A sistemática do processo penal pátrio (modelo acusatório traçado claramente pela Constituição Federal de 1988), reivindica uma reestruturação das atuações dos operadores estatais envolvidos na persecução criminal, em juízo ou fora dele, mais precisamente do magistrado.
Todavia, passados aproximadamente vinte e dois anos de vigência da Carta Maior, a mentalidade dos agentes jurídicos ainda permanece, de certa forma, afixada ao famigerado modelo inquisitorial, o que se expressa, claramente, pela morosidade dos operadores do legislativo em acompanhar essa evolução democrática e em extinguir as anormalidades que ainda estão presentes em nosso ordenamento.
Assumindo o Estado o monopólio da ação penal pública (entregando ao Ministério Público este múnus), depois de superado o estágio da acusação privada, característico dos tempos medievais, em que aos particulares era deixado o alvitre de impulsionar ou não a descoberta dos delitos em geral, mister suprir o dogma da verdade real, obtida a qualquer preço, para enxergar o processo penal como obtenção de certezas possíveis e válidas segundo os ditames constitucionais. Com isso, toda e qualquer limitação da liberdade de um cidadão deve ser questionada dentro do devido processo legal, onde deverão está presentes regras éticas de comportamento por parte do acusado, da acusação e do magistrado.
Necessário que se faça um reexame da atuação do magistrado na tarefa punitiva, de valorizar-lhe essa missão tão nobre e cara ao Estado, que é a de garantir a própria prevalência do Direito, resolvendo litígios de interesse com imparcialidade, sem o manejo de instrumentos que o processo deixa aos demais atores na averiguação de fatos criminosos, com exceção da atuação de forma suplementar, quando já instaurada a ação penal.
Fazer valer as garantias constitucionais do processo é avançar rumo à efetivação da Constituição Federal, concatenando os anseios de tutelar a defesa da segurança pública e a dignidade de todas as partes que se sujeitem ao processo criminal. É contribuir para desvendamento da verdade possível, aquela atingida sem afrontar os direitos fundamentais dos indivíduos.
Esses propósitos vão de encontro à tendência apresentada na outorga, ao magistrado, de poderes e atuações que mais lhe dotam da aparência de sujeito parcial, o que não condiz com o anseio moderno de instrumentalizar o processo penal, produzindo, direta ou indiretamente, a quebra da acusatoriedade.
Não que se deva apreciar a figura do mero juiz-expectador, que assiste inerte ao debate entre as partes. Por outro lado, também não se deve cair no exagero de permitir ao magistrado poderes ilimitados de instrução, a participação exacerbada, sob pena de comprometer a sua função judicante, a garantia do julgamento por terceiro imparcial, fugindo-se à real diretiva apontada pelo modelo publicista de processo penal, um processo em que apartada as funções de jurisdição, defesa e acusação, entregue esta última, privativamente, nas mãos do Ministério Público.
Posto isso, temos que no processo penal os operadores estarão igualmente beneficiados pelo princípio acusatório, e não apenas o autor da demanda, como acontece quando se reconhece amplos poderes de instrução ao magistrado. Acreditamos ser essa a melhor expressão de acautelar a imparcialidade do juiz sem o que não estará apto o processo criminal contemporâneo a executar sua função garantística.
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