O Tribunal do Júri, responsável pelo julgamento dos crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados, sofreu recente alteração na “reforma” do processo penal de 2008. As mudanças foram consideradas amplas para os padrões do Direito, mas foram insuficientes quando se leva em conta a escalada de violência que o Brasil vive nas últimas décadas, notadamente, em relação aos crimes contra a pessoa. A sociedade civil esperava mais do Congresso Nacional.
Por trás de discursos corporativistas há todo um interesse que o tribunal do júri seja um julgamento emotivo, onde a encenação e as atuações teatrais de alguns profissionais sejam mais importantes que o conteúdo do ato praticado pelo réu. A expressão popular “O Júri é um teatro” foi levada a extremos nos últimos tempos, com o surgimento dos “príncipes do júri”, profissionais extremamente vaidosos e cuja vontade de “ganhar” o júri sob qualquer pretexto, inclusive assassinando a verdade, passa a prevalecer sobre os destinos de quem está sendo julgado, das vítimas e seus familiares.
A falta de objetividade nos julgamentos é outro fator que retira a credibilidade dos júris. Vejamos, em crimes graves como estupro, latrocínio (roubo seguido de morte), extorsão mediante seqüestro seguida de morte etc. o promotor e o advogado têm o prazo de vinte minutos (prorrogáveis por mais dez) para fazerem suas alegações finais. No júri, em plenário o prazo é de uma hora e trinta minutos, e em caso de réplica e tréplica é concedida mais uma hora para cada parte, podendo cada lado chegar a falar por duas horas e trinta minutos. Ou seja, num júri por homicídio tentado é concedido um período para falar que corresponde a cinco vezes o tempo concedido para as partes se manifestarem oralmente em processos de extorsão mediante seqüestro seguido de morte ou latrocínio consumado (onde uma vida é também tirada).
O resultado disso são as teatralidades que a sociedade já conhece e fica, em muitos casos, estarrecida. Alguns profissionais fazem desnecessárias e prolongadas saudações ritualísticas, ás vezes extravagantes, que chegam a vinte minutos em algumas situações, atrasando os julgamentos; mas possíveis, já que o prazo para se falar em plenário é excessivo. Poderia se ponderar que o homicídio é complexo, mas quando o cidadão mata para roubar (latrocínio), onde o prazo é de trinta minutos não seria também complexo? Por que no latrocínio, julgado por um juiz singular, a lei permite até trinta minutos e no júri de um homicídio as partes têm cinco vezes mais tempo para fazerem suas alegações orais? A vida no latrocínio é menos importante do que a vida no júri?
Lógico que não, mas se o legislador determinasse um prazo de uma hora para se utilizar em plenário com 20 minutos para uma eventual réplica/tréplica não haveria espaço para eventuais chicanas e apresentações teatrais. Em sendo assim, é razoável crer que os profissionais em plenário teriam de se ater de forma mais objetiva e direta às provas do processo, o que inviabilizaria as “representações”.
O tempo excessivo possibilita que assuntos que não têm nada a ver com o caso sejam trazidos para confundir os jurados e permitir até ataques gratuitos desnecessários ao outro profissional, muitas vezes com o intuito de se promover perante a platéia.
Transformar uma instituição secular não é uma obra fácil, e nem é para ser realizada de forma atabalhoada, sem debate, sem reflexão, mas temos de ter coragem de repensar o tribunal do júri, debater, procurar aperfeiçoar o procedimento, respeitando-se os direitos fundamentais dos acusados, das vítimas e suas famílias, pessoas que se encontram do outro lado do processo.
Não sou contra o instituto do tribunal do júri, mas defendo uma maior objetividade em seus julgamentos. Talvez quando o Direito deixe de se avaliar como o supremo e auto-suficiente dono da razão e trate a sociologia, criminologia, psicologia, psiquiatria, de igual para igual e não apenas como meras “ciências auxiliares”, ouvindo com respeito as críticas das outras áreas do conhecimento, o tribunal do júri possa ser realmente aperfeiçoado, porquanto no modelo atual, o acontecimento fatídico e as respectivas provas produzidas no processo criminal, deixaram ser o objetivo principal do julgamento para serem substituídos pelas representações das partes no plenário, em detrimento de réus, vítimas e de toda a sociedade civil.
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