LARA STELLA RODRIGUES PIRES FERREIRA[1]
(coautora)
GUSTAVO LUÍS MENDES TUPINAMBÁ RODRIGUES[2]
(orientador)
RESUMO: As prisões cautelares, no ordenamento jurídico brasileiro, possuem o escopo precípuo de assegurar a eficácia do processo, garantir a sua instrumentalidade e a tutela jurisdicional. Todavia, hodiernamente, observa-se que esse instituto tem perdido a sua real função, pois apesar de ter caráter excepcional vem sendo aplicado com o intuito preventivo e retributivo. Nesse viés, o presente artigo visa analisar os motivos, bem como as consequências que incidem sob o uso demasiado das prisões cautelares, observando-se a necessidade da correta utilização desse instituto. Inicialmente, aborda-se como o processo penal brasileiro regula as prisões cautelares, a fim de discorrer sobre a sua real aplicabilidade. Em seguida, expõe-se sobre o princípio da presunção de inocência, a decretação de ofício da prisão preventiva e a não delimitação do conceito de ordem pública. Por fim, as consequências que ocorrem em decorrência do uso exacerbado das prisões cautelares, como por exemplo, a dilaceração dos direitos e garantias individuais dos presos. Conclui-se, diante do exposto, que o referido instituto deve ser utilizado como medida para garantir a finalidade processual e não como instrumento para antecipar a pena.
Palavras-chave: Eficácia processual. Tutela jurisdicional. Caráter excepcional. Consequências.
ABSTRACT: Precautionary prisons, in the Brazilian legal system, have the main scope of ensuring the effectiveness of the process, guaranteeing its instrumentality and judicial protection. However, nowadays, it is observed that this institute has lost its real function, because despite having an exceptional character, it has been applied with preventive and retributive purposes. In this bias, this article aims to analyze the reasons, as well as the consequences that affect the excessive use of precautionary prisons, observing the need for the correct use of this institute. Initially, it addresses how the Brazilian criminal procedure regulates precautionary arrests, in order to discuss its real applicability. Then, it is exposed on the principle of presumption of innocence, the official decree of preventive detention and the non-definition of the concept of public order. Finally, the consequences that occur as a result of the exacerbated use of precautionary prisons, such as the laceration of the rights and individual guarantees of prisoners. It is concluded, from the above, that the aforementioned institute should be used as a measure to guarantee the procedural purpose and not as an instrument to anticipate the penalty.
Keywords: Procedural effectiveness. Jurisdictional protection. Exceptional character. Consequences.
1.INTRODUÇÃO
A priori, destaca-se que a prisão cautelar é uma espécie de prisão deflagrada, antes que ocorra o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Urge mencionar que a mesma deve ser deflagrada em caráter excepcional quando forem cumpridos os requisitos para a sua propositura. Portanto, constata-se que esta não deverá ser aplicada como uma regra, mas sim utilizada de forma excepcional.
No Brasil é notória a intensa deturpação do uso e aplicação das prisões cautelares. Isso,
porque a sociedade compacta-se com um sentimento errôneo relacionado à justiça, na qual só é alcançada caso haja a decretação da prisão, ainda na fase de inquérito ou instrução processual de acusados. Logo, tem-se como consequência que ocorre de forma imediata, a sobrecarga do sistema prisional devido ao aumento da população carcerária.
Nessa perspectiva, a presente pesquisa visa o estudo da real finalidade das prisões processuais de natureza cautelar, as quais são configuradas como medidas impostas pelo juiz na fase de inquérito e instrução processual com o fulcro precípuo de assegurar a eficácia do processo e garantir a sua instrumentalidade, bem como, a tutela jurisdicional, conforme dispõe os arts. 282 ao 300 do Código de Processo Penal.
Dessa forma, tem-se por delimitação do tema as prisões cautelares como medida para garantir a finalidade processual em detrimento do seu uso exacerbado no processo penal brasileiro.
Assim, o problema de pesquisa fundamenta-se em: quais motivos e as consequências que incidem sob a decretação em excesso das prisões cautelares no processo penal brasileiro?
A justificativa da pesquisa encontra-se no fato de que a utilização das prisões cautelares, cada vez mais vem perdendo a sua real finalidade, haja vista que estas se tratam de medidas que são dotadas de excepcionalidade e provisoriedade e, que possuem suas próprias finalidades processuais. Todavia, verifica-se que, no atual contexto social do Brasil, essas têm perdido a sua real função ao serem utilizadas como forma de antecipação da pena.
Ademais, vivemos atualmente inseridos em uma sociedade bastante acelerada em termos de tecnologias e informações, que fazem com que notícias cheguem ao conhecimento de toda população de forma imediata. Logo, observa-se que devido a isso, existe um grande anseio pela velocidade da punição, ou seja, a visibilidade de uma punição imediata.
Nesse sentido, apesar de as prisões processuais de natureza cautelar possuirem como objetivo a garantia do resultado da tutela jurisdicional e, consequentemente, a efetividade do processo, torna- se notória a deturpação destas por serem confundidas como pena, atribuindo a essas um caráter preventivo e retributivo em decorrência dos anseios da sociedade. Assim, é explícito que não existe a observância de princípios fundamentais que são basilares aos indivíduos.
Desse modo, objetiva-se, com a elaboração do presente estudo, analisar os motivos, bem como as consequências que incidem sob o uso demasiado das prisões cautelares no sistema processual penal nacional. Nesse ínterim, busca-se demonstrar a utilização excessiva destas, sem intenção de esgotar o tema, que merece atenção crescente da academia.
Quanto à metodologia, trata-se de pesquisa bibliográfica do tipo narrativa, baseada na consulta a livros, artigos, legislações e julgados brasileiros pertinentes ao tema das prisões cautelares. O estudo tem como objetivo primordial apresentar a discussão acerca do uso das prisões cautelares em detrimento da sua utilização exacerbada e, concomitantemente, as consequências advindas desta prática.
Por todo o exposto, para se alcançar as considerações finais da presente pesquisa, busca-se em um primeiro momento, trabalhar a distinção entre prisão cautelar e prisão penal, bem como apontar a principiologia que deve ser observada na aplicação desse instituto, como também os pressupostos para o cabimento e às espécies de prisões cautelares e suas respectivas finalidades.
Em segundo plano, busca-se analisar a real prática de sua aplicação no processo penal brasileiro. Logo em seguida, a ilegalidade da prisão preventiva decretada de oficio pelo juiz e o fundamento da garantia da ordem pública face o Código de Processo Penal. E, por fim, discorrer-se-á sobre os impactos do uso demasiado das prisões cautelares e as consequências no sistema prisional brasileiro.
2 AS PRISÕES CAUTELARES DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Conforme Silva (2016), é permitido pela legislação portuguesa o sistema jurídico das prisões preventivas, que foi implementado no Brasil desde a época colonial. No entanto, para que os cidadãos sejam acusados de tais atos violentos, algumas questões devem ser atendidas, a saber, crimes flagrantes e a prática de crimes puníveis.
Guilherme Nucci (2016, p. 452) define a prisão da seguinte forma:
“É a privação de liberdade, a privação do direito de entrar e sair, através da memória das pessoas na prisão. Nesse conceito, não há diferença entre a prisão temporária enquanto espera o fim da ordem criminal e a prisão após o cumprimento de uma sentença. Assim, embora o Código Penal preveja pena de prisão por condenação, seu tipo, forma de cumprimento e sistema de acolhimento de infratores, a lei de processo penal é responsável pela prisão”.
Nucci ainda aponta brilhantemente que a detenção temporária só deve ter efeito quando necessário, confirmando a mensagem de que tais instituições que não devem ser a regra, mas a exceção. Nesse sentido, salienta-se que é disposto no código de processo penal, dois tipos de prisão cautelar, que são: prisão temporária e a prisão preventiva; e como prisão pré-cautelar: o flagrante, todas ocorrendo antes da condenação e da sentença.
Desse modo, as sentenças de prisão resultarão de decisões finais e irrecorríveis; e as prisões diversas de sentença penal condenatória servirão como medidas preventivas para garantir que o processo seja efetivamente encerrado, manter a ordem pública e econômica e facilitar o processo penal.
Nos ensinamentos de Tourinho (2016) a prisão não tem função educativa, configurando-se como um castigo. Como já foi referido, é um absurdo e vitoriano esconder a sua verdadeira e interioridade com outros rótulos. É vista como um castigo porque ainda não há convicção. Portanto, a prisão provisória deve ser usada como uma exceção.
A ordem de prisão cautelar exige a presença de elementos que indiquem que a pessoa sob investigação ou o réu esteja envolvido na prática do crime, e essa medida é essencial para garantir a aplicação do direito penal (evitar fuga), atividades de prova (se por exemplo, o réu embaraça a testemunha) ou evita a repetição de crimes.
Corroborando com esse entendimento, ressalta-se ainda que a legislação elenca que as mulheres grávidas, mães de crianças menores de 12 anos, arguidos idosos ou doentes, ou a sua presença em situações indispensáveis ao cuidado de crianças ou pessoas com deficiência, sejam detidas em casa, conforme é disposto no artigo 318 do CPP.
2.1 Prisão cautelar e prisão-pena
Segundo Nucci (2016), a prisão é a privação da liberdade e do direito de entrar e sair, por meio da memória humana da prisão. No ordenamento jurídico brasileiro, as prisões são aplicadas de duas maneiras diferentes: encarceramento e reclusão sem penalidade. Assim, a pena de prisão será aquela aplicada quando houver decisão final e irrecorrível; a prisão sem punição será tomada como medida preventiva para garantir o fim efetivo do processo, manter a ordem pública e econômica e facilitar o processo criminal.
Nesse meandro, Fidalgo (2016) ensina que a prisão é o resultado de uma sentença final e irrecorrível. Desse modo, salienta-se que a prisão-pena está atrelada de forma direta ao indivíduo que é considerado culpado, através de sentença penal condenatória, de uma infração penal. Logo, o intuito do poder estatal baseia-se no cumprimento da pena com o fulcro de promover ao criminoso a punição devido os seus atos, a ressocialização, como também resguardar a sociedade deste.
Aliado a isso, em relação a prisão cautelar, constata-se que estas não possuem caráter punitivo e são destinadas aos indivíduos presumidamente inocentes e que, muitas vezes, não foram sequer julgados no momento de sua prisão. Assim, serão utilizadas como medidas preventivas para garantir que o processo seja efetivamente encerrado, manter controle social e facilitar o andamento da investigação e do processo penal, bem como evita que o suspeito volte a cometer outra infração penal, caso esteja solto. Sendo assim, em relação a exemplos prisão sem pena, podem ser incluídas: a prisão civil, a detenção temporária em casos de expulsão e extradição, injunções constitucionais e injunções processuais sob lei marcial.
Consoante ao exposto, tem-se o art. 312 do Código de Processo Penal:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (BRASIL, 1940).
No que tange as prisões cautelares, é conhecido que dentre elas estão as prisões preventivas, conforme o artigo supramencionado. Nesse viés, ressalta-se que estas poderão serem decretadas antes do processo criminal começar, ou seja, na fase em que os fatos estão sendo investigados para posterior apuração. Diante disso, para a aplicação desse instituto, observa-se que não há mesmo o procedimento/processo que é feito na aplicação da prisão-pena.
Com isso, as medidas preventivas são para garantir o normal desenvolvimento do procedimento e constituem um instrumento de sua tutela. Portanto, estas obviamente não são para "fazer justiça", mas para garantir o funcionamento normal da justiça através do respectivo processo de conhecimento (criminal). Portanto, o referido instituto implica, de forma direta, na instrumentação de processos.
2.2 Principiologia das prisões cautelares
A priori, é importante salientar que o estudo e a análise da principiologia das prisões cautelares é de suma importância no âmbito deste instituto em comento. Isso, porque os princípios servirão de base para dirigir e guiar as formas como os juristas irão interpretar o caso concreto, bem como verificar a viabilidade tanto da aplicação quanto a legitimidade para a propositura das medidas cautelares.
Os princípios norteadores de todas as medidas cautelares são: jurisdição e motivação, contraditório, provisoriedade, proporcionalidade e excepcionalidade. O princípio da jurisdicionalidade e da motivação tem como base o artigo 5º, incisos LIV e LXI, e o artigo 93, inciso IX da Constituição da República, bem como o artigo 315 do Código de Processo Penal e revela que toda medida cautelar, em especial a prisão preventiva, deve ser decretada por juiz, de forma fundamentada (BARROS, 2018). Assim, toda prisão de natureza cautelar deverá ser advinda de uma decisão de um magistrado e de forma fundamentada, não existindo, portanto, exceção a essa regra.
O princípio do contraditório estipulado no artigo 282 da Lei de Processo Penal e no artigo 5º, LV, da CRFB/88, determina que antes da promulgação de quaisquer medidas preventivas, cada réu será ouvido em um prazo razoável, que será executado pelo juiz competente ou tribunal.
Ademais, nas prisões provisórias, entende-se que a provisoriedade é um princípio básico, porque elas são antes de tudo situacionais, desde que protejam a situação real. Uma vez que o suporte fatual para legitimar a medida desapareça e se manifeste em atividade criminosa. O desaparecimento de qualquer tipo de “fumaça” requer a liberação imediata do réu, pois a manutenção da prisão requer que ambos (requisitos e motivos) existam ao mesmo tempo. Ou seja, pode-se inferir que a prisão provisória ou quaisquer medidas preventivas que substituam a prisão podem ser revogadas ou substituídas a qualquer momento durante ou não no processo, desde que não existam os motivos para sua determinação, tais como e novamente promulgados quando necessário.
De acordo com o princípio da provisoriedade, as prisões cautelares possuem um caráter provisório, ou seja, elas são consideradas temporárias. Isso, tendo em vista que estas serão utilizadas por um determinado período de tempo e não poderão adquirir status de pena. Somado a esse entendimento, tem-se implícito o princípio constitucional, previsto no art. 5º, LXXVII, da Constituição Federal, que é o da razoabilidade, no qual entende-se que o tempo da prisão cautelar deve respeitar o bom senso e a necessidade efetiva, devendo adequar a razoável duração do processo.
Conforme o princípio da proporcionalidade é possível se fazer um controle de constitucionalidade de leis e atos administrativos para determinar se alguma prisão cautelar é proporcional. Nesse sentido, far-se-á necessário a observância de dois pressupostos, o primeiro trata
da legalidade, o qual estabelece que no processo penal inexiste cautelares atípicas, ou seja, não existe o poder geral de cautela. Portanto, todas as cautelares devem ser expressamente previstas em lei, o segundo trata da justificação teleológica, por meio deste observa-se a finalidade da cautelar, ou seja, se esta resguarda a instrumentalidade do processo e/ou garante a prestação jurisdicional.
Ademais, deve-se observar alguns requisitos existentes neste princípio, como a judicialidade, que estabelece que uma prisão cautelar só pode ser determinada por uma autoridade judicial, portanto, existe reserva de jurisdição, bem como a motivação, esta diz que a cautelar deve ser fundamentado judicialmente com base em fatos jurídicos e em situações fáticas novas/contemporâneas, há ainda a adequação, por meio dela deve-se evidenciar que determinada cautelar é o meio abio para se alcançar a finalidade que se pretende, observando a gravidade e condições pessoais do investigado e/ou réu, por fim tem-se a necessidade de evidenciar e demostrar que determinada cautela é necessária, ou seja, que é a menos gravosa dentre aquelas possíveis.
Por fim, o princípio da exceção, também referido por alguns autores como “caráter subsidiário da prisão temporária”, estipula que o isolamento preventivo só deve ser utilizado em situações extremas. Isso porque, a prisão provisória é uma medida severa que trará terríveis consequências para os contribuintes e o setor social que dela sofre, devendo, portanto, contornar as regras e ser utilizada apenas em circunstâncias especiais.
2.3 Espécies das prisões cautelares
Em relação as espécies de prisões cautelares, tem-se: preventiva e a temporária; e como pré- cautelar: o flagrante. Mereles (2019) define a prisão preventiva, como instrumento do juiz em investigações policiais ou processos criminais, ou seja, esta é configurada como um meio processual. Esse tipo de prisão cautelar pode ser utilizado antes de o réu ser condenado ou durante o processo penal, como também ser ordenada por um juiz.
Todavia, ressalta-se que, a prisão deve cumprir os requisitos legais aplicáveis previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Para ser utilizado em investigações policiais, deve ser solicitado pelo Ministério Público ou por representantes da polícia. Além disso, quando o processo penal ocorre na esfera privada, como no caso de crimes de dano à honra (que afetam a integridade moral de uma pessoa), o autor também pode solicitar prisão preventiva - quem inicia o processo penal é “ofendido”.
O intuito da prisão preventiva é manter a ordem pública e econômica. Se for propícia à adequada investigação do processo penal, pode até mesmo garantir a aplicação de penalidades quando houver fortes indícios do autor, indícios criminais e dos perigos gerados ao Estado nos termos do artigo 312 da Lei de Processo Penal.
Recentemente, ocorreram algumas mudanças no ordenamento jurídico a respeito das prisões preventivas, uma dessas inovações ocorreu com a aprovação da Lei nº 13.964/2019, chamada de pacote anticrime. Para melhor compreender o conceito de prisão preventiva, o conceito Capez se popularizou (2018, p. 333): “Em qualquer fase do inquérito policial ou do processo penal, o juiz pode proceder à prisão preventiva processual antes do final da pena, desde que cumpridos os requisitos legais e apresentados os motivos da autorização.” Sendo assim, é necessário que haja a observância de todos os requisitos legais para que a prisão preventiva seja declarada, as ausências desses requisitos geram a invalidade dessa prisão.
No que tange a prisão temporária, Fernando Capez (2018, p. 346) a descreve como “prisão cautelar de natureza processual destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial.” Nesse ínterim, a prisão temporária é prevista pela Lei nº 7.960/89 e só será decretada pelo Poder Judiciário. Corroborando com o exposto, Capez (2018, p. 347) também explicou a prisão temporária: “A prisão temporária só pode ser decretada para crimes para os quais a detenção é permitida por lei.”
No entanto, permitir que uma pessoa seja presa temporariamente apenas sob suspeita de cometer um crime grave viola o princípio constitucional da inocência. Sem ambiguidade, a punição só deve ser executada. Portanto, é possível entender que para um mandado de prisão provisória, o agente deve ser designado como suspeito ou processado por um dos crimes listados na lei. Além disso, pelo menos um dos outros dois requisitos devem ser cumpridos para revelar os arredores de Mora. Logo, se um desses dois requisitos não existir ou estiver fora da lista exaustiva da lei, a prisão não será permitida.
O flagrante nada mais é do que, a visibilidade do delito, ou seja, é visualizar uma conduta criminosa. Desse modo, a existência do fumus commissi delicti é inequívoca, portanto, a existência da materialidade e da autoria são inquestionáveis. Tal medida tem amparo constitucional no art. 5°, LXI da CF/88.
Ademais, a prisão em flagrante é disciplinada nos artigos 301 a 310 do CPP. Nesse viés, é importante observar o disposto no art. 301 do CPP, in verbis:
Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito (BRASIL, 1941).
Nesse sentido, por tratar-se de um ato meramente administrativo, isto é, pode ser adotada por qualquer pessoa ou autoridade policial nota-se claramente a ausência da judicialidade, quando da decretação da prisão em flagrante, ou seja, ela não é realizada por autoridade judicial, portanto não obedece ao princípio da proporcionalidade.
Ressalta-se, por fim, conforme o art. 310, II do CPP, a saber:
Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: [...];
II - Converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (BRASIL, 1941).
[...].
Nessa senda, ao observar o artigo supracitado pode-se dizer, portanto, que a prisão em flagrante é uma medida que antecede uma verdadeira prisão cautelar. Entende-se isso, uma vez que essa prisão pode ser decretada por particulares ou por autoridade judicial, aliado ao fato de a mesma possuir a brevidade de 24 horas para a análise do magistrado, podendo ser convertida em prisão preventiva caso sejam obedecidos os requisitos para a sua propositura.
2.4 Pressupostos para o cabimento
A prisão preventiva, com base na experiência e lições de Lima (2020), é uma espécie de prisão proferida antes da sentença definitiva e irrecorrível da sentença penal para garantir que a investigação ou o próprio processo cumpram seu objetivo.
A lei estipula inclusive casos de privação de liberdade antes da condenação definitiva. Isso ocorre, pois procura-se evitar a frustração de investigações ou procedimentos. Desse modo, a prisão temporária é denominada como prisão instrumental. Portanto, conforme foi enfatizado por Lima, a prisão cautelar é sempre uma exceção e não pode ser usada para permitir que o réu ou a pessoa sob investigação cumpra uma pena antes da sentença final e irrecorrível da condenação.
Enfatiza-se ainda que a seção 2 do artigo 313 do CPP, especialmente no que diz respeito à prisão preventiva, o que é consistente com a hipótese do autor:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: [...] § 2º Não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia (BRASIL, 1941).
Nesse sentido, também, é necessário enfatizar as afirmações do referido autor ao considerar a determinação de uma espécie de prisão provisória, haja vista que o responsável pela ordem de detenção temporária deve analisar a periculosidade do sujeito, não seu crime.
Em relação aos pressupostos de admissibilidade, salienta-se que os da prisão preventiva se diferem da prisão temporária. Observa-se que em relação a preventiva, é exigida a presença de indícios de autoria e a certeza do crime com a presença dos indícios de materialidade, ou seja, o fumus commissi delicti que se refere a fumaça da prática de um delito.
Como bem descreve Souza Júnior (2016), o periculum libertatis configura-se como também é pressuposto da prisão preventiva, isso porque a existência de perigo causado pela liberdade do sujeito passivo da persecução penal. Portanto, em decorrência desse último pressuposto de admissibilidade, é disposto na legislação processual penal situações que permitem ser decretada a prisão preventiva como: a conveniência da instrução criminal, como garantia da ordem pública, da ordem econômica ou para assegurar a aplicação da lei penal.
A Lei nº 7960/89 não exige a certeza substantiva do crime, ou seja, a lei se limita ao disposto em seu artigo 1º, parágrafo 3º: Há razão legítima, com base em qualquer prova reconhecida pelo direito penal. Se o arguido for o autor ou tiver participado nos crimes a seguir indicados, aplica-se aos crimes enumerados a prisão provisória. Por outro lado, o artigo 312 da Lei de Processo Penal - que trata da prisão preventiva - exige ipsis litteris “a prova da existência de crime”, ou seja, a importância da lei de prisão preventiva.
Nesse sentido, conforme Lopes Júnior a cultura policial que compreende as prisões policiais e até busca e apreensão, infelizmente, não possuíam a intervenção jurisdicional. Além disso, a investigação policial não era instaurada se o suspeito não de forma completa à disposição da polícia. Nesse contexto afirma-se que: “A pobreza dos meios de investigação (da época) fazia com que o suspeito fosse o principal "objeto de prova". Daí porque o que representava um grande avanço democrático foi interpretado pelos policiais como uma castração de suas funções.” (LOPES JÚNIOR, p. 692, 2016).
Portanto, a prisão preventiva é evidenciada pela isenção do contribuinte de processo criminal, e o motivo da existência da prisão provisória é a necessidade de investigação. A lição que Lopes Júnior deixa é que a semana da liberdade acabou sendo torcida em uma prisão provisória para atender às necessidades de investigação, e em seguida, é possível perceber que as pessoas querem proteger não é a liberdade do réu, mas a investigação exige prisão.
Nesse sentido, em nome da conveniência da orientação criminal, para permitir a participação do réu em determinados atos probatórios, a prisão é injustificada porque o réu não é o objeto do processo, mas sim o sujeito, em vez de ser obrigado a fazê-lo.
3.A MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR E A SUA REALIDADE NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO
Para Lopes Júnior (2019) a decretação da prisão deve pressupor um caminho motivacional democrático: a) A presunção de inocência é uma regra de tratamento, razão pela qual a liberdade é o ponto de partida do julgamento judicial; b) Analisar os requisitos da prisão preventiva - fummus comissi delicti - em comparação com o artigo 282 da Lei de Processo Penal - suficiência, necessidade e proporcionalidade - digna de seriedade concreta em vez de especulativa ou mesmo abstrata as perturbações sociais são vergonhosas, especialmente em crimes para os quais a condenação não leva à prisão.
Além disso, a gravidade do crime ou os antecedentes do réu por si só não são suficientes para manter ou ainda para declarar a detenção obrigatória. Concomitantemente, o ambiente social e de mídia promovem a construção (imaginária) de cenários de comportamento violento baseados em valores, o que cria pressão externa sobre os motivos (ocultos) do juiz.
Ademais, o mencionado doutrinador leciona que as regras processuais, não poderá suportar o efeito esperado de condenação, e regras de prova. Segundo esta regra, a inocência é pré-determinada, sendo o acusador obrigado a provar a condenação. Ademais, a presunção de inocência exige que o réu seja tratado de tal forma, independentemente da probabilidade de ser condenado. Logo, até que uma decisão final seja tomada, a prisão só pode ser imposta com base nos requisitos relacionados ao processo.
Na ausência de mediação nos processos penais, a ilusão de justiça direta leva a um encurtamento da relação entre os fatos e a prisão. Claro, isso não é sem riscos e custos enormes, o que intensifica o quadro de que a maior “dor” do processo penal seja precisamente esta: para saber se devemos punir alguém, já estamos punindo alguém processualmente. O problema é que, se descobrirmos que a punição não é razoável, já punimos alguém de maneira injusta, errada e desproporcional.
3.1 Presunção de inocência x prisões cautelares
No Brasil, a presunção de inocência está legalmente prevista no art. 5°, LVII, da CF/88, sendo a mesma o princípio fundante do Processo Penal, vez que estabelece garantias essenciais ao imputado frente à atuação punitiva estatal. Nesse sentido, preceitua a Constituição, in verbis:
Art. 5° [...]:
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (BRASIL, 1988).
Ao ser feita a análise do dispositivo supracitado, o qual consagra expressamente o princípio da presunção de inocência pode-se extrair que todos devem ser considerados como inocentes até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, portanto, o imputado deve ser tratado como tal. Dessa forma, o Estado deve intervir de forma mínima na liberdade do imputado tanto na fase processual quanto na fase pré-processual, para que o mesmo tenha resguardado seu direito de presunção de inocência, pois trata-se de um direito fundamental.
Ademais, se a culpabilidade do réu não ficar suficientemente provada por quem detem a carga da acusação, o mesmo deve ser absolvido. Uma vez, que ele é presumidamente inocente.
Paralelamente ao exposto, é possível que alguém seja preso antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, desde que, seja para garantir a instrução criminal e/ou para resguardar a prestação jurisdicional, visto que, a própria Constituição estabelece, a saber:
Art. 5° [...];
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei (BRASIL, 1988).
Nesse sentido, a presunção de inocência não é absoluta e pode ser relativizada pelo uso das prisões cautelares. Ademais, o que permite a coexistência da presunção de inocência e das prisões cautelares, além do requisito e fundamento cautelar, são os princípios que regem as medidas cautelares. Portanto, pode-se prender alguém antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, desde que preenchidos os requisitos e fundamentos do art. 312, do CPP (LOPES JÚNIOR, 2021).
Diante disso, embora a Constituição consagre o princípio da presunção de inocência, é possível prender o imputado antes que a sentença penal transite em julgado, até porque, a própria Constituição Federal autoriza tal feito. Assim, é perfeitamente possível a coexistência da presunção de inocência e do instituto das prisões cautelares no processo penal brasileiro.
3. 2 A ilegalidade da prisão preventiva decretada de ofício
É sabido que, a prisão preventiva é uma espécie de prisão cautelar que pode ser aplicada pelo juiz ou tribunal competente em qualquer fase do processo criminal, desde que antes de transitado em julgado a sentença e, até mesmo na fase pré-processual. No entanto, para que seja possível a sua incidência, é necessário o cumprimento dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, os quais já foram retratados no capítulo anterior.
Nessa perspectiva, salienta-se que houve uma importante inovação legislativa no CPP, introduzida pela Lei n° 13.964 de 24 de dezembro de 2019 (Pacote Anticrime). A referida lei trouxe a seguinte redação ao art. 311 do CPP, no qual dispõe que:
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial (BRASIL, 1941).
Nesse viés, observa-se que a redação dada ao artigo supracitado tem a finalidade de proibir a possibilidade de ser decretada a prisão preventiva de ofício pelo juiz, ou seja, sem requerimento do Ministério Público, querelante ou assistente, e ainda sem representação da autoridade policial.
Corroborando com o aqui exposto, a nova redação dada ao art. 311 tem o claro objetivo de vedar a prisão preventiva decretada de oficio pelo juiz, além de estabelecer um rompimento cultural e abandono da mentalidade inquisitória, além de contribuir para a implementação do sistema acusatório. Diante disso, resta claro que o mencionado artigo cria as condições de possibilidade de se ter um juiz imparcial e o devido processo penal (LOPES JÚNIOR, 2021).
Logo, se a prisão preventiva for decretada de ofício pelo juiz será considerada ilegal, devendo, por essa razão, ser imediatamente relaxada.
3.3 Garantia da ordem pública como fundamento da prisão cautelar
A priori, é importante ressaltar que, a origem histórica da garantia da ordem pública como fundamento para a decretação da prisão cautelar teve seu início na Alemanha no ano de 1930, aproximadamente, época em que o país vivia um regime nazifascismo. Tal prisão, na época, tinha como objetivo a autorização geral e abstrata para se prender qualquer pessoa que fosse contra o regime estalado no país, portanto, não passava de fundamento para prisões arbitrárias.
Com efeito, no processo penal brasileiro o fundamento da ordem pública tem previsão legal no art. 312 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (BRASIL, 1941).
Vale ressaltar, que tal fundamento foi dado pela redação original do CPP de 1941, o qual foi elaborado sob forte influência do CPP fascista italiano. Ressalta-se ainda, que os fundamentos para a decretação da prisão preventiva são alternativos, ou seja, basta tão somente um deles para justificar-se a medida cautelar.
Nesse viés, a partir da leitura do dispositivo citado pode-se observar que, o fundamento em discursão tem o conceito geral e abstrato, ou seja, a legislação processual penal não estabelece o que exatamente é a ordem pública. Portanto, em decorrência disso, ocorre a banalização das prisões cautelares no processo penal brasileiro. Ora, em se tratando de um fundamento abstrato, consequentemente é o meio ideal para o Estado realizar as prisões arbitrárias da maneira que lhe achar conveniente.
Mas, a final de contas, o que é a garantia da ordem pública? Em razão de sua vagueza e abertura ninguém sabe ao certo o que quer dizer, no entanto, é recorrente a definição de risco para ordem pública como sinônimo de “clamor público”, que gere abalo social, comoção na comunidade e que seja capaz de perturbar sua “tranquilidade”. Além do que, alguns ainda invocam a “gravidade” ou “brutalidade” do delito como fundamento da prisão preventiva (LOPES JÚNIOR, 2021).
Desse modo, entende-se que a garantia da ordem pública está ligada ao “clamor público”, ou seja, à repercussão midiática que determinado crime provoque na sociedade, em razão da maneira que o mesmo foi praticado, isto é, pela violência, brutalidade ou gravidade do crime.
Desta feita, a prisão preventiva serviria como a forma de dá uma resposta imediata a sociedade, isto é, de fazer “justiça”, pois a mesma não consegue entender o tempo do processo e/ ou não quer esperar pelo mesmo. Logo, por meio desse fundamento, o judiciário encontra a solução de atender aos anseios dessa sociedade que vive em um mundo hiper acelerado que se difere do mundo vagaroso do processo penal brasileiro.
Diante do exposto, é importante ressaltar novamente, que o objetivo das prisões cautelares é garantir a instrumentalidade do processo, bem como a aplicação da lei penal ao final do processo. Logo, com base no referido estudo, fica evidente que o fundamento da garantia da ordem pública não é fundamento cautelar. Destarte, entende o professor Lopes Júnior (2021) que a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública não tem nada a ver com os fins que legitimam as medidas cautelares. Nesse diapasão, trata-se de uma grave degeneração transformar uma prisão processual em medida de segurança pública, uma vez que as prisões preventivas para garantia da ordem pública, são substancialmente inconstitucionais.
De modo reiterado, entende-se que o fundamento da ordem pública é o principal responsável pelo uso exacerbado das prisões cautelares no processo penal pátrio, haja vista não ter um parâmetro legal que justifique sua incidência em determinado delito e por ser o principal meio da sociedade obter “justiça” imediata. Ademais, não se trata de um fundamento a serviço da instrumentalização processual, mas, sim em prol da justiça, pois o mesmo busca prevenir que alguém que cometeu um crime volte a praticar novos crimes e/ou castigar alguém por ter cometido um delito, o que evidentemente é função de prisão-penal e não de prisão cautelar.
Corroborando com o exposto, têm-se os julgados abaixo:
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA DA ORDEM CONSTRITIVA À LUZ DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONSTATAÇÃO. COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. (Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC 497006 MS 2019/0064210-2. Data de Publicação: 14/05/2019)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REITERAÇÃO DELITIVA. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA. OUTRAS ANOTAÇÕES CRIMINAIS. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. IMPOSSIBILIDADE. GRUPO DE RISCO DA PANDEMIA DE COVID-19. NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS: AgRg no HC 658308 SP 2021/0103393-7. Data de Publicação: 18/06/2021)
O Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus 497.006, tem reafirmado o entendimento a respeito do fundamento da garantia da ordem pública, de forma que, a alusão genérica em relação a gravidade do crime cometido, bem como o clamor público, a comoção social e a credibilidade da justiça não constituem fundamentos que possam viabilizar a prisão preventiva.
Dessa forma, a incidência da prisão preventiva decretada com base no fundamento discutido, em cada caso específico, deve vir fundada em elementos concretos que demostrem sua necessidade no contexto fático-probatório apreciado, sendo inadmissível motivá-la sem a existência de razão sólida e individualizada (BRASIL, 2019).
Ademais, a sexta turma do STJ em julgamento do Agravo Regimental no Habeas Corpus 658.308, de relatoria do Ministro Antônio Saldanha Palheiro, reafirmou o entendimento de que a preservação da ordem pública justifica a imposição da prisão preventiva quando o agente possui maus antecedentes, reincidência, atos infracionais pretéritos, inquérito ou ações penais em curso, visto que tais circunstâncias demonstram sua contumácia delitiva e, consequentemente, sua periculosidade (BRASIL, 2021).
Nesse diapasão, embora não exista na legislação processual penal uma definição legal do que seja a garantia da ordem pública, o STJ vem estabelecendo parâmetros para sua definição, qual sejam, elementos concretos que demonstre sua necessidade em cada caso específico, não podendo, portanto, o magistrado se ater apenas em elementos vagos, como por exemplo, a gravidade do delito em abstrato, o clamor público, a comoção social.
4.OS IMPACTOS DO EXCESSO DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO E SUA MATERIALIZAÇÃO NO SISTEMA CARCERÁRIO
Conforme Cardoso (2020) a superlotação do sistema prisional brasileiro é resultado de um país cruel e arbitrário, que exige de seus cidadãos o cumprimento da lei, porém nem o próprio país à cumpre. Se a liberdade dos cidadãos se torna regra pelo poder da constituição, então é compreensível que o ramo mais radical do direito seja o penal, pelo fato de interferir na liberdade das pessoas, portanto, este deve ser utilizado de forma mínima. Além do mais, é possível extrair o raciocínio do direito penal implícito, como princípio constitucional, é o que menos interfere.
Nesse sentido, o erro não é só do legislador, mas também de outros poderes. Isso ocorre, porque os departamentos administrativos não formulam políticas públicas para reduzir a desigualdade social, como, por exemplo, a distribuição de renda (por meio da geração de empregos e programas sociais), a educação, o investimento em saúde e direitos básicos mínimos. Portanto, nota-se que a consequência disso é retratada na maioria das pessoas da sociedade brasileira, uma vez que estas são marginalizadas e vivem na pobreza ou até mesmo na miséria.
Diante disso, é notório que o sistema prisional brasileiro está em colapso. Isso decorre da inflação punitiva observada no cenário político desde a redemocratização da década de 1980. Logo, os dados oficiais demonstram que as prisões estavam superlotadas, o que já era uma crise, e até levaram o Supremo Tribunal Federal (STF) a reconhecer os fatos como “inconstitucionais status” nas prisões brasileiras" (LIMA, 2019).
Em suma, as regras processuais não podem suportar o efeito esperado de condenação, e regras de prova. Segundo esta regra, a inocência é pré-determinada, sendo o acusador obrigado a provar a condenação. Ademais, a presunção de inocência exige que o réu seja tratado de tal forma, independentemente da probabilidade de ser condenado. Logo, até que uma decisão final seja tomada, a prisão só pode ser imposta com base nos requisitos relacionados ao processo (LOPES JÚNIOR, 2019).
Desse modo, o problema do excesso das prisões cautelares diz respeito, também, a ideia de que muitas pessoas não enfrentam as regras que são inerentes ao processo penal. Isso, porque quando se trata da liberdade, faz-se necessário aplicar as regras estipuladas pela lei expressa, incluindo as restrições à atividade judiciária, com o escopo de evitar injustiças no âmbito do processo como, por exemplo, a prisão antecipada indevidamente de alguém que seja inocente, devendo ser resguardada para esta a presunção de inocência.
4. 1 Violação do direito de liberdade
Está previsto no rol dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988, dentre outros, o direito à liberdade. Essa prerrogativa está disposta no caput do art. 5° da carta magna e garante a inviolabilidade da liberdade. Portanto, a liberdade do indivíduo é a regra no ordenamento jurídico brasileiro. No mesmo sentido, o inciso LIV, art. 5°, da CF/88, estabelece que ninguém será privado da sua liberdade sem o devido processo legal, ou seja, sem que seja obdecidas as regras processuais.
Diante do exposto, por ser liberdade a regra, a prisão de alguém só pode acontecer de forma excepcional, ou seja, quando a sua liberdade representar risco para a sociedade ou quando não for caso de prisão decorrente de sentença penal condenatória.
Embora a CF/88 estabeleça a liberdade como um direito fundamental, não significa que a mesma não possa ser suprida em determinadas situações, pois como se sabe não existe no ordenamento jurídico brasileiro direito que seja absoluto. Nesse viés, conforme art. 5°, LXI, da Constituição, ao ser admitida a prisão do indivíduo, a privação de sua liberdade só poderá acontecer se for caso de flagrante de delito ou houver ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária.
Todavia, em decorrência do elevado número de prisões de natureza cautelar que são decretadas no processo penal brasileiro, torna-se muito difícil a apreciação dessas prisões de forma correta pelo poder judiciário, isto é, respeitando o direito das pessoas que são processadas, haja vista, existe uma grande quantidade de processos tramitando na justiça criminal. Conforme informaões colhidas no Conselho Nacional de Justição – CNJ (2021), só no ano de 2020 engreçaram no poder judiciário 1,9 milhão de novos casos criminais, o que totaliza um total de 7,8 milhões de casos, sendo que todos esses precisam serem apreciados pelo poder judiciário.
Nesse sentido, não há que se falar em violação ao direito fundamental de liberdade se ela foi retirada em decorrência de um devido processo legal, ou seja, de uma prisão em flagrante que obedeça às formalidades exigidas pela lei, bem como de prisão fundamentada de autoridade judiciária competente. Contudo, se a prisão do acusado não obedecer ao que está disposto no art. 5°, LXI, CF/88, haverá uma grave violação do direito fundamental à liberdade.
4.2 Afetação das garantias processuais
Conforme Louback (2019), o Código de Processo Penal brasileiro adotou a “doutrina do não prazo”. Nesse sentido, mesmo que a legislação brasileira tenha optado por não estabelecer um prazo definido, com relação ao tempo de duração do processo e prisão preventiva, vigora no ordenamento jurídico brasileiro, desde a incorporação do Pacto de são José da Costa Rica ou Convenção Americana de Direitos Humanos em 25 de setembro de 1992, o direito de ser julgado dentro de um prazo razoável.
Ademais, com promulgação da emenda constitucional n° 45/2004, surgiu o então princípio da duração razoável do processo. Tal princípio tem previsão legal no art. 5°, LXXVII, da CF/88, possuindo status de direito fundamental ao estabelecer que todos no âmbito do poder judiciário têm o direito de ser julgado em um tempo razoável. Com isso, infere-se que não se pode ter um julgamento muito rápido, bem como muito demorado, mas, sim, a apreciação dentro de um prazo razoável, como o próprio nome do princípio menciona.
Nesse sentido, conforme leciona Franco (2017), o processo penal deve ser regido pela celeridade processual, ou seja, de forma mais rápida possível, evitando-se dilações indevidas que acarrete na demora da prestação da tutela jurisdicional, pois isso pode ocasionar prejuízos que vulneram a efetividade do processo.
Corroborando com o exposto, Louback (2019), discorre que a duração razoável do processo penal busca fazer cessar o quanto antes a prisão cautelar, com a consequente restituição da liberdade do imputado, ou ainda a imposição de sua pena e início de cumprimento da mesma. Ademais, ainda de acordo com os ensinamentos da supracitada autora, quando o indivíduo está submetido a um processo judicial ou preso de forma cautelar, o Estado age de modo a limitar as suas liberdades públicas. Desse modo, pode-se afirmar que a razoável duração do processo é um direito de primeira geração.
Portanto, evidencia-se que o uso exarcerbado de prisões cautelares decretadas no processo penal brasileiro afeta, de forma direta, o direito fundamental inerente à todos no âmbito do judicial que é o de ser julgado dentro de um prazo razoável, e não com demora exorbitante, como é o caso da justiça brasileira.
4.3 Superlotação do sistema prisional
Por tudo que já fora mencionado, não se pode deixar de mencionar as consequências do uso exacerbado das prisões cautelares que, cada vez mais, vem se materializando no sistema carcerário do país.
Desse modo, conforme levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional DEPEN, 2020), com base no Sistema de Informações Estatísticas do Sistema Penitenciário Brasileiro (INFOPEN, 2020), até o ano de 2019 o Brasil possuia uma população carcerária de 755.274 (setecentos e cinquenta e cinco mil e duzentos e setenta e quatro) presos, sendo que deste total de presos, 229.823 (duzentos e vinte e nove mil e oitocentos e vinte e três) eram provisórios, isto é, indivíduos que não estão cumprindo pena em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado.
Nesse ínterim, em conformidade com a tabela de população prisional por ano, bem como com a tabela de percentual de presos provisórios fornecida pelo próprio INFOPEN, no período de julho a dezembro de 2019, ressalta-se que o número, mencionado de forma anterior, corresponde a 30,43 % (trinta inteiro e quarenta e três centésimos) do total da população carcerária existente no país, um número altíssimo para uma prisão dotada de excecionalidade e de provisoriedade.
Diante disso, de acordo com a tabela de taxa de aprisionamento e déficit de vagas por ano disponibilizada pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), no período de julho a dezembro do ano de 2019, o Brasil só possuía vagas no seu sistema carcerário para abrigar tão somente 442.349 (quatrocentos e quarenta e dois mil e trezentos e quarenta e nove) presos. Logo, evidencia-se, que o número de presos é bem maior que a quantidade de vagas oferecida pelo sistema prisional. Ademais, ainda com base no (INFOPEN, 2020), neste mesmo ano o sistema carcerário possuía um déficit equivalente a impressionantes 312. 925 (trezentos e doze mil novecentos e vinte e cinco) vagas.
Nesse sentido, constata-se, de forma clara, que o uso exacerbado das prisões cautelares decretadas no processo penal brasileiro influencia de forma forte e direta para a superlotação do sistema carcerário brasileiro, tendo em vista o exorbitante número de presos provisórios.
Tem-se também, em decorrência do elevado número de presos provisórios, um aumento considerável de gasto do erário público, haja vista a necessidade de manter estes presos custodiados, vez que é preciso oferecer-lhes alimentação, saúde e vestuário. Além do mais, há um custo muito grande com o setor de pessoal como, por exemplo, com a contratação de agentes penitenciários, médicos, enfermeiro, etc.
Concomitantemente, ao excessivo número de presos existentes no sistema carcerário, têm-se a possibilidade de ocorrência de rebeliões nos presídios, pois a superlotação gera uma enorme dificuldade para a administração pública controlar os detentos custodiados. Em decorrência disso, observa-se o aumento das facções criminosas dentro e fora dos presídios nacionais, com estas controlando o crime organizado, principalmente no que diz respeito ao tráfico de drogas.
Como exemplo do exposto, conforme Santos (2019), a maior facção criminosa do Brasil Primeiro Comando da Capital (PCC), que atualmente conta com mais de 35.00 (trinta e cinco mil) membros, espalhados por todo território nacional, “nasceu” em um presídio no ano de 1993, com o objetivo de combater a opressão dentro do sistema prisional paulista.
Dessa forma, evidencia-se que o número demasiado de prisões cautelares no Brasil, além de influenciar diretamente para a superlotação do sistema carcerário do país, e consequentemente para o déficit de vagas, também gera custos desnecessário para o erário público com a contratação de mais servidores, bem como contribui para a formação de facções criminosas e concomitantemente para o crime organizado.
5 CONCLUSÃO
Como evidenciado, as prisões cautelares se caracterizam por serem medidas diversas da pena de prisão e que possuem um caráter provisório, uma vez que são decretadas antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Salienta-se, ainda, que fora evidenciado de forma detalhada as espécies destas quais sejam: preventiva, temporária e o flagrante.
A priori, destaca-se que as prisões cautelares possuem o fulcro precípuo de assegurar a instrumentalidade do processo e garantir a aplicação da lei penal. Com isso, faz-se necessário elencar que tal medida deverá ser deflagrada em caráter excepcional, na fase de inquérito e instrução processual, apenas quando cumpridos os requisitos e pressupostos para a sua propositura.
Nesse contexto, observou-se, no presente estudo, que a aplicação desse instituto vem sendo aplicado de forma errônea em decorrência do anseio da sociedade por justiça. Isso, porque esse ideal só existe quando o acusado é preso ainda em fase de inquérito ou instrução processual. Aliado a isso, o uso exacerbado das prisões cautelares, no processo penal brasileiro, decorre ainda da falta do rigor que limite a aplicação da garantia da ordem pública como fundamento que viabiliza a aplicação da prisão preventiva aos acusados.
Destarte, é notório que mesmo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenha definido um parâmetro para a aplicabilidade do mencionado instituto, isso não é observado pelos julgadores de instâncias inferiores, uma vez que a sociedade clama por uma justiça imediatista que é atrelada a uma antecipação da pena para os supostos criminosos. Logo, com isso, existe uma notória deturpação da função das prisões cautelares. Assim, deu-se enfoque na necessidade da observância e aplicabilidade do princípio da presunção de inocência, por se tratar de um direito fundamental.
Ademais, em decorrência do que fora mencionado, buscou-se exemplicar, através de dados estatísticos, que o número de acusados que são reclusos de forma preventiva é exacerbado, tendo em vista que essa medida deve ser decretada de forma excepcional, ou seja, existe uma real ideia de antecipação de pena a estes indivíduos.
Cumpre dispor, ainda, que na situação de flagrância, o acusado ficará recluso pelo prazo de 24 (vinte e quatro) horas, tempo em que será realizada a audiência de custódia do mesmo, todavia constata-se que na prática muitas vezes isso não ocorre, corroborando para o entendimento de que não há a incidência da provisoriedade nesse instituto, o que incide de forma direta para a defasagem do sistema penitenciário.
Chega-se, então a compreensão de que em decorrência do uso exacerbado das prisões cautelares existe a dilaceração dos direitos e das garantias individuais dos presos, como por exemplo o direito de liberdade e do julgamento razoável do processo, culminando de forma direta na superlotação do sistema prisional.
REFERÊNCIAS
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[1] Acadêmica do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2] Professor do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. E-mail: [email protected].
Acadêmico do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUAREZ DE ARAúJO FERREIRA JúNIOR, . Prisões cautelares: o uso exacerbado e sua consequência no processo penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jun 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58662/prises-cautelares-o-uso-exacerbado-e-sua-consequncia-no-processo-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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