aprovação da lei estadual.
A exigência de Estudo de Viabilidade Municipal prévio à consulta plebiscitária surgiu com a EC nº 15/1996 como instrumento utilizado pelo constituinte reformador para dificultar e conter o desenfreado surgimento de novos municípios. Além dessa finalidade, objetiva o exame e a comprovação da existência das condições mínimas que permitam a consolidação e desenvolvimento dos municípios envolvidos.
Os Estudos de Viabilidade Municipal deverão abordar aspectos relativos à viabilidade econômico-financeira, político-administrativa, socioambiental e urbana do município a ser criado e dos demais entes afetados. Somente será possível a fragmentação dos territórios, se todos, separadamente, se mantiverem autossuficientes e viáveis.
Sendo favorável a conclusão do Estudo de Viabilidade Municipal, o processo emancipatório segue para consulta às populações interessadas para aprovarem ou não a fragmentação de seus territórios. Nesse sentido, devemos atentar para a necessidade de consulta às populações de todos os municípios envolvidos e não só da área a ser desmembrada.
Quanto aos aspectos formais do ato, “o plebiscito destinado à criação, à incorporação, à fusão e ao desmembramento de Municípios, será convocado pela Assembleia Legislativa, de conformidade com a legislação federal e estadual”, conforme art. 5º da Lei nº 9.709/98.
Cumpridos os requisitos da comprovação da viabilidade municipal e aprovação do ato pelas populações interessadas, e tendo todo esse processo tramitado dentro do período preestabelecido por lei complementar federal, a Assembleia Legislativa do Estado poderá, então, editar lei (estadual) declarando a criação, incorporação, fusão ou desmembramentos dos municípios. Esta lei estadual será a “certidão de nascimento” do município.
5.4. Os “bastidores” do Processo Legislativo para fragmentação de municípios
Vimos, até agora, os aspectos regulamentares dos processos emancipatórios, todavia não devemos desprezar o que se passa nos seus “bastidores”, uma vez que são extremamente determinantes para seu sucesso ou não.
O processo decisório para criação de novos municípios é determinado pela atuação de atores políticos de variados níveis federativos, indo desde chefes do Poder Executivo e legisladores até eleitores de pequenas localidades, cada qual atuando conforme competências e interesses particulares.
A princípio, existem as lideranças políticas locais que atuam sob a justificativa de ampliar a oferta de recursos fiscais e a autonomia política do distrito emancipando, mas que, em sua maioria, também possuem interesses pessoais, como a obtenção de popularidade e de futuros possíveis eleitores. Segundo TOMIO (2000, pag. 04):
“(…) a estratégia dessas lideranças em relação aos outros atores seria: a) com os eleitores locais, mobilizá-los para que cooperem, votando favoravelmente no plebiscito e auxiliando na pressão sobre a representação política; b) com os deputados estaduais: (i) quando não houver necessidade de subscrição de um deputado ao requerimento para realização do plebiscito e/ou ao projeto de lei de criação do município, pressão sobre os membros da assembleia para que votem favoravelmente, com ameaças de retaliação eleitoral; e (ii) quando a subscrição de um parlamentar for necessária, promessa de recompensa de votos ao deputado que apadrinhar a iniciativa emancipacionista.”
Há também a população votante das localidades envolvidas no processo de emancipação que deverão se manifestar em plebiscito.
Os deputados estaduais, por sua vez, são fundamentais para o processo legislativo acerca da emancipação de municípios, uma vez que participam de todas as fases do processo e possuem poder para nele intervir. Segundo TOMIO (2000, pág.04), a motivação de suas decisões é, na maioria deles, egoísta, de forma que “cada deputado definiria sua estratégia e escolheria o que maximiza sua chance de reeleição parlamentar ou de ocupação de outros cargos políticos”.
Por fim, o chefe do executivo poderá intervir no processo emancipatório através do exercício do veto governamental, podendo deferir ou indeferir as emancipações municipais. Sua aprovação poderá ter motivações diversas: eleitorais, atendendo a uma estratégia clientelista; para manter a coalizão de seu governo com os aliados legislativos; bem com por interesses político-ideológicos.
Todos os personagens envolvidos são essenciais para o processo de fragmentação dos territórios municipais, devendo agir em observância às reais necessidades e potencialidades da localidade e se desprendendo de interesses particulares, sob pena de causar prejuízo irreparável a macrorregião sob os aspectos político, administrativo e econômico.
Ressalte-se que essa análise acerca das motivações dos atores políticos não se estende à totalidade, devendo sempre resguardar as exceções.
6. Projetos de Lei para elaboração de LC Federal e promoção à criação de novos entes federativos municipais
O Congresso Nacional, nos últimos anos, tem editado e aprovado diversos projetos de leis complementares regulamentando o período e procedimento para emancipações municipais, todavia todas as tentativas foram frustradas pelo veto da então presidente, Dilma Rousseff. Já foram objeto de análise legislativa, dentre muitos outros, os projetos PLS nº 98/2002, PLP nº 416/2008, PLS nº 104/2014, PLS nº 199/2015 e PLP nº 137/2015.
O Projeto de Lei de iniciativa do Senado nº 199/2015 de autoria do Senador Flexa Ribeiro, que não mais é que uma cópia do projeto apresentado anteriormente pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PLS 104/2014), vetado integralmente, tem por objetivo normatizar e tornar possível o processo emancipatório de municípios e determina como principais requisitos:
Em atendimento ao disposto no art. 65 da CF/88, o Projeto de Lei Complementar nº 199/2015, de iniciativa do Senado Federal, foi encaminhado para revisão da Câmara dos Deputados em 04 de agosto de 2015. Nesta Casa, o referido processo passa a tramitar sob a denominação de PLP nº 137/2015. Este último, ainda em tramitação, absorveu o PLS nº 199/2015, complementando-o, todavia, para efeitos didáticos, permaneceremos, neste estudo, nos referindo basicamente ao PLS nº 199/2015 que foi o responsável pela origem do processo, devendo sua tramitação ser considerada de modo abrangente.
Durante a tramitação dos projetos supracitados, foram requeridas as juntadas de mais dois projetos: os PLP’s nº 283/2016 e 401/2017, ambos com a finalidade de dispor sobre regras para fusão e incorporação de municípios, de modo a fomentar tais procedimentos.
6.1. Razões para a fragmentação dos territórios
Dentre os motivos pesquisados (alegados por prefeitos e pelas populações afetadas) para a criação de municípios, destacam-se, principalmente:
A exemplo de Pilar, também conhecido como Caraíba Metais, no município baiano de Jaguarari (que desenvolve uma intensa e rentável atividade mineradora), muitos distritos possuem condições econômicas favoráveis e suficientes para seu autossustento, todavia estão subordinados ao município de origem. Diante disso, surge a necessidade de sua emancipação como forma de estimular o crescimento local e evitar a estagnação.
Existe, ainda, a crença por parte de algumas populações distritais que a emancipação é condição suficiente para a promoção do desenvolvimento local. MAGALHÃES (2007, pág. 03), no entanto, faz uma interessante observação quanto aos efeitos dessa independência em localidades com pequeno progresso econômico: “No caso de regiões estagnadas, a emancipação irá se constituir em maiores gastos legislativos e de pessoal e provavelmente não será, sozinha, capaz de promover o desenvolvimento local.”
Razões políticas também constituem os motivos para a empreitada emancipatória e emanam da tentativa de alguns grupos locais em formarem núcleos de poder.
Por fim, o descaso e distanciamento por parte da Administração do Município de origem é um dos mais determinantes motivos alegados para os pedidos de emancipação. Quanto maior a extensão territorial de um município, maior a dificuldade da Administração Pública para atender aos anseios de toda a população, principalmente daquelas mais distantes do polo administrativo. Logo, quanto maior o espaço territorial de um município, mais vulnerável será ao desmembramento de seu território.
Ainda nesse sentido, assevera o presidente da União Brasileira em Defesa da Criação dos Novos Municípios (UBDCNM), Augusto César Serejo, que muitos pedidos de emancipação surgiram devido à distância dos distritos em relação ao núcleo urbano dos municípios e à falta de serviços públicos básicos para as populações dessas áreas (Diário do Pará, 24.11.2013).
Como solução para o problema do distanciamento entre distrito e a Administração Pública Municipal, muitos países, inclusive o Brasil, já adotam a estratégia da criação de subprefeituras. Essa estratégia consiste na desconcentração da função administrativa do Poder Executivo Municipal para outros órgãos que estarão subordinados à prefeitura, as chamadas subprefeituras. Nelas, a autoridade máxima será o subprefeito, que será um servidor público ou não, indicado pelo prefeito (cargo em comissão), para atuar em determinada localidade, como se prefeito municipal fosse. Fará a gestão distrital em tudo que for de sua competência e, quanto às demandas de maior complexidade, requererá junto ao Chefe do Executivo Municipal o atendimento dos pleitos de interesse do distrito ao qual estiver vinculado. Os subprefeitos atuarão como uma ponte entre as populações desses distritos afastados e a Administração Pública Municipal, reduzindo o distanciamento entre eles e promovendo o desenvolvimento econômico e social dessas localidades.
A prefeitura de Salvador, capital do Estado da Bahia, está em fase final de implementação dessa estratégia. O município baiano de São Desidério também adota a estratégia da administração municipal fracionada, mediante a desconcentração de suas competências para a subprefeitura de Roda Velha.
Cabe, então, aos demais municípios baianos, bem como a todos os municípios brasileiros que pleiteiam emancipação, adotarem a referida tática como meio promover maior integração entre a Administração e seus administrados e, consequentemente, reduzir as demandas de emancipação distrital.
6.2. Finalidades “mascaradas” para criação de novos municípios
Um motivo (intrínseco) que influencia demasiadamente os pedidos de fragmentação territorial de municípios é a criação de diversos cargos públicos para compor os Poderes Legislativo e Executivo Municipais.
Conforme art. 29, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, a composição das Câmaras Municipais será de, no máximo, 9 vereadores nos municípios com até 15.000 habitantes; 11 vereadores, para populações entre 15 e 30 mil habitantes; e assim sucessivamente.
Com efeito, para os municípios emancipados que tenham população dentro do limite de 15 mil habitantes, por exemplo, serão criados 01 cargo de prefeito, 01 de vice-prefeito e, em média, 09 para vereadores, além dos cargos comissionados e efetivos. Considerando um micromunicípio com uma pequena receita orçamentária, praticamente toda sua receita será comprometida com as despesas administrativas e de pessoal, sobrando insignificante fatia para ser efetivamente empregada na prestação de serviços públicos essenciais, como saúde, educação, segurança e saneamento.
Nesses casos, a população que encontrava na emancipação a solução para o descaso da Administração na prestação dos serviços públicos, frustrar-se-á com a realidade de um município recém-criado, mas já incapaz de promover o desenvolvimento local e a promoção de serviços públicos adequados às necessidades da localidade.
O senador José Reguffe critica o PLS nº 199/2015 quanto aos seus efeitos sobre os gastos públicos nos seguintes termos:
“Penso que o que os contribuintes brasileiros precisam é de mais recursos para a educação, para a saúde, para a segurança pública, e não uma criação de municípios, que vai acarretar mais vereadores, mais cargos comissionados, mais gastos com máquina de estado, mais gastos com prefeituras”.
Outra razão de extrema significância para o fenômeno de reformulação territorial de municípios refere-se aos critérios de repartição dos recursos públicos que favorecem os municípios menores. Conforme BREMAEKER (1996, pág. 03):
“A distribuição do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é feita tomando por base o tamanho da população do Município e não a sua extensão territorial. Como o FPM representa, para a maior parte dos municípios, uma significativa parcela de sua receita (sendo para um expressivo número de municípios a maior fonte de recursos), aqueles municípios que possuem maior extensão territorial, em princípio, deveriam aplicar os seus recursos de forma mais pulverizada, tendo que dispender, obrigatoriamente, uma maior soma de recursos na simples tarefa de conservação das estradas municipais”.
É estipulado um valor mínimo de repasse para municípios com população inferior à 10.188 habitantes e um valor máximo para os municípios que possuam uma população superior à 156.216 habitantes. Assim, analisando proporcionalmente, quanto menor o município, maior será seu repasse de recursos do FPM per capita, o que torna mais interessante e viável a fragmentação do território.
Nesse sentido, PALONI (2008, pág. 79) afirma que “a independência financeira é o mote para a criação da maioria dos municípios brasileiros, que enxergam os repasses federais e estaduais como a solução para os problemas de prestação de serviços públicos”.
6.2.1. Mas o que é o Fundo de Participação dos municípios (FPM)?
O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) consiste em uma transferência de recursos da União para os municípios, cujo percentual é determinado pelo número de habitantes daquela localidade. Está previsto no art. 159, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988 e corresponde a 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda – IR e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.
O art. 91 da Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) e o Decreto-Lei nº 1.881/81 dispõem sobre as regras para distribuição desses recursos, de modo que, de acordo com o número de habitantes, são fixadas faixas populacionais com seus respectivos coeficientes de repasse.
Segundo GIUBERTTI, o FPM foi criado na década de 1960 com o objetivo de garantir recursos mínimos para os municípios, em particular para os de pequeno porte, constituindo uma das principais fontes de receita para as cidades. Ainda nas palavras do ilustríssimo doutrinador:
“Quanto menor a economia local, menor é a base tributária própria e, portanto, maior é a dependência do governo municipal em relação às transferências da União e dos estados para suprir os serviços públicos demandados pela população. Em particular, maior é a dependência em relação ao FPM, uma vez que a distribuição da cota-parte do ICMS atribui maior peso aos critérios relacionados à atividade econômica local.” GIUBERTTI (2015, pág. 25)
Conforme análise das finanças públicas dos municípios baianos, verificou-se que, em média, 95% das receitas dos municípios com população entre 5 e 10 mil habitantes são oriundas de fontes externas. Quanto aos municípios com população inferior a 5 mil habitantes, a dependência da Administração Municipal às receitas externas para custear seus gastos excede, na grande maioria, a 96% de sua receita total, o que demonstra que esses entes federativos só produzem e/ou arrecadam internamente 3% de sua receita total, dependendo fortemente das transferências de impostos que são gerados, principalmente, pelos municípios mais populosos.
Quanto à repartição dos recursos de FPM determinada pelo art. 91 da Lei nº 5.172/66, fica verificada uma gritante disparidade (e porque também não dizer, injustiça) entre os municípios com população de 5.000 habitantes em detrimento daqueles com população média de 10.000 moradores.
Conforme o dispositivo legal, todos os municípios com população até 10.188 habitantes receberão o repasse de FPM em igual proporção. O IBGE, em seu Relatório sobre Finanças Públicas, declarou que Catolândia, menor município do Estado da Bahia, com população de 2.612 habitantes em 2010 e estimativa de 3.669 em 2017, recebeu repasse de FPM no valor de R$ 7.184 mil reais em 2014. No mesmo ano, a cidade de Ipupiara/BA, com 9.285 habitantes em 2010 e estimativa de 10.157 em 2017, recebeu igual cota-parte do FPM. Logo, os dois municípios receberam valores iguais para atender a realidades diferentes. Considerando, hipoteticamente, que a base de cálculo do FPM de 2016 foi igual ao ano 2013 e, portanto, os referidos municípios receberiam, no ano corrente, cota-parte do FPM no valor de R$ 7.184 mil reais, o Município de Catolândia receberia R$ 1.958,02 per capita, ao passo que à Ipupiara caberia apenas R$ 707,29 de receita orçamentária per capita. Fica evidente, então, a desigualdade e ineficiência na repartição desses recursos públicos com relação aos municípios de população igual ou inferior a 10.188 habitantes, de modo que quanto menor o município maior será o valor recebido por habitante.
Daí os questionamentos se os atuais critérios de repartição do FPM não seriam um incentivo à emancipação. Nesse sentido, Monastério, Sachisda e Lima, na Nota Técnica nº 06 do IPEA, destacaram que:
“É preciso rediscutir o critério do FPM, para que este não seja tão benéfico para os municípios menores. Aí poderemos diferenciar os municípios que realmente possuem motivos razoáveis para sua emancipação daqueles que querem meramente se aproveitar dos benefícios fiscais”.
6.3. Os vetos presidenciais
Todos os projetos de lei complementar até então propostos pelo Congresso Nacional para regulamentar o art. 18, § 4º, da Constituição Federal, acerca da criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios tiveram seus textos vetados.
O Projeto de Lei nº 104, de 2014 (Complementar na Câmara dos Deputados nº 397/14) e que posteriormente subsidiou o PLS nº 199/2015, foi vetado integralmente pela Presidente da República Dilma Rousseff, sob a justificativa de contrariedade ao interesse público. Na redação da Mensagem nº 250/2014, dirigida ao Senado Federal, a presidente fez menção à análise do Ministério da Fazenda acerca do tema:
“Embora se reconheça o esforço de construção de um texto mais criterioso, a proposta não afasta o problema da responsabilidade fiscal na federação. Depreende-se que haverá aumento de despesas com as novas estruturas municipais sem que haja a correspondente geração de novas receitas. Mantidos os atuais critérios de repartição do Fundo de Participação dos Municípios - FPM, o desmembramento de um Município causa desequilíbrio de recursos dentro do seu Estado, acarretando dificuldades financeiras não gerenciáveis para os Municípios já existentes.” (Diário Oficial da União – Seção 1, nº 164, de 27.08.2014)
Com efeito, o aumento do número de entes federativos resultaria no crescimento dos gastos públicos para manutenção de sua estrutura administrativa e representativa. Aloysio Nunes Ferreira, senador vinculado ao PSDB/SP, ratifica que “são mais gabinetes de prefeitos, mais cargos comissionados, mais estruturas administrativas, mais câmaras municipais, mais salários de vereadores, e o cobertor é curto."
Os demais vetos presidenciais também fazem referência apenas aos impactos da regulamentação nas finanças públicas, nada criticando quanto aos aspectos legais ou constitucionais do projeto. Assim, como as questões econômicas sofrem mutações com o passar dos tempos, nada impede que, futuramente, seja o PLS nº 199/2015 aprovado, ou que sejam aprovados novos projetos, com redações adaptadas, que atendam às pretensões governamentais e da população.
6.4. Impacto do PLS nº 199/2015 na Bahia
Na hipótese de ser aprovado, o PLS nº 199/2015 impactará diretamente o Estado da Bahia, uma vez que há, neste Estado, inúmeros pedidos de emancipação de distritos municipais.
6.4.1. Na hipótese de aprovação do Projeto de Lei Complementar, quantas novas unidades federativas seriam criadas, no âmbito do Estado da Bahia?
Em consulta ao sítio da Assembleia Legislativa da Bahia e fontes indiretas, foram levantados 113 pedidos de criação de municípios em andamento no Estado da Bahia.
Considerando apenas o requisito demográfico imposto pelo Projeto de Lei Complementar nº 199/2015, em que os municípios criados na Região Nordeste, bem como os remanescentes do processo de fragmentação, deverão ter, no mínimo, 12.000 habitantes, relacionamos os municípios baianos que possuem processo de emancipação em tramitação no legislativo e que atendem à exigência populacional da referida lei, sendo fortes candidatos à emancipação.
Dizemos apenas “candidatos” porque existem, ainda, critérios subjetivos, como a consulta às populações envolvidas e análise de sua viabilidade, que não serão abordados neste estudo.
Aplicando o requisito populacional imposto pelo PLS nº 199/2015, a Bahia teria, de imediato, 12 distritos aptos ao desmembramento de seu município de origem por possuírem população local superior à 12.000 habitantes. Logo, sendo derrubado o veto presidencial e entrando em vigor o referido regulamento, os distritos de Vila do Abrantes (Camaçari), Posto da Mata (Nova Viçosa), Sambaíba (Itapicuru), Itabatã (Mucuri), Arraial D’Ajuda (Porto Seguro), Humildes (Feira de Santana), Santana do Sobrado (Casa Nova), Entroncamento (Jaguaquara), Riacho Seco (Curaça), Açu da Torre (Mata de São João), Algodões (Quijingue) e Itaporã (Muritiba) se tornariam municípios autônomos, dotados de personalidade jurídica e orçamento próprios.
6.4.2. Despesas administrativas provenientes dos novos entes federativos
A criação de um município, muitas vezes, tem motivação atrelada ao ganho de receita orçamentária própria. Deve ser considerado, no entanto, que paralelo às receitas recebidas, a emancipação fará surgir despesas até então não suportadas por aquela localidade. Para compor a Administração Pública do novo município deverão ser criados inúmeros cargos políticos e administrativos.
Voltando à análise dos 12 municípios baianos propensos à emancipação conforme o PLS nº 199/2015 e tendo por base a determinação do art. 29 da CF/88, que dispõe sobre os cargos políticos essenciais à Administração Municipal, verificamos que, se efetivamente emancipados, a Bahia terá, em média, 144 novos cargos representativos, sendo 12 prefeitos, 12 vice-prefeitos e 120 vereadores. Ressalte-se que deverão ser considerados, ainda, os cargos comissionados a estes vinculados, como assessores, secretários municipais e assemelhados, além, é claro, dos inúmeros cargos administrativos também necessários.
Como a maioria desses “novos municípios” são de pequeno porte e por isso com uma receita orçamentária modesta, após repartição da receita orçamentária com as despesas administrativas e de pessoal, pouco restará para o custeio dos serviços públicos básicos, como saúde, educação, segurança, mobilidade e saneamento.
7. Considerações Finais
A fragmentação dos territórios municipais trazem benefícios e malefícios para as populações envolvidas, assim como refletem seus efeitos para os demais municípios do estado ao qual pertençam.
É fato que municípios menores propiciam, em tese, maior eficiência na administração e acompanhamento das políticas públicas, uma vez que há maior proximidade do gestor público com as necessidades locais. Não se pode desprezar, contudo, o fato de que novos municípios sobrecarregam seus orçamentos com a criação de inúmeros cargos para compor o legislativo e executivo municipal. Quanto menor o município, maior seu gasto proporcional com o custo da atividade administrativa, o que os tornam, desde sua criação, inviáveis economicamente e disfuncionais quanto aos serviços públicos essenciais.
Mesmo que traumática, deve-se promover maiores incentivos à fusão e incorporação das municipalidades que não sejam viáveis do ponto de vista econômico e social, perdurando apenas aqueles que desenvolvam forte atividade econômica, tenham receita própria significativa e não sejam dependentes de receitas provenientes de fontes externas.
Também seria necessária uma redefinição dos critérios de repartição do FPM para reduzir as desigualdades nas receitas orçamentárias per capita observadas entre os municípios com população até 10.188 habitantes. Como consequência, seriam extintos muitos processos emancipatórios que eram fruto de manobras políticas com motivação no favorecimento orçamentário fiscal dos micromunicípios e restariam apenas aqueles distritos que realmente detém as condições necessárias para emancipação.
Por fim, mas igualmente importante, quanto os municípios que reivindicam sua emancipação unicamente em razão de estarem distantes do polo administrativo e esquecidos pela Administração Pública Municipal, a alternativa mais viável seria a criação de subprefeituras nessas localidades com o fim de diminuir a distância entre essas populações e a Administração Pública.
Diante de todo o exposto, os processos de criação, desmembramento, fusão e incorporação de municípios no Estado da Bahia, bem como nos demais estados brasileiros, deverão atender às necessidades e peculiaridades de cada localidade, observada sua viabilidade econômica, política e social, autossustentabilidade e respeito ao meio ambiente.
8. Referências
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Graduanda em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BORGES, Gerlayne Medeiros Barros. Municípios no Brasil: uma análise do processo de fragmentação territorial e os efeitos do projeto de lei nº 199/2015 no Estado da Bahia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 nov 2017, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/50995/municipios-no-brasil-uma-analise-do-processo-de-fragmentacao-territorial-e-os-efeitos-do-projeto-de-lei-no-199-2015-no-estado-da-bahia. Acesso em: 07 nov 2024.
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