Constatando a necessidade de aprimorar a prestação dos serviços dos seus agentes, a Administração Pública opta, corriqueiramente, por investir na contratação de empresas/profissionais aptos para ministrar curso de capacitação aos mesmos, primando, assim, pela qualidade contínua dos serviços públicos que oferta, direta ou indiretamente, à população em geral.
Já foi tema de amplo debate a questão da contratação das empresas especializadas para a prestação dos serviços de treinamento e capacitação dos servidores/agentes públicos, sendo que a doutrina mais abalizada e o Tribunal de Contas da União anuem quanto à aplicação, para essas hipóteses, do artigo 25, II c/c artigo 13, VI da Lei nº 8.666/93, que possuem a seguinte redação:
Art. 25 – É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(...)
II- para contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
Art. 13 – Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
(...)
VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; (grifou-se)
Corroborando este entendimento, o TCU já consagrou:
Considerar que as contratações de professores, conferencistas ou instrutores para ministrar cursos de treinamento ou aperfeiçoamento de pessoal, bem como a inscrição de servidores para participação em cursos abertos a terceiros, enquadram-se na hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no inciso II do art. 25, combinado com o inciso VI do art. 13, da Lei n.º. 8.666/93; (TCU. Processo n.º TC-000.83098-4. Decisão n.º 439/1998 – Plenário).
Desse modo, revela-se que a regra que se instituiu para as contratações que a Administração pretender realizar para o oferecimento de cursos de aperfeiçoamento de seu pessoal, é que as mesmas devam dar via inexigibilidade, desde que atendidos os seguintes requisitos, simultaneamente: a) a comprovação da singularidade do serviço e; b) da notória especialização do profissional ou da empresa.
A propósito, leia-se o teor da seguinte Orientação Normativa da Advocacia-Geral da União n.º 18, de 1º de abril de 2009, que prevê:
Contrata-se por inexigibilidade de licitação com fundamento no art. 25, inc. II, da Lei n. 8.666, de 1993, conferencistas para ministrar cursos para treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, ou inscrição em cursos abertos, desde que caracterizada a singularidade do objeto e verificado tratar-se de notório especialista.
Destarte, é imprescindível que, no processo administrativo no qual se trate de contratação direta, pelo Poder Público, de empresa/profissional que preste serviços de aperfeiçoamento/capacitação em favor de seus agentes, seja comprovada a singularidade do serviço referida no inciso II do artigo 25 da Lei nº 8.666/93, bem como a notória especialização do prestador, devendo o ente público atestar o atendimento dos requisitos apontados no §1º, do art. 25, da Lei n.º 8.666/93, in verbis:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
(...)
§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
Ultrapassada essa abordagem, resta, por ora, apreciar os casos em que, comprovadamente não existindo os pressupostos da singularidade do objeto e da notória especialização (que justificam a contratação direta da empresa/profissional prestadores dos serviços), se dará o certame licitatório e com quais garantias poderá se cercar a Administração para garantir a qualidade do serviço pretendido.
Assim, a questão que se impõe é: como garantir que, após a realização de certame licitatório, seja contratada empresa que seja, realmente, idônea para o oferecimento de cursos de aperfeiçoamento e capacitação de agente público? Se a licitação escolhida for, por exemplo, do tipo menor preço, como restará garantida a qualidade dos serviços?
O Acórdão nº 439/1998, Plenário do TCU, tratou amplamente desse tema, referindo-se aos certames cujo objeto seja o oferecimento de curso de capacitação dos recursos humanos junto a ente público. Alguns trechos do Acórdão devem ser transcritos, dada sua extrema relevância (sem destaque no original):
11. Outras entidades, como a Escola Superior de Administração Fazendária - ESAF, tentam utilizar a modalidade técnica e preço, cabível 'para serviços de natureza predominantemente intelectual' (art. 46 da Lei das Licitações). Logo descobrem, porém, que a definição dos critérios para avaliação das propostas técnicas é extremamente complexa. Além disso, para que a seleção cumpra o objetivo de escolher a melhor proposta, o julgamento desses critérios precisa ser confiado a uma banca de examinadores, composta por experts na matéria específica e em didática, aos quais os licitantes precisam ministrar uma aula e uma síntese do material didático a ser elaborado. 12. Esse tipo de licitação foi abandonado pela ESAF, pois logo constatou-se ser anti-econômico e extremamente moroso, já que a diversidade dos cursos oferecidos demandava uma grande quantidade de bancas examinadoras específicas, para as quais era necessário contratar profissionais mediante processo licitatório. Por essa sistemática, portanto, não se atendia ao interesse público.
13. A grande maioria dos administradores tem optado, diante da inaplicabilidade de outros tipos de licitação, pela seleção baseada no menor preço. É fácil intuir, no entanto, que esse procedimento poucas vezes permite a escolha de um profissional ou empresa que satisfaça os treinandos, principalmente quando se trata de treinamento de servidores altamente especializados, em disciplinas direcionadas para as peculiaridades do serviço executado no órgão contratante. Isso, porque cada possível instrutor tem características próprias, incomparáveis, como experiência anterior, currículo, áreas de especialização, publicações, etc. Como admitir que o menor preço possa ser um bom critério para a escolha? 14. Nesse ponto, valemo-nos das palavras do Exmo. Ministro Carlos Átila no voto que fundamentou a proposta de decisão ora em exame: 'Excetuados os casos de cursos virtualmente padronizados, que utilizam métodos de ensino de domínio público - como o são, por exemplo, os cursos de línguas, ou os cursos de utilização de sistemas de microcomputadores - parece-me inviável pretender que se possa colocar em competição o talento e a capacidade didática de mestres em matérias de nível superior, sobretudo quando se trata de ministrar conhecimentos especializados, para complementar e aprofundar a formação de profissionais de nível universitário. São tantas as variáveis que influem na definição do perfil ideal dos professores e instrutores adequados a cada caso, que dificilmente se pode defender a tese de que haja efetiva 'viabilidade de licitação' para formalizar tais contratos.'
Desse modo, destacando, por um lado, a antieconomicidade da licitação por melhor técnica e preço, para os serviços de treinamento e aperfeiçoamento de pessoal, em vista da necessidade de se instituir, nesse tipo de licitação, procedimentos complexos de julgamento, e, por outro lado, a dificuldade em se apurar e exigir a devida qualidade dos serviços a serem prestados pela empresa vencedora, em razão da opção pelo tipo melhor preço, exclusivamente, o TCU discute a possibilidade de contratação direta dos prestadores desses serviços, a fim de se zelar pela qualidade dos mesmos, que, aliás, é o ponto nodal das pretensões do Poder Público: aprimorar, da forma mais proveitosa possível, os serviços executados por seus agentes.
Por conseguinte, questiona-se: seria mais vantajosa a contratação direta da empresa mais conceituada no mercado, para ministrar as aulas de aperfeiçoamento de pessoal, ou aquela que ofertasse o menor preço pelo serviço, mesmo se restasse ameaçada sua qualidade?
Continuando a transcrição do Acórdão:
38. No que se refere aos demais treinamentos, baseados em programas convencionais ou dirigidos a servidores não especializados, é necessária a licitação, já que inexiste singularidade no serviço ou não há necessidade de contratação de notório especialista. Ou seja, há viabilidade de competição. 39. Na contratação desses treinamentos, não menos importantes para a Administração Pública, é perfeitamente possível selecionar, no rigor de um procedimento licitatório, a proposta mais vantajosa para a Administração. Persiste, no entanto, a possibilidade de que, apesar da criteriosa definição dos requisitos para a qualificação técnica, o licitante vencedor apresente deficiências na capacidade técnica ou didática.
Compreendeu-se, assim, que, cursos padronizados, dotados de métodos de ensino de domínio público implicam, sim, na possibilidade de competição e, com isso, induzem, inarredavelmente, a instauração de um certame licitatório. De outra banda, curso específicos, ministrados, no mais das vezes, por autores e personalidades consagradas nos meios respectivos afastam essa possibilidade de competição, levando, assim, à inexigibilidade da licitação.
Melhor esclarecendo, o Ministro Relator do citado Acórdão, assentou que: “a contratação de um curso específico para servidores da área de informática, por exemplo, exige a realização de licitação, ainda que o treinamento desejado seja inteiramente adaptado às necessidades, às máquinas e aos programas utilizados pela contratante”. Ainda: “Para os cursos regularmente oferecidos por mais de uma empresa, não há que se falar em inexigibilidade, pois não há singularidade no objeto e, portanto, a competição é perfeitamente possível”.
Diferenciando as licitações que exigem notória especialização do prestador de serviço (situação que se enquadra em situação de inexigibilidade de licitação), daquelas que, embora requeiram certo grau de qualificação do mesmo, podem ter seu objeto prestado por uma variedade de empresas, havendo, portanto, competição, o TCU considera que deverá ser realizada licitação, pelo critério de menor preço, sem que, no entanto, a questão técnica seja inteiramente desconsiderada, afinal, para ser atendido o interesse público com plenitude, é imperioso que o serviço seja prestado com qualidade.
Nessa esteira, no mesmo julgado, ofertaram-se algumas opções ao administrador para que a qualidade técnica do serviço seja exigida pela Administração, mesmo quando optar pela licitação do tipo menor preço. Para tanto, leia-se:
Trata-se de uma dificuldade comum às licitações de serviços técnicos profissionais, onde se procura avaliar pessoas e não apenas produtos. 40. Uma das formas de minimizar essa dificuldade é o instituto do credenciamento, semelhante ao realizado pelo ISC. Partindo de um universo de candidates conhecidos, fica mais fácil encaminhar as licitações nas modalidades de convite ou tomada de preços. Persiste, no entanto, a possibilidade de que um licitante desconhecido tome conhecimento do instrumento convocatório e se apresente para concorrer ao objeto licitado. 41. Outro procedimento possível seria a utilização da pré-qualificação, instituída pelo art. 114 da Lei 8.666/93 e aplicável quando o objeto da licitação recomende análise mais detida da qualificação técnica dos interessados. 0 inconveniente no caso, e que essa sistemática é aplicável apenas às concorrências. O administrador que desejar utilizar a pré-qualificação precisará adotar a modalidade de concorrência ainda que o valor estimado do objeto esteja situado na faixa do convite ou da tomada de preços, o que proporcionará um processo mais moroso. 42. Acreditamos que uma das melhores maneiras de reduzir o risco de insatisfação na contratação de instrutores seja a troca de informações entre as diversas escolas de servidores públicos. Dessa forma, o mau desempenho de um profissional ou empresa contratado por um órgão da Administração seria comunicado às demais entidades.
Nessa ótica, entende-se que a opção pela modalidade licitatória ‘convite’ ou ‘tomada de preços’[1], confere certa margem de segurança para o administrador, que parte de um universo mais restrito de empresas licitantes (as cadastradas ou aquelas que, interessadas, vierem a se cadastrar) - o que representa, de certo modo, menor risco de contratar empresa desqualificada para a execução do objeto -, diferentemente do pregão, cuja ‘abertura’ para participação é mais ampla.
Destarte, mesmo diante de situações em que a licitação seja obrigatória, é relevante que, do universo de pessoas interessadas, o Poder Público garanta, independentemente do tipo de licitação escolhido (melhor preço/melhor técnica e preço) que o serviço seja prestado de forma ideal, de modo que o objetivo traçado, qual seja, a capacitação de seu pessoal, seja realizada a contento e promova o efetivo aprimoramento na qualidade das atividades dos servidores/agentes públicos.
Ainda assim, propõe-se que a Administração, dotada de seu juízo discricionário, avalie a eventual necessidade de aplicação de algum método adicional que amplie o grau de “segurança” da futura contratação. Embora se exija, em alguns casos, a apresentação de alguns documentos referentes à qualificação técnica da licitante, é cediço que a cautela deve ser a bandeira do administrador no que se refere à prática de atos que devam atender, de fato, às finalidades públicas.
BIBLIOGRAFIA
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2009.
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed., ver., amp. e atual. – Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.
FERNANDES. Jorge Ulisses Jacoby. Vade-Mécum de Licitações e Contratos. 2ª. Edição. Editora Fórum. Belo Horizonte. 2005.
FURTADO. Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 2 ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
GASPARINI. Diogenes. Direito administrativo. 12 ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.
MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª. Ed. Malheiros Editores: São Paulo, p. 442.
RIGOLIN. Ivan Barbosa. Manual Prático das Licitações. Ivan Barbosa Rigolin, Marco Tullio Bottino. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.[2]
[1] Lei nº 8.666/93:
“Art. 22. São modalidades de licitação
(...)
§ 2o Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas, observada a necessária qualificação.
§ 3o Convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas”.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público UNb/CEAD/AGU.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Fernanda Cunha. Licitação para contratação de curso de aperfeiçoamento/treinamento de pessoal no âmbito da Administração Pública: como garantir a qualidade na prestação do serviço nas hipóteses em que a competição seja viável? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2011, 06:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24852/licitacao-para-contratacao-de-curso-de-aperfeicoamento-treinamento-de-pessoal-no-ambito-da-administracao-publica-como-garantir-a-qualidade-na-prestacao-do-servico-nas-hipoteses-em-que-a-competicao-seja-viavel. Acesso em: 22 nov 2024.
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