A Constituição Federal, em seu art. 37, § 4º, previu uma série de penas pela prática de ato de improbidade administrativa. Estas sanções (suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário) possuem natureza civil. Como forma de regulamentar o mencionado dispositivo constitucional, foi promulgada a Lei nº 8.429/92, que trata das sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
Outrossim, a mesma Carta Magna dispõe em seu art. 102, I, “c” que serão julgados pelo STF “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”. Assim sendo, a Lei nº 1.079/50 - recepcionada pela Constituição Federal de 1988 - define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.
Com efeito, verifica-se que os dispositivos constitucionais referidos trazem em seu bojo uma certa contradição, haja vista que um mesmo agente público pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato ímprobo, tanto pela Lei nº 8.429/92 quanto pela Lei nº 1.079/50.
Todavia, esta aparente contradição é, de plano, afastada quando se verifica a natureza das referidas leis. A Lei n.º 8.429/92 possui natureza civil, enquanto os crimes de responsabilidade previstos na Lei nº 1.079/50 são de natureza político-administrativa.
Não obstante, o Pretório Excelso, na Reclamação nº 2138-6/DF firmou o entendimento de que os agentes políticos não poderiam ser responsabilizados por ato de improbidade administrativa previsto na Lei n.º 8.429/92, mas sim pela Lei nº 1.079/50, que dispõe acerca dos crimes de responsabilidade, já que o ato de improbidade administrativa seria absorvido pelo “crime” de responsabilidade previsto na Lei n. 1.079/50, tendo em vista que os Ministros de Estado encontram-se albergados pela norma especial da lei dos crimes de responsabilidade.
A justificativa para tal entendimento é que a grande maioria das condutas elencadas como atos de improbidade administrativa encontram similitude com os atos previstos na Lei nº 1.079/50.
Todavia, contrariamente, entendo que os crimes de responsabilidade têm natureza político-administrativa, sujeitando seu infrator a um julgamento de igual natureza, pelo Órgão Legislativo correspondente, e os atos de improbidade administrativa têm caráter civil, sendo julgados por órgão do judiciário. Dessa forma, o agente público, seja ele um agente político ou não, deve responder pela prática de atos ímprobos nas diversas esferas, em razão da independência entre as instâncias cível, administrativa e penal.
Nos termos da aludida decisão do Supremo, a abrangência de agente político que responde por crime de responsabilidade (Lei nº 1.079/2008) restringe-se aos cargos de Presidente da República, de Ministros de Estado, de Ministros do STF, dos Governadores e Secretários de Estado-membro, tendo em vista os artigos 2º e 74, da Lei nº 1.079/50.
Esse fundamento pode ser comprovado em outros julgados do STF que, nitidamente, separam os agentes políticos insertos na Lei nº 1079/50 de outros agentes políticos não abarcados por essa norma. Apenas a título de informação, vale transcrever ementa de julgamento em que um deputado federal, réu em em determinada ação de improbidade administrativa, não foi considerando agente político para ser responsabilizado pela Lei nº 1.079/50:
“Agravo regimental. Reclamação. Ação civil pública. Membro do Congresso Nacional.
1. Os julgados desta Corte apontados como ofendidos, Reclamação nº 4.895/DF e nº 2.138/DF, não tratam da mesma situação destes autos, porquanto cuidaram da competência para o processamento de ação de improbidade contra ato praticado por Ministro de Estado (art. 102, I, “c”, da Constituição Federal), circunstância diversa da presente, que envolve membro do Congresso Nacional, relativamente ao qual a legislação infraconstitucional não prevê crime de responsabilidade.
2. Agravo regimental desprovido.” (Agravo Regimental na Rcl 5126/RO, Rel. Min, Menezes Direito, DJ 19/12/2007).
Nesta senda, entendo que o art. 37, § 4º, da Constituição Federal e a própria Lei nº 8.429/92 expressam claramente que as penalidades impostas aos agentes que cometem ato de improbidade administrativa não prejudicam as de natureza penal e administrativa. Não se pode retirar os agentes políticos da esfera de abrangência da Lei nº 8.429/92, sob pena de ferir de morte o princípio da moralidade. Seria um retrocesso (e uma impropriedade jurídica, data venia) retirar da sociedade esse poderoso instrumento a favor da probidade na condução da máquina pública.
Bibliografia:
MELO, Debora Fernandes de Souza. Improbidade administrativa. Disponível em http://www.lfg.com.br 23 junho. 2008.
Reclamação 2.138-6/Distrito Federal. Disponível em http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=2138&classe=Rcl&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M. 25 setembro. 2008.
Precisa estar logado para fazer comentários.