As Constituições Brasileiras de 1934 e 1937 proibiam expressamente o controle da discricionariedade dos atos administrativos, sendo, possível levar ao Poder Judiciário tão somente a questão da legalidade de determinado ato. Considerava-se que a escolha feita pelo administrador era de cunho político, cabendo tão somente aqueles que legitimamente exerciam o Poder Legislativo a análise da conveniência e oportunidade do ato ser praticado.
Na Constituição atual não se faz nenhuma referência acerca da possibilidade de controle pelos juízes da discricionariedade administrativa, como ocorre com o estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais de Portugal, em que se estabelece que “salvo disposição em contrário, os recursos contenciosos são de mera legalidade e têm por objecto a declaração de invalidade ou anulação dos actos recorridos.
Inspirado no modelo do Estado liberal, difundiu-se a tese de que a intervenção do judiciário limitava-se ao aspecto formal do ato administrativo, de forma de toda a intervenção que ultrapassasse os limites da verificação dos aspectos de formalidade estaria desrespeitando o princípio da separação dos poderes.
Só que foi atribuída, pela Constituição de 88, ao Poder Judiciário a função de assegurar a harmonia entre os poderes, com autonomia para garantir o cumprimento das normas constitucionais, revendo atos dos outros poderes, quando estes possam acarretar lesão ou perigo de dano ao administrado. Dessa forma, vem se defendo a possibilidade de controle pelo Poder Judiciário da escolha feita pelo administrador observando o caso concreto.
Nos atos vinculados, quando o legislador prevê a conduta do administrador, considerou essa como ótima, a melhor a ser adotada naquele caso. Isso decorre do fato de que o agente público deve sempre buscar o interesse público, observando os ditames da lei. Assim, quando fora possível para o legislador prever a situação, já estabeleceu a conduta a ser adotada, para não deixar nas mãos dos administradores um poder tão grande.
Nem todas as situações que poderiam ocorrer no mundo dos fatos foram antevistas, por isso existem atos cujo motivo e objeto podem ser determinados pelo administrador diante do caso concreto, desde que busque sempre o bem estar social.
Só que assim como no ato vinculado, deve-se extrair que mesmo quando se determine a discricionariedade de uma conduta, o legislador também intencionara que a medida tomada entre as várias possíveis seja a melhor.
Se a escolha feita pelo administrador não for a melhor, aquela que teria sido escolhida pelo legislador caso pudesse prever todas as situações, o ato não atingiria a finalidade perquerida pela lei e por isso, pode-se dizer que há uma invalidade no ato.
Por isso, alguns autores de renome, como Celso Antônio Bandeira de Mello, defendem que mérito administrativo é a liberdade suposta na lei e que, efetivamente venha a remanescer no caso concreto.
O que pode ocorrer é que num caso concreto não reste nenhuma opção para o agente público, pois somente uma das várias opções que fora conferida pela lei alcança o resultado objetivado pelo legislador. Por isso é que, deve-se ter em mente sempre, a finalidade da norma para, dessa forma, extrair se é cabível o juízo de conveniência e oportunidade e qual das soluções possíveis seria a melhor naquela situação.
Para realizar bem essa opção, o agente político, ao invés de analisar as normas, como ocorre com os atos vinculados, deve relevar os princípios gerais de direito.
O que se observa é que se deixou de enxergar o princípio da legalidade apenas na sua forma, como a consonância do ato com as formalidades previstas na lei, para uma leitura de cunho mais material, finalístico, o qual submete a administração a tomada de decisões em conformidade com o interesse público, ou seja, a basear a sua atuação em princípios constitucionais, notadamente o da razoabilidade, da proporcionalidade e o da eficiência, uma vez que não basta que o ato esteja de acordo com o previsto na lei, mas que também atinja o interesse público da forma mais econômica e com menos danos ao administrado.
Assim, o controle do Poder Judiciário começa, aos poucos, a atingir os aspectos do conteúdo, ou como preferem alguns, aspectos do próprio mérito das decisões administrativas, podendo questionar a própria legitimidade dessas decisões.
Isso não significa que o princípio da separação dos poderes está sendo relativizado. Apenas está sendo analisado, em conformidade com um outro princípio de natureza constitucional que é o da inafastabilidade da tutela jurisdicional.
Porém, a possibilidade de controle jurisdicional não pode ser tido como ilimitado, não cabendo aos juízes determinar as razões sobre a ocasião de praticar o ato e sua utilidade, ou a justiça ou justiça ou injustiça de uma decisão, uma vez que dessa forma estaria substituindo a discricionariedade do administrador pela sua.
O judiciário não pode dizer como o administrador deveria agir, somente podendo dizer como não deveria agir, em observância aos princípios que regem o direito administrativo, não mais se admitindo a inércia do poder judiciário, mesmo quando provocado, em face da argumentação de que o mérito somente pode ser controlado pela própria administração.
Nas hipóteses em que, no caso concreto, somente restar uma opção para o administrador, mesmo que se trate de um ato discricionário, esse não terá escolha, tendo que realizar o ato da única forma que atinja a finalidade pública com o menor ônus para a administração e para o administrado. Se assim não se der, poderá o judiciário, através dos remédios constitucionais, controlar esse ato administrativo, invalidando- o.
De acordo com o novo conceito de controle do Poder Judiciário sobre o mérito administrativo, o Ministério Público tem legitimidade para exigir alguma atuação da administração, sendo outorgada tutela específica para que a administração destine verba própria para cumpri-la.
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