SANDRO BERNARDO DA SILVA
(orientador)
RESUMO: No presente artigo dilatar-se-á à cerca do inquérito policial; Para tanto será analisado desde suas características e princípios até mesmo decisões de tribunais a cerca de assuntos correlacionados ao tema. Almeja-se uma conclusão a respeito de seu valor probatório em meio à persecução penal. Para tanto, apresentar-se-á incialmente conceitos gerias, sobre sua finalidade, sobre sua natureza jurídica, e sobre os princípios que norteiam. De forma destacada será feita uma ressalva a respeito das provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas. Dilatar-se-á a cerca do valor probatório inquérito, costurando o tema como a abordagem acerca dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo esse o cerne da questão abordada no presente artigo. Por fim, será analisado o valor probatório atribuído ao inquérito policial, propriamente dito, sobre tudo após a alteração do artigo 155 do Código de Processo Penal, advindo da edição da Lei nº 11.690/2008.
ABSTRACT: In the present article the police investigation will be delayed; For it will be analyzed from its characteristics and practices even court decisions to a set of subjects correlated to the theme. A conclusion is sought as to its probative value in the midst of criminal prosecution. In order to do so, it will present initially concepts, their purpose, their legal nature, and the principles that are based. Notably, an evaluation of unrepeatable, precautionary and anticipated evidence will be made. The probative value will be measured against the basis of the principles of the adversary and the defense of defense, and this is the reason for the discussion addressed in this article. Finally, the probative value of the police investigation, properly speaking, will be analyzed, especially after the amendment of article 155 of the Code of Criminal Procedure, resulting from the publication of Law 11.690 / 2008.
SUMÁRIO: : 1 INTRODUÇÃO; 2 DO INQUÉRITO POLICIAL, 2.1 CONCEITO E FINALIDADE, 2.2 NATUREZA JURIDICA, 2.3 CARACTERISTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL, 2.3.1 Procedimento Escrito, 2.3.2 Sigiloso, 2.3.3 Indisponibilidade, 2.3.4 Inquisitivo, 2.3.5 Disponível; 3 AS PROVAS PRODUZIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL, 3.1 INSTRUÇÃO PROBATÓRIO, 3.2 PROVAS IRREPETIVEIS, CAUTELARES E ANTECIPADAS; 4 O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL, 4.1 CONTRADITÓRIO, 4.1.1 Considerações iniciais: O Sistema Penal Brasileiro, 4.1.2 O Princípio do Contraditório, 4.2 O PRINCIPIO DO AMPLA DEFESA, 4.3 AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NA FASE INQUISITORIAL, 4.4 O Valor Probatório do Inquérito Policial Após a Alteração do Artigo 155 do Código de Processo Penal, Pela Lei nº 11.690/2008; 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo versará sobre o inquérito policial, tendo como objetivo o estudo do seu valor probatório na ação penal, sobretudo após a alteração legislativa de 2008 que modificou o artigo 155 do Código de Processo Penal por meio da Lei nº 11.690.
Objetiva-se ao decorrer dessa pesquisa, entender conteúdos e princípios, sobretudo os dispostos no Código de Processo Penal e na Constituição Federal, como forma a demonstrar a possibilidade de valorar a prova produzida na fase inquisitorial, aplicando a estas caráter fundamentador e muitas vezes norteador da decisão de um magistrado.
A escolha do tema justifica-se pelas inúmeras divergências doutrinarias a respeito do tema, onde grande parte dos doutrinadores se debruçam sobre o tema de forma contraria, dizendo que o inquérito não deve possuir valor probatório uma vez que por se tratar de procedimento inquisitivo não estão presentes o contraditório e a ampla defesa. Almeja-se, portanto, atingir uma conclusão onde fique evidentemente claro o seu valor probatório diante da persecução penal.
Para tanto será utilizado na elaboração do presente artigo, o método indutivo que permite a utilização da observação de vários fenômenos repetidos para posteriormente possa ser aplicado de forma genérica a um caso concreto.
A princípio será abordado os aspectos gerais do inquérito policial, com uma breve análise sobre o seu conceito, finalidade, natureza jurídica e suas características. Posteriormente, será feita uma análise sobre os procedimentos realizados na fase inquisitorial, esclarecendo inclusive que não se trata de um rol taxativo.
Por fim, destaca-se, especificamente, sobre o valor probatório do inquérito policial, partindo da explicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório, os quais, em tese, ausentam-se do modelo inquisitivo adotado no inquérito policial brasileiro, o que vem a por em dúvida o seu valor probatório. Tratar-se-á, ainda, das garantias constitucionais presentes na fase de investigação policial, bem como sobre jurisprudências e inúmeros posicionamentos de doutrinadores, que ao longo do tempo acabaram por resultar na alteração legislativa de 2008, que trouxe as figuras das provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas, modificando e firmando o entendimento positivado sobre o valor das provas produzidas no inquérito policial após a referida alteração.
Como fundamento para elaboração do presente artigo foi levantada a seguinte hipótese: com a alteração legislativa ocorrida em 2008 após a edição da lei 11.690/2008, que trouxe de forma taxativa as hipóteses que possibilitam a utilização de provas colhidas na fase inquisitorial, deve-se admitir que o inquérito policial possui valor probatório diante do cenário processual, podendo servir de fundamento para o livre convencimento do magistrado, ainda que haja a hipótese de uma possível violação aos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa.
2 DO INQUÉRITO POLICIAL
2.1 CONCEITO E FINALIDADE
Com origem terminológica advinda dos verbos inquirir, indagar, o significado termo inquérito, de forma simples, está próximo do conceito de inquérito policial dos dias atuais. Em tese o inquérito policial é um procedimento por meio do qual são realizadas diligências afim de elucidar a pratica de um ilícito penal, objetivando-se chegar na conclusão de como o fato ocorreu, bem como quem são seus autores. Trata-se de um procedimento administrativo, informativo, prévio e preparatório da Ação Penal.
Superada a fase investigatória, os autos do inquérito são remetidos ao judiciário e ao Ministério Público, e existindo indícios suficientes de autoria e a comprovação da materialidade do delito, o Ministério Publico oferecerá a denúncia. Iniciada a Ação Penal, surge a necessidade de o Estado, enquanto detentor do “jus puniendi” analisar os fatos e cumprir seu papel de punir o responsável pela infração.
Entretanto, vale salientar que a persecutio criminis é dívida em duas vertentes, a persecutio criminis administrativa, que é realizada por meio do inquérito policial, na fase de investigação, onde está deve, ainda que minimamente, levantar indícios mínimos de quem possa ter praticado o delito, bem como levantar elementos que comprovem a materialidade do crime.
Tourinho Filho (2011, p 251) explica que o que não se compreende, dentro da sistemática processual penal brasileira, é a inviabilidade de propositura de ação penal sem o indispensável suporte fático. Colocando em jogo o direito fundamental de liberdade individual, a propositura de uma ação penal contra alguém sem que exista uma peça acusatória amparada, com elementos sérios, indicando ter havido a infração e que o acusado foi o seu autor, resta prejudicada.
No mesmo sentido ainda corrobora Guilherme Souza Nucci (2008, p.144) dizendo que o inquérito policial serve como mecanismo que previne acusações injustas e temerárias, de forma a garantir um juízo inaugural de deliberação, verificando inclusive se trata de fato típico.
2.2 NATUREZA JURIDICA
Por se tratar de um procedimento administrativo, o Inquérito Policial tem caráter informativo, prévio e preparatório da ação penal. Em outras palavras o inquérito visa dotar o Ministério Publico ou o ofendido, de elementos básicos para a propositura de uma ação penal. Por se tratar de um embasamento para propositura da ação, desde que respeitada às formalidades legais, os elementos colhidos nessa fase também pode ser utilizados na fase de instrução do processo conforme cita Ricardo Antônio Andreucci (2015, p 43).
A Autoridade Policial, dotado de fé publica, ao elaborar o Inquérito Policial, por meio de diversos atos administrativos, estes estão dotados de presunção de veracidade e legitimidade, segundo Dirley da Cunha Junior:
[...] em face [dessa presunção] os atos administrativos, até prova em contrário, presumem-se em conformidade com o sistema normativo. É uma presunção relativa ou iuris tantum que milita em favor da legitimidade ou legalidade dos atos administrativos. Contudo, por não ser absoluta, admite contestação, tanto perante a Administração Pública quanto perante o Judiciário. (2009, p. 103)
Sobre esse mesmo aspecto Carvalho Filho explica que os atos praticados por servidores públicos, devem carregar em si a presunção de legitimidade, pois é inerente ao desemprenho da função de um funcionário público, elaborar suas tarefas em conformidade com as normas legais. (2012, p.120)
Cabe ainda dizer que por se tratar de procedimento administrativo, não incide sobre ele a regra constitucional do principio do Contraditório, haja vista que este deve estar presente na fase judicial, sendo o inquérito um procedimento inquisitivo. Há ainda que se esclarecer que por se tratar de fase de investigatória e de colheita de provas, é inviável que o investigado tome conhecimento prévio da atuação da policia judiciaria frente ao caso investigado, uma vez tendo conhecimento prévio dos atos a serem praticados pela policia, este fato inviabilizaria toda a ação policial, visto que, o investigado, ainda amparado pelas normas constitucionais, pelo principio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
2.3 CARACTERISTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
2.3.1 Procedimento Escrito
As informações constantes em um inquérito serão validas desde que estas sejam reduzidas a escrito, haja vista que conforme prevê o Art. 9º, do Código de Processo Penal: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.
Sendo assim tais informações não concretizariam sua finalidade caso fossem transmitidas por instrumento verbal.
Cabe salientar ainda que devido aos avanços tecnológicos, e como forma de garantir maior fidelidade às informações prestadas em sede policial, vem sendo implantada no sistema policial a gravação dos depoimentos, e principalmente do interrogatório em áudio e vídeo, tornando este e os demais atos do procedimento maior carga de veracidade e reduzida probabilidade de sua abuso de autoridade ou arbitrariedade no momento da colheita dos depoimentos.
O artigo 405, § 1º do Código de Processo Penal prevê:
Art. 405. [...] § 1o Sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidelidade das informações. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).
O interrogatório feito por áudio e vídeo é considerado uma forma de garantir os direitos fundamentais do investigado dentro das repartições policias e para que quando for ouvido novamente em juízo mantenha uma coerência em seus alegações.
2.3.2 Sigiloso
Aqui o direito genérico, previsto no artigo 5º, XXXII da Constituição Federal, de obter informações dos órgãos públicos recebe certa dose de limitação, colocando em jogo a segurança publica da sociedade e do Estado, conforme salienta o próprio texto normativo.
O caráter sigiloso do inquérito, previsto no artigo 20 do Código de Processo Penal, diz respeito ao fato de que a autoridade policial assegurará o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Vale salientar que o referido sigilo não se estende ao Ministério Publico nem à Autoridade Judiciaria, em se tratando de advogado do acusado, este poderá ter acesso aos autos, limitando-se as peças e elementos já produzidos e juntados ao inquérito, não tendo, portanto, acesso aos procedimentos ainda em tramite, conforme prevê Fernando Capez. (2017, p.118)
Tal entendimento é derivado da Sumula 14 do Supremo Tribunal Federal que prevê, em sua literalidade que: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.
O sigilo é característica indispensável à própria eficácia das investigações, apesar de existir casos em que a publicidade auxilie nas investigações, via de regra impera o sigilo.
2.3.3 Indisponibilidade
A Autoridade Policial não poderá em nenhuma hipótese arquivar o inquérito policial. Este procedimento compete ao promotor de justiça e deverá ser submetido a aprovação do magistrado.
Vale salientar que o artigo 28 do Código de Processo Penal prevê o procedimento a ser adotado em caso de arquivamento do inquérito policial, sendo que a solicitação do arquivamento deverá ser feita através do representante do Ministério Publico, quando este entender que não existe base o suficiente para o oferecimento da denúncia. A referida solicitação devera passar pela aprovação do juiz competente, que no caso poderá concordar com o arquivamento, ou caso discorde, deverá remeter os autos do inquérito ao procurador-geral que dará a destinação final ao mesmo; podendo decidir pelo arquivamento, designar outro órgão no Ministério Publica para oferecer a denuncia ou ate mesmo poderá de ofício oferecer a denúncia.
Por não ser o titular da ação penal, não poderá o Delegado de Policia pedir o arquivamento dos autos.
2.3.4 Inquisitivo
A ausência de Contraditório e Ampla Defesa se destaca nessa característica, uma vez que, por se tratar de procedimento administrativo, o inquérito policial não é dotado de tais princípios.
Segundo Fernando Capez:
Caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. (2017, p. 119)
Não são aplicados o princípio do contraditório e da ampla defesa, haja vista que na fase de investigação não existe acusação, portanto, não há que se falar em defesa.
2.3.5 Disponível
Com base no artigo 12 do Código de Processo penal, o inquérito policial poderá ser dispensado caso o Ministério Publico ou o querelante já tenham elementos suficientes para a propositura da queixa crime ou o oferecimento da denúncia.0 O artigo 12 prevê do Código de Processo Penal prevê: “O inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou outra”.
Portanto o Inquérito Policial não é indispensável para a propositura da ação penal caracterizando a disponibilidade do mesmo.
3 AS PROVAS PRODUZIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL
O termo “prova” abrange diversos conceitos, como o da materialidade, os resultados ou ate mesmo elementos de convicção. Nesse contexto cabe situar qual papel da investigação criminal, mais precisamente do Inquérito Policial, nesse cenário de produção de provas.
A fase investigatória, segundo Eliomar da Silva Pereira é:
[...] pesquisa, ou conjunto de pesquisas, administrada estrategicamente, no curso da qual incidem certos conhecimentos operativos oriundos da teoria dos tipos e da teoria das provas, apresentando uma teorização sob várias perspectivas que concorrem para a compreensão de uma investigação criminal científica e juridicamente ponderada pelo respeito aos direitos fundamentais, segundo a doutrina do garantismo penal. (2011, p. 283).
O instrumento administrativo que materializa a investigação preliminar é o Inquérito Policial, e nesse sentido, Pitombo preconiza que:
Dizer-se que o inquérito policial consiste em mero procedimento administrativo, que encerra, tão só, investigação, é simplificar, ao excesso, a realidade sensível. Resta-se, na necessidade esforçada de asseverar, em consequência, que a decisão judicial, que receba a denúncia ou a queixa, embasada em inquérito, volta no tempo e no espaço judiciarizando alguns atos do procedimento. As buscas e as apreensões, bem como todas as perícias – exames, vistorias e avaliações – emergem quais modelos de tal operação. Espécie de banho lustral sobre os meios de prova, encontráveis no inquérito. Sem esquecer eventual encarte de documentos – instrumentos ou papéis – aos autos de inquérito. (1983, p.313)
Embora grande parte da doutrina alegue que o inquérito policial não produz provas, tal argumento apresenta-se como uma falácia, uma vez que atualmente a própria legislação processual prevê as hipóteses em que o juiz poderá formar sua convicção baseado em provas produzidas nessa fase, bem como toda a base probatória para a propositura de uma Ação Penal é derivada, na maioria das vezes, de um procedimento investigatório prévio.
3.1 INSTRUÇÃO PROBATÓRIA
Sendo o inquérito policial procedimento administrativo e com a finalidade cardeal de investigar um fato ilícito são realizados nessa fase alguns atos a fim de elucidar o delito em busca da verdade real, para que a investigação seja eficaz e que a colheita de provas seja satisfatória.
A fase de colheita de provas pode ser considerada o inicio da investigação, bem como também pode ser chama de instrução da fase inquisitorial.
Algumas hipóteses de provas a serem colhidas nessa fase estão previstas nos artigos 6º e 7º do Código de Processo Penal, porém por não se tratar de rol taxativo, a autoridade policial, dotada da virtude da discricionariedade, poderá realizar outras diligencias que entender necessária afim de melhor elucidar o caso investigado.
Vale salientar que, a própria legislação processual penal determina que a autoridade policial tome algumas providencias assim que o fato criminoso chegar ao seu conhecimento, conforme conta no artigo 6º do Código de Processo Penal: “Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais.”
Diante do que trata o artigo 6º do Código de Processo Penal, Fernando Tourinho Filho diz que:
Proibindo a alteração do estado e conservação das coisas, até terminarem os exames e perícias, a Autoridade Policial visa, com tal atitude, impedir a possibilidade de desaparecerem certos elementos que possam esclarecer o fato e até mesmo determinar quem tenha sido o seu autor. (2011, p. 292)
É essencial que haja um estudo mais aprofundado das provas colhidas na fase inquisitorial uma vez que estas poderão desaparecer durante o curso da investigação e até mesmo durante a ação penal, não podendo, muitas vezes, serem repetidas posteriormente. Uma vez realizadas dentro das formalidades exigidas, estas poderão ser utilizadas em decisões do juízo, desde que tenham obedecido aos procedimentos adotados na fase judicial.
3.2 PROVAS IRREPTÍVEIS, CAUTELARES E ANTECIPADAS
As provas cautelares, como o próprio nome já diz, são aquelas produzidas em caráter de urgência, não estão vinculadas a fase pré-processual, pois podem ter produzidas também durante o processo. Porém é mais comum e recorrente que estas sejam realizadas logo na fase de investigação, uma vez que na maioria das vezes elas servem para comprovar a materialidade do delito, a fim de servir como base para o oferecimento da denuncia.
Justamente devido a essa rotineira utilização prática no processo penal e do forte entendimento doutrinário bem como de várias decisões jurisdicionais, buscando garantir uma prova, é que surgiu em meados de 2008 a edição da Lei 11.690, prevendo de forma taxativa a possibilidade de utilização de tais provas produzidas no curso do inquérito policial para motivar as decisões do magistrado.
Quando falamos em desaparecimento da fonte probatória, estamos nos relacionando diretamente ao conceito de provas irreptíveis, sendo que estas não poderão ser repetidas em momento posterior, possuem caráter definitivo, não havendo outra oportunidade para que esta seja colhida. Denílson Feitosa Pacheco, cita o reconhecimento pessoal como exemplo, em casos onde a pessoa faleceu ou até mesmo desapareceu (2010, p. 719). O doutrinador Marcio Pereira traz como exemplo o exame de corpo delito em casos de crime de estupro. Caso o exame não seja realizado na investigação preliminar a probabilidade que os vestígios (materialidade) venham a desperecer é quase absoluta. (2001, p. 79). Nesse mesmo sentido o autor acrescenta que os documentos públicos são dotados de fé publica e devem ser presumidamente verídicos, podendo ser contestados posteriormente via incidente de validade, dessa forma as provas irreptíveis devem ser providas de presunção de veracidade e legitimidade, mesmo que não seja de forma absoluta, como qualquer ato administrativo.
Podendo ser chamada de medida cautelar preparatória, a prova antecipada é aquela produzida em juízo, sob o direito do Contraditório e da Ampla Defesa, ocorre antes mesmo da instrução criminal, e tem critérios sólidos fundados na necessidade, adequação e proporcionalidade. Obedecendo ao que foi exposto, tal prova poderá ser produzida na fase de Inquérito Policial, bem como durante o processo penal Latu Sensu. Sob tal análise Pacheco afirma que: “a prova antecipada é produzida sob Contraditório e a Ampla Defesa, sua produção exige fundamento cautelar” (2010, p.718)
Ademais, o Código de Processo Penal trás em seu artigo 255, uma forma de produção de prova antecipada, em casos de antecipação de prova testemunhal, quando a testemunha é enferma, portadora de moléstia, velhice ou qualquer outro motivo que caracterize impedimento que venha a impossibilitar o comparecimento em momento processual adequado. Dessa forma não é proporcional que esse tipo de prova de perda, sendo muitas vezes essencial para elucidar os fatos, neste mesmo aspecto Fauzi Hassan Chourk complementa dizendo que:
A natureza cautelar dessa inquirição preventiva não pode ser posta em dúvida, uma vez que com ela se antecipa o momento normal da produção testemunhal, correspondendo a uma instrução preventiva no curso da causa. (2009, p. 597)
Vale salientar que a colheita de provas deve ser regida de preceitos constitucionais e regada dos princípios basilares do direito processual penal, sempre respeitando os limites legais e constitucionais, principalmente no que diz respeito a direito e garantias individuas.
Mendroni menciona a fase de colheita de provas nesta fase como: “exercitando-se, portanto, uma verdadeira atividade jurisdicional antes mesmo do início do processo.” (2010, p. 44)
Para tanto é importante ressaltar que muito se discuti sobre o caráter inquisitivo da fase de investigação policial, bem como ausência de contraditório e ampla defesa, o que coloca em duvida o valor probatório das provas produzidas nessa fase. Porém que como já se sabe tanto as provas cautelares como as provas irrepitíveis poderão ser contestadas posteriormente, sob o principio do Contraditório Diferido ou Postergado.
4 – O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL
4.1 CONTRADITÓRIO
4.1.1 Considerações iniciais: O sistema Penal Brasileiro
Antes de dar inicio a uma análise sobre o princípio do contraditório e até mesmo da ampla defesa, é importante esclarecer que existem três tipos de Sistemas Penais, são eles: o Inquisitivo, O acusatório e o Misto.
O sistema inquisitivo por sua vez, abrangeu grande parte da Idade Média, este Sistema esta permeado de “desigualdade processual” uma vez que era ausente desse modelo o direito ao Contraditório do Acusado. Quando se trata de inquisitoriedade temos um acumulo de funções por parte do juiz, uma vê que a ele era atribuído a função de acusar, defender e julgar.
Segundo Antônio Alberto Machado o Sistema Inquisitivo caracterizou esse sistema da seguinte forma:
O sistema inquisitivo se caracterizou, fundamentalmente, por três aspectos muito nítidos: (a) acusações difusas ou genéricas; (b) procedimentos secretos; (c) concentração das funções de investigar; acusar, defender e julgar nas mãos de uma mesma autoridade – o juiz inquisitor. É fácil, perceber que esses processos, no processo típico das sociedades autoritárias, fundadas justamente no arbítrio e na centralização do poder, como eram, por exemplo, as sociedades primitivas e medievais. (2014, p. 18)
Já o sistema acusatório se opondo substancialmente ao sistema inicialmente apresentado, garante a todo cidadão o direito a defesa processual, bem como a publicidade de todos os atos e até mesmo a liberdade de acusação, assegurando de todas as formas a liberdade processual de ambas as partes. Após a democratização do país, com o advento de 1988 e a promulgação da Nova Ordem Constitucional, ficou evidente que o Brasil adotou esse sistema, e consagrou o Contraditório como0 principio basilar dentro do processo penal, isso fica evidente quanto notamos que a Constituição Federal inicialmente no artigo 5º, LV proclamou direito de defesa e o contraditório, adiante dividiu as funções entregando a função de investigar às policias (art. 144), incumbindo o Ministério Publico da função de fiscal da lei, sendo atribuído a ele o papel de acusador (art., 129, I, e art. 5º, LIX), consagrando o direito de defesa dos réus, aos advogados e aos Defensores Públicos (arts. 133 e 134), o julgamento ficou a cargo do Poder Judiciário (art. 92 e 126), assegurando a imparcialidade dos juízes (art. 95, paragrafo único) bem como a publicidade dos atos judiciais (Art. 5º, LX).
Corroborado com o que prevê a Constituição Federal, Nestor Távora, acrescenta que:
[...] de acordo com o modelo plasmado na Constituição Federal de 1988. Com efeito, ao esclarecer como função privativa do Mistério Público a promoção da ação penal (art. 129, CF/88), a Carta Magna deixou nítida a preferência por esse modelo que tem como características fundamentais a separação entre as funções de acusar, defender e julgar, conferidas a personagens distintos. (2012, p. 41)
Segundo Tourinho filho, apesar de ter sido o sistema adotado no Brasil, não se trata do sistema ortodoxo puro, e sim um “sistema acusatório com laivos de inquisitivo, tanto são os poderes conferidos àqueles cuja função é julgar com imparcialidade a lida, mantendo-se equidistante das partes” (2011, p. 124)
Surgindo da junção dos dois sistemas ora apresentados, surge o Sistema Misto, que nada mais é do que a junção do sistema inquisitivo e do sistema acusatório. Para Antônio Alberto Machado o sistema misto:
[...] reúne elementos tanto do processo inquisitivo como do acusatório, caracterizando-se, portanto, por ser um sistema em que o processo se desenrola em duas fases. Assim, pelo sistema misto, a investigação inicial fica a cargo da policia, mas, em seguida, abre-se a fase da instrução preliminar, que pode ser sigilosa e é conduzida por um juiz com poderes inquisitivos, conhecido como juiz instrutor. Após essa fase preliminar, abre-se a etapa do julgamento, quando novas provas poderão ser produzidas, agora sob o pálio dos princípios da publicidade, da ampla defesa e do contraditório, tal como ocorre no processo acusatório, seguindo-se o julgamento por um juiz imparcial, distinto do juiz instrutor. (2014, p. 19)
Conclui-se, portanto, que substancialmente temos dois sistemas basilares e opostos, sendo o inquisitivo e o acusatório uma vez que o sistema misto nada mais é do que a junção de características um do outro.
4.1.2 O Princípio do Contraditório
Chamado pela doutrina de binômio da ciência e participação, o princípio do Contraditório é uma garantia constitucional, prevista no rol de Direitos e Garantias fundamentais. O texto constitucional prevê:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (Grifo Nosso) (Constituição Federal, 1988)
Em outras palavras, tudo o que foi exposto pela parte acusatória, poderá de igual direito à defesa opor-se, apresentando suas contrarrazões a versão inicialmente apresentada pela parte autora, é através dai que se impõe a Condição Dialética Processual (par conditio).
Nesse mesmo contexto Marcelo Alexandrino diz que: “o Contraditório assegura também, a igualdade das partes no processo, pois equipara, no feito, o direito da acusação como o direito de defesa”. (2008, pg. 165)
Há que se falar ainda, no Contraditório Diferido ou Postergado, sendo que se encontram aqui muitos dos fundamentos sobre o tema do presente trabalho, em suma, este modelo de aplicação do principio do contraditório garante a possibilidade de pronunciação posterior ao ato realizado, nos casos expressos em lei.
Tendo tal entendimento como base, entende-se, por exemplo que a prova pericial, realizada no Inquérito Policial é válida, Antônio Scarance Fernandes defende que: “a prova pericial realizada na fase de inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita” (2010, pg. 64)
São requisitos essenciais para a colheita de prova cautelar antecipada, na fase investigatória, o periculum in mora e o fummus boni iuris, caso esses elementos não estejam presentes, a prova deve, via de regra, ser produzida na fase processual, mediante contraditório prévio, e apreciação do judiciário. Uma vez produzida durante a fase indiciaria, o investigado terá a possibilidade de apresentar contraditório, mediante controle diferido ou postergado.
Vale ainda salientar que diante da doutrina majoritária este principio não esta presente na fase de Inquérito Policial, uma vez que o Inquérito possui característica inquisitiva, ausentando desse modelo a presença do contraditório. Tourinho Filho entende que: “ a permissão do contraditório naquelas fase informativa que antecede à instrução de processo criminal, pois não há ali acusação [...] a autoridade policial não acusa; investiga.” (2010, p. 76). Ora, se houvesse a possibilidade de contraditório a policia certamente encontraria obstáculos na colheita de provas, por razões obvias que poderiam vir a comprometer o processo penal.
É nesse cenário que nasce o cerne da questão, uma vez que põe em duvida o seu valor probatório para a fundamentação da sentença pelo magistrado, uma vez que estão ausentes nessa fase o Contraditório e a Ampla Defesa.
Pedro Lenza justifica que:
Ocorre, todavia, que muito embora não se fale na incidência do princípio durante o inquérito policial, é possível visualizar alguns atos típicos de contraditório, os quais não afetam a natureza inquisitiva do procedimento. Por exemplo, o interrogatório policial e a nota de culpa durante a lavratura do auto de prisão em flagrante (2011, p. 923)
Nesse mesmo sentido outra parte da doutrina defende a necessidade da existência de contraditório na fase de inquérito policial, uma vez que atualmente o inquérito serve de base para o sentenciamento no juiz, então seria razoável que o contraditório fosse garantido, reservando algumas matérias, afim de preservar a atuação policial.
Ainda que na maioria das vezes as provas cautelares antecipadas dependam de ordem expressa da autoridade judiciaria, Antônio Scarence diz que:
Essas medidas e as pericias são, em regre determinadas durante a investigação sem audiência do suspeito ou indiciado e sem participação de advogado, A observância do contraditório é feito depois, dando-se oportunidade ao acusado de, no processo, contestar a providência restritiva ou de combater a prova pericial realizada no inquérito. Fala-se em contraditório diferido ou postergado. (2010, p. 63)
Por isso, é possível vislumbrar que as provas cautelares, não repetíveis colhidas na fase inquisitorial tem sue direito ao contraditório garantido de forma diferida, podendo até mesmo influenciar no entendimento do juiz.
Antônio Scarence acrescenta ainda que:
[...] significa que a limitação da convicção ao contraditório judicial, não significa supressão à análise do juiz de todos os elementos obtidos na investigação. O que, conforme consta no dispositivo, não se admite, é funda-se a sentença exclusivamente nesses elementos. (2010, pg. 65)
Dessa forma é possível vislumbrar o valor das provas produzidas na fase de Inquérito Policial, atribuindo a elas a valoração necessária para que o magistrado possa utilizá-las na fundamentação de sua sentença. Bem como ficou evidentemente claro que estas provas não ferem o principio do Contraditório, sendo este garantido posteriormente.
4.1.3 O Princípio da Ampla Defesa
Assim como o princípio do contraditório, o principio da Ampla Defesa esta expressamente previsto no artigo 5º, VL da Constituição Federal de 1988. Esse direito, em suma, garante que o individuo traga ao processo todas as provas possíveis, a fim de se defender. Podendo inclusive optar por abster-se de algum pronunciamento, evitando que utilizem de sua manifestação como forma de autoincriminação.
Ao investigado é assegurado o direito a defesa técnica, ou seja, aquela realizada por um profissional devidamente habilitado, sendo que em se tratando de processo criminal, essa garantia torna-se obrigatória. Caso o investigado não constituía um defensor, deverá ser lhe nomeado um advogado dativo para que acompanhe o andamento do processo. É assegurada também ao acusado, a autodefesa, que nada mais é do que aquela realizada pelo próprio investigado. Quando nos referimos a autodefesa, não se trata apenas do interrogatório do acusado, mas também de uma participação concreta de outros atos do processo, segundo Nestor Távora refere-se a “possibilidade de o réu tomar posição, em todo o momento, sobre o material produzido, sendo-lhe garantida a imediação com o defensor, o juiz e as provas” (2012, p. 60)
A fim de ter o referido direito assegurado, a Constituição Federal, assegurou ainda em seu artigo 5º, inciso LXXIV que o Estado deverá “prestação de assistência jurídica integral a gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” sendo assim, se a Ampla Defesa, visa garantir a efetiva defesa do acusado em sede processual, devendo esta ser garantida pelo Estado, caso a acusado não seja detentor de condições financeiras para contratação de um profissional.
Ainda com o intuito de reafirmar esse direito o Supremo Tribunal Federal, tornou a matéria conteúdo de Súmula, sendo que a Súmula nº 523 prevê que, caso ocorra a ausência de defesa em sede processual penal, esta acarretara nulidade absoluta de todos os atos, desde que fique comprovado o prejuízo sofrido pelo réu. Assim podemos notar no texto da referida Sumula: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. Nesse mesmo sentido o Código de Processo Penal, em seu artigo 396, paragrafo 2º prevê a figura do advogado dativo, que deverá ser nomeado pelo juiz, quando não for apresentado dentro do prazo legal pelo acusado.
O artigo 392 do Código de Processo Penal vem também como forma de garantir a Ampla Defesa, uma vez que trata sobre a intimação do defensor do acusado, evitando assim que este venha a ficar sem defesa no processo. A jurisprudência vem ainda ampliando esse conceito, afirmando que o réu, preso ou solto, devera via de regra ser intimado pessoalmente, bem como a intimação de seu defensor dentro dos prazos legais, pois, somente dessa forma poderia se efetivar, no caso concreto, a autodefesa e a defesa técnica. (FERNANDES, 2010, p. 267)
Quando a figura do advogado é trazida para o inquérito policial, nota-se que atualmente, ocorreu uma evolução sistemática no sentido de garantir de melhor forma o exercício da defesa. Apesar de o artigo 20, caput do Código de Processo Penal prever que: “Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade” notou-se que esse sigilo não deveria ser estendido à figura do advogado. Nesse sentido, no ano de 2016 ocorreu a alteração no estatuto da OAB, onde se passou a prever que:
Art. 7º São direitos do advogado:
XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; (Redação dada pela Lei nº 13.245, de 2016)
Anterior a essa alteração do texto de lei, no ano de 2009, o STF editou a Sumula Vinculante nº 14, que prevê:
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Entretanto, é importante salientar que esse direito conferido ao advogado não é absoluto, e este poderá ter acesso às peças e as provas já documentadas sendo restringido o acesso aos atos a serem praticados pela autoridade policial, visando garantir a efetividade do procedimento.
Portando, podemos notar que o texto constitucional bem como outros dispositivos legais buscam assegurar de forma ampla o direito a defesa do acusado.
4.3 AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS NA FASE INQUISITORIAL
Apesar de o Inquérito Policial ser substancialmente caracterizado pela inquisitoriedade, e consequentemente ser ausente de contraditório e ampla defesa, essa fase apresenta inúmeras garantias constitucionais que asseguram direitos e criam obrigações nessa fase pré-processual. O investigado nessa fase deve ser visto como um cidadão de direitos e não somente como um objetivo de investigação.
Embora a unilateralidade seja característica presente no inquérito, visto que esse é realizado pela polícia judiciaria, não é permitido que essa fase seja permeada de arbitrariedades, devendo ser respeitas as garantias jurídicas asseguradas ao investigado.
Neste sentido pode-se observar um posicionamento do STF:
HABEAS CORPUS - ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADE EM INQUÉRITO POLICIAL - PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE NULIDADE PROCESSUAL - INADMISSIBILIDADE - TARDIA ARGÜIÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA - ALEGADA DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA – NÃO -DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO - SÚMULA 523/STF - REEXAME DA MATÉRIA DE FATO EM HABEAS CORPUS - IMPOSSIBILIDADE - PEDIDO INDEFERIDO. INQUÉRITO POLICIAL - UNILATERALIDADE - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO. - O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é - enquanto dominus litis - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária. A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial. (STF, 1996) (Grifos Nossos)
Ainda como forma de garantir direitos do acusado, o artigo 157 do Código de Processo Penal, amparado pelo artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal, se os meios angariados para a produção de provas forem ilícitos, esta restara comprometida e contaminada por ilicitude, devendo ser desentranhada do processo.
O ponto chave então é se precaver da realização dos meios previstos em Lei, com o rigor exigido pela Lei. Na maioria deles, por estabelecerem situações jurídicas que envolvam alguma espécie de ‘interferência’ aos direitos e garantias individuais constitucionais do cidadão, a Lei exige que obedeçam formas rígidas e, se assim não ocorrer, poderão ser declarados nulos e seu resultado, ou seja, a prova final obtida, pode ter que acabar sendo descartada dos autos. (MENDRONI, 2010, p. 51)
Diante disso há que se falar que todos os atos praticados pela autoridade policial no exercício de sua função devem a primeiro passo ser presumidamente legal, uma vez que esse tem o dever de agir dentro dos limites e parâmetros estabelecidos em lei.
[...] em face dessa presunção de legitimidade dos atos praticados por funcionários públicos em conformidade com o sistema normativo. É uma presunção relativa ou iuris tantum que milita em favor da legitimidade ou legalidade dos atos administrativos. Contudo, por não ser absoluta, admite contestação, tanto perante a Administração Pública quanto perante o Judiciário. (CUNHA JUNIOR; DIRLEY, 2009, p. 103) (Grifos Nossos)
Portanto, caso a autoridade policial extrapole essa esfera de legalidade, agindo de forma arbitraria o ato administrativo restara prejudicado, razão pela qual caberá controle jurisdicional posterior.
4 VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL APÓS A ALTERAÇÃO DO ART. 155 DO CPP PELA LEI N. 11.690/2008
O inquérito policial é basicamente um procedimento administrativo, e possui como foco principal a investigação, com base na colheita de provas, buscando apurar o fato delitivo e, em momento posterior, embasar o convencimento do órgão acusatório.
Apesar de seus objetivos principais o inquérito policial pode ser utilizado de forma mediata, para fundamentar decisões do magistrado, durante o processo ou até mesmo na prolação da sentença.
Não há que se falar em desvio de finalidade da peça investigatória, e sim da possibilidade presente no processo penal moderno, ainda que exista grande divergência doutrinaria no que diz respeito a seu valor probatório.
Fauzi Hassan Choukr diz que é possível realizar um desmembramento dos elementos do inquérito, os de cunho perene a os de caráter perecível. Assim,
[...] a distinção proposta coloca entre as primeiras os elementos informativos cautelares, onde, se encontram, por exemplo, as perícias médicas, os laudos de constatação, os exames periciais em documentos, grafias, local do delito e outros análogos. Do outro lado, encontram-se aqueles informes de investigação que, pela sua característica podem ser repetidos em juízo. Nessa categoria encontram-se, basicamente, as informações subjetivas, ou seja, declarações prestadas por vítimas e testemunhas, estas presenciais ou referenciais aos fatos operados. (2009, p. 308) (grifos nossos)
Através do uso adequado da proporcionalidade e da necessidade, nasce a possibilidade de se utilizar de “elementos informativos de caráter perecível” aqueles colhidos em fase investigativa e que não poderão ser repetidos em juízo.
Segundo Nestor Tavora, “o inquérito policial tem valor probatório relativo, pois carece de confirmação por outros elementos colhidos durante a instrução processual” (2012, p. 113)
Nesse sentido, existe entendimento jurisprudencial do Tribunal do Rio Grande do Sul:
LATROCÍNIO. VALOR DA PROVA OBTIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. CONFISSÃO POLICIAL. VALOR CONDENATÓRIO. CONDENAÇÃO MANTIDA. A prova policial só deve ser desprezada, afastada, como elemento válido e aceitável de convicção quando totalmente ausente prova judicial confirmatória ou quando desmentida, contrariada ou nulificada, pelos elementos probatórios colhidos em juízo através de regular instrução. Havendo, porém, prova produzida no contraditório, ainda que menos consistente, pode e deve ser considerada e chamada para, em conjunto com esta, compor quadro probante suficientemente nítido e preciso. No caso em tela, as confissões extrajudiciais dos envolvidos são apoiadas pelas declarações das vítimas da ameaça e violência que, embora não vendo os rostos dos assaltantes, contaram o ocorrido com os mesmos detalhes dos confessos. Depois, as confissões judiciais ou extrajudiciais valem pela sinceridade com que são feitas ou pelas verdades nelas contida. Aqui, aquelas feitas pelos apelantes, ainda que extrajudicialmente, servem de lastro condenatório, pois são convincentes. DECISÃO: Apelos defensivos desprovidos, por maioria de votos (TJRS - 2011) (grifos nossos)
Já o que diz respeito aos elementos de cunho perecível, que são aquelas provas colhidas no inquérito policial, as quais posteriormente sofreram destruição, Mirabete diz que:
Como instrução provisória, de caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor informativo para a instauração da competente ação penal. Entretanto, nele se realizam certas provas periciais que, embora praticadas sem a participação do indiciado, contêm em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias têm elas valor idêntico ao das provas colhidas em juízo. (2008, p. 63) (grifos nossos)
Provas perecíveis são aquelas que estão sujeitas a se perder, conforme exposto anteriormente, são elas irrepetíveis, cautelares e antecipadas. Neste caso, quando colhidas na fase de inquérito policial, é amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência sua utilização como fundamentação da sentença, conforme prevê Grecco: “A comunidade jurídica, de um modo geral, admite que, na sentença penal condenatória, sejam valoradas as chamas provas não repetíveis” (2010, p. 79).
Badaró exemplifica que “Especialmente a prova pericial, produzida durante o inquérito policial, tem sido aceita, com tranquilidade, a possibilidade de o juiz valorá-la no momento da sentença.” (2012, p. 92).
Com relação às provas perecíveis, há ainda doutrina que defende, em alguns casos, levando em consideração o aspecto temporal, que a colheita das provas no inquérito, presume-se possuir maior fidelidade em relação àquelas que são coletadas em momento posterior e distante. Segundo os defensores dessa corrente os processos costumam demorar algum tempo razoável de tramitação, existindo um lapso temporal muito grande entre a efetiva prática do crime e a prolação da sentença final, fazendo com que algumas provas, apresentem mais veracidade quando colhidas logo após o cometimento do fato delitivo.
Mendroni explica que:
Concluir que as evidências coletadas em momento mais próximo à prática de um crime têm, ao menos em tese, característica intrínseca de maior fidelidade em relação àquelas que são coletadas em momento comparativamente mais distante. E se esse raciocínio parece lógico em relação às evidências coletadas durante a fase pré-processual, pela mesma razão deve ser aplicada em relação às provas trazidas aos autos. (2010, p. 78)
Nestor Távora corrobora explicando que:
As cautelares determinadas em fase inquisitorial e que permitem a produção probatória, como a medida de busca e apreensão ou a interceptação telefônica, se justificam por sua necessidade e urgência, para que os elementos não venham a se esvair. A persecução criminal, em alguns momentos, exige rapidez e pronta eficiência, de sorte que tais ferramentas acabam sendo úteis à elucidação dos fatos e captação de elementos para desvendar a verdade. (2012, p. 115)
Vale a pena salientar que, embora parte da doutrina defenda que o inquérito policial um procedimento de cunho meramente informativo para convicção do órgão acusador, não se pode deixar de considerar que, na prática, gera grande influência na convicção do juiz.
Logo, nota-se que na prática, o magistrado se vale das provas colhidas na fase investigativa para complementar elementos e formar sua convicção, haja vista que não raras vezes, acompanha o colhimento o inquérito policial desde o início, Noronha explica que:
Do ponto de vista estrutural, ocorre que, não raramente, um único magistrado tomará conhecimento da investigação desde o início, acompanhará seu desenvolvimento, receberá a inicial acusatória e prosseguirá no feito até decisão final. Todo o material antecedente à ação é de seu conhecimento, inegavelmente influenciando seu espírito e predispõe sua utilização [...] (2002, p. 28)
Mirabete complementa que embora a finalidade imediata do inquérito seja distinta, ele não poderá deixar de influenciar na convicção do juiz e na formação de seu convencimento durante o julgamento da causa, uma vez que os outros do inquérito integra os autos, permitindo que o juiz se apoie em elementos colhidos na fase de investigação. (2008, p. 63)
Ademais, vale esclarecer que o magistrado não analisa as provas de forma isolada, apreciando o conjunto probatório como um todo, de forma que encontre uma lógica que venha a justificar sua decisão. Mendroni diz que:
Evidentemente que o juiz deverá sempre fundamentar a sua sentença, a partir da convicção que extrair do raciocínio de valoração de provas (sentido amplo) que existirem nos autos. [...] Valorizar mais ou menos esse ou aquele indício ou prova dependerá sempre da aplicação do princípio da livre convicção do próprio juiz. Isso porque na fundamentação de seu convencimento o juiz deve exatamente considerar o contexto probatório, e não cada uma das provas de forma isolada. Conclui-se, portanto, que não será arbitrária uma decisão que tiver como base a valoração coerente do contexto probatório direcionado a uma conclusão lógica. (2010, p. 25/26)
Sendo assim, caso o juiz entenda necessário reconhecer valor probatório à determinada prova colhida durante a fase inquisitorial, não há norma jurídica que o impeça a autoridade judiciaria a utilizar dessa prova dar apoio e fundamentar sua decisão, desde que não a utilize de forma exclusiva, e desde que esta não tenha sido completamente contrária às provas produzidas durante a instrução probatória. Noronha diz que:
Não obstante a natureza inquisitorial da investigação da polícia, não se pode de antemão repudiar o inquérito da polícia, como integrante do complexo probatório que informará a livre convicção do magistrado. [...] Se a instrução judicial for inteiramente adversa aos elementos que ele [o inquérito] contém, não haverá prevalência sua. (2002, p. 29)
No mesmo sentido Elmir Duclerc, citado por Márcio Pereira diz que, no Brasil:
[...] a valoração do inquérito pelo juiz, quando da sentença penal condenatória costuma ocorrer de suas maneiras: a) para confirmar um ato de investigação. É comum ao juiz brasileiro, no ato de sentenciar, confrontar depoimentos prestados em juízo pela testemunha com aquilo que esta eventualmente disse na fase policial. Tenta o magistrado vislumbrar possível corroboração ao testemunho prestado em juízo com aquilo que foi dito no inquérito. Em termos práticos, é corriqueiro numa sentença penal condenatória encontrarmos frases como a seguinte: “em juízo, a testemunha, confirmando o que disse durante a fase policial, afirmou que estava presente no momento em que o réu sacou a arma de fogo e saqueou o estabelecimento comercial”; b) Outro forma de valorar os atos do inquérito ocorre quando a prova produzida no processo é insuficiente, por si só, para uma condenação, levando o magistrado a buscar no inquérito elementos para formar sua convicção (2011, p. 78)
Atualmente com a forte adesão do entendimento de que o inquérito policial possui valor probatório, perante as jurisprudências e as doutrinas, e com a finalidade de reconhecer de forma fiel esse entendimento, ocorreu no ano de 2008 a reforma processual do Código de Processo, com a edição da Lei nº 11.690, que passou a prever, de forma taxativa, no artigo 155 do Código de Processo Penal a possibilidade de utilização das provas irreptíveis, antecipadas e cautelares na fundamentação da sentença do magistrado.
Portanto, resta claro que o inquérito policial possui valor probatório relativo, devido a possibilidade da utilização das provas perecíveis, seja quando se ratifica em juízo, quando colhido em fase inquisitorial, de forma a embasar, ainda que não exclusivamente, a decisão do magistrado.
CONCLUSÃO
Diante de tudo que foi apresentado, pode-se afirmar que o inquérito policial possui valor probatório relativo na esfera processual penal. Não merece prosperar o entendimento que de este procedimento tão rico de detalhes seja apenas uma peça informativa. O seu valor probatório deve ser reconhecido em suas vertentes, seja em razão da possível de utilização das provas perecíveis, expressas de forma taxativa no artigo 155 do Código de Processo Penal, seja porque, na maioria dos casos, é possível verificar a ratificação dessas provas em juízo, de forma a embasar a decisão do magistrado.
Há que se falar ainda, no Contraditório Diferido ou Postergado, sendo que se encontram aqui muitos dos fundamentos sobre o tema do presente trabalho, em suma, este modelo de aplicação do principio do contraditório garante a possibilidade de pronunciação posterior ao ato realizado, nos casos expressos em lei, sendo evidenciada aqui, a possibilidade de o investigado apresentar contrarrazões as provas produzidas.
Ademais, é importante salientar característica sobre a figura do indiciado que deixou de ser visto como um simples objeto durante a investigação, sendo tratado como sujeito de direitos e garantias constitucionais, o que reveste o procedimento de legalidade. Embora a peça investigativa seja um ato reconhecidamente discricionário, não se admite arbitrariedades, demonstrando uma evolução democrática, criando um alicerce firme que embasa todo o processo investigativo.
Existem ainda outros aspectos importantes que servem como embasamento a esse entendimento, que consiste no valor probatório do inquérito policial. Por se tratar de procedimento administrativo, possui naturalmente o atributo da presunção de legalidade e veracidade; assim como a colheita de provas deve ser realizada amparada pelos ditames legais, são realizados, na maioria das vezes da mesma forma como são realizados na fase processual, o Reconhecimento de Pessoas e Coisas é um exemplo solido do que se expõe. Portanto, o que se busca é nutrir de legalidade os procedimentos adotados na fase investigativa, podendo ser, em diversos casos comparados aos procedimentos jurisdicionais.
Vale salientar ainda que o magistrado, no momento de formar sua convicção, não analisa as provas de forma isolada, a partir do momento em que o magistrado tem acesso aos autos do inquérito e toma conhecimento dos atos nele praticados, mesmo que de forma indireta, o que foi colhido durante a investigação influencia em seu convencimento o que acaba por valorar os atos praticados nessa fase.
Devido a todos os aspectos por hora apresentados e devido a entendimentos doutrinários e fortes decisões jurisprudenciais o valor probatório do inquérito passou a ser reconhecido, resultando na reforma processual ocorrida em 2008 com a edição da Lei nº 11.690, que passou a prever, de forma taxativa, no artigo 155 do Código de Processo Penal a possibilidade de utilização das provas irreptíveis, antecipadas e cautelares na fundamentação da sentença proferida pelo juiz, reforçando o entendimento de que o inquérito possui valor probatório.
Essa inovação legislativa, de forma indireta passou exigir a qualificação dos meios de colheita de provas, principalmente no que diz respeito a formalização dos elementos colhidos que servem de base ao indiciamento, uma vez que, caso esses elementos não possam ser repetidos em juízo, possuam uma roupagem legal e eficaz, mesmo sendo colhidas sem a presença do contraditório. Enquadramos aqui a figura dos depoimentos e interrogatórios colhidos sob áudio e vídeo.
Sendo assim, busca-se garantir nessa fase todas as garantias constitucionais e legais buscando tornar este entendimento unanime, de forma a revestir, cada vez mais, de valoração dos atos praticados nessa fase.
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Policial Militar, Bacharel em Direito, Especialização em Ciências Criminais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Natali Batista. Inquérito policial: o valor probatório do inquérito na ação penal. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 ago 2023, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62602/inqurito-policial-o-valor-probatrio-do-inqurito-na-ao-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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