RESUMO: O presente artigo trata do debate entre o ativismo judicial e seus críticos. Analisa-se a doutrina da efetividade das normas constitucionais, o neoconstitucionalismo e o mínimo existencial dos direitos fundamentais. Por outro lado, trata da ditadura da toga, da teoria dos subsistemas sociais na perspectiva de Niklas Luhmann e da tecnocracia.
Palavras-chave: Controle Judicial de Políticas Públicas; Custos dos Direitos; Ativismo Judicial; Mínimo existencial; Neoconstitucionalismo; Ditadura da Toga; Luhmann; Subsistemas Sociais; Tecnocracia.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Controle Social de Políticas Públicas. 2. Neoconstitucionalismo, Ativismo Judicial e a Doutrina da Efetividade das Normas Constitucionais. 3. Ditadura da Toga. 4. Teoria dos Subsistemas Sociais. 5. Tecnocracia. 6. Conclusão.
Introdução
O presente artigo trata do debate entre o ativismo judicial e seus críticos.
Pretende-se trazer um contraponto entre as duas concepções, demonstrando tanto os aspectos positivos de uma maior ingerência do Poder Judiciário nas Políticas Públicas, quanto as possíveis distorções que traz para a unidade e coerência do sistema social.
1. Controle Judicial de Políticas Públicas:
O tema do controle judicial de políticas públicas vem sendo ostensivamente tratado e se torna cada dia mais atual e relevante, devendo o debate ser aprofundado até suas raízes filosóficas, o que possibilita a compreensão mais ampla do problema, em busca de uma solução.
2. Neoconstitucionalismo, Ativismo Judicial e a Doutrina da Efetividade das Normas Constitucionais.
O ativismo judicial está intrinsecamente relacionado ao paradigma do neoconstitucionalismo que, conforme Luís Roberto Barroso, tem como marco histórico a formação do Estado Constitucional de Direito; como marco filosófico o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética e como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.
Assim, uma maior atuação do Poder Judiciário para efetivar os direitos fundamentais, em especial quando se trata do seu núcleo duro, referente aos direitos do mínimo existencial, é perfeitamente defensável, tendo base filosófica sólida e resultando da superação do positivismo, ao ampliar a força normativa dos princípios.
Ainda segundo Luís Roberto Barroso, acerca da doutrina da efetividade das normas constitucionais:
Em uma proposição, a doutrina da efetividade pode ser assim resumida: todas as normas constitucionais são normas jurídicas dotadas de eficácia e veiculadoras de comandos imperativos. Nas hipóteses em que tenham criado direitos subjetivos – políticos, individuais, sociais ou difusos – são elas, como regra, direta e imediatamente exigíveis, do Poder Público ou do particular, por via das ações constitucionais e infraconstitucionais contempladas no ordenamento jurídico. O Poder Judiciário, como consequência, passa a ter papel ativo e decisivo na concretização da Constituição.
Em um primeiro momento, foi necessário esse esforço teórico para consolidar as bases de uma atuação judicial em políticas públicas, superando os questionamentos acerca da violação ao princípio da separação dos Poderes, previsto no art. 2, caput, da Constituição Federal de 1988.
3. Ditadura da Toga.
Entretanto, atualmente, vislumbra-se na doutrina posições em contrário a este entendimento que também gozam de fundamentação robusta e pretendem a defesa do Estado Democrático de Direito, evitando abusos por parte do Poder Judiciário.
Daniel Sarmento advoga que o Poder Judiciário tem um déficit de legitimidade democrática e as decisões políticas fundamentais devem ser tomadas pelos representantes do povo e não por sábios ou tecnocratas de toga.
Este autor entende que há decisões onde a maioria política eventual poderá ser mais eficiente que a expertise dos magistrados. Refere-se o autor às decisões que envolvem economia, políticas públicas e regulação.
Portanto, defende uma posição mais contida do Poder Judiciário, afirmando que não se pode utilizar a doutrina neoconstitucionalista como fundamento das atuações descabidas dos atuais Tribunais, imiscuindo-se em aspectos decisórios que não lhes dizem respeito.
4. Teoria dos Subsistemas Sociais.
Uma outra correlação importante quanto à necessidade de limitação do ativismo judicial diz respeito à teoria dos subsistemas sociais do funcionalismo de Niklas Luhman.
Conforme Daniel Sarmento:
Uma reflexão importante sobre tema correlato foi empreendida por Marcelo Neves, a partir das categorias da teoria sistêmica de Niklas Luhman. Para Luhman, em apertada síntese, o Direito, nas hipercomplexas sociedades modernas, seria autopoiético, pois consistiria num subsistema social estruturalmente fechado em relação ao meio envolvente, que operaria de acordo com um código binário próprio - o lícito/ ilícito. As influências do meio envolvente sobre o Direito seriam filtradas através deste código, assegurando a autonomia da esfera jurídica diante dos outros subsistemas sociais, como a Economia, a Política, a Religião etc. Contudo, Marcelo Neves sustenta que em sociedades periféricas, como o Brasil, não se desenvolveu plenamente este fechamento estrutural do Direito. Por aqui, fatores como a nossa "constitucionalização simbólica" geraram uma insuficiente diferenciação do Direito em relação a outros subsistemas sociais, permitindo que elementos a princípio estranhos ao código binário do jurídico - como a questão do poder político e do poder econômico - se infiltrem sistematicamente nos processos de aplicação das normas, condicionando o seu resultado. A teoria dos sistemas de Luhman não funcionaria bem entre nós, pois teríamos um Direito em boa parte alopoiético. Para tal perspectiva, esta maior abertura do Direito ao meio envolvente não assume o potencial emancipatório preconizado pela teoria neoconstitucionalista. Ela funciona muito mais como um mecanismo de cristalização de diferenças sociais, mantendo a hiper-inclusão de uns, ao preço da exclusão de outros.
Assim, conforme os ensinamentos de Niklas Luhmann, o procedimento em si é um dos subsistemas sociais. Entretanto, este subsistema se comunica com os demais no processo de tomada de decisão. Nas palavras do autor, os subsistemas são estruturalmente fechados e cognitivamente abertos.
Há uma função específica do procedimento que é tomar decisão para que não haja rupturas sociais, reduzir as complexidades, as incertezas.
A decisão é autônoma, dentro daquele rito, junto com aqueles autores, que devem exercer seu papel dentro do procedimento.
Em cada sistema social há um núcleo de comunicação binário que consegue ter um limite diante do meio social.
Portanto, uma das características marcantes dos subsistemas é a sua incompletude. Não podemos resolver tudo pelo Direito, o que geraria uma desfuncionalidade do procedimento.
Assim, pode-se criticar a judicialização da política, a judicialização do processo parlamentar, a politização do Direito, que fazem parte do gênero Ativismo Judicial.
Com a maior ingerência do Poder Judiciário nos demais subsistemas sociais, em que cada qual possui seus códigos binários próprios, os limites sistêmicos do procedimento jurídico se diluem, acarretando uma distorção do arranjo institucional.
Nesta esteira, Marcelo Neves, baseado nesta teoria de Luhmann, desenvolve a ideia de Constitucionalização simbólica.
No caso brasileiro, com a ausência de limites claros nos subsistemas, o Político incorpora o código binário do Direito e este, por sua vez, acaba sendo diluído pelo sistema político. As normas jurídicas perdem força e a política não utiliza os seus procedimentos próprios. O código binário do subsistema da Política (poder/não poder) retira do alcance das normas jurídicas os sobreintegrados, do qual faz parte nossa oligarquia política, que acaba não atingida pelas normas. E também há os subintegrados, já que o Estado não pode alcançar os miseráveis.
5. Tecnocracia:
Daniel Sarmento fala no surgimento de uma “judiciocracia”, que é um neologismo para caracterizar a tecnocracia no âmbito do Poder Judiciário.
Sabe-se que o discurso jurídico é carregado de termos técnicos e linguagem rebuscada que impedem a participação da sociedade na compreensão e participação do processo de tomada de decisão. Assim, um maior ativismo judicial poderia ferir a própria democracia, já que os técnicos podem se valer de argumentos incompreensíveis à população.
Segundo Paulo Bonavides, a tecnicidade da decisa?o na sociedade industrial abalou a ordem democra?tica nos seus moldes habituais, demandando novas formas de equili?brio.
Prossegue o autor:
A decisa?o com escolha de opc?o?es fundamentais se transferiu em larga parte dos governantes tradicionais para o ci?rculo menor e restrito de te?cnicos, cuja participac?a?o privilegiada acaba monopolizando o processo deciso?rio do mesmo passo que lhes confere o ti?tulo adequado de tecnocratas. (...) A tecnocracia descamba no monopo?lio da decisa?o poli?tica sonegada ao povo e seus representantes. Na melhor das hipo?teses lhe concede ta?o-somente a possibilidade de uma participac?a?o plebiscita?ria, ilustrativa do novo cesarismo — o tecnolo?gico — que politizou a sociedade e no qual ela se precipita vertiginosamente, governada pelos “novos pri?ncipes” do vocabula?rio poli?tico de Debre?.
Dentre as principais críticas ao tecnocrata está que em seu comportamento se verifica uma certa insensibilidade aos aspectos mais humanos da questa?o social. Bonavides explica que se fica com a impressa?o de que o seu racioci?nio se encarcera em fo?rmulas matema?ticas e o mundo que vive esta? morto para os seus ca?lculos.
O ilustre autor ainda explicita que a tecnocracia impossibilita o caráter democrático das decisões, em especial aquelas referentes à políticas públicas.
O cara?ter fechado do clube tecnocra?tico, o nu?mero limitadi?ssimo da nova oligarquia, a presunc?a?o e o autoritarismo que os rodeia, bem como a apare?ncia de clandestinidade que suas deciso?es revestem para o pu?blico (sempre cercadas de miste?rio!) sa?o aspectos suspeitos nos quais se entre-mostra com toda a clareza a ameac?a ali contida ao princi?pio da participac?a?o democra?tica. (...) O mais tra?gico para a democracia na presenc?a aparentemente insubstitui?vel do tecnocrata e? em alguns casos (uma reforma cambial, por exemplo) a necessidade imposterga?vel da decisa?o sigilosa. Dessa exige?ncia imperativa sai fortalecida a casta tecnocra?tica, que embora se julgue imprescindi?vel, de modo algum e? infali?vel. (...) A tecnocracia pode ser o u?ltimo grau na deteriorac?a?o do pro?prio sistema de grupos e significar apenas o alojamento permanente do grupo no pro?prio poder, onde seus interesses dominantes aparecem servidos por especialistas convertidos em tecnocratas.
Por fim, verifica-se que dentre as principais desvantagens da tecnocracia está exatamente na perpetuação dos poderosos em posições privilegiadas na sociedade.
Segundo Bonavides:
A vantagem da tecnocracia para os grupos resultaria na possibilidade de atuar em conforta?vel segredo, instalados no poder, tomando deciso?es sem audie?ncia da representac?a?o democra?tica tradicional e em bases confidenciais, fora da necessidade de divulgar debates ou de empenhar-se no dia?logo aberto que a democracia legitimamente impo?e. A dominac?a?o tecnocra?tica podera? enfim significar em alguns casos o monopo?lio das faculdades deciso?rias por um grupo de pressa?o vitorioso (partida?rio, econo?mico, militar, etc).
6. Conclusão.
Assim, verifica-se que o controle judicial de políticas públicas é uma questão complexa e controversa, da qual qualquer resposta simplista incorreria no erro de desconsiderar todos os aspectos da problemática.
São defensáveis tanto a posição de que um maior ativismo judicial é imprescindível para a manutenção do Estado Constitucional e a implementação dos direitos fundamentais, como aquela que pretende evitar abusos diante de uma ingerência indevida nos demais setores sociais.
Pretendeu-se trazer a reflexão em um viés mais filosófico já que um ativismo judicial exacerbado pode significar uma distorção do subsistema social do procedimento judicial ou mesmo uma criação de uma tecnocracia, formada pelos ditadores de toga.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª Edição. São Paulo, Saraiva, 2010.
BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponível em https://www.conjur.com.br/ Acesso em 28 de dezembro de 2017.
SARMENTO, DANIEL. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Disponível em http://www.dsarmento.adv.br/content/3-publicacoes/16-o-neoconstitucionalismo-no-brasil-riscos-e-possibilidades/o-neoconstitucionalismo-no-brasil.riscos-e-possibilidades-daniel-sarmento.pdf. Acesso em 28 de dezembro de 2017.
LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição. Brasilia. UNB, 1980.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Editora Malheiros, 10ª Edição, 2000.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Maria Pilar Prazeres de. Controle judicial de políticas públicas: salvação ou distorção? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/51200/controle-judicial-de-politicas-publicas-salvacao-ou-distorcao. Acesso em: 07 nov 2024.
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