ÊNIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO[1]
(orientador)
RESUMO: Esta pesquisa traz à discussão e ao debate, os diversos entendimentos que pairam sobre a inserção do Art. 14-A no Código de Processo Penal, com o advento da lei 13.964/2019, conhecida como o Pacote anticrime. O Art. 14-A do CPP passou a destacar da obrigatoriedade da presença do defensor técnico e da citação para os inquéritos que envolvam os agentes de segurança pública definidos nos artigos 142 e 144 da CRFB/88, quando estes fizerem uso da força letal praticados no exercício profissional. Vale lembrar que se o réu não nomear defensor, a instituição que este pertence deverá ser notificada para que esta providencie. Este artigo tem como objetivo trazer uma reflexão maior sobre esta mudança, se esta regra torna obrigatória ou não tais providências expressas no artigo 14-A? Se estas não forem obedecidas, os atos supervenientes devem ser anulados? São estes questionamentos que serão abordados com intuito de melhor definir ao leitor uma opinião mais concreta e definida com a ajuda deste artigo e em uma perspectiva de uma análise mais profunda sobre este tema.
PALAVRAS-CHAVE: Obrigatoriedade. Possibilidade. Inquérito Policial. Ampla Defesa. Defensor Técnico. Citação.
ABSTRACT: This research brings to discussion and debate, the different understandings that hover over the insertion of Art. 14-A in the Criminal Procedure Code, with the advent of law 13.964/2019, known as the Anti-Crime Package. The Art. 14-A of the CPP started to highlight the mandatory presence of the technical defender and the summons for investigations involving public security agents defined in articles 142 and 144 of CRFB/88, when they make use of lethal force practiced in their professional practice. It is worth remembering that if the defendant does not appoint a defender, the institution to which he belongs must be notified so that it can arrange for it. This article aims to bring a greater reflection on this change, if this rule makes mandatory or not such measures expressed in article 14-A? If these are not obeyed, should the supervening acts be annulled? These are the questions that will be addressed in order to better define to the reader a more concrete and defined opinion with the help of this article and in a perspective of a deeper analysis on this topic.
KEYWORDS: Mandatory. Possibility. Police Inquiry. Broad Defense. Technical defender. Quote.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Defesa como possibilidade. 3. A Defesa como obrigação. 4. Da obrigatoriedade da citação - “notificação”. 5. Divergência doutrinária sobre o artigo 14-a do CPP. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
Este artigo emana das diversas discussões e debates que surgiram após o advento da lei 13.964/19, conhecida como “pacote anticrime”. Esta lei veio alterando o Código de Processo Penal Brasileiro em diversos pontos, e tinha como principal objetivo realizar mudanças para que o combate aos crimes violentos, aos crimes organizados e à corrupção tivessem uma eficácia maior, e com isso esses crimes viessem a ser combatidos de forma mais eficiente.
Com essas mudanças, vários debates foram realizados, e como toda democracia, essas introduções penais são até hoje discutidas, com fins claramente de se construir cada vez uma legislação justa de modo que possamos ter um direcionamento no modo de agir, de julgar, com perspectivas de que estamos praticando uma lei com mais clareza e justiça, e que venham dar aquele senso de justiça mais aceitado de uma forma geral.
Sabe-se o quanto importante é a existência do inquérito policial, de que apesar de ser um processo administrativo considerado dispensável em algumas das vezes na ação penal, este influi muitas das vezes, de forma direta, nas decisões tomadas por diversos magistrados do país. Agindo, em certas ocasiões como peça fundamental para se chegar a verdade e na elucidação de fatos, que trouxeram consigo, a verdade daquilo que aconteceu, bem como, a identidade irrefutável da autoria da ação criminal ora investigada e julgada.
Este inquérito, tão importante, tem suas características próprias e em algumas delas, o surgimento da lei 13.964/2019, veio atingir diretamente, que foi a do sigilo e de ser inquisitório, pois será mostrado, como isso ocorreu e até que certo ponto isso vem influenciar ou não no desenvolvimento do inquérito e da importância e crescimento da razoabilidade com a aplicação da obrigatoriedade da defesa técnica e da citação na forma do Artigo 14-A do Código de Processo Penal.
Com a novidade da legislação brasileira , principalmente relacionada ao processo penal, um dos pontos muito questionado pela justiça, foi a introdução do Artigo 14-A e seus parágrafos do CPP, que trouxeram a novidade da obrigatoriedade da citação de da defesa técnica dos agentes de segurança pública expressos nos Art. 142 e 144 a Constituição Federal Brasileira de 1988, nos inquéritos policiais e militares, quando estes agentes figurarem como investigados, em razão do uso da força letal, quando este uso for praticado no exercício profissional de tais agentes.
Desta forma, este estudo será direcionado na busca incessante de maiores esclarecimentos, onde será abordado, o uso da defesa técnica enquanto possibilidade, bem como, quando esta defesa deve ter sua aplicabilidade tida como obrigatória. Também iremos mostrar como será trabalhada, a literalidade e a aplicação da citação exigida no Art. 14-A, §1º do Código de Processo Penal.
Outro ponto a ser debatido neste artigo, será o debate e o questionamento das duas vertentes jurídicas doutrinárias que tem distintas visões sobre a legalidade, a constitucionalidade e até onde vai a aplicabilidade desta novidade na legislação judiciária brasileira. Mostrando o quão importante é, este tema que irá ser explanado, de maneira responsável, crítica e científica, em que a opinião de juristas serão observadas, com suas justificativas na defesa de seus pensamentos jurídicos.
Não poderemos nos furtar de citar algumas consequências e quando serão realmente cobradas estas exigências do Art.- A, do CPP, pois as pesquisas realizadas e o acompanhamento dos mais renomados pensadores jurídicos mostram com uma clareza ímpar que este tema é de extrema importância, pela abrangência que este alcança e pela singular necessidade de dar uma maior credibilidade a legislação como um todo que rege nosso atuar, na busca de um conjunto de normas que venha dar maior segurança jurídica a todos.
Por tudo isto, justifica-se a real necessidade de cada vez mais, discutimos temas relevantes como este, que só fazem engrandecer mais o conhecimento.
Pois ao final, o objetivo deste artigo é conseguir distinguir qual definição mais se aproxima da justiça que se almeja em sua opinião? Até onde estas mudanças são legais ou não são? Como exigir e em que casos realmente deverá ser cobrada estas obrigatoriedades que trazidas pela lei 13.964/2019 que se traduziram na introdução do Art. 14-A, do Código de Processo Penal brasileiro? Então, é na esperança que estes questionamentos sejam realmente debatidos e vistos com mais clareza que veio a razão da construção deste estudo científico.
II- A DEFESA COMO POSSIBILIDADE
Quando se fala em defesa como possibilidade, está se falando na defesa técnica, geralmente representada por um advogado, em que este pode vim a atuar em um determinado momento específico que ocorre na gestão do Estado como força reguladora, administrativa e punitiva no uso de suas funções para obter os fins da harmonia social e para que a democracia seja exercida. Este momento, trata-se do Inquérito Policial, e que propriamente pode ser também na área militar, tendo a denominação de Inquérito policial militar.
De acordo com Misse(2010), o Inquérito Policial é um procedimento administrativo do Estado e o Delegado de Polícia é o titular deste inquérito, de maneira que ele realiza uma investigação coordenada a fim de encontrar indícios de autoria e materialidade de um fato que configure em uma infração penal, pois, é função exclusiva do Estado exercer tal procedimento, fundamentado pelo direito de punir que este tem, sempre observando o devido processo legal, como previsto no art. 5º, LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
O inquérito policial possui características próprias, como o fato de ser escrito, sigiloso, oficial, obrigatório (quando se tratar de ações penais públicas incondicionadas); autoritário; indisponível e inquisitivo. E essas características como o fato de ser sigiloso, e inquisitivo, fazem afastar a obrigatoriedade da aplicação da ampla defesa e do contraditório durante este procedimento, firmando o entendimento de que é direito, que é facultado ao investigado de dispor de defensor na fase do procedimento investigativo, porém, ressaltando que este não é obrigatório (CAPEZ, 2016).
O Supremo Tribunal Federal, confirma tal possibilidade, e não cita sua obrigatoriedade, senão vejamos o que pese o textual que compõe em sua súmula vinculante nº 14 que de forma direta e incisiva, assim aduz:
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa (BRASIL, 2009).
Ressalta-se que o entendimento acima do Supremo Tribunal Federal é o mesmo pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que prevê em seu art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil) expôs que é direito do advogado:
Art. 7º São direitos do advogado:
XIV- Examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital (BRASIL, 2016).
Vale lembrar que para ter o acesso aos autos que são sujeitos a sigilo, o advogado, deve obrigatoriamente apresentar a procuração, pois nestes casos, somente autorizado mediante procuração, este direito ao acesso pode ser exigido, conforme está expressamente no Art. 7 º, §10º da lei 8.906, de 04 de julho de 1994 – EOAB – (BRASIL, 2018)
Ainda se tratando da possibilidade de defesa por parte dos investigados em um inquérito policial, vale destacar a força do Art. 7º, inciso XXI, da Lei 8906/94 que vem reforçando o direito do advogado a seus clientes durante a apuração de infrações, podendo inclusive apresentar razões e quesitos.
A ampla defesa e o contraditório fazem parte do processo criminal, de forma que o acusado venha a ter a oportunidade de apresentar toda refutação sobre aquilo que vem sendo acusado, com apresentações de provas e todos os meios permitidos por lei. Essa defesa pode vim em momentos distintos, seja na 1ª fase, que é a investigativa ou na fase da ação penal, que é a definitivamente a fase processual, no entanto, na 1ª fase ela é facultativa, quando estamos falando da ação de um advogado, de maneira que a ausência deste não impede o prosseguimento do procedimento investigativo, já na segunda fase, quando trata-se da ação propriamente dita, a presença da defesa técnica do acusado é imprescindível.
A doutrina majoritária é do entendimento que a presença do advogado não é obrigatória durante o processo investigativo, com a justificativa de que por ser o inquérito inquisitorial e sigiloso, não deve prevalecer neste estágio pré-processual a aplicabilidade da ampla defesa e do contraditório, tornando assim, a presença do advogado como facultativa e que em nada afeta o andamento do processo, mesmo com advento da lei 13.245/2016 que veio alterar o art. 7º, XXI, da Lei 8.906/94. (HOFFMAN, 2020)
III - A DEFESA COMO OBRIGAÇÃO
A presença da defesa técnica de qualquer investigado em um inquérito policial, de modo geral, já foi questionada, e tal questão era vista apenas como possibilidade, sendo esta presença considerada não imprescindível para o andamento da investigação e posteriormente do processo penal.
O advento da Lei nº 13.964, de 2019, trouxe mudanças no Código de Processo Penal que vieram a tornar obrigatória a presença do advogado em determinados casos específicos, como podemos claramente notar no art. 14-A e seus parágrafos.
A novidade trazida pela lei 13.964/19 traz essa defesa obrigatória para todos os agentes de segurança pública reconhecidos no art. 144 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Vale lembrar que esta situação inovadora trazida pela referida lei apenas atingem os autores que compõe o art. 144 e art. 142 que estão em situação de investigados em inquéritos policiais, em fatos que relacionados ao uso da força letal, quando este tiver em serviço, seja este uso letal, de forma consumida ou tentada, como dispõe o art.14-A, caput e §6º da Lei 13.964/2019 a seguir:
Art. 14-A. Nos casos em que servidores vinculados às instituições dispostas no art. 144 da Constituição Federal figurarem como investigados em inquéritos policiais, inquéritos policiais militares e demais procedimentos extrajudiciais, cujo objeto for a investigação de fatos relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional, de forma consumada ou tentada, incluindo as situações dispostas no art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o indiciado poderá constituir defensor.
[...]
§ 6º As disposições constantes deste artigo se aplicam aos servidores militares vinculados às instituições dispostas no art. 142 da Constituição Federal, desde que os fatos investigados digam respeito a missões para a Garantia da Lei e da Ordem. (BRASIL, 2019)
Os fatos, então devem ter ocorridos quando este agente estiver estritamente na prática de seu exercício profissional, não devendo assim ser observado o cumprimento do art.14-A quando o agente de segurança pública agir em situações estranhas e alheias ao cumprimento de suas atividades laborais. E, a ação investigada não precisa necessariamente ter sido concluída com a letalidade, basta para isso que o investigado tenha tentado usar o uso da força letal na situação. (BRASIL, 2019)
Os profissionais então pela lei podam contar com a assistência de um defensor público caso eles mesmos não indiquem um advogado ou se a instituição na qual trabalham também não indique um defensor.
Vale mencionar que os parágrafos 3º, 4º e 5º que decorre da obrigatoriedade da defesa técnica no inquérito e da citação do investigado, foram vetados pelo Presidente da República, através do VET 56/2019, no entanto em 19/04/2021 o Senado Federal conseguiu derrubar o veto presidencial e em 30/04/2021 a promulgação pelo Presidente da República foi publicada, tornando parte do corpo textual da lei, os §3º, §4º e §5º, sendo incluídos no Código de Processo Penal. (BRASIL, 2019)
Desde então, a defesa dos agentes de segurança pública investigados através de inquéritos policiais devem ser feita pela Defensoria pública e se porventura, nesses locais não houver tais defensorias, a União ou o Estado correspondente competente deverá disponibilizar um profissional para que venha acompanhar todos os atos da defesa administrativa do acusado, em obediência ao art. 14-A, §3º da lei 13.964/2019
A defesa técnica que for indicada pela União ou pelo Estado não precisará ser necessariamente por um servidor profissional do quadro efetivo do próprio estado, podendo ser um particular que não venha a integrar seus quadros, no entanto, a observação de que a indicação do advogado para defesa do servidor, somente será aceita a partir da manifestação de que não exista Defensoria na área territorial onde ocorre a tramitação do inquérito policial.
Os aperfeiçoamentos realizados na legislação processual penal trazida pela lei 13.964/19- Conhecida como “Pacote Anticrime”- através do Artigo 14-A, atingiram não apenas o CPP, mas como também o Código de Processo Penal Militar (CPPM), que acrescentou no corpo de seus mandamentos processuais o artigo 16-A, repetindo integralmente as novidades compostas no art. 14-A do Código de Processo Penal Brasileiro.
Alguns doutrinadores incluem os guardas municipais no rol das pessoas beneficiadas pela obrigatoriedade da defesa técnica nos casos acima discutidos. Esta inclusão estaria fundamentada por interpretação mais ampla de que a Guarda Municipal faz parte da segurança pública. (CARVALHO, 2011) (VENTRIS, 2010)
IV- DA OBRIGATORIEDADE DA CITAÇÃO - “NOTIFICAÇÃO”
O termo citação tem sua definição legal definida no Código de Processo Civil de 2015, “Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual”. (BRASIL, 2015)
O termo mais correto para ser utilizado no caso a que se refere este estudo, que ocorre no andamento do inquérito policial, deve ser Notificação e não Citação. Esta última só seria possível quando já houvesse um processo criminal em andamento, o que não é o caso, mas o entendimento ficou claro, que isto ocorreu devido simplesmente uma falta técnica no uso correto do termo legislativo. Ademais, a simples expressão jurídica errônea não define a sua objetividade, esta é representada pela construção do modelo fático para que assim venha ser cumprido e ter seu objetivo alcançado, tornando esta norma válida para sua aplicabilidade. (PACELLI e FISCHER, 2016)
A citação tem sua importância tão grande que a torna indispensável para prosseguimento processual penal, sem esta, a Doutrina majoritária acredita gerar nulidade absoluta de todo processo, mesmo este estando transitado e julgado.
Mas, o debate aqui ora proposto trata-se de informar aos agentes de segurança abrangidos pela aplicação do Art. 14-A do Código de Processo Penal (CPP) na fase investigativa, ou seja, no inquérito policial, em que pese estes agentes estarem na situação no uso da força letal e ainda que este uso tenha se dado no exercício de sua profissão, e, se tais exigências estão supridas, então a citação/notificação deve ocorrer obrigatoriamente, no intuito do cumprimento do que rege este artigo em seu §1º, que explicita:
§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação. (BRASIL, 2019)
O caso em questão mostra claramente que o objetivo de tal citação disposto no artigo acima citado, é de notificar o investigado sobre a existência de um inquérito policial em que ele figure como suspeito, nos casos em que este tenha utilizado o uso da força letal, quando se encontrava no seu exercício profissional e que em decorrência do cumprimento da lei, este querendo e podendo, possa constituir defensor no prazo de 48 horas a ser contado a partir do recebimento da “citação” para acompanhar na forma da lei os atos do procedimentais do inquérito, conforme preconiza o Art. 14-A, §1º, do Código de Processo Penal, como vemos a seguir:
Art. 14-A
[...]
§ 1º Para os casos previstos no caput deste artigo, o investigado deverá ser citado da instauração do procedimento investigatório, podendo constituir defensor no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a contar do recebimento da citação. (BRASIL, 2019)
Porém, se o agente investigado, não cumprir com as determinações elencadas no parágrafo 1º deste artigo, a autoridade, seja ela, o Delegado de Polícia Civil, o Ministério Público ou outra autoridade qualquer que esteja à frente da investigação, tem a obrigação de intimar a instituição que o agente investigado faça parte, para que esta venha também em igual prazo dado ao suspeito, ou seja, de 48 horas, indicar um defensor para representar este agente, conforme está expressamente disposto no §2º do Art. 14-A, do CPP, que assim se apresenta:
Art. 14-A.
[...]
§2º Esgotado o prazo disposto no § 1º deste artigo com ausência de nomeação de defensor pelo investigado, a autoridade responsável pela investigação deverá intimar a instituição a que estava vinculado o investigado à época da ocorrência dos fatos, para que essa, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, indique defensor para a representação do investigado. (BRASIL, 2019)
A citação, conforme dispõe a novidade da lei 13.964/19 traz a obrigatoriedade de o investigado ser informado sobre a instauração do inquérito.
Contudo, deve-se ter a atenção dirigida no sentido de que a citação obrigatória não abrange todos os inquéritos policiais envolvendo agentes da segurança pública. Há a necessidade desse agente estar individualizado no inquérito, aí sim, a partir deste momento a citação se tornaria obrigatória e não na abertura de um inquérito policial para apurar possível crime sem individualização do investigado.
V- DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA SOBRE O ARTIGO 14-A DO CPP
Com o surgimento da Lei 13.964/2019, lei que ficou conhecida como, Pacote Anticrime, várias mudanças surgiram no Código Processual Penal Brasileiro, estas novidades repercutiram muito no meio jurídico, sendo que diversos doutrinadores divergiram em opiniões sobre a legalidade, a efetividade e a necessidade das normas introduzidas por tal lei. (FONTES e HOFFMANM, 2020)
O artigo 14-A do CPP, mais precisamente, alavancou diversos debates entre os estudiosos de todo Brasil, as variações de opiniões ocorreram desde uns grupos que se posicionaram contra este artigo a outros que manifestaram posicionamento favorável a tais normas inseridas. (PEREIRA, 2022)
Os doutrinadores contrários ao artigo 14-A do CPP questionam a inconstitucionalidade do artigo, pois este traz distinção entre servidores públicos, onde uma categoria, que seriam os abrangidos pelos artigos 144 e 142 da CRFB/88, tratando-os de forma diferente, ferindo assim o princípio da isonomia que rege nossa Carta Magna constituída em 1988. (SUXBERGER, 2020)
Ainda este grupo contrário defende que a presença do advogado já era garantida no próprio Estatuto da Ordem dos advogados do Brasil, que em seu Art. 7º, XXI, cita:
Assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração:
a) Apresentar razões e quesitos; (BRASIL, 1994)
Esta existência da possibilidade e garantia do defensor na fase investigativa comprovada no artigo acima explicitado mostra que a lei 13.964/2019 não modificou o entendimento do dispositivo legal e que a ideia da obrigatoriedade não torna o inquérito refém da presença da defesa técnica dos agentes de segurança pública em tais inquéritos, considerando a defesa técnica como um elemento acidental no inquérito policial e não como elemento essencial para validação da fase investigativa. Podendo, certamente, o procedimento administrativo transcorrer sem esta defesa que ainda assim não estaria quebrando os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Quanto à Doutrina favorável a implementação do Artigo 14-A e seus parágrafos do CPP, fundamentam suas teses baseadas nas ações dos servidores da segurança pública que quando na prática de seu exercício profissional, estão representando o Estado na busca da proteção dos direitos da sociedade como um todo, e esta atuação, fundada na defesa do bem coletivo em prol do individual, afronta direitos individuais e tornam tais agentes em vítimas de críticas, agressões e até a morte. E que este motivo traria mais justiça no sentindo de que o Estado venha a trazer alguma proteção aos seus servidores que atuam no combate direto ao crime organizado, sendo constantemente vítimas de assassinatos. (PEREIRA, 2022)
Outro ponto que estes doutrinadores trazem é que a falta da defesa e da comunicação ao investigado, que é agente de segurança pública sobre a existência de um inquérito policial relacionado ao uso da força letal no cumprimento de seu serviço legal, anula todos os atos supervenientes, pois contraria a lei, que ao dispor suas normas cita o termo “deverá”, onde a partir daí é entendido como obrigatoriedade, causando prejuízos na defesa do investigado, ferindo o princípio da ampla defesa, já que o advogado deve participar desta fase do procedimento administrativo em questão, sendo sua presença considerada imprescindível em tais situações. (PEREIRA, 2022)
VI- CONSIDERAÇÕES FINAIS
O princípio da ampla defesa e do contraditório devem estar enraizados em todo processo sejam eles de qualquer esfera. Sob a ótica de que toda pessoa suspeita, indiciada, acusada, ou que se encontre numa situação que lhe esteja sendo imputada algo, tem o direito de defender-se, pois é este um direito fundamental, muito explanado nos meios jurídicos e administrativos, conforme Art. 5º, LV da CRFB/88. No entanto em um inquérito policial, como tema em questão, existe vários questionamentos, logo é preciso sermos bem cuidadosos a atentos sobre todas as formas de análise vistas, tanto pelo que diz a lei propriamente dita, como dizem as diversas linhas de raciocínio que sustentam os doutrinadores do direito.
O inquérito, por ser um procedimento administrativo informativo, com objetivo de apurar sobre a existência ou não de determinada infração penal e o possível ou possíveis autores desta infração, precisa de determinadas singularidades, no sentido de que o titular da ação penal possa dispor de elementos suficientes para alcançar assim justiça nessa determinada situação. Ocorre, porém que o Código de Processo Penal cita em seu Art. 20 que a autoridade assegurará o sigilo necessário do inquérito para a elucidação do fato e dessa formam em muitos casos os advogados tem o acesso negado aos inquéritos policiais, gerando assim uma situação, que à luz do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), vem a ferir a uma prerrogativa importantíssima do advogado, que tem este direito fundamentado no seu Art. 7º, incisos XIV e XXI, da lei 8.906/94, de forma que o advogado tem o poder de examinar em qualquer instituição que esteja conduzindo a investigação, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, sobre seu cliente investigado e ter acesso ao inquérito policial.
Há de ressaltar que tal presença não decorre de forma absoluta, existem as situações em que Advogado poderá ter acesso negado quando houver diligências em curso e este acesso aos autos atrapalhar essas diligências e ainda quando estiverem em sigilo ou segredos de justiça, onde os critérios para acesso são mais exigentes.
Este acesso ao inquérito não era obrigatório, porém com a criação da Lei nº 13.964, de 2019, que implantou o Art. 14-A no Código de Processo Penal, trouxe consigo, a obrigatoriedade da participação da defesa técnica nos casos em que os agentes de segurança pública elencados nos Art. 142 e 144 da Constituição Federal do Brasil tiverem como investigados quando decorrentes de uso da força letal no exercício profissional destes agentes.
Apesar de todo debate em torno deste tema, e parte da doutrina judiciária entender que tal prerrogativa aos agentes da segurança pública não seja obrigatória, a outra parte doutrinária, e a que vejo com mais justiça, enxerga tal benefício criado a estes agentes, com clareza e razoabilidade, no sentindo de que deve sim, ser obrigatória tal defesa, sendo que sem ela, ocorra nulidade, de todos os atos supervenientes, pois a lei foi desobedecida, a colocação do verbo no imperativo “DEVERÁ” nos §1º e °§2º do Art. 14-A do CPP, impõe à obediência que todos devem seguir, e caso contrário, estaria ferindo não apenas o princípio da ampla defesa e do contraditório, mas como também o princípio da legalidade que deve reger toda ação do Estado.
Quanto à “citação” e a “intimação” que o Art. 14-A do Código de Processo Penal Brasileiro se refere em seus parágrafos 2º e 3º, estes são bem claros, apesar da denominação equivocada para o fim a que se destina, pois, como explanado anteriormente, a denominação mais correta seria a “notificação”.
No entanto, independentemente da forma expressada, o objetivo ficou claro do jurista, e esta deve ser obedecida em sua integridade total. Porque claramente expôs a obrigação do agente ser avisado sobre a existência de determinado inquérito, que este venha a ser o investigado, para que possa se defender de forma justa, como determina a lei, constituindo um advogado, se este não puder fazer, que a defensoria o faça, e se esta não existir no Estado da ocorrência, a instituição do investigado deve ser intimada para designar a defesa técnica do seu agente.
No entanto, vale lembrar, que toda uma análise do inquérito deve ser feita para que seja exigida tal citação e defesa técnica. Primeiramente, deve ser averiguada, se a situação realmente tem como suspeito, o agente de segurança pública, porque, enquanto a suspeita não estiver individualizada na figura do agente de segurança que compõe o Art.142 e 144 da CRFB/88, não se pode exigir o cumprimento do que está expresso no Art. 14-A do CPP.
Ademais, a situação precisa estar claramente disposta à situação da ocorrência do uso da força letal por este agente, no seu exercício profissional.
Assim, após toda uma análise, de tudo que aqui foi exposto e pesquisado, percebe-se que a preocupação que paira em alguns doutrinadores não podem de todo serem ignoradas, precisam ser ainda mais discutidas e debatidas, mas, devemos ter a clareza da realidade da situação em que vivem estes agentes, da reais ações que estes estão submetidos, tanto pelo seu nível de periculosidade, de estresse de variadas forma, como de poder de decisão a um nível e espaço de tempo muito curto, onde, em prol da sociedade e na defesa da manutenção dos direitos de terceiros e algumas vezes na defesa até mesmo da própria vida, tais agentes são obrigados a utilização de tais força letais.
Por tudo isso, temas como estes que geram tantas vertentes, devem ser mais levados à discussão, onde possamos ouvir os mais diversos segmentos da sociedade, dos juristas, doutrinadores e outros, de maneira que se possa ter uma filtragem e absorção de todas causas e efeitos, para a construção de um direcionamento que melhor possa ser usado na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Ressalta-se também, que é importante salientar, da necessidade de pesquisas cada vez mais sobre toda e qualquer transformação que venham a atingir a maneira como determinamos as leis que regem o nosso viver no dia a dia, assim, este artigo espera ter alcançado seu objetivo primordial que é de esclarecer, mostrar as diversas formas de pensar e interpretar tal mudança que nos trouxe a lei 132.964/2019 e a partir daí que os leitores possam ser levados aos mais diversos questionamentos, as mais diversas formas interpretativas, na certeza que dessa forma estarão construindo seu próprio pensamento jurídico e consequentemente tornando-os em pessoas mais qualificadas que com certeza irão contribuir com mais propriedade, na criação de leis que venham a reger em uma convivência mais pacífica e melhor para todos.
VII - REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Código Penal Brasileiro. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm, acesso em 07 de abr de 2022.
BRASIL, Código Processo penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm, acesso em 09 de abr de 2022.
BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm, acesso em 12 de abr de 2022.
BRASIL, Código de Processo Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, acesso em 12 de abr de 2022.
BRASIL, Lei do Pacote Anticrime. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm, acesso em 06 de abr de 2022.
CARVALHO, C. F. Por que manter a guarda municipal. In: ______. O que você precisa saber sobre Guarda Municipal e nunca teve a quem perguntar. 3. ed. Curitiba: Edição do autor, 2011.
COSTA, Adriano Sousa; FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique. Defesa obrigatória e citação dos policiais no inquérito policial. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-ago-04/academia-policia-defesa-obrigatoria-citacao-policiais-inquerito-policial. Acesso em 27 de junho de 2021.
COSTA, Adriano Sousa; HOFFMANN, Henrique. Atuação do advogado no inquérito policial. In: FONTES, Eduardo; HOFFMANN, Henrique (Org.). Temas Avançados de Polícia Judiciária. 4. ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 71.
CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 109 e 110.
PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
PEREIRA, Jeferson Botelho. Pacote anticrime: Defesa preliminar obrigatória dos policiais no inquérito.: Proteção integral dos interesses da sociedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6790, 2 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91610. Acesso em: 11 mai. 2022.
VENTRIS, O. Guarda municipal- poder de polícia e competência. 2 ed. São Paulo: IPECS, 2010.
[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. Especialista em Ciências Criminais e em Direito e Processo Administrativo. Graduado em Direito e em Comunicação Social, todos os cursos pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Professor de Direito e Processo Penal, escritor. Delegado da Polícia Civil do Tocantins.
Graduado em Pedagogia pelo Instuto de Ensino Superior do Amapá- IESAP; Graduado em Matemática pela Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA; Professor de Matemática e História da Rede Municipal de Ensino de Porto Nacional-TO e Acadêmico do Curso de Direito, cursando o 10º período na Faculdade Serra do Carmo-FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BECKMAN, NEY CÉSAR DA SILVA. A citação e a defesa obrigatória dos agentes de segurança pública nos inquéritos policiais que envolvam o uso da força letal no exercício profissional desses agentes. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2022, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58610/a-citao-e-a-defesa-obrigatria-dos-agentes-de-segurana-pblica-nos-inquritos-policiais-que-envolvam-o-uso-da-fora-letal-no-exerccio-profissional-desses-agentes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.