As prerrogativas processuais conferidas à Fazenda Pública não são meros privilégios, definidos estes como vantagens sem qualquer razão de ser, destituídas de razoabilidade.
Os prazos processuais dilatados, o juízo privativo no âmbito federal, por força dos arts. 106, 108 e 109, I, da Constituição Federal, assim como a remessa ex offício e a sujeição ao regime de precatórios, eram tidas, equivocadamente, como exceção à regra de Direito Processual Civil. No entanto, esse posicionamento vem sendo questionado pela doutrina.
Para Maria Sylvia Zanella de Pietro (2001), o regime jurídico administrativo impõe à Administração prerrogativas e sujeições. Estas têm como finalidade realizar o bem comum e atingir o interesse público. As prerrogativas são fundadas no princípio da supremacia do interesse público sobre o particular e as sujeições são consubstanciadas no princípio da indisponibilidade do interesse público.
Assim, em que pese ter poderes especiais (prerrogativas), a Administração Pública sofre limitações (sujeições) inexistentes aos particulares, sendo vedado ao administrador praticar atos que impliquem renúncia a direitos da administração. Somente a lei, considerada como a vontade do povo, que é o titular da coisa pública, é que poderá determinar o que é de interesse público e dele dispor, se for o caso.
Dessa forma, a tutela do interesse público pela Administração demanda condições especiais para que a Fazenda Pública possa atuar da melhor forma possível quando está em juízo na defesa do erário e do interesse público.
Por outro lado, é evidente que a Fazenda Pública não possui a mesma situação que um particular para defender seus interesses judicialmente. Nesse sentido:
É por demais conhecida a dificuldade enfrentada pelas representantes da Fazenda Pública e do Ministério Público, para o bom desempenho de suas funções processuais. Há dificuldade na coleta de material para elaborar-se uma contestação ou um recurso, bem como, colabora para agravar ainda mais essa dificuldade, a carga de serviços a que estão afetos. Em face disto, o legislador concedeu a eles uma prerrogativa processual, levando em conta a função relevante por eles desempenhada na atividade processual. Não é, como parece a alguns, um privilégio. (NERY JÚNIOR, 2005, p. 34)
Portanto, a Fazenda Pública, além de atuar na defesa do interesse público, o que por si só já justificaria o tratamento diferenciado, como, por exemplo, um juízo privativo mais especializado e prazos processuais mais dilatados, mantém uma burocracia peculiar, dificultando, com isso, o acesso rápido aos elementos fáticos de defesa (CUNHA, 2006). Nessa senda, as vantagens conferidas pelo ordenamento jurídico devem ser consideradas como regra a ser aplicada à Fazenda Pública em razão do regime jurídico de direito público a que está sujeita, de forma que a aparente situação de desequilíbrio processual em relação ao particular, criada pela existência de tais prerrogativas, não viola o Princípio da Isonomia, eis que devidamente justificada pela supremacia do interesse público.
Sobre o tema, Leonardo José Carneiro Cunha ensina que:
As “vantagens” processuais conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contém fundamento razoável, atendendo efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual (CUNHA, 2006, p. 34).
Cumpre ressaltar ainda que, para o autor José Roberto de Moraes (2003), seguindo os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, as prerrogativas conferidas ao Poder Público devem ser analisadas sob o aspecto da razoabilidade. Assim, tais vantagens processuais devem ser razoáveis, sob pena de se transformarem em privilégios sem fundamento, sem qualquer interesse público. Aí sim, estaria violado o principio da igualdade.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu pela constitucionalidade das prerrogativas:
“Não se equipara ao particular a Fazenda Pública. A relevância do interesse público, por esta preservado, separa-a, na sua natureza, do particular.” (STF, RE 83041, Rel. Min. Cordeiro Guerra, publicado no DJU de 14.08.80).
“RECURSO. IGUALDADE PROCESSUAL. PRIVILÉGIO DA FAZENDA PÚBLICA. ART. 74 DO DL 960/38.
Não ofende o princípio da isonomia, aplicável a igualdade das partes no processo, o conferimento de tratamento especial à Fazenda Pública, o que se faz em atenção ao peso e superioridade dos seus interesses em jogo.” (STF, RE 83432, Relator Min. Leitão de Abreu, publicado no DJU de 06.06.80).
Conclui-se, portanto, que o tratamento diferenciado conferido à Fazenda Pública não afronta o princípio da isonomia. Pelo contrário, tais vantagens processuais atendem ao referido principio, desde que sejam proporcionais, que haja razoabilidade, promovendo-se, assim, o equilíbrio processual. Assim, não há dúvidas de que a Fazenda Pública necessita de prerrogativas com o objetivo de garantir a paridade de armas no processo, razão pelo qual a sua manutenção na atuação perante o Poder Judiciário é medida que se impõe para atingir o interesse público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
NERY JÚNIOR, Nelson. O Benefício de Dilatação do Prazo para o Ministério Público no Direito Processual Civil. Revista de Processo, n. 30, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 109-156, abr./jun.1983.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 4ª ed. São Paulo: Dialética, 2006. p. 34.
MORAES, José Roberto. Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública., In Direito Processual Público - A Fazenda Púbica em Juízo, coordenado por Carlos Ari Sundfeld e Cássio Scarpinella Bueno. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 67.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 83041, Rel. Min. Cordeiro Guerra, publicado no DJU de 14.08.80.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 83432, Relator Min. Leitão de Abreu, publicado no DJU de 06.06.80.
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