Resumo: Procura-se neste artigo trazer a importância do reconhecimento pelo STF da constitucionalidade do acordo de colaboração premiada formulado pelo Delegado de Polícia, além dos conceitos de colaboração premiada e suas diversas vertentes, dando destaque à necessidade de valorização das investigações policiais para a qualidade da persecução penal.
Palavra – chave: colaboração premiada; delegado de polícia; investigação policial.
Abstract: This article seeks to highlight the importance of the STF's recognition of the constitutionality of the plea bargain formulated by the Police Delegate, in addition to the concepts of plea bargain and its various aspects, highlighting the need for enhancement of police investigations for criminal prosecution.Key words: plea bargain; police officer; police investigation
Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito de colaboração premiada; 2.1. Acordo de colaboração premiada; 3. Papel de cada órgão na persecução penal; 4. Investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia; 5. Decisão do STF pela constitucionalidade do acordo firmado pelo Delegado de Polícia; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.
1. Introdução
Vivemos um cenário histórico de disputas institucionais por poder em que órgãos e Poderes da República guerreiam como se inimigos fossem, quando na verdade existem para buscar um mesmo fim comum. O cenário é favorável a tais disputas, haja vista a recente eclosão de inúmeras investigações criminais envolvendo membros e autoridades dos três Poderes da República, consideradas intocáveis até então.
No âmbito da persecução penal temos importantes órgãos cada qual investido em sua função, conforme própria determinação constitucional, que canalizam (ou pelo menos deveriam) suas energias em busca de um único fim: aplicação justa da lei penal.
Os órgãos de investigação criminal são compostos pelas polícias civil e federal, os órgãos de prevenção e repressão pelas polícias militares, o Ministério Público é o responsável pela acusação, e o Poder Judiciário, responsável pelo julgamento conforme as provas levantadas pelos demais.
Todavia, verificamos que frequentemente o órgão titular da ação penal busca a exclusividade na atuação da colheita de provas o que flagrantemente viola a própria Constituição Federal, bem como os princípios básicos que norteiam uma sociedade democrática.
A limitação do poder é uma característica essencial do Estado de Direito de viés republicano, e por isso, as agências atuam nos estritos limites definidos por normas Constitucionais, formal ou materialmente instituída.
Por isso, necessário se mostra destacar a importância da recente decisão da Suprema Corte, sem fomentar qualquer debate desagregador de instituições, que confirmou a constitucionalidade do artigo 4º, parágrafos 2º e 6º, da Lei 12.850/13, afastando a discussão sobre a possibilidade de formalização de acordo de colaboração premiada por parte do Delegado de Polícia.
2. Conceito de colaboração premiada
Segundo a doutrina autorizada sobre o assunto, colaboração premiada é uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal. Trata-se do espécie de direito penal premial em que o infrator, agora colaborador, cooperará com as investigações, apresentando provas suficientes que irão ajudar na identificação dos coautores, comprovação da infração, na prevenção de novos crimes, na recuperação do produto ou proveito dos crimes ou na localização da vítima com integridade física preservada, além de desvendar o sistema criminoso e, em contrapartida, receberá benefícios legais, tendo como o maior deles o não oferecimento da denúncia.
No direito brasileiro há previsões do instituto da colaboração premiada em diversos dispositivos legais tais como Código Penal (arts. 15, 16, 65, III, 159, § 4º); Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072/90 (art. 8º, parágrafo único); Convenção de Palermo – Decreto 5.015/2004 (art. 26); Lei de Lavagem de Dinheiro – Lei 9.613/98 (art. 1º, § 5º); Lei de Proteção às Testemunhas – Lei 9.807/99 (arts. 13 a 15); Lei de Drogas – Lei 11.343/2006 (art. 41), entre outros. Contudo, foi a Lei 12.850, Lei de Organização Criminosa, denominada por alguns como Estatuto da Colaboração Premiada, que trouxe com riqueza de detalhes as formas e requisitos de aplicação do referido instituto conferindo assim, mais eficácia à medida em comento.
2.1 Acordo de colaboração premiada
A colaboração premiada se materializada através de um acordo de colaboração realizado entre o órgão acusador ou a polícia e o acusado/investigado. Até pouco tempo atrás, não havia nenhum dispositivo legal que cuidasse expressamente do acordo de colaboração premiada. Por consequência, a colaboração premiada era realizada verbal e informalmente com o investigado, que passava a ter, então, mera expectativa de premiação se acaso as informações por ele repassadas aos órgãos de persecução penal fossem objetivamente eficazes para atingir um dos objetivos listados nos diversos dispositivos legais que cuidam da matéria.
Diante da importância que esse meio de obtenção de prova ganhou no desbaratamento de diversas organizações criminosas, o legislador resolveu por fim, dispor de forma expressa sobre o assunto, consagrando na Lei 12.850/13 os requisitos e a forma de sua efetivação, consoante arts. 6° e 7°:
Art. 6o O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter:
I - o relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II - as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;
V - a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.
Art. 7o O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.
§ 1o As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 2o O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
§ 3o O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5o.
O referido acordo ocorre por meio de negociações em que o investigado (ou acusado), assistido por advogado, irá barganhar os benefícios previstos em lei com o Delegado de Polícia ou com o Ministério Público, se dispondo em contrapartida a fornecer informações eficazes para o deslinde das investigações. O juiz não participará, em hipótese alguma, das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, conforme § 6º do art. 4º:
Art. 4o (...)
§ 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.
Assim, caso o magistrado interagisse nas negociações, haveria uma grave violação do sistema acusatório e um seríssimo risco de contaminação da sua imparcialidade, considerando que as informações enunciadas pelo eventual colaborador iriam incutir no julgador preconcepções sobre o próprio delator e seus comparsas. Se as negociações não culminassem com um acordo, a opinião do julgador a respeito do investigado já estaria construída em seu psicológico considerando que teria ouvido confissões sobre os fatos criminosos.
Ademais, a simples presença do juiz da causa na tentativa de acordo poderia exercer uma indevida coerção velada para que o investigado/acusado aceitasse eventual proposta, o que contraria a natureza do instituto já que a colaboração deve ser voluntária.
Assim, a lei 12.850/13 cuidou de especificar o papel de cada ator processual, a fim de conferir maior eficácia nas negociações bem como garantir a transparência e imparcialidade na persecução penal, prevendo ainda a participação mais efetiva de outro agente estatal, qual seja, o delegado de polícia, o qual até então era mero figurante na aplicação do referido instituto.
Tal previsão conferiu expressamente ao Delegado de Polícia o poder de realizar e formalizar os acordos de colaboração premiada para o bem do equilíbrio e interdependência de poderes. Isso porque o Delegado de Polícia é a autoridade presidente da investigação criminal realizada por meio do inquérito policial (Lei nº 12.830/2013), nada mais coerente que o mesmo detenha legitimidade para celebrar acordos de colaboração no bojo da investigação.
Papel de cada órgão na persecução penal
Valendo-se dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, temos em nossa Constituição Federal a limitação dos poderes da República, num sistema conhecido como “freios e contrapesos”, que traduz a teoria da Separação dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu. Tal teoria prevê a autonomia dos Poderes como um pressuposto de validade para o Estado Democrático. A ideia de que o poder deve ser controlado pelo próprio poder pressupõem que as atitudes dos atores envolvidos no palco de decisões sejam interligadas, com uma clara divisão nas competências de cada um deles, e uma interdependência que garanta uma gestão compartilhada e homogênea. Dessa forma, as ações do Executivo, Legislativo e do Judiciário devem ser, em tese, autônomas e complementares. O obstáculo à atuação legítima de qualquer um dos entes deve pressupor um abuso de seu poder institucional, sendo válido aos demais, portanto, a interferência para buscar um retorno ao status quo ante.
Nesse diapasão, a Constituição Federal definiu as atribuições dos três Poderes da República, bem como a competência daqueles órgãos ligados a tais Poderes, cuja função é tão importante que é tratada na própria Carta Magna, tais como Ministério Público e órgãos de Segurança Pública.
As atribuições desses órgãos são definidas pela Constituição Federal de tal modo que ratifica a importância da persecução penal para a efetivação do Estado Democrático de Direito. Tais atribuições, voltadas para a preservação dos direitos e garantias do acusado, visam o desenvolvimento justo e célere do processo penal, cujo bem maior a ser preservado é a liberdade daquele a quem é imputada uma infração penal. Assim, a persecução penal é uma somatória de atividades investigatórias com a uma ação penal que é solicitada pelo Ministério Público, e o juiz participa num primeiro momento como fiscal da legalidade dos atos investigatórios e acusatórios, e num segundo momento como órgão julgador que irá avaliar as provas trazidas aos autos e assim condenar ou absolver o réu. Assim, o exercício do direito penal é feita pelo juiz também, o qual atua de forma imparcial a fim de dizer o direito.
Na persecução penal o Estado cria dois órgãos persecutórios que são chamados de polícia judiciária e ministério público, cujas atribuições estão previstas respectivamente nos arts. 127 a 130 e 144 da Constituição Federal. Dessa forma, o persecutio criminis nasce com a prática de uma infração penal, ou seja um delito que atinge o Estado, então este tem o dever de perseguir aquela infração, investigá-la, para averiguar o que realmente aconteceu. Resumidamente, praticada uma infração penal, a polícia civil leva a conhecimento para o ministério Público sobre o fato delituoso cometido, e o Ministério público por meio de uma denúncia, apresenta fatos e autor e os envia para o juiz analisar se vai ou não puní-lo.
Não obstante a divisão clara e constitucional das atribuições de cada órgão envolvido na persecução penal, com certa frequência temos testemunhado ações em que o órgão acusador busca a exclusividade na atuação de colheita de provas o que viola diretamente a Constituição Federal, numa tentativa de desviar os princípios basilares da separação e limitação de poderes estatais.
Nessa linha, recentemente, a possibilidade de acordos de colaboração premiada assinados por delegados foi questionada pela Procuradoria-Geral da República. Em Ação Direta de Inconstitucionalidade, o órgão afirma que o parágrafo 2º, do artigo 4º da Lei da Organização Criminosa, ao permitir que os delegados façam acordos e peçam que o Judiciário conceda perdão judicial a investigados, enfraquece atribuição que seria exclusiva do Ministério Público, titular constitucional da ação penal. Contudo, em razão da atual importância dada pela legislação à função do Delegado de Polícia, como veremos adiante, tal tese não prosperou.
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
§ 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
3. Investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia
Em razão das mencionadas disputas por poderes entre órgãos e instituições, ocorridas nos últimos anos, houve uma corrida pela aprovação de PEC’s e Leis que ampliassem esses poderes. A partir da rejeição da PEC n.33, após apelo popular fomentado pelo Ministério Público, cujos termos pretendia conferir exclusividade da investigação criminal à Polícia, surgiu a Lei 12.830/13 que passou a dispor sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia. Na esteira da Constituição Federal, o referido diploma confirmou que a função de apurar as infrações penais e sua autoria pertence à Polícia Judiciária, a qual é dirigida por Delegado de Polícia de carreira. O art. 2º, caput, da Lei 12.830, também dispõe expressamente que tais funções são essenciais e exclusivas do Estado, ratificando os preceitos constitucionais envolvidos na persecução penal, especialmente na fase de investigação criminal. Restou clara a importância dada ao papel do Delegado de Polícia na persecução penal, o que gerou conflito com o Ministério Público.
A partir disso, veio a reação do órgão de acusação que em 2016 propôs uma ADI, através da Procuradoria-Geral da República, na qual questionava dispositivos da Lei 12.850/2013, especificamente quanto a possibilidade de realização do acordo de colaboração pelo delegado de polícia, art.4° § 2o .
Contudo, é inegável a projeção importante da função de investigação criminal após a edição da Lei 12.830/13, denominada Estatuto do Delegado de Polícia. A novel legislação previu que a as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo função do Delegado de Polícia é essencial e exclusiva de Estado e foi sabiamente adjudicada à Polícia Judiciária, órgão imparcial da persecução penal. A Polícia Civil e a Polícia Federal, órgãos vocacionados para levar adiante as apurações, tiveram seu protagonismo estabelecido não apenas na referida legislação, mas pelo próprio legislador constitucional, em seu art. 144 §§1º e 4º:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (...)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (...)
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Assim, o constituinte originário teve a oportunidade de adotar modelo diverso, mas preferiu manter a Polícia Judiciária como principal figura da investigação criminal.
Com efeito, o legislador infraconstitucional conferiu à Autoridade de Polícia Judiciária uma série de instrumentos para possibilitar que cumpra de modo satisfatório seu mister. O modelo constitucional adotado, da reserva relativa (e não absoluta) de jurisdição, significa que nem todos os atos de Polícia Judiciária precisam da chancela prévia do Judiciário, sistemática que, sem afastar o controle judicial, reforça a importância da tomada de decisões pelo delegado de polícia.
Nessa esteira, Renato Brasileiro leciona que “é certo dizer que as atividades investigatórias devem ser exercidas precipuamente por autoridades policiais, sendo vedada a participação de agentes estranhos aos quadros policiais, sob pena de violação do art. 144, §1º, V, da CF/1988, da Lei n. 9.883/1999, e dos arts. 4 º e 157 e parágrafos do CPP. Por isso, os Tribunais veem considerando que a execução de atos típicos de polícia investigativa como monitoramento eletrônico e temático, bem como ação controlada, por agentes de órgãos de inteligência (v.g. ABIN) sem autorização judicial, acarreta ilicitude das provas assim obtidas ”.
Nesse viés de valorização institucional das investigações criminais pelo Delegado de Polícia, os tribunais superiores vem adotando entendimento pela legalidade da atuação efetiva da Autoridade Policial na utilização do meio de obtenção de prova mais eficaz para o combate ao crime organizado que é a colaboração premiada.
4. Decisão do STF pela constitucionalidade do acordo firmado pelo Delegado de Polícia
Em 20 de junho de 2018 o STF, por maioria, declarou constitucional trecho da Lei da Organização Criminosa que autoriza delegados de polícia a conduzir acordos de colaboração premiada, desde que o Ministério Público opine. Esse foi o resultado da já mencionada ADI proposta pelo Ministério Público Federal, o qual desejava exclusividade da atuação em acordos de colaboração premiada.
O principal argumento pela inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados era o fato de que, o Delegado de Polícia, por não ser o titular da ação penal não poderia “negociar seus termos”, pois não seria possível a ele cumpri-los.
Tal fundamento superficial não podia prosperar. É sabido que a decisão sobre o acordo de colaboração premiada passa pelo crivo do Ministério Públlico antes de ser homologado pelo juiz. Por isso mesmo, mostrou-se descabida a tentativa do órgão acusador em obter a exclusividade de sua propositura.
Acertadamente, O Ministro Marco Aurélio em seu relatório destacou que “a delação premiada é meio de obtenção de prova em constante evolução, atividade que está dentro das atribuições dos órgãos policiais”. Para o Ministro, o acordo formulado pelo Delegado de Polícia é constitucional justamente porque passa pela análise do órgão acusador antes de ser homologado pelo juiz, deixando clara a atuação de cada órgão, conforme determinação constitucional:
“A Constituição Federal, ao estabelecer competências, visa assegurar o equilíbrio entre os órgãos públicos. A concentração de poder é prejudicial ao bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, razão pela qual interpretação de prerrogativas deve ser feita mediante visão global, do sistema, sob pena de afastar a harmonia prevista pelo constituinte”.
Confirmando o referido entendimento, o ministro Celso de Mello, em seu voto, afirmou que a polícia pode fazer acordos de delação e o parecer do MP é uma exigência da lei, art.4° § 2o, mas essa manifestação não tem poder de veto, já que é o Judiciário quem tem a palavra final, explicou Celso: "o entendimento contrário do MP não se reveste de eficácia vinculante", disse.
Também acompanharam o relator, os ministros Carmen Lúcia, Ricardo Lewandovisky, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, que destacaram que, mesmo que o delegado de polícia proponha ao colaborador a redução da pena ou o perdão judicial, a concretização desses benefícios ocorre apenas judicialmente, pois se trata de pronunciamentos privativos do Poder Judiciário.
Nesse contexto de valorização da atividade de investigação criminal pelo Delegado de Polícia, os ministros, em atenção aos princípios democráticos, destacaram que é incabível potencializar o papel do Ministério Público em detrimento do desenvolvimento legislativo do tema, que evidencia tratar-se de mecanismo situado no cumprimento das finalidades institucionais da polícia judiciária, conforme discussão ampla ocorrida no contexto da aprovação da Lei 12.850, em 2013.
Foram favoráveis ao entendimento supra, tanto a Consultoria Geral da União quanto a Advocacia-Geral da União, por entenderem que a possibilidade formulação de acordos de colaboração premiada pelo Delegado de Polícia não ofende o sistema acusatório, o devido processo legal ou a moralidade administrativa.
5. Conclusão
A disputa por espaço e poder entre as instituições públicas mostra-se cada vez mais inócua no contexto de Estado Democrático de Direito. É preciso entender que as instituições existem para um fim comum, e que os papéis de cada uma delas se complementam, não se excluindo ou prevalecendo-se entre si. Tais desavenças entre polícias judiciárias e Ministério Público devem ceder à juridicidade do atual posicionamento do STF, que atuou não apenas como corte constitucional, intérprete da Carta Magna, mas também como conciliador e pacificador da atuação dos órgãos do sistema de Justiça criminal, dando organicidade ao trabalho integrado dos atores envolvidos na celeuma.
Para o STF, os papéis das instituições envolvidas na persecução estão devidamente definidos na própria Constituição Federal e qualquer tentativa de usurpação por outra instituição diversa da prevista, configura desvirtuação do próprio sistema de justiça criminal constitucional. Segundo a Suprema Corte, a supremacia do interesse público conduz a que o debate constitucional não seja pautado por interesses corporativos, mas por argumentos normativos acerca do desempenho das instituições no combate à criminalidade. A atuação conjunta, a cooperação entre órgãos de investigação e de persecução penal, é de relevância maior. É nefasta qualquer “queda de braço”, como a examinada, segundo palavras do Ministro Relator.
Dessa forma, conclui-se que a referida posição do STF colocou uma pá de cal na controvérsia discutida, confirmando a importância dada pela Constituição Federal e demais legislações infraconstitucionais ao papel do Delegado de Polícia na persecução penal.
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SUPREMO TIBUNAL FEDERAL, STF - ADI 5.508. Julgamento em 20 jun.2018. Brasília. Voto relator disponível em:
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TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Manual de Processo Penal. 17. Ed São Paulo: Saraiva, 2017.
Delegada de Polícia em TO. Graduada em Direito pela PUC Minas<br>Especialista em Estudos da Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Jeannie Daier de. Acordo de Colaboração Premiada pelo Delegado de Polícia - uma vitória da democracia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/52170/acordo-de-colaboracao-premiada-pelo-delegado-de-policia-uma-vitoria-da-democracia. Acesso em: 01 nov 2024.
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Por: Marcela Eugenia Gonçalves
Por: Ana Julia Possebom Bologna
Por: Fernanda Gouvea de Carvalho
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