LARA ALENCAR[1]
(orientadora)
RESUMO: A trajetória dos direitos das crianças e adolescentes revela que, por muito tempo, esses grupos foram negligenciados, sem receber a proteção que mereciam. Com o passar dos anos, diversas legislações e declarações foram criadas, reconhecendo gradualmente crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, culminando na proteção integral estabelecida pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. Esse estatuto determina medidas protetivas e socioeducativas para assegurar os direitos fundamentais e reabilitar jovens envolvidos em atos infracionais. Contudo, a falta de programas de apoio pós-liberação afeta a eficácia dessas medidas na reintegração de adolescentes infratores. Esta pesquisa busca investigar como essas medidas impactam a redução da criminalidade juvenil e a segurança pública. Para isso, foram discutidos os conceitos de cada medida e propostas de melhorias para aumentar sua eficiência. O desenvolvimento do trabalho incluiu pesquisas documentais, bibliográficas e consultas ao ordenamento jurídico, doutrinas e jurisprudências. Constatou-se que adolescentes infratores que recebem apoio pós-liberação das medidas socioeducativas apresentam taxas de reincidência significativamente menores e maior sucesso na reintegração social em comparação àqueles que não recebem esse suporte.
PALAVRAS-CHAVE: Crianças e adolescentes. Direitos. Infracional. Medidas socioeducativas.
ABSTRACT: The history of children and adolescents’ rights reveals that, for a long time, these groups were neglected, without receiving the protection they deserved. Over the years, several laws and declarations were created, gradually recognizing children and adolescents as subjects of rights, culminating in the full protection established by the 1988 Constitution and the 1990 Statute of Children and Adolescents. This statute establishes protective and socio-educational measures to ensure fundamental rights and rehabilitate young people involved in criminal acts. However, the lack of post-release support programs affects the effectiveness of these measures in the reintegration of juvenile offenders. This research seeks to investigate how these measures impact the reduction of juvenile crime and public safety. To this end, the concepts of each measure and proposals for improvements to increase their efficiency were discussed. The development of the work included documentary and bibliographic research and consultations of the legal system, doctrines and case law. It was found that juvenile offenders who receive post-release support from socio-educational measures have significantly lower recidivism rates and greater success in social reintegration compared to those who do not receive this support.
KEYWORDS: Children and teenagers. Rights. Infractional. Socio-educational measures.
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, é importante pontuar que, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece medidas protetivas e socioeducativas para crianças e adolescentes que estejam com seus direitos fundamentais ameaçados ou que estejam envolvidos na prática de um ato infracional. Tais medidas visam conciliar os jovens, dando um novo sentido aos seus aspectos comportamentais.
Nesse caso, surge a problemática indagada neste artigo, pois é questionado como é o impacto da eficácia das medidas socioeducativas na reintegração de adolescentes infratores com a ausência de programas de apoio pós-liberação. Com a finalidade de responder à indagação proposta, objetiva-se investigar o impacto dessas medidas na redução da criminalidade juvenil e na preservação da segurança pública, contribuindo para o sucesso na reintegração desses jovens.
No mais, o intuito é que, adolescentes infratores que recebem medidas socioeducativas e posteriormente tem acesso a programas de apoio pós-liberação, apresentem uma taxa significativamente menor de reincidência criminal e uma reintegração mais bem-sucedida à sociedade em comparação com aqueles que não recebem o mesmo apoio.
Além disso, a necessidade de abordar o tema da eficacia das medidas socioeducativas na reintegração de adolescentes infratores é crucial por diversos motivos. Em primeiro lugar, a reintegração bem-sucedida desses jovens na sociedade desempenha um papel fundamental na redução da criminalidade juvenil e na promoção da segurança pública, o que beneficia toda a comunidade. Ademais, é uma questão de justiça social e respeito aos direitos humanos garantir que esses adolescentes tenham acesso a medidas socioeducativas que realmente funcionem, conforme exigido por acordos internacionais e leis nacionais.
Afinal, pesquisas sobre a eficácia dessas medidas podem oferecer valiosos esclarecimentos para melhorar as políticas públicas relacionadas à justiça juvenil e à reintegração de adolescentes infratores, identificando os fatores-chave que contribuem para o sucesso desses jovens, tornando o sistema mais justo e eficaz.
2 CONTEXTO HISTÓRICO
Ao longo da história da infância e da juventude, a criança e o adolescente foram por muito tempo tratados sem a devida preocupação em relação ao seu pleno desenvolvimento e integração social. Tão pouco, observando o cenário da proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, percebe-se que desde os tempos mais remotos, estes não eram considerados como merecedores de proteção especial.
Um marco histórico que influenciou movimentos internacionais em prol da proteção das crianças e dos adolescentes, tendo repercussão global, foi o caso ocorrido em 1874, em Nova York, da menina chamada Mary Ellen, que sofria maus-tratos pelos pais adotivos, e, uma associação de proteção dos animais entrou com uma ação para protegê-la, argumentando que se os animais têm proteção, com mais razão as crianças também deveriam ter.
Após esse ocorrido que marcou o início da intervenção do Estado nas relações entre pais e filhos para garantir direitos às crianças e adolescentes, a primeira manifestação dos direitos infantojuvenis, sobreveio em 1919, onde a Organização Internacional do Trabalho começou a abordar a proteção, estabelecendo limites de idade para o trabalho infantil, tendo em vista as condições precárias de trabalho que crianças e adolescentes enfrentavam, e, com o reconhecimento dessa injusta situação, surgiram esforços para protegê-los legal e socialmente.
Os direitos das crianças e adolescentes foram efetivamente reconhecidos na década seguinte com a fundação da Save the Children em 1919, que elaborou a Declaração dos Direitos das Crianças de Genebra, adotada pela Liga das Nações em 1924. No entanto, ainda não considerava as crianças e adolescentes como um sujeito de direito, mas sim como meros objetos de proteção.
Após a Assembleia das Nações Unidas adotar a Declaração Universal dos Direitos das Crianças em 1959, garantiu que seus direitos fossem exigidos, quando os reconheceu como sujeitos de direitos, levando em consideração sempre o melhor interesse da criança, sendo proibida qualquer discriminação.
Frente a cronologia apresentada, verifica-se que as questões relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes, é assunto de discussões há longo tempo e quando tratamos sobre a evolução desses direitos, nota-se que diante este contexto histórico, as crianças e adolescentes eram vistos e tratados como se fossem adultos, onde não se considerava suas fases cognitivas, pois não havia aplicabilidade de estudos que pudessem orientar o direito ao entendimento do desenvolvimento dos jovens.
No que diz respeito as fases da evolução desses direitos, até o século XIV, não havia nenhuma preocupação com as crianças e adolescentes, tanto que não se encontra qualquer referência a eles. Esta, é a chamada fase da absoluta indiferença, onde não existiam normas relacionadas a essas pessoas, sendo exclusivamente propriedade de seus pais, no qual, nem o Estado, nem qualquer outra pessoa, poderia intervir. André Karst Kaminski (O conselho tutelar, a criança e o ato infracional: proteção ou punição? 2002. p. 15.) ao falar sobre este período, relata que: “Naquele tempo, sob os olhos europeus, os menores não tinham quase nenhum valor, pois não produziam com a mesma capacidade do adulto e ainda tinham de ser alimentados, cuidados, vestidos.” Assim, nesta época, a legislação simplesmente ignorava a existência de crianças e adolescentes.
Em continuidade, até o século XIX, na chamada fase da imputação criminal, as normas cuidavam apenas da imputação de acordo com o Direito Penal, com o objetivo de punir quando cometiam atos ilícitos. Por mais que havia referência as crianças e aos adolescentes, inexistia qualquer tratamento diferenciado ou protetivo destinado a eles. Todos eram segregados dentro do mesmo estabelecimento prisional, independentemente da idade, e ainda era possível ao magistrado a aplicação do critério do discernimento penal em relação às crianças de qualquer idade, o que lhe permitia segregá-las com pessoas adultas.
Logo mais, na fase tutelar, foram criados códigos específicos às crianças e aos adolescentes, porém, com intuito repressivo e higienista e não de garantia de direitos. Destaca-se nesta fase, o Código de Mello Mattos -1927 e o Código de Menores de 1979.
Simultaneamente, sobrevêm aqui, o Direito do Menor, com a doutrina da situação irregular, onde, para o Estado interessavam apenas crianças abandonadas, órfãos e delinquentes, no qual, todas eram enviadas para o mesmo abrigo. A ideia central era institucionalizar os menores que representassem um potencial risco para a sociedade.
Ao entrar em vigor o Decreto nº 17.943-A de 12 de outubro de 1927, conhecido como Código de Menores, o legislador brasileiro passou a refletir sobre a situação da criança e do adolescente no país. Assim Dornelles (1992, p. 127) constata que:
Os menores em situação irregular seriam aqueles que se encontrassem em condições de privação no que se refere à subsistência, saúde, instrução, etc.; vítimas de maus-tratos impostos pelos pais ou responsável; se encontrassem em ambientes que ferem os bons costumes; que apresentassem condutas desviantes, incluindo-se os autores de infrações penais. A utilização da expressão “menor em situação irregular”, pressupunha uma anormalidade que passava a identificar a criança e o adolescente com categorias de indivíduos estranhos, problemáticos ou perigosos.
Ademais, com base no Código de Menores, a criança e o adolescente passaram a receber, ainda que de forma discriminatória alguma assistência e proteção do Estado. O Decreto nº 17.943-A Código dos Menores (1927, Portal Camara dos Deputados) apresenta alguns artigos:
Art. 1º. O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente às medidas de assistência e protecção contidas neste Código. […] Art. 2º. Toda creança de menos de dous annos de idade entregue a criar, ou em ablactação ou guarda, fóra da casa dos paes ou responsaveis, mediante salário, torna-se por esse facto objecto da vigilancia da autoridade pública, com o fim de lhe proteger a vida e a saúde. […] Art. 21 Quem encontrar infante exposto, deve apresentalo, ou dar aviso do seu achado, á autoridade policial no Districto Federal ou, nos Estados, á autoridade pública mais proxima do local onde estiver o infante.[…] Art. 22. A autoridade, a quem fôr apresentado um infante exposto, deve mandar inscrevelo no registro civil de nascimento dentro do prazo e segundo as formalidades regulamentares, declarando-se no registro o dia, mez e anno, o logar em que foi exposto, e a idade apparente; sob as penas do art. 388 do Código Penal e os mais de direito.
Desse Modo, o Decreto em análise, além de proteger apenas os menores considerados pelo legislador como abandonados ou delinquentes, caracteriza-os discriminadamente, denominando-os como indivíduos abandonados, ocioso, mendigo, entre outros.
Complementando ainda sobre a situação irregular, possibilitava-se também, o afastamento das crianças por impossibilidade financeira dos pais, dessa forma, era considerado em situação irregular, o menor que não tivesse seu sustento adequadamente provido pelos pais, independentemente de tal condição ser involuntária ou não.
Mais adiante, no século XX-XXI, chega-se por fim, a chamada fase da proteção integral, quando crianças e adolescentes deixam de ser meros objetos e passam finalmente a ser sujeitos de direitos. Inicia-se esta fase, com a Constituição Federal de 1988, dispondo em seu artigo 227 caput, sobre os direitos relacionados às crianças, aos adolescentes e ao jovem, estabelecendo que o melhor interesse da criança é prioridade. Assim, ao tratar desses direitos, preceitua Nucci (2014, p.13) que:
A Constituição Federal indica, com perfeita clareza, constituir dever da sociedade assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, a proteção integral (art. 227). Portanto, somos todos responsáveis pelo insucesso, ainda predominante, no setor infantojuvenil; não somente no fórum, mas na vida em geral. O que fazemos pelas crianças e adolescentes do nosso país? Eis uma indagação que cada um deve responder a si mesmo.
Constatando dessa maneira, a responsabilidade de assegurar a proteção integral com absoluta prioridade.
Após a promulgação da CF/88, por meio da Lei n. 8.069/1990 surge o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aplicando-se a todas as crianças e adolescentes, revogando o anterior Código de Menores, que contemplava somente o menor em situação irregular.
À vista disso, Nunes, Corsino e Didonet (2011, p. 32) expressam:
O ECA é o estatuto jurídico da criança cidadã. Ele consagra uma nova visão da criança e do adolescente na sociedade brasileira, afastando o olhar autoritário, paternalista, assistencialista e repressivo do Código de Menores e coloca, no lugar dele, o da criança cidadã, sujeito de direitos, em processo de desenvolvimento e formação.
Dessa forma, crianças e adolescentes gozam dos mesmos direitos dos adultos e ainda possuem direitos próprios, em razão da sua condição de pessoa em desenvolvimento. Assim, rompe-se com a doutrina anterior da situação irregular e garante-se a proteção e assistência pelo Estado, pela família e pela sociedade.
Portanto, percebe-se que a visão social de que é preciso fornecer todas as condições necessárias para que crianças e adolescentes tenham uma vida digna, é recente, pois só a partir desse reconhecimento que se viu necessária a elaboração de direitos próprios para garantir a proteção desse grupo, representando assim, a conquista dos direitos das crianças e dos adolescentes.
3 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Os direitos fundamentais da criança e do adolescente são considerados indispensáveis para assegurar sua proteção, desenvolvimento e qualidade de vida. Esses direitos possuem caráter universal, ou seja, devem ser garantidos a todas as crianças e adolescentes, independentemente de sua origem, raça, cor, gênero, religião ou qualquer outra condição pessoal. Eles são reconhecidos globalmente pela Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1989, e também pela Constituição Federal de 1988, que dedica um capítulo exclusivo para tratar dos direitos das crianças e adolescentes no Brasil.
Ao analisar essas normas, percebe-se que os direitos fundamentais das crianças e adolescentes são extensões dos direitos de todos os cidadãos. Isso significa que tanto menores quanto adultos possuem esses direitos, os quais não devem ser encarados como simples declarações teóricas de valores, mas sim como prerrogativas que precisam ser efetivamente aplicadas no cotidiano. Nesse sentido, o Estado e as demais autoridades públicas têm a responsabilidade de proteger e promover esses direitos, garantindo que eles se concretizem de forma plena.
Ademais, por serem direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, não é permitida a exclusão de nenhum desses direitos do nosso sistema jurídico. Eles devem ser respeitados e aplicados de maneira irrestrita, sem exceção, sendo a sua promoção um dever prioritário de toda a sociedade. Explana Martins Neto (2003, p. 88) sobre o assunto:
É precisamente a anexação de uma cláusula pétrea a um dado direito subjetivo o que melhor certifica a sua fundamentalidade, porque assim, ao declará-lo intocável e pondo-o a salvo inclusive de ocasionais maiorias parlamentares, que o poder constituinte originário o reconhece como um bem sem o qual não é possível viver em hipótese alguma.
Como esses direitos são garantidos pela Constituição, eles estão protegidos contra qualquer ameaça jurídica, visto que crianças e adolescentes são reconhecidos como grupos vulneráveis e necessitam de proteção especial. Isso assegura maior segurança e uma melhor qualidade de vida para esses indivíduos. É crucial que crianças e adolescentes conheçam seus direitos e saibam como exercê-los, para que possam se tornar cidadãos conscientes, participativos e informados. A promoção e proteção dos direitos fundamentais desses grupos é essencial para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva.
Nesse contexto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desempenha um papel fundamental ao estabelecer medidas protetivas e reforçar os direitos fundamentais desses jovens. O ECA visa superar a antiga cultura menorista, implementando os princípios da teoria da proteção integral. Considerado a principal legislação brasileira que protege os direitos das crianças e adolescentes, o ECA trata esses indivíduos como sujeitos de direitos e deveres. Entre seus princípios centrais, o Estatuto destaca a prioridade absoluta na garantia dos direitos fundamentais, assim como a proteção integral, a participação ativa e o reconhecimento de sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.
Esses direitos começam a ser detalhados no Título II do ECA, a partir do artigo 7º, incluindo, entre outros, o direito à vida, à saúde, à educação, à alimentação, à liberdade, ao respeito e à dignidade, ao lazer e à convivência familiar e comunitária. Para garantir que esses direitos sejam efetivamente respeitados e cumpridos, existem várias instituições e órgãos governamentais responsáveis. Um dos principais é o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), órgão colegiado de caráter deliberativo composto por representantes do governo e da sociedade civil. O CONANDA é responsável por formular políticas públicas voltadas à promoção e proteção dos direitos das crianças e adolescentes, sendo a instância máxima de deliberação e controle dessas políticas em todo o Brasil. Com poder normativo, estabelece diretrizes nacionais e acompanha sua implementação em todo o território.
Outro órgão relevante é o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), criado pela Lei 12.594/2012, que tem como objetivo garantir ao adolescente em conflito com a lei o direito a um atendimento socioeducativo adequado. Tanto o CONANDA quanto o SINASE desempenham papéis essenciais na criação e implementação de políticas públicas que assegurem a proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Esses órgãos deliberativos, como o CONAMA e o SINASE, têm um papel central na formulação de políticas públicas que buscam proteger direitos fundamentais, como o meio ambiente e a dignidade da pessoa humana.
Dessa forma, a aplicação efetiva dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes é de extrema importância. Para que esses direitos sejam realmente efetivos, é necessário garantir condições materiais e sociais adequadas que promovam o pleno desenvolvimento das potencialidades desses jovens, assegurando um futuro mais justo e digno para todos.
A eficácia desses direitos implica que as políticas públicas precisam ser direcionadas para assegurar o pleno exercício deles, promovendo o desenvolvimento dos jovens. Portanto, é essencial que se respeite o que está estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal, para que a sociedade, o Estado e a família reconheçam a importância de proteger os direitos das crianças e dos adolescentes, colaborando para que esses direitos sejam verdadeiramente aplicados em todas as áreas da vida dos menores.
3.1 Os direitos fundamentais no contexto da vida do menor que pratica ato infracional
As razões que levam jovens a cometer crimes são complexas e diversas, envolvendo fatores sociais, psicológicos e econômicos. As causas do comportamento delituoso entre adolescentes vão além da sua imaturidade natural e estão relacionadas ao ambiente em que vivem, à falta de oportunidades e ao abandono emocional, entre outras situações. Fatores como o relacionamento familiar e as influências de amigos desempenham um papel crucial, já que um ambiente instável ou abusivo pode ter um impacto significativo no comportamento criminoso dos menores.
A Constituição Federal instituiu um sistema robusto de proteção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, estabelecendo princípios que se tornaram diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Carta Magna de 1988 abrange de forma ampla e diferenciada os direitos dos menores em seus dispositivos. De acordo com Moraes (2007, p. 40-41):
A Constituição brasileira seguiu a tendência internacional consagrada no art. 1º da Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente, que estabelece ser criança todo ser humano com menos de 18 anos. Dessa forma, a criança tem direito a uma proteção especial ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, social, por meio de uma forma de vida saudável e normal e em condições de liberdade e dignidade.
Assim, a Constituição Federal brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinam que menores que cometem atos infracionais devem receber um tratamento específico e diferenciado em relação ao sistema penal adulto, visando garantir a proteção integral de seus direitos, considerando sua condição de pessoas em desenvolvimento.
O ECA estabelece que, nos casos de infração cometida por menores, podem ser aplicadas medidas socioeducativas em diversos níveis de severidade, variando desde uma simples advertência até a internação em instituições educacionais.
De acordo com a doutrina, essas medidas representam uma intervenção estatal para assegurar a proteção dos direitos de crianças e adolescentes em conflito com a lei. Conforme Silva (2019, p. 245), o objetivo dessas intervenções é “educar, orientar, responsabilizar e ressocializar o adolescente infrator, de modo que ele possa voltar a conviver em sociedade de forma adequada”.
Assim, é fundamental que esses jovens tenham acesso a medidas socioeducativas que promovam sua recuperação e reintegração social. Ao fornecer essas medidas de maneira apropriada, está-se oferecendo aos menores que cometem atos infracionais a chance de se reabilitar, aprender com seus erros e se tornarem cidadãos responsáveis e produtivos.
4 MEDIDAS PROTETIVAS E SOCIOEDUCATIVAS
O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece medidas protetivas e socioeducativas para crianças e adolescentes que estejam com seus direitos fundamentais ameaçados ou que estejam envolvidos na prática de um ato infracional.
Considera-se sendo direitos fundamentais, garantir que todas as crianças e adolescentes tenham o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. E com relação ao ato infracional, entende-se infracional, a conduta descrita como crime ou contravenção penal, considerando a idade do adolescente à data do fato. Logo, os menores de 18 anos, são penalmente inimputáveis, estando sujeitos às medidas previstas no ECA.
Havendo a apreensão do adolescente pela prática de ato infracional, inicia-se o processo de conhecimento, após o encaminhamento ao Juiz da Vara da Infância e da Juventude para autuação e decisão quanto ao flagrante. Em seguida o Promotor de Justiça atuará procedendo o arquivamento do processo, a remissão com ou sem medida socioeducativa ou a representação com medida socioeducativa. Assim, sendo concedida a remissão pela autoridade judiciária, esta, implicará a suspensão ou exclusão do processo, levando em consideração às circunstancias e consequências do fato, bem como a personalidade e participação do adolescente no ato infracional. Prontamente, após o processo de conhecimento, inicia-se o processo de execução, para o cumprimento dessas medidas.
No tocante a faixa etária, apenas pessoas entre 12 e 18 anos que cometem atos infracionais estão sujeitas às medidas socioeducativas, com a possibilidade excepcional de estender a aplicação até os 21 anos. No entanto, crianças envolvidas em infrações, recebem medidas protetivas, assim, o Juiz da Infância e da Juventude decide, com base no processo judicial, qual medida socioeducativa aplicar, considerando o contexto pessoal do adolescente, sua capacidade de cumprimento e a gravidade da infração.
Dessa forma, em se tratando das medidas protetivas, estas, são aplicadas com o intuito de cessar uma situação de risco, que ocorre quando os direitos fundamentais de uma criança ou adolescente são violados ou ameaçados, seja por ação ou omissão da sociedade, do Estado, dos pais ou responsáveis ou pela própria conduta do jovem. Relata Bandeira (2006, p. 47) que:
Os atos infracionais praticados por criança e que sejam similares a crime ou contravenção penal serão apreciados pelo Conselho Tutelar, o qual terá a atribuição de aplicar qualquer das medidas de proteção previstas no Art. 101, I a VI do ECA, ou seja, terá competência para aplicar medidas protetivas à criança que estiver numa situação de risco social ou moral, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado.
Dessa forma, essas medidas visam proteger e garantir os direitos das crianças e dos adolescentes que se encontram inseridos a estas situações de risco ou vulnerabilidade, destacando-se que o Estado deve sempre buscar aperfeiçoamento e ampliação de tais medidas, garantindo que estes indivíduos se desenvolvam tanto fisicamente como psicologicamente de maneira sadia.
Em síntese, referindo-se às medidas socioeducativas, estas, podem ser aplicadas em meio aberto ou privativo de liberdade. Dispõem de caráter pedagógico, mas exigem cumprimento, sujeitando o adolescente a sanções do próprio estatuto.
No tocante às medidas socioeducativas em meio aberto, observa-se a advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Já em meio privativo de liberdade, encontra-se a semiliberdade e a internação.
A partir do um processo de execução, cumpre-se as medidas supramencionadas, de forma que: a medida de Advertência consiste em uma admoestação verbal, que é reduzida a termo e assinada. Na medida da Obrigação de Reparar o Dano, havendo implicações patrimoniais derivado de um ato infracional, será determinado ao adolescente que restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano ou compense o prejuízo da vítima de outra forma.
Já na medida da Prestação de Serviços à Comunidade, após a sentença, o adolescente é encaminhado ao órgão coordenador do programa de Prestação de Serviços à Comunidade, onde recebe orientações junto aos responsáveis sobre o cumprimento da medida socioeducativa, em seguida, a Coordenação o encaminha a uma instituição conveniada, onde cumprirá a medida determinada pelo juiz. E na medida de Liberdade Assistida é adotada para acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente, sendo designada uma pessoa capacitada para isso, recomendada por entidade ou programa de atendimento. Essa medida tem duração mínima de seis meses e pode ser prorrogada, revogada ou substituída por outra, com participação do orientador, Ministério Público e defensor.
No que concerne às medidas socioeducativas aplicadas em meio privativo de liberdade, apresenta-se o Regime de Semiliberdade, no qual, pode ser estabelecido desde o início ou como uma transição para o meio aberto, permitindo atividades externas sem autorização judicial, sendo nesta, a escolarização e a profissionalização obrigatórias, utilizando recursos da comunidade sempre que possível.
Não há prazo determinado para essa medida, e algumas disposições da internação se aplicam a ela. Já na Internação, será permitida a realização de atividades externas, porém essa medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada no prazo de seis meses, não ultrapassando o período máximo de três anos de internação e, atingindo este período, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou liberdade assistida, sendo, a desinternação precedida de autorização judicial. Acerca das medidas citadas, dispõe Bandeira (2006, p. 47) que:
Destarte, a correta aplicação da medida socioeducativa é fator de prevenção, pois em se tratando de uma pessoa em processo de desenvolvimento físico, moral, intelectual e espiritual, a sanção pedagógica, adequadamente aplicada, determinará o futuro do jovem em conflito com a lei, constituindo em verdadeiro divisor de águas, no sentido de evitar que o adolescente se transforme em um delinqüente.
Se verifica dessa maneira que as medidas, diz repeito ao adolescente que encontra-se como autor de um ato infracional, onde, o objetivo crucial dessas medidas socioeducativas, é a reinserção social do jovem, com o intuito de dar um novo sentido aos seus aspectos comportamentais, morais, ideológicos e psíquicos. Apesar de não serem punitivas, essas medidas restringem alguns direitos individuais, como a liberdade, e têm consequências jurídicas para a conduta infratora do adolescente.
4 ANÁLISE DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E PROPOSTAS DE MELHORIAS
As medidas socioeducativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, visam à responsabilização e reintegração social de adolescentes infratores. Seu principal objetivo é preparar os adolescentes para o convívio social, como pessoas cidadãs e futuros profissionais, de modo a não reincidirem na prática de atos infracionais, além de proporcionar redes comunitárias de atenção aos adolescentes e seus familiares, com intuito de favorecer sua reintegração a partir do desligamento. No entanto, sua efetividade na reintegração desses jovens varia significativamente. Nesse contexto, narra Prates (2002, p. 28):
Tanto as instituições de apoio preventivo aos jovens, quanto as repressivas, visam, teoricamente, ao exercício de um papel social benéfico, pois atuam direta e respectivamente com o objetivo de auxiliar no desenvolvimento sadio do jovem e na sua reinserção social. Mas nem sempre estas instituições tidas como salutares exercem adequadamente seu ofício. Por inúmeras vezes são, em realidade, fatores da dissocialização, sofrimentos e traumas que não raramente contribuem com atitudes vinculadas à criminalidade.
A partir dessa ideia, destaca-se que as medidas referidas, enfrentam desafios como infraestrutura inadequada, onde, muitas unidades socioeducativas enfrentam problemas de superlotação, falta de recursos e a escassez de profissionais qualificados, como psicólogos, assistentes sociais e educadores, comprometendo a qualidade do atendimento.
Cumpre salientar que, a ausência ou ineficácia de programas de reabilitação, que incluem educação, capacitação profissional e atividades culturais, é um dos principais obstáculos para a reintegração dos jovens, e, o estigma associado aos jovens infratores dificulta sua reintegração na sociedade, no qual, muitas vezes, eles enfrentam preconceito ao tentar retornar à escola ou ao buscar emprego.
No intuito de dar uma resposta rápida à sociedade em relação à criminalidade infantil, o cumprimento das medidas socioeducativas constituem caráter punitivo, intencionando castigar a criança e/ou adolescente infrator. Ademais, os locais onde as medidas socioeducativas são cumpridas, são usados para afastar o jovem da sociedade, sem que haja uma preocupação com sua reintegração social após o período de cumprimento.
Para demonstrar que as medidas socioeducativas têm se mostrado ineficazes no combate à criminalidade, utiliza-se como referência os casos em que o jovem infrator passa pelo tratamento socioeducativo, mas, mesmo após concluí-lo, volta a se envolver em atividades criminosas, cometendo, inclusive, infrações ainda mais graves. Com isso, relata Shecaira (2008, p. 205) que:
Historicamente já se comprovou que a punição, por si só, não muda a postura transgressiva do adolescente. Ela precisa vir acompanhada de um processo socioeducativo que lhe possibilite rever sua postura diante da vida e respeitar as regras de convívio social. Esse processo de internalização das normas envolve uma mudança dos valores éticos e sociais, não se fazendo pela punição.
Nessa linha de raciocínio, para que as medidas socioeducativas atinjam seus objetivos, é essencial que a escolha de cada tipo de medida seja feita de forma responsável, considerando sua adequação às circunstâncias específicas. Essas medidas devem ser viáveis, além de oferecer ao jovem a oportunidade de refletir sobre suas ações e prepará-lo para a liberdade e reintegração na sociedade.
No tocante aos desafios enfrentados acerca da efetividade das medidas expostas, é fundamental a implementação de propostas de melhorias, visando investir na formação e contratação de profissionais especializados para acompanhar os adolescentes em todas as etapas das medidas socioeducativas. Ampliar e modernizar as unidades socioeducativas, garantindo espaços adequados para atividades educativas e recreativas. Implementar programas de educação e capacitação profissional dentro e fora das unidades. Oferecer suporte psicológico e social contínuo, mesmo após o término da medida socioeducativa, para garantir que os jovens não retornem ao ambiente infracional. E apoiar campanhas de conscientização podem ajudar a reduzir o estigma e promover a aceitação dos jovens reintegrados, facilitando a reabilitação e reintegração.
Nessa mesma linha de pensamento, importante ressaltar a implementação de metas para as empresas de grande porte contratar adolescentes que acabaram de cumprir medidas socioeducativas, contribuindo para que os mesmos não cometam novos crimes, propiciando o bem comum, onde todos são beneficiados, sendo, a empresa que ganha o funcionário, o adolescente que ganha o emprego e a sociedade que ao ter retirado o adolescente das ruas, ganha com a redução da criminalidade.
Dessa forma, a análise da eficácia das medidas socioeducativas e a implementação dessas propostas, ajudam a promover a justiça juvenil e garantir que os jovens infratores tenham uma chance real de reintegração social, contribuindo para a redução da criminalidade e o fortalecimento da sociedade.
5 CONCLUSÃO
Com base no que foi apresentado, pôde-se perceber que ao longo do tempo, foram desenvolvidas legislações e declarações que gradualmente reconheceram as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, no qual o Estatuto da Criança e do Adolescente vem estabelecendo medidas protetivas e socioeducativas para crianças e adolescentes que estejam com seus direitos fundamentais ameaçados ou que estejam envolvidos na prática de um ato infracional.
Observou-se que, as medidas mencionadas neste trabalho, tanto protetivas, quanto socioeducativas visam proteger e garantir os direitos das crianças e dos adolescentes que se encontrarem inseridos em situações de risco ou vulnerabilidade, dispondo de caráter pedagógico e exigindo cumprimento, sujeitando o adolescente a sanções do próprio estatuto.
Dessa maneira, fora investigado o impacto dessas medidas na redução da criminalidade juvenil e na preservação da segurança pública, contribuindo para o sucesso na reintegração desses jovens. Para isso, foram apresentadas propostas de melhorias às medidas, analisando sua eficácia, com o intuito de que, adolescentes infratores que recebem medidas socioeducativas e posteriormente tem acesso a programas de apoio pós-liberação, apresentem uma taxa significativamente menor de reincidência criminal e uma reintegração mais bem-sucedida à sociedade em comparação com aqueles que não recebem o mesmo apoio.
Ademais, ficou evidente que, para melhorar a eficácia das medidas socioeducativas, é necessário um conjunto de ações integradas, envolvendo desde mudança estruturais até políticas públicas de longo prazo.
Ante todo o exposto, embora a legislação brasileira seja avançada em termos de proteção e direitos dos adolescentes, sua aplicação prática enfrenta desafios significativos, motivo pelo qual, concluiu-se que as propostas de melhorias apresentadas visam contribuir para um sistema mais justo, eficiente e humanizado, capaz de transformar vidas e promover uma sociedade mais inclusiva e segura.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Marcos Antonio Santos. Atos infracionais e medidas socioeducativas: uma leitura dogmática, crítica e constitucional. Ilhéus: Editus, 2006.
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[1]Professor orientador. Mestre em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal. Especialista em Direito Civil, Processo Civil, Direito Tributário e Empresarial pelo Centro Universitário Toledo de Araçatuba. Especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade Cândido Mendes, Rio de Janeiro. Advogada. Professora universitária. E-mail: [email protected]
Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BUSO, Lara Pêgolo. Efetividade das medidas socioeducativas na reintegração de adolescentes infratores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2024, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/66813/efetividade-das-medidas-socioeducativas-na-reintegrao-de-adolescentes-infratores. Acesso em: 23 dez 2024.
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