FRANCISCO ALLISSON ALMEIDA OLIVEIRA[1]
(coautor)
MARCUS VINICIUS DO NASCIMENTO LIMA [2]
(orientador)
RESUMO: O objetivo deste trabalho foi analisar o papel de garantidor, visando ter resultados positivos no controle da legalidade e a proteção dos direitos individuais na fase da investigação, quanto na fase de julgamento, bem como a imparcialidade do Juiz que irá sentenciar no processo penal, quando o sistema aplicado existe a separação das funções de acusar e julgar. Buscou-se, nesta pesquisa, responder ao seguinte questionamento: a constitucionalidade da implantação do Juiz das garantias consolida a imparcialidade no processo penal? Utilizando-se de um levantamento bibliográfico que envolveu vários autores que discorreram sobre este tema, viu-se que a Lei 13.964/2019 fez a inserção do juiz das garantias, o que permitiu uma modernização do ordenamento processual penal do Brasil, que até então era comandado por um rito maculado por características inquisitórias. A pesquisa mostrou que o juiz de garantias não é solução para todas as dificuldades, todavia, representa um reconhecido avanço, pois separa de forma definitiva o acusador do julgador, fazendo restabelecer o equilíbrio entre defesa e acusação no processo criminal. Concluiu-se que existe a necessidade de mais pesquisas e estudos acerca deste relevante tema em epígrafe, sendo que, por meio desse crescimento as produções de artigos científicos e afins possam auxiliar de forma consistente na formação do pensamento crítico sobre o juiz de garantias.
Palavras-chave: Constitucionalidade, Imparcialidade, Juiz de Garantias.
O presente estudo tem como objeto a implantação do Juiz das garantias por meio da Lei nº 13.964/2019, conhecida como pacote anticrime, trouxe em seu conteúdo um modelo processual democrático em que as garantias e direitos escupidos na Constituição Federal sejam preservados em relação ao sujeito que está sendo investigado, invertendo aquele olhar que existe do investigado como um objeto, e sim como um sujeito de direitos (BRASIL, 2019).
Tem-se como problemática a postura dos magistrados na fase preliminar do processo tendo em vista a inovação trazida pelo pacote anticrime em seu conteúdo. Dessa forma, a constitucionalidade da implantação do Juiz das garantias consolida a imparcialidade no processo penal?
O marco principal para criação do Juiz das garantias é fazer com que haja um distanciamento entre o Juiz da instrução com a fase pré-processual, pois ao olhar da sociedade ficara demostrada uma maior imparcialidade. Sendo o Juiz das garantias responsável pelo controle de legalidade e não pela interferência na acusação, restando a ele resguardar os direitos individuais, passando a assumir uma função de garantidor.
Para o desenvolvimento do artigo, foi utilizado o método de pesquisa dedutivo e de revisão bibliográficas, em recorrência ao exposto na doutrina de autores que buscam conhecimento sobre o Direito Constitucional e o Direito Processual Penal como meio para dar embasamento ao problema da pesquisa e conhecimento acadêmico-científico.
Estipulou-se como objetivo uma análise acerca do papel de garantidor, visando ter resultados positivos no controle da legalidade e a proteção dos direitos individuais na fase da investigação, quanto na fase de julgamento, bem como a imparcialidade do Juiz que irá sentenciar no processo penal, quando o sistema aplicado existe a separação das funções de acusar e julgar.
A relação de imparcialidade com o implemento do Juiz das garantias, busca cada vez mais com que o julgador se mantenha uma equidistância dos fatos e do interesse das partes, a fim de não fazer um prejulgamento. Esse aspecto de um juiz imparcial é de extrema importância para a legalidade processual e com observância ao princípio do devido processo legal (LOPES JUNIOR, 2020).
No entanto, é de extrema importância a função de um Juiz responsável pela fase pré-processual, pois esse contato direto com os dados e fatos colhidos durante a investigação pode vir a ocasionar futuros problemas ao sujeito investigado. Passando o julgador a ter um olhar mais objetivo quanto ao ato da organização, com isso, não basta que ele seja um Juiz imparcial, ele tem que demostrar ser imparcial, a fim de demostrar de uma maneira mais clara para a sociedade e até mesmo uma maior transparecia acerca dos atos praticados pelo poder Judiciário.
Para chegar às considerações finais da pesquisa, tem como intuito de expor a importância do Juiz das garantias como instrumento de efetividade da imparcialidade do julgador e se há o resguardo dos direitos e garantias fundamentais elencadas na Constituição Federal. Pois o que se observa é que estar acontecendo o fenômeno da contaminação psicológica e intelectual do juiz, tendo em vista que conduzira a instrução criminal e proferirá a sentença no mesmo processo.
Com isso, não resta dúvidas acerca de sua importância jurídica para a atualidade, tendo em vista que sua aplicabilidade tende a proporcionar a eficácia e a aplicação dos direitos garantidos aos cidadãos, sendo ainda um grande avanço, pois o sistema processual terá um responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais.
Para melhor compreensão do tema em questão, o artigo está dividido em seções, abordando os fundamentos acerca das ideias e dos pensamentos sobre o juiz das garantias, bem como a discussão a respeito do papel do juiz das garantias, os aspectos que envolvem a presunção de inocência e, ainda, e a ênfase da importância do juiz das garantias para a imparcialidade do juiz.
2 FUNDAMENTOS DA IDEIA DO JUIZ DAS GARANTIAS
Observa-se que um dos principais argumentos levados em consideração pelos defensores do instituto do juiz de garantias é quanto à imparcialidade do magistrado, tendo em vista que se compreende a forma quão, no decorrer da fase de investigações, estabeleceu contato com o procedimento, algo que interfere de forma direta na imparcialidade de quem julga, pois assim, durante o inquérito policial, o magistrado apresentaria de maneira pregressa um convencimento sobre a culpabilidade do réu.
Além disso, este se converte em um dos fundamentos presente no delineamento elaborado e apresentado pela Comissão de Juristas para a reforma do Código de Processo Penal ao Senado Federal no ano de 2009, intentando fundamentar a necessidade de criação do Juiz das Garantias no ordenamento brasileiro, em consonância os argumentos defendidos, buscando consolidar um modelo orientado pelo princípio acusatório, instituir um juiz de garantias, ou outro termo escolhido, de um juiz das garantias, era de forma rigorosa. Neste contexto, o juiz das garantias será o responsável pelo exercício das funções jurisdicionais alusivas à tutela imediata e direta das inviolabilidades pessoais (BRASIL, 2009).
Porém, é relevante ressaltar que os juízes hoje em exercício atuam segundo as normas previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal, tendo em vista que a atuação do magistrado no decorrer o período pré-processual é essencial para que se assegurem os direitos e garantias considerados fundamentais do investigado, impedindo-se que aconteça um dano ao direito de ir e vir do mesmo, com observância, inclusive, para a presença, bem como a consistência dos requisitos legais que determinam o cerceamento da liberdade do indivíduo.
Ademais, discerne-se que a presença do juiz da instrução durante o inquérito traz benefícios à acusação quanto aos processos que têm a natureza de Ação Penal Pública, tendo em vista vez que o conjunto probatório presente no inquérito policial é usado de forma eventual no processo de condenação do réu.
Assim, o contato de maneira prévia do magistrado com o inquérito e na sequência em sede de instrução processual, faz acarretar a contaminação do mesmo, em função das provas produzidas durante o período investigatório, trazendo prejuízos ao julgador quanto à imparcialidade, direito este assegurado de forma constitucional.
Todavia, segundo o que preconiza o artigo 155 do Código de Processo Penal: O juiz deve formar sua convicção pela livre pesquisa de prova elaborada em contraditório judicial, sem fundamentar sua decisão unicamente nos elementos informativos colhidos na investigação, exceto as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (BRASIL, 1941).
Portanto, discerne-se que todas as provas construídas no decorrer da fase investigativa estão sujeitas ao contraditório e ampla defesa durante a instrução processual, além disso, uma vez que o magistrado não pode fundamentar uma decisão apenas baseado no conjunto probatório produzido durante a fase de investigação, ressalvadas as exceções de provas produzidas em caráter cautelar, não sujeitas a repetição ou que foram produzidas antecipadamente. Ressalta-se que a desobediência aos ditames legais confira violação dos princípios constitucionais, acarretando a nulidade da decisão ou sentença.
Destaca-se que a terminologia adotada pelo Brasil é igual à do Chile e o instituto tem a mesma base e funções, das quais preconiza o CPP de Portugal, Paraguai, Uruguai e muitos outros países. Mundialmente este sistema é conhecido como “double juez”, quão define doutrina chilena e uruguaia em representativa denominação que estabelece a necessidade de dois juízes, modelo do “duplo juiz", quando dois magistrados operam no feito, o primeiro intervém, quando invocado, no momento pré-processual até o recebimento da denúncia encaminhando os autos para o segundo que irá instruir e julgar, sem estar contaminado, sem pré-julgamento e com máxima originalidade cognitiva.
O juiz de garantias precisa estar ciente “das armadilhas que a estrutura inquisitória lhe impõe, mormente no processo penal, não pode estar alheio à realidade; precisa dar uma “chance” [...] a si próprio, tentando realizar-se”. (COUTINHO, 2018, p. 62).
Contribuindo para este assunto, Ricardo Gloeckner (2018) diz que, na busca de se desenvolver corretamente o processo e no final um julgamento da pretensão acusatória e do caso penal de forma justa, é primordial a imparcialidade do órgão jurisdicional, haja vista que a imparcialidade do magistrado introduz no processo penal um viés constitucional e democrático.
A lei 13.964/2019 (denominada “pacote anticrime") traz um conjunto de mudanças no ordenamento jurídico pátrio, no tange o processual penal, além de outras disposições, insere os artigos 3A ao 3F, no Código de Processo Penal, dispositivos que instituem e disciplinam a figura do Juiz de Garantias, onde um magistrado que terá atuação em toda fase investigativa, visando o resguardo imparcial do julgador do processo; todavia, os referidos artigos tiveram suas aplicabilidades suspensas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luiz Fux, conforme ADIn’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6305.
É importante ressaltar que, embora devidamente aprovada pelo Congresso Nacional, sobre essa suspensão Lopes Júnior (2020) destaca que essa liminar além de suspender artigos, também impedir que o processo penal evoluísse e se democratizasse. A decisão do Ministro Luiz Fux, do STF, foi um retrocesso quanto à evolução do papel do Juiz de Garantias. Convergindo com este autor, Ávila Pozzebon (2022) afirma que, por meio das ADIn’s 6.298, 6.299, 6.300 e 6305, concedidas de forma liminar, houve uma involução jurídica quanto à eficiência dos processos. Ainda segundo o autor, este espera que o STF reveja, em plenário, essa liminar que o processo penal deixe de ter cunho fascista e inquisitório.
É valioso salientar que, embora devidamente aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente da República e vigente há mais de ano, as alterações promovidas pela Lei n° 13.964/2019, nos artigos 3°-B a 30-F do Código de Processo Penal que versam sobre o Juiz das Garantias, tais dispositivos legais seguem com a aplicabilidade suspensa sine die, por força de decisão liminar e ad referendum proferida pelo Ministro Luiz Fux, em sede de medida cautelar, no âmbito das Ações de medida cautelar, no âmbito das Ações Direta de Inconstitucionalidade n° 6.298, 6.299 e 6.300. Sendo assim, as hipóteses de suspeição permanecem restritas às elencadas no artigo 254 do Estatuto Penal Adjetivo, dentre as quais não há vedação à atuação do magistrado no curso de expedientes investigativos e, posteriormente, na instrução e no julgamento da respectiva ação penal (TJ-RS).
Depois de discutidos os fundamentos da ideia do juiz das garantias, na sequência, serão debatidos acerca do papel desse ator dentro do processo judiciário brasileiro.
3 O PAPEL DO JUIZ DAS GARANTIAS
No contexto penal, em muitos casos existe a necessidade de se realizar duas fases para resolver o delito. Inicialmente, a fase chamada de pré-processual, tido como não obrigatória, comandada pela autoridade policial. Com o objetivo principal de colher provas e indícios relacionados à autoria. Na sequência, na segunda fase, acontece a fase processual, com o comando de um juiz, que, analisando as provas e observando o contrário, faz o julgamento do acusado.
O principal escopo do juiz garantias apresenta-se como consolidar a imparcialidade no âmbito do processo. Tem-se a convicção de que o juiz, ao tomar suas decisões, a exemplo de autorizar a busca e a apreensão, decretar a prisão cautelar, interceptar ligações, mesmo na esfera do inquérito policial, macularia seu convencimento se atuasse na fase processual de forma parcial.
Dessa forma, faz-se necessária a presença do juiz atuante somente no inquérito, levando em consideração, embora existindo as regras quanto ao impedimento e a suspeição, não há a certeza da garantia da imparcialidade, tendo em vista que este processo ultrapassa os critérios objetivos, estando dentro de uma conjuntura subjetiva.
Ressalta-se o ponto de vista de Geraldo Prado (2006) acerca deste tema, além de assegura a aparência de isenta dos Juízes ao julgarem as causas penais, é preciso ter a garantia de que, sem levar em consideração as integridades pessoal e intelectual, a apreciação destes não esteja, de fato, comprometida por causa de algum juízo apriorístico.
Porém, tendo em vista a imposição do princípio da prevenção, o juiz que fizer intervenção inquérito terá a responsabilidade de fazer o julgamento daquele suposto autor da realização do delito, quebrando, assim, o tão objetivado princípio da imparcialidade.
Para Maya (2010), vale criticar o critério da prevenção, haja vista que a imparcialidade fica comprometida em função de o juiz, por entrar de forma precoce no manuseio das provas criadas unilateralmente, poderá formular seu convencimento anteriormente à fase processual, podendo ocorrer a partir do seu entendimento um julgamento de maneira antecipada.
Neste contexto, Cardoso (2022) ressalta que o processo passa a ser um concurso, tendo a defesa como mero coadjuvante e legitimador de condenações, na teoria não pode acontecer processo sem contraditório e ampla defesa. É de grande relevância destacar que o juiz das garantias não ficará prevento no caso de uma eventual ação penal, algo que acontece na atualidade, verificado no art. 75, § único e artigo 83 do CPP.
Destaca-se que a atuação do juiz das garantias não é eliminar ou presidir o inquérito policial. O inquérito policial é de responsabilidade delegado de polícia, existindo, de fato, somente fracionamento das tarefas entre o juiz atuante no inquérito e o da fase processual, visando a garantia da imparcialidade e os direitos pertencentes ao acusado, considerando que o inquérito, em muitos casos, ganha relevância considerável no tocante ao desfecho da ação penal. Freitas (2022) diz que essa mudança legislativa é notável, em virtude compatibilizar envolvendo as garantias dos acusados e a determinação judicial atinente às medidas investigatórias, agindo-se de forma isenta e imparcial no que respeita ao julgamento referente à ação penal, deixando puro o processo de julgamento.
E admissível que o juiz atuante no inquérito se mostre com isenção acerca de pré-conceitos quanto ao acusado. A partir do momento que se decide sobre algo, existe, mesmo que em pequeno grau, uma “contaminação”. De forma analógica cita-se o exemplo das provas ilícitas, em que sempre há a afirmação de que, embora desentranhadas do processo, o juiz, ao ter ciência passe por um processo de corrupção, pois, como se discerne, o processo de convencimento não é apagado de forma simples com uma borracha e ser esquecido, permanecendo no íntimo de quem obteve contato com o fato.
Freitas (2022) destaca sobre o papel do Juiz de Garantias uma grande mudança afastando-se a lógica atual dos autos do processo, exatamente porque ele deixa de acontecer continuamente, a saber, não se pode simplesmente fazer a transferência dos autos do Juiz das Garantias para o Juiz de Julgamento. A junção das funções do Juiz de Garantais e do Juiz de Julgamento, sem uma separação rígida de autos, faz com a reforma torne-se mera falácia garantista. Na fala do autor supracitado, percebe-se a necessidade revisão nas funções do Juiz de Garantias e de Juiz de Julgamento para que o processo não seja deficitário ou, ainda, uma falácia.
Após a discussão sobre o papel do juiz das garantias, serão abordados os aspectos que caracterizam a presunção da inocência.
Dentro do princípio da presunção de inocência considera-se a pessoa inocente, e não culpada, até que ocorra o trânsito em julgado de sentença condenatória. Dessa forma, evita que uma sentença condenatória gere efeitos mesmo antes de acabarem todos os possíveis recursos. Observando a História, destaca-se que no Estado Absolutista, interpretava-se os atos de delitos como ofensas ao monarca, detentor do direito de punir, quando esse poder era exercido envolto em um sentimento fortemente de vingança.
Neste contexto, era dispensado o juízo para formar a culpa do acusado, devendo ter apenas a mera evidência da prática do delito para o exercício do direito de punição e a aplicabilidade da pena. Quanto ao juízo de formação da culpa do acusado dentro do Estado Absolutista, Foucault (1999) ressalta que a culpabilidade não início com a reunião de todas as provas, de forma gradativa e por peças, era formada pelos elementos que traziam possibilidade de reconhecimento de um culpado. Para ele, uma meia-prova não inocentava o suspeito, era preciso que essa tivesse sua completude, fazendo do acusado um meio-culpado.
Viu-se que havia o predomínio da presunção de culpa do acusado nesse sistema que, diante da existência de qualquer elemento probatório, seu estado de culpa era reconhecido. Passa a surgir, então, uma insatisfação visível acerca da atuação do monarca, culminando com o começo do movimento reformista, mais precisamente do final do século XVIII, colocando a pessoa humana no epicentro das discussões, inaugurando uma nova corrente de pensamento filosófico que atua diante do poder do soberano, considerado repressivo. Beccaria, na obra Dos Delitos e Das Penas, fez surgir os fundamentos básicos do princípio da presunção de inocência, trazendo imposição à prisão processual somente de forma extremamente necessária. De acordo com o autor: “Um homem não pode ser tido como culpado antes que a sentença do juiz o declare; e a sociedade apenas lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido que ele tenha violado as normas que tão proteção lhe foi dada”. (BECCARIA, 2005, p. 63).
Este trabalho influenciou os pensadores do Iluminismo que já tinha posição de forma oposta à prática da tortura, buscando reformas processuais penais por causa das novas ideias de Estado que objetivavam. O Iluminismo defende que os seres humanos são detentores da razão, e, razão disso, legitimam como fontes únicas de poder, deixando as ações do Estado condicionadas à tutela dos interesses da sociedade. Assim, o sistema criminal passou a funcionar de acordo com a interpretação do direito penal quão última ratio, sob a compreensão de que por meio deste perpetram-se as principais violências estatais em desfavor dos indivíduos.
Ressalta-se que essa ideia de mudança da legislação punitiva espalhou-se por todos os países da Europa, criando-se um grande número de dispositivos e Códigos visando a concretização dessas novas garantias na legislação punitiva. Neste contexto, destaca-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que obteve aprovação em Assembleia Nacional pelos franceses no ano de 1789, positivando, de forma inédita, o princípio da presunção de inocência em seu artigo 9º: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda de sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”.
Entretanto, dentro da Escola Clássica Italiana, com grandes expoentes a exemplo de Francesco Carrara, que houve a elevação do princípio da presunção de inocência a princípio fundamental da Ciência Penal, estabelecendo-se como fundamento de todas as garantias do processo. Vale ressaltar que Vilela (2000) defende que a presunção de inocência se apresenta como um pressuposto necessário do processo penal, que estará presente no nível das regras de competência, seja na legal, total e atempada notificação, seja na moderação considerando aquando da prisão preventiva, seja ao nível da matéria que geram provas, seja ao nível da prudência que dever ser notada aquando da audiência em as testemunhas.
O autor supracitado destaca as condições de legalidade para conseguir confissão, o processo de exclusão sobre qualquer sugestão, envolvendo qualquer fraude, seja no nível de todo artifício doloso que possa dar ao que é falso um aspecto de verdadeiro, seja na imparcial apreciação a fazer dos indícios, seja no grande espaço que a defesa terá de ter, e no amplo tratamento a dar aos advogados, seja nas formas sacramentais para a sentença, seja nos recursos de apelação e revisão.
Todavia, dentro das ideias da Escola Positiva, o princípio da presunção de inocência recebe seu primeiro abalo, tornando-se uma tendência ao término do século XIX. Esse fato se deu porque, nesse período, a Europa passava por um crescente índice de criminalidade, bem como uma crise econômica que fechava os olhos para as desigualdades existentes entre as pessoas. Dessa forma, foi alterado o entendimento para conceber o direito penal como um fator de análise do crime por meio do delinquente. (VILELA, 2000).
O recolhimento do réu à prisão era determinado pela Escola Positiva, mesmo que fosse provisória, tendo em vista que sua liberdade traria riscos para o convívio social. A partir da condenação, a prisão era executada, embora deixando espaços recorríveis. Nesta escola houve o predomínio da compreensão da presunção de culpa para todos aqueles denunciados por praticar um delito.
A Escola Técnico-jurídica, por sua vez, fazia a negação de forma resistente, de se integrar a presunção de inocência dentro do processo penal. Havia a defesa de que a partir de que se alegasse o cometimento de delito sobre uma pessoa, haveria a autorização do afastamento de qualquer tratamento ligado à condição de inocência.
Dessa forma, verificou-se a diferença envolvendo a compreensão da Escola Clássica Italiana que tinha como base os ideários Iluministas, quando a presunção de inocência era fornecida como tratamento ao acusado dentro do processo penal; viu-se a Escola Positiva, que tinha a defesa pelo tratamento de presumidamente detentor de culpa para o acusado; e a escola Técnico-jurídica, a qual tinha a sustentação do tratamento de não culpabilidade do acusado. Evidencia-se, por fim, a ausência de diferenciação acerca do tratamento de não culpado e de modo presumido do culpado, pois ambas afastam, em seu fundamento, o estado de inocência presumidamente do réu.
Vistos os aspectos que define a presunção de inocência, a discussão seguinte será sobre a relevância do juiz das garantias visando o cunho imparcial do juiz.
5 A IMPORTÂNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS PARA A IMPARCIALIDADE DO JUIZ
Observa-se, com clareza, que a partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a adotar no âmbito do sistema de persecução penal, o acusatório, que diz respeito na “separação de funções e, por decorrência, a gestão da prova na mão das partes e não do juiz (juiz espectador), que cria as condições de possibilidade para que a imparcialidade se efetive”, (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 27). Em outras palavras, existe a pessoa que fará o julgamento e que fará a acusação em indivíduos diferentes, vendando-se não considerar estes em apenas um só, sob a pena de tal sistema sofrer violação.
Ressalta-se que, em função da elaboração do Código de Processo Penal ter acontecido no período do Estado Novo, detectam-se ainda alguns resquícios do sistema considerado inquisitorial da fase que, de acordo com Lima (2020), é algo que pode ser notado na atuação do juiz responsável pela execução da sentença, está seguindo todo o período inquisitorial. Diante disso, conforme Lopes Júnior (2016) ressalta a prática de atos de cunho probatório ou persecutório de responsabilidade do juiz, como, citando-se a possibilidade decreto de prisão preventiva de ofício por parte do juiz (art. 311); a decretação, de ofício, da execução de buscas e apreensão (art. 242); a iniciativa probatória a cargo do juiz (art. 156); a condenação do réu sem a presença de pedido do Ministério Público, tendo em vista que isso traz violação também ao Princípio da Correlação (art. 385); e a diversos outros dispositivos constantes do CPP que atribuem à atribuição do juiz um ativismo caracteristicamente inquisitivo.
Em função disso, a criação do Juiz de Garantias faz diminuir, dentro do Código de Processo Penal Brasileiro, o sistema inquisitorial implícito, tendo em vista que elimina a indubitável influência pertencente ao magistrado que profere a sentença possui acerca do inquérito policial. Enfatiza-se que, sem a presença desse tal juiz, degrada-se, de forma clara, o princípio da imparcialidade, pois se terá a atuação jurisdicional do juízo que proferirá a sentença desde o período em que, normativamente, não se admite o contraditório nem a ampla defesa.
Enfatiza-se, ainda, que o procedimento próprio determinado pela Lei Anticrime prevê que o devido processo legal respeite em intensidade as garantias da dignidade dos seres humanos, em conformidade com o detectado no art. 3, “B”, Caput da referida Lei, que objetiva retirar da mão do Estado na figura do Juiz a potencialidade de julgar os indivíduos de maneira viciada, sem a observância das garantias mínimas entabuladas pelo Estado Democrático de Direito (BRASIL, 2019).
É relevante destacar que a nova legislação contribui para uma maior efetivação do princípio da presunção de inocência, haja vista que busca um alto nível de imparcialidade por meio do juízo que irá julgar, trazendo reforços da “imparcialidade dos julgamentos criminais do Poder Judiciário e de qualificação da presunção de inocência” (MILLER, 2019, p. 6). O referido autor complementa que, antes na maioria dos casos fadava-se a se sucumbir a contaminação psicológica, ao inevitável e compreensível determinados pelo sistema, estando ausente o juiz de garantias.
Quando se fala em imparcialidade, o que se busca atingir é máxima distância possível da subjetividade que pode ser demonstrada pelo juiz, agindo “para que nenhuma parte seja beneficiada em detrimento da outra, mesmo que involuntariamente”, (RITTER, 2016, p. 56).
Dessa forma, fica evidente que a implantação do Juiz de Garantias contribui significativamente para a afirmação a disposição das regras pelo Estado Democrático de Direito, destacando-se a instituição do sistema acusatório, a respeitabilidade dos princípios da presunção da inocência, imparcialidade, devido processo legal e dignidade da pessoa humana, gerando relevantes contribuições para o sistema processual penal brasileiro.
Viu-se, neste trabalho, que a Constituição Federal, de 1988, firma um compromisso com o princípio do devido processo legal, bem como o princípio do juiz natural e as demais garantias individuais, em processo que consolida o modelo acusatório e a imparcialidade, fazendo a indicação de uma clara opção por um processo penal com características democratizadas.
Verificou-se que, levando em consideração a previsão constitucional, a implementação do Juiz das Garantias traz como fator relevante o fato de significar avanço indispensável ao sistema processual penal brasileiro, haja vista a sua contribuição para o aperfeiçoamento da aplicabilidade do princípio do juiz natural, efetivando a retirada do juiz de julgamento do conteúdo que fora produzido na fase preliminar, algo que proporciona uma análise repleta de isenção quanto ao material coligido na fase de inquérito, dentro de indispensável imparcialidade.
Reforçou-se que o juiz das garantias busca, sobretudo, aplicar o devido processo legal, e, ainda com a função de fazer o resguardo dos direitos e das garantias constitucionais que estejam ao alcance do investigado, realizando tutelas eventuais, desproporcionalidades oriundas do Estado, mantendo, dessa forma, a imparcialidade do magistrado.
Durante a pesquisa, foi enfatizado que a Lei 13.964/2019, com a inserção do juiz das garantias, passou a permitir uma modernização do ordenamento processual penal do Brasil, que até então é comandado por um rito eivado de especificidades inquisitórias. Assim, o juiz de garantias não é solução para todas as dificuldades, todavia, representa um reconhecido avanço, pois separa de forma definitiva o acusador do julgador, fazendo restabelecer o equilíbrio entre defesa e acusação no processo criminal.
Concluiu-se que a instituição do Juiz das Garantias tem a base de proteção da imparcialidade do magistrado que instrui e decide o processo, definitivamente separando o responsável pela acusação do incumbido de julgar, restabelecendo o equilíbrio entre defesa e acusação no processo penal. Sem a ambição de esgotar a temática posto que o direito brasileiro agora se defronta com o desafio, crendo na profusão de novas teorias e produções que ainda virão, entende-se que o Juiz de Garantias tem papel primordial dentro do processo judiciário do Brasil.
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL (TJ-RS). Jurisprudência: acórdãos, decisões e sentenças de cortes e tribunais. Encontrado em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rs/1287007514?utm_medium=social&utm_campaign=link_share&utm_source=WhatsApp. Acesso em 26-10-2022.
VILELA, Alexandra. Considerações acerca da presunção de inocência em direito processual penal. Coimbra: Coimbra editora, 2000.
[1] Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.
[2] Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Doutorando em Ciências Criminais pela Pontifica Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. E-mail: [email protected].
Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, CARLOS LAERCIO FERREIRA DA. O juiz das garantias e sua efetividade constitucional: uma análise no âmbito da imparcialidade no processo penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60298/o-juiz-das-garantias-e-sua-efetividade-constitucional-uma-anlise-no-mbito-da-imparcialidade-no-processo-penal. Acesso em: 28 dez 2024.
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