RESUMO: O presente artigo tem como objetivo principal discutir a possibilidade do exercício do silêncio parcial vertical por parte do investigado/acusado. Para tanto, aborda inicialmente o direito ao silêncio no ordenamento jurídico pátrio, discutindo a diferença entre o silêncio parcial horizontal e vertical. Em seguida, enuncia a possibilidade do exercício do silêncio parcial vertical, bem como eventuais repercussões jurídicas à luz da Doutrina e Jurisprudência pátrias. Como aporte teórico foram utilizados os estudos de Costa (2015); Lima (2022); Muccio (2011) entre outros. As discussões realizadas possibilitaram concluir que, conforme entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça, ao investigado/acusado é facultado responder apenas as perguntas que lhe convierem, sendo que, segundo parcela da Doutrina pátria, o exercício do silêncio parcial vertical pode ser considerado indício desfavorável.
Palavras-chave: Direito ao silêncio; silêncio parcial vertical; possibilidade; repercussões jurídicas.
ABSTRACT: The main objective of this article is to discuss the possibility of the exercise of vertical partial silence on the part of the investigated/accused. To do so, it initially adresses the right to silence of the investigated/accused in the national legal system, discussing the difference netween horizontal and vertical partial silence. Then, it enunciates the possibility of exercising vertical partial silence, as well as its possible legal repercussions in the light of the country’s Doctrine and Jurisprudence. As theoretical support, studies by Costa (2015); Lima (2022); Muccio (2011) among others. The discussions held made it possible to conclude that, according to a recent understanding of the Superior Court of Justice, the investigated/accused is allowed to answer only the questions that suit him, and, according to part of the homeland Doctrine, the exercise of partial vertical silence can be considered an unfavorable sign.
Keywords: Right to silence; vertical partial silence; possibility; legal repercussions.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Nemu Tenetur Se Detegere: Considerações Gerais. 3. O Interrogatório do Investigado/Acusado: Conceito e Natureza Jurídica. 4. Silêncio Total e Silêncio Parcial (Horizontal e Vertical). 4.1. O silêncio parcial vertical: possibilidades e repercussões jurídicas . 5. Considerações Finais. 6. Referências.
1.INTRODUÇÃO
O direito ao silêncio, modalidade de autodefesa exercida por aquele contra quem recai uma imputação penal, encontra-se previsto expressamente no art. 5º, inciso LXIII da Constituição Federal e configura decorrência do consagrado nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Também de estatura constitucional, encontra-se previsto no ordenamento pátrio o direito à segurança, nos arts. 5º, caput, 6º e 144 da Constituição Federal, como instrumento de proteção estatal aos bens jurídicos.
Nesse contexto, frequentemente surgem situações de colisão entre os direitos acima mencionados, de modo que, ao se garantir de forma efetiva um deles, acaba-se por preterir a efetividade do outro.
Por esse motivo se adota a tese de que o princípio da proporcionalidade tem dupla vertente, a proibição de excesso e a proibição de proteção deficiente. Ou seja, o Estado não pode se exceder na intromissão em direitos fundamentais, porém não é adequado proteger de forma deficiente direitos outros também de estatura constitucional que visam ao atendimento do interesse público.
No que se refere ao primeiro direito acima mencionado, qual seja, o direito ao silêncio, encontra-se na doutrina a classificação do citado direito em silêncio total e silêncio parcial, dividindo-se este em silêncio parcial horizontal e vertical.
Tendo a classificação acima como norte, a presente pesquisa visa aferir a possibilidade do exercício do silêncio parcial vertical no ordenamento pátrio e suas possíveis repercussões jurídicas.
A pesquisa se justifica no fato de que, hodiernamente, vem sendo cada vez mais frequentes as situações em que investigados/acusados comparecem ao ato de interrogatório com o propósito tão somente de responderem aos questionamentos da defesa técnica, ou aos quesitos que lhes possam trazer algum favorecimento, sendo relevante perquirir se tal conduta pode ensejar algum tipo de repercussão jurídica, notadamente na formação do convencimento do delegado de polícia, quando na fase do inquérito, ou do julgador, quando na ação penal.
Outrossim, também será analisado de que forma o silêncio parcial pode contribuir com a busca pela verdade possível dentro do processo criminal, mormente quando em cotejo com outras informações contidas no processo, na perspectiva do interrogatório como meio de defesa e, também, como meio de prova (MUCCIO, 2011), dada sua natureza jurídica mista.
Assim, revela-se como problema a ser respondido pela presente pesquisa: é possível o exercício do silêncio parcial vertical pelo investigado/acusado, daí podendo advir, em caso positivo, alguma consequência jurídica?
Como forma de responder ao problema proposto, o estudo será realizado através da metodologia de pesquisa bibliográfica, analisando-se também entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema.
2. O NEMU TENETUR SE DETEGERE: CONSIDERAÇÕES GERAIS
O princípio nemo tenetur se detegere, previsto tanto em tratados internacionais de Direitos Humanos quanto na Constituição Federal de 1988, preconiza, grosso modo, que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
Nesse contexto, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, em vigor no Brasil desde 1992, assim preceitua, em seu art. 8º, §2º, “g”:
2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:
(...)
g. direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada.
Seguindo a mesma diretriz, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, LXIII, estabelece que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988).
No léxico de Lima (2020, p. 70), trata-se de “uma modalidade de autodefesa passiva, que é exercida por meio da inatividade do indivíduo sobre quem recai ou pode recair uma imputação”.
Lopes Júnior, ao tratar sobre o nemo tenetur se detegere, ensina ser este o princípio segundo o qual “o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando do interrogatório” (2022, p. 117).
Na legislação infraconstitucional, o direito ao silêncio encontra guarida no art. 186 do Código de Processo Penal, o qual aduz que, antes de iniciar o interrogatório, o acusado será informado pelo juiz do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Diante do exposto, pode-se concluir que, numa análise inicial, o acusado/investigado, amparado no direito ao silêncio, corolário do princípio nemo tenetur se detegere, não é obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas no ato do interrogatório, não podendo, ainda, sofrer qualquer prejuízo decorrente desta omissão.
3. O INTERROGATÓRIO DO INVESTIGADO/ACUSADO: CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Tanto na fase do inquérito policial quanto na ação penal, o interrogatório é o momento de que dispõe o investigado/acusado para, diretamente, e caso queira, apresentar sua versão acerca da imputação que recai sobre sua pessoa, podendo indicar meios de prova, apresentar álibis, justificar atitudes ou, se assim o desejar, ficar em silêncio.
No que se refere à natureza jurídica do interrogatório, há, predominantemente, 03 (três) correntes na doutrina, sendo elas:
a) meio de prova, segundo a qual o investigado/acusado é objeto de prova e, portanto, não pode deixar de responder às perguntas que lhe forem feitas, sendo-lhe objetado invocar o direito ao silêncio. Num sistema inquisitivo, a tendência é considerar o interrogatório como meio de prova;
b) meio de defesa: por esta corrente, o interrogatório constitui meio de defesa, tendo em vista que o investigado/acusado não é obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, forte no direito ao silêncio, não podendo desta recusa advir qualquer prejuízo à sua defesa;
c) mista: pela corrente denominada mista, o interrogatório se trata, predominantemente, de meio de defesa, podendo constituir meio de prova quando o investigado/acusado opta por responder às indagações a ele formuladas.
Apesar das discussões quanto à natureza jurídica do interrogatório, revela-se improdutivo o seu aprofundamento, posto que, conforme Duclerc (2006, p. 252) apud Lopes Jr., as alternativas “meio de prova” e “meio de defesa” inevitavelmente coexistem. Aduz aquele doutrinador:
[...] se de um lado potencializamos o caráter de meio de defesa, não negamos que ele também acaba servindo como meio de prova, até porque ingressa na complexidade do conjunto de fatores psicológicos que norteiam o sentire judicial materializado na sentença. (LOPES JR., 2022, p. 512).
Ou seja, pelas lições do renomado jurista, não há como negar que o interrogatório, inevitavelmente, influi psicologicamente o magistrado quando da prolação da sentença penal. Aqui se impõe destacar que não apenas partes do interrogatório influem no animus do magistrado, mas o interrogatório em seu todo considerado, conforme será mais bem trabalhado nos próximos tópicos do presente trabalho.
É justamente no momento do interrogatório que o acusado/investigado poderá exercer seu direito constitucional ao silêncio, recusando-se a responder as indagações que lhe forem formuladas pela autoridade policial ou pelo magistrado.
Questão relevante e controvertida que vem gerando debates na doutrina e nos tribunais pátrios reside na possibilidade de o investigado/acusado responder apenas parte das perguntas a ele formuladas, é dizer, apenas às indagações que lhe forem convenientes, tais como as perguntas feitas pela defesa técnica, e quais as repercussões jurídicas daí advindas, ponto este o qual será trabalhado em tópico ulterior do presente trabalho.
4. SILÊNCIO TOTAL E SILÊNCIO PARCIAL (HORIZONTAL E VERTICAL)
O exercício do direito ao silêncio pode ocorrer de modo total, ou seja, quando o investigado/acusado se recusa a responder a qualquer indagação que lhe seja formulada, ou parcial, subdividindo-se este em silêncio parcial horizontal e silêncio parcial vertical.
O silêncio parcial horizontal ocorre quando, em um interrogatório, o agente exerce seu direito constitucional ao silêncio, mas não o faz em outro. Noutro giro, o silêncio parcial vertical se dá quando, no mesmo interrogatório, o acusado opta por responder apenas a algumas das perguntas formuladas, quedando-se silente quanto às demais.
Nesse sentido, quanto ao silêncio parcial horizontal, segue o léxico de Haddad (2005, p. 70-71, apud Lima, 2022, p. 78):
silêncio parcial horizontal ou momentâneo: o agente se cala completamente em um dos interrogatórios , mas não em outro ou outros. Funciona, pois, como exercício regular do direito ao silêncio. O agente manifesta, portanto, sua vontade de não constituir meio de prova, in casu, o interrogatório, daí porque se entende que nenhuma consequência prejudicial poderá ser extraída em seu desfavor (negrito original).
Quando ao silêncio parcial vertical, Lima leciona que o instituto se configura quando:
(...) em um só depoimento, o agente responde a algumas indagações e outras ou deixa sem resposta nenhuma, ou responde lacunosa ou deficientemente. Não há silêncio parcial vertical na hipótese de o interrogando apenas negar sua culpa e nada mais responder, nem tampouco na hipótese em que responde a todas as perguntas sobre um dos fatos imputados e não as referentes a outros. (LIMA, 2022, p. 78).
Geralmente se observa a ocorrência do silêncio parcial vertical quando o acusado, já no início do interrogatório, manifesta expressamente que irá responder tão somente às perguntas formuladas pela defesa técnica. É essa subespécie de direito ao silêncio que será detalhada adiante.
4.1. SILÊNCIO PARCIAL VERTICAL: POSSIBILIDADE E EVENTUAIS REPERCUSSÕES JURÍDICAS
Atualmente, o debate sobre a possibilidade de o acusado responder apenas às perguntas da defesa, ou seja, de exercer seu direito ao silêncio parcial vertical, tornou-se ainda mais relevante dada a incidência cada vez maior da citada estratégia pelas defesas técnicas, tanto que o debate chegou ao Superior Tribunal de Justiça.
Através da 6ª Turma, o STJ decidiu, no julgamento do HC 703.978, pela possibilidade de o acusado responder apenas às perguntas da defesa técnica, cassando decisão de pronúncia proferida contra um homem acusado de homicídio, contra quem fora cerceado o direito ao silêncio seletivo. Confira-se ementa do julgado:
HABEAS CORPUS. PRIMEIRA FASE DO JÚRI. NULIDADE DO INTERROGATÓRIO. RECUSA DE RESPONDER PERGUNTAS AO JUÍZO. CERCEADO QUESTIONAMENTOS DEFENSIVOS. ILEGALIDADE CONSTATADA. 1. O artigo 186 do CPP estipula que, depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas 2. O interrogatório, como meio de defesa, implica ao imputado a possibilidade de responder a todas, nenhuma ou a apenas algumas perguntas direcionadas ao acusado, que tem direito de poder escolher a estratégia que melhor lhe aprouver à sua defesa. 3. Verifica-se a ilegalidade diante do precoce encerramento do interrogatório do paciente, após manifestação do desejo de não responder às perguntas do juízo condutor do processo, senão do seu advogado, sendo excluída a possibilidade de ser questionado pelo seu defensor técnico. 4. Concessão do habeas corpus. Cassação da sentença de pronúncia, a fim de que seja realizado novo interrogatório do paciente na Ação Penal n. 5011269-74.202.8.24.0011/SC, oportunidade na qual deve ser-lhe assegurado o direito ao silêncio (total ou parcial), respondendo às perguntas de sua defesa técnica, e exercendo diretamente a ampla defesa (HC 703.978/SC, Rel. Min. Olindo Menezes [Desembargador convocado do TRF 1ª Região], Sexta Turma, Brasília, 05/04/2022, DJ 07 abr 2022).
No mesmo sentido é o léxico de Lima:
Firmada a premissa de que o acusado é titular do direito ao silêncio, e que tal direito pode ser exercido de maneira total ou parcial, é de rigor a conclusão no sentido que, da mesma forma que o acusado pode optar por não responder a nenhuma pergunta, permanecendo em silêncio total durante seu interrogatório, também pode optar por responder a todas as perguntas que lhe forem feitas pelos diversos agentes jurídicos (Juiz, Promotor de Justiça, advogado do assistente de acusação, do querelante), ou apenas aos questionamentos formulados por seu defensor (LIMA, 2022, p. 78).
Em que pese a decisão acima, o tema não se encontra pacificado nas discussões jurídicas, havendo posicionamento doutrinário em sentido contrário.
Com efeito, Muccio entende não ser possível que o acusado escolha as perguntas que deseja responder, posicionando-se, portanto, contrariamente à possibilidade do silêncio seletivo, argumentando que o interrogatório também é considerado meio de prova. Nas lições do citado doutrinador:
Defendemos que a opção pelo direito ao silêncio deve ser exercida para o todo, e não pergunta por pergunta. Ou o acusado faz opção por permanecer calado, quando não responderá acerca do fato que é objeto da imputação, ou opta por falar, quando não poderá recusar qualquer pergunta. Se o interrogatório também é meio de prova, não é razoável que se dê ao acusado o direito de escolher as perguntas que deseja e as que não deseja responder (MUCCIO, 2011, p. 896).
Em que pese o posicionamento supratranscrito, tem-se que tolher ao acusado o direito de se valer do silêncio seletivo não parece ser a opção adequada, mormente diante da recente decisão colegiada proferida pelo Superior Tribunal de Justiça e da própria garantia da ampla defesa, a qual ostenta envergadura constitucional (art. 5º, LV da CF/1988).
Ocorre que o julgado analisado abordou tão somente a possibilidade de o acusado se valer do silêncio parcial, não adentrando, contudo, em suas possíveis repercussões jurídicas, as quais são encontradas em âmbito doutrinário.
Lima (2022, p. 79) entende que o exercício do direito ao silêncio pode gerar nenhuma consequência desfavorável ao acusado, alertando que caso “fosse possível a extração de alguma consequência prejudicial ao acusado por conta de seu exercício, estar-se ia negando a própria existência desse direito”. Contudo, há posicionamentos doutrinários convincentes em sentido contrário, notadamente quanto às possíveis consequências jurídicas advindas do exercício do silêncio parcial vertical.
Nesse diapasão, doutrinadores de renome têm defendido que, conquanto o acusado possa responder apenas às perguntas que lhe sejam convenientes a partir de sua estratégia defensiva, não se pode negar evidente repercussão negativa quando da valoração do silêncio parcial vertical, posto que, neste caso, o investigado ou acusado voluntariamente se converte em meio de prova ao optar por responder algumas perguntas formuladas, submetendo, por conseguinte, seu interrogatório à livre valoração probatória (ROXIN, 2003, p. 109, apud COSTA, 2019, 258).
Ou seja, o acusado pode livremente escolher quais perguntas responder, mas não lhe é dado decidir qual parte do interrogatório produzirá efeitos.
Na mesma toada, Oliveira (2009, p. 186) leciona que o depoimento livremente prestado pode constituir “prova eficaz diante de eventual inconsistência lógica ou argumentativa”.
Malaquias (2014, p. 145), no mesmo sentido, assevera que “se o réu opta por algumas perguntas e prefere excluir outros questionamentos, demonstra inconsistência em sua defesa”.
Ou seja, a inidoneidade e incoerência de um interrogatório, reveladas através do silêncio seletivo do investigado/acusado, podem repercutir negativamente no julgamento ou no ato de indiciamento, podendo consubstanciar elemento de convencimento daquele que irá apreciar o arcabouço probatório em seu conjunto.
Imagine-se, por exemplo, a situação em que, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão na residência de investigado por crime de homicídio, policiais civis localizem uma arma de fogo no interior do imóvel. Realizada perícia de microcomparação balística com projéteis apreendidos no local do crime, chega-se à conclusão que os projéteis foram percutidos pela mencionada arma de fogo apreendida.
Em interrogatório, o investigado responde algumas perguntas, notadamente quanto à autoria do crime de homicídio, negando-a genericamente, porém opta por silenciar quanto às perguntas envolvendo a arma de fogo apreendida em sua residência e comprovadamente utilizada na prática do crime investigado.
Parece lógico que o silêncio seletivo do acusado, no caso acima citado e em outros semelhantes, consubstanciará elemento de convicção do julgador quando da apreciação de todo o conjunto probatório trazido a julgamento, forte no princípio da livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, conforme preconiza o art. 155 do Código de Processo Penal.
Rememore-se, por oportuno, as lições de Duclerc (2006) apud Lopes Jr. (2022), mencionadas alhures, no sentido de que o interrogatório tanto constitui meio de defesa quanto meio de prova, posto que, inevitavelmente, ingressa na complexidade dos fatores psicológicos que norteiam o sentire do julgador materializado na sentença.
Ou seja, no caso acima, evidente que o silêncio parcial do acusado, ao negar a autoria delitiva, mas calar quanto às perguntas referentes à arma de fogo encontrada no interior de sua residência e comprovadamente utilizada para o cometimento do delito, ingressará na complexidade dos fatores psicológicos que nortearão o magistrado quando do julgamento do caso.
Também costumam ocorrer casos, no meio investigativo, em que aparelhos telefônicos de investigados são apreendidos durante cumprimento de mandados de busca e apreensão e, num segundo momento, durante a extração dos dados do dispositivo, realizada após autorização judicial, são coletados e transcritos vários áudios enviados pelo investigado mencionando e assumindo para alguém de seu convívio a autoria do crime investigado.
Durante interrogatório policial ou judicial, o autor nega a autoria delitiva, apresenta álibis não comprovado\s, mas quando confrontado com os áudios extraídos de seu aparelho telefônico, decide reservar-se ao direito constitucional ao silêncio.
Mais uma vez, revela-se inegável que o silêncio seletivo do acusado, na circunstância referida, será elemento de convencimento do juiz da causa, integrando o sentire judicial materializado na sentença.
Ora, se o silêncio seletivo constituirá elemento para formação do convencimento do juiz, necessário que o magistrado fundamente a conclusão revelada na sentença judicial, consoante art. 93, IX da Constituição Federal.
Para tanto, o silêncio parcial vertical do investigado ou acusado pode ser utilizado como fundamento quando da elaboração do relatório conclusivo de inquérito policial pelo delegado de polícia, e notadamente quando da prolação de sentença judicial pelo magistrado, devendo ser considerado prova indiciária, na forma do art. 239 do Código de Processo Penal, podendo lastrear eventual decreto condenatório, sobremaneira quando em harmonia com outros elementos de prova produzidos.
Ou seja, sendo considerado indício desfavorável, e havendo outros elementos de prova que reforcem a hipótese acusatória, evidente que o silêncio parcial pode e deve ser utilizado como fundamento para a condenação, forte no dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais previsto no já citado art. 93, IX da Constituição Federal, notadamente quanto o silêncio parcial tenha sido utilizado para a formação do convencimento do julgador.
O direito ao silêncio, decorrente do princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, encontra-se previsto tanto em tratados internacionais de direitos humanos quanto na Constituição Federal de 1988, não havendo maiores divergências quanto ao regramento segundo o qual o investigado ou acusado tem o direito de permanecer em silêncio sem que tal fato seja prejudicial à sua defesa.
Durante o desenvolvimento do presente trabalho, buscou-se diferenciar o silêncio total do silêncio parcial e, quanto a este, o silêncio parcial horizontal do silêncio parcial vertical, consistindo este na possibilidade de o investigado ou acusado, no mesmo interrogatório, responder algumas das perguntas formuladas e quedar-se silente quanto às demais.
Nesse diapasão, conforme explanado, têm sido cada vez mais frequentes as ocasiões em que autores de crimes optam por exercerem o silêncio parcial vertical, ou seja, responderem tão somente às perguntas da defesa técnica, ou somente às indagações que lhes convierem, calando-se quanto às perguntas dos demais atores do processo ou quanto àquelas que possam lhe implicar algum comprometimento.
Durante as pesquisas, verificou-se que o entendimento jurisprudencial mais recente, consubstanciado em decisão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Habeas Corpus HC: 703.978, possibilita ao acusado responder apenas às perguntas da defesa, sendo nulo o interrogatório em que lhe é negado esse direito.
Adentrando na seara doutrinária, com o objetivo de analisar possíveis repercussões jurídicas ao chamado silêncio seletivo do acusado/investigado e como forma de efetivar o princípio da proporcionalidade, no contexto da colisão entre o direito ao silêncio, de um lado, e o direito à segurança, de outro, perquiriu-se inicialmente acerca da natureza jurídica do interrogatório, sendo possível concluir que se trata prioritariamente de meio de defesa, podendo também caracterizar meio de prova quando o interrogado opta voluntariamente por falar.
Constatou-se que o interrogatório, em seu todo considerado, ou seja, tanto nas perguntas respondidas, quanto nos pontos em que o interrogado se queda silente sobre questões que o incriminam, inevitavelmente ingressa no manancial de fatores psicológicos que influem no sentire judicial quando da prolação de decisão ou de sentença judicial, podendo constituir, portanto, elemento para a formação do convencimento do julgador, notadamente quando em harmonia com outros elementos probatórios que corroborem a hipótese acusatória.
De mais a mais, destacou-se, também, a previsão constitucional da necessidade de motivação das decisões judiciais, previsto no art. 93, IX da Carta Magna.
Nesse contexto, e conforme entendimento de parcela da Doutrina brasileira, concluiu-se que, sendo o interrogatório, também, meio de prova, pode o silêncio parcial vertical do acusado (ou investigado), a depender do caso concreto, constituir prova indiciária em seu desfavor.
Destarte, o silêncio parcial vertical pode ser utilizado como fundamentação em eventual ato de indiciamento por parte do delegado de polícia, ou até mesmo em prolação de sentença condenatória por parte do julgador, na forma do art. 93, IX da CF, quando o silêncio seletivo for utilizado para a formação do convencimento do magistrado na análise do arcabouço probatório em seu conjunto.
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Graduado em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Pós-graduado em Segurança Pública e Polícia Judiciária pela Faculdade Supremo (2022). Delegado de Polícia vinculado à Polícia Civil de Pernambuco desde 2018.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EULAMPIO, Allison Nunes. O silêncio parcial vertical do investigado/acusado: possibilidades e repercussões à luz da Doutrina e da Jurisprudência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 dez 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60710/o-silncio-parcial-vertical-do-investigado-acusado-possibilidades-e-repercusses-luz-da-doutrina-e-da-jurisprudncia. Acesso em: 27 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
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